Processo:

CON-10/00095069

Unidade Gestora:

Prefeitura Municipal de Princesa

Interessado:

Edgar Eloi Lamberty

Assunto:

Indagações acerca da legalidade de aquisição e pagamento de ônibus escolar, através do programa "Caminhos da Escola" do Governo Federal/FNDE.

Relatório e Voto:

702/2010

 

                                                                                                                               

Consulta. Município. Sistema de Registro de Preços. Adesão. Prejulgado. Decreto Federal 3.931/2001.

1. Decreto Federal. Regulamentação de dispositivo da Lei de Licitações. Adesão. Doutrina. Tribunais de Contas.

A divergência doutrinária acerca da possibilidade de adesão ("carona") à Ata de Registro de Preços decorrente de licitação promovida por outro órgão ou órgãos de diferentes esferas de Governo, por se tratar de previsão em Decreto Regulamentador e não em lei formal, tem sua repercussão atenuada no âmbito dos Tribunais de Contas, que a admitem, mediante critérios.

 

2. Programa Federal. Área da Educação. Licitação. Órgão da União. Adesão à Ata de Registro de Preços.

É admissível a adesão de Município à Ata de Registro de Preços decorrente de licitação promovida por Órgão Federal quando se trata da aquisição de bens vinculados a Programa Federal de abrangência nacional, de inegável interesse público, na área de educação.

 

3. Tribunal de Contas do Estado. Prejulgado 1895. Vedação à adesão a Sistema de Registro de Preços de outros Órgãos. Reforma parcial.

Deve ser reformado parcialmente Prejulgado do Tribunal de Contas, quanto à vedação da adesão ("carona") dos órgãos jurisdicionados às atas de registro de preços de outros órgãos da mesma ou de outras esferas de Governo, quando verificado que o assunto comporta entendimento mais flexível, à vista de comprovado interesse público, nas áreas da assistência social, saúde e educação.

 

 

1. INTRODUÇÃO

Tratam os autos de consulta protocolada neste Tribunal em 30/11/2009 pelo Prefeito Municipal de Princesa, Sr. Edgar Eloi Lamberty, através da qual expõe que “circulam algumas informações extra-oficiais que os municípios que adquiriram veículos ônibus por meio deste programa [‘Caminhos da Escola’] seriam penalizados”.

Em vista disso, o Consulente indaga:

 

a)      Se este Tribunal “já possui algum julgado ou prejulgado e/ou parecer a respeito de aquisição de ônibus” através do Programa “Caminhos da Escola”;

b)      Se a aquisição de ônibus por intermédio do Programa é “ilegal”?

 

A inicial vem ilustrada com cópia do Edital de Pregão Eletrônico n. 01/2009 – Registro de Preço, do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que tem por objeto a aquisição de quatro modelos de ônibus, com quantidade estimada total de 4.440 unidades, com as especificações a serem satisfeitas pelas licitantes, para atender o Programa “Caminhos da Escola” do Ministério da Educação (fls. 03/56).

 

 

Consultoria Geral

De acordo com as atribuições regulamentares (art. 105, Regimental), os autos foram apreciados pelo Órgão Consultivo deste Tribunal, resultando o Parecer n. 110/2010 (fls. 57/86), que, depois da análise de admissibilidade (fls. 58), discorre acerca do mérito, posicionando-se, conclusivamente, pelo conhecimento da consulta e resposta que indica, além de propor a alteração da redação do item 2 do Prejulgado 1895 deste Tribunal.

 

Ministério Público junto ao Tribunal de Contas

Pelo Ministério Público Especial manifestou-se a Dra. Procuradora Cibelly Farias (Parecer n. 1703/2010, fls. 87/88), que adota a resposta de mérito da COG, além de, “se for o caso, mediante o quorum legal, converter-se em Prejulgado”.

 

2. DISCUSSÃO

De início, manifesto-me acerca das preliminares de admissibilidade da Consulta, confirmando o atendimento dos pressupostos quanto à legitimidade do Consulente; a matéria consultada ser de competência deste Tribunal; haver indicação de dúvida; e demandar interpretação de norma legal, em conformidade, portanto, com os incisos I a IV do art. 106, do Regimento Interno (Resolução n. TC-06/2001).

Ressalvo a ausência de parecer da assessoria jurídica da Unidade Gestora (inc. V, do art. 106 do RI), a qual proponho seja relevada, ratificando o conhecimento da consulta nos termos do Órgão de Instrução e do Ministério Público Especial.

 

 

Mérito

Devo registrar que a Consultoria Geral desta Corte de Contas apresenta profundo estudo sobre a matéria objeto da consulta, para tanto, discorrendo sobre:

 

a)   O Sistema de Registro de Preços (SRP), preconizado pelo art. 15, §§ 1º ao 6º, da Lei Federal n. 8.666, de 1993;

b)   A regulamentação do dispositivo, através do Decreto Federal n. 3.931, de 2001 (que revoga o Decreto n. 2.743, de 1998);

c)   Os conceitos doutrinários relativos ao registro de preços, citando Diógenes Gasparini e Marçal Justen Filho (fls. 60/61);

d)   Os procedimentos que cercam o processamento do registro de preços, segundo entendimento de Joel de Menezes Niebuhr (fls. 62);

e)   As vantagens do Sistema SRP para a Administração, entre elas: a redução de licitações; o conhecimento atualizado do objeto e o mercado; aquisição do objeto conforme a necessidade, com redução de estoque; impede o fracionamento de despesas; redução do tempo de aquisição do objeto; e maior transparência nas aquisições (fls. 62).

 

Neste passo, necessário destacar que o Decreto Regulamentador Federal n. 3.931, de 2001, com a redação alterada pelo Decreto n. 4.342, de 2002, ora em evidência, contempla conceitos a respeito do assunto, a saber:

 

Art. 1º  ................

Parágrafo único. Para os efeitos deste Decreto, são adotadas as seguintes definições:

I – Sistema de Registro de Preços-SRP – conjunto de procedimentos para registro formal de preços relativos à prestação de serviços e aquisição de bens, para contratações futuras;

II – Ata e Registro de Preços – documento vinculativo, obrigacional, com característica de compromisso para futura contratação, onde se registram os preços, fornecedores, órgãos participantes e condições a serem praticadas, conforme as disposições contidas no instrumento convocatório e propostas apresentadas;

III – Órgão Gerenciador – órgão ou entidade da Administração Pública responsável pela condução do conjunto de procedimentos do certame para registro de preços e gerenciamento da Ata de Registro de Preços dele decorrente; e

IV – Órgão Participante - órgão ou entidade que participa dos procedimentos iniciais do SRP e integra a Ata de Registro de Preços. (Nosso grifo)

 

Apesar disso, acentua a COG que o Sistema de Registro de Preços é fator de divergências doutrinárias e jurisprudenciais, em especial, quanto à viabilidade de “adesão à ata de registro de preços por órgãos não participantes do processo licitatório”, nos moldes definidos pelo Decreto Federal n. 3.931, de 2001.

 

Dita adesão recebeu o apelido de “carona”, que é examinada pelo Órgão Consultivo consoante os comentários de Marçal Justen Filho, acentuando a COG que “renomados doutrinadores” reputam o ato como inconstitucional.

Dentre os que admitem a “carona” em atas de registro de preços oriundas de licitações promovidas por outras entidades, a COG aponta Jorge Ulisses Jacoby Fernandes (fls. 64/65); dentre os que se manifestam contrários à possibilidade da “carona”, cita Marçal Justen Filho, Diógenes Gasparini (falecido), Joel de Menezes Niebuhr, Lucas Rocha Furtado e Toshio Mukai (fls. 63/71).

 

Regra geral, a oposição decorre dos abusos verificados, quando não é imposta limitação para o volume de contratação do objeto licitado; a inobservância dos princípios da Administração e das licitações (da legalidade, da vinculação ao edital, da isonomia etc); favorecimentos a fornecedores; e assim por diante (fls. 65/68).

Ademais disso, a discussão acentua-se à medida que são confrontadas as disposições da Lei 8.666, de 1993 - que não prevê hipótese de adesão de outros entes da Administração à ata de registro de preços de determinado órgão, ou seja, a adesão ou “carona” -, com as normas do Decreto Federal regulamentador n. 3.931, de 2001, que introduziu a figura contestada.

 

A criação de direito por meio de Decreto Governamental é refutada, em face ao princípio da reserva legal. A esse respeito a COG transcreve trechos da obra de Joel de Menezes Niebuhr (fls. 68/70). No mesmo sentido, a Profª. Valéria Cordeiro (fls. 70/71). 

 

Ainda sobre a adesão (“carona”) no Sistema de Registro de Preços-SRP, descobre-se o enfrentamento da matéria no âmbito de:

 

·         Tribunal de Contas da União (TCU)

 

A COG cita o Acórdão n. 1487/2007 da Corte de Contas da União, que, apesar de não se posicionar claramente sobre a possibilidade ou não da “carona” no Sistema de Registro de Preços, sustenta que a matéria deve ser normatizada de forma a impedir a adesão à Ata de Registro de Preços quando a licitação apresentar falhas/irregularidades. (Nos mesmos moldes a orientação expedida por meio do Acórdão n. 2404-14/09-2, Sessão de 12/05/2009, Ministro Relator José Jorge).

O Parecer técnico é ilustrado com transcrição de parte do Voto do eminente Ministro Relator Valmir Campelo, atinente ao Acórdão n. 1487/2007 (fls. 72/75).

 

A propósito da referida Decisão, oportuno destacar que o TCU também contesta a norma do § 3º do art. 3º do Decreto Federal n. 3.931, de 2001, no entanto, por ela admitir que cada órgão que fizer adesão à Ata de Registro de Preços poderá contratar até 100% dos quantitativos registrados, desprezando os princípios da competição e da igualdade de condições entre os licitantes, pois resulta num montante expressivamente superior ao inicialmente previsto.

 

A abordagem do Tribunal de Contas da União acerca da adesão à Ata de Registro de Preços recomenda cautela quanto ao preço, à existência de interesse público, entre outros, a exemplo das deliberações que ora aponto:

 

- Acórdão 0668-18-5, Plenário, Sessão de 25/05/2005, Ministro Relator Augusto Sherman Cavalcanti; e

- Acórdão 1219-15/08-2, Sessão de 13/05/2008, Ministro Relator Raimundo Carreiro.

 

Corroborando sua posição, destaco que a Corte de Contas da União, em suas atividades administrativas, tem feito adesão a Atas de Registros de Preços derivadas de licitações promovidas por outros Órgãos Federais. Exemplifico:

 

·         Contrato n. 7/2009. Contratado: Lenovo Tecnologia Ltda. Aquisição de computadores ultraportáteis do tipo notebook. Valor de R$ 142.758,00.

     Adesão à Ata de Registro de Preços da AGU n. 65/2008, resultante do Pregão Eletrônico n. 76/2008.

·         Contrato n. 41/2009. Contratado: Northware. Aquisição de 4 scanners de mesa coloridos 70 ppm – Marca Fujitsu-Modelo FI—6670, com prestação de assistência técnica. Valor de R$ 80.020,00.

     Adesão à Ata de Registro de Preços n. 03/2009, da AGU, resultante do Pregão Eletrônico n. 59/2008.

 

·         Contrato n. 21/2009. Contratado: OfficeBrasil Projetos. Aquisição de materiais permanentes (mobiliário). Valor de R$ 206.382,35.

     Adesão à Ata de Registro de Preços da GICEX (Centro de Imagens e Informações Geográficas do Exército), resultante do Pregão Eletrônico n. 16/2008.

 

Aliás, na obra “Licitações & Contratos – Orientações Básicas”, 3ª edição, Brasília, 2006, o Tribunal de Contas da União, ao tratar do Registro de Preços expõe, textualmente:

 

“... Após a realização da licitação, os preços e as condições de contratação ficam registrados na Ata de Registro de Preços. O preço registrado na Ata e a indicação dos respectivos fornecedores serão divulgados em órgão oficial da Administração e ficarão disponíveis para os órgãos e entidades participantes do registro de preços ou a qualquer outro órgão ou entidade da Administração, ainda que não tenha participado do certame licitatório”. (Op. cit., pp. 100/101). Grifei.

 

·         Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais

 

No site da Rede Internet do TC-MG é possível acessar publicação de 29/03/2010, denominada “Aviso de Intenção – Adesão à Ata de Registros de Preços n. 008/2009 do PRODERJ, em que a citada Corte de Contas manifesta seu “interesse em aderir à Ata de Registro de Preços para contratação de produtos ORACLE, decorrente do Procedimento Licitatório – Pregão Eletrônico n. 008/2009, Processo n. E-12/6612318/2008, do Centro de Tecnologia da Informação e Comunicação do Estado do Rio de Janeiro-PRODERJ, para adquirir 1 (um) Business Process Management – Processador (...)”, da Empresa Ação Informática, no valor de R$ 323.582,40.

 

A publicação indica que a Corte de Contas do Estado de Minas Gerais não só é favorável à hipótese de adesão à Ata de Registro de Preços de outros órgãos públicos, como, concretamente, é usuária do Sistema de Registro de Preços (SRP), no caso concreto, de órgão do Estado do Rio de Janeiro.

 

·         Tribunal de Contas do Distrito Federal

 

A Consultoria Geral, em sua apreciação, assinala que através da Decisão n. 1806/2006, que atende consulta efetivada pela Secretaria da Fazenda do Distrito Federal, a referida Corte de Contas posiciona-se pela “possibilidade de os órgãos e entidades do complexo administrativo do Distrito Federal utilizar-se da Ata de Registro de Preços de outro ente federativo, atendidos os requisitos que a norma de regência estipula para tal hipótese”, considerando que o Distrito Federal conta com o Decreto local n. 22.950, de 2002, que adota as normas do Decreto Federal n. 3.931, de 2001 (fls. 75/76).

 

·         Tribunal de Contas do Estado do Mato Grosso

 

O Órgão de Instrução também menciona deliberação da Corte de Contas do Mato Grosso, que, por meio do Acórdão n. 475/2006, entende que a regulamentação estabelecida pelo Decreto Federal permite a adesão à Ata de Registro de Preços por órgão que não tenha participado do procedimento licitatório, desde que haja comprovada vantagem para a Administração.

Todavia, houve por bem o Tribunal de Contas em referência, definir que a “quantidade máxima a ser adquirida através de uma licitação realizada pelo sistema de registro de preços, não pode ultrapassar àquela que represente acréscimo de 25% do valor licitado atualizado” (fls. 76).

 

·         A viabilidade de adesão, dos Municípios e dos Estados-membros, à Ata de Registro de Preços de órgão da União 

 

Aduz a COG que esta questão também não é pacífica. Doutrinariamente, segundo transcrição que faz, Jorge Ulisses Jacoby Fernandes salienta que a norma do art. 8º do Decreto Federal n. 3.931, de 2001, não é precisa. Contudo, o Autor entende ser possível essa adesão (fls. 77).

 

A seu turno, o Catarinense Joel de Menezes Niebuhr, a despeito de sua posição contrária à hipótese de “carona” na Ata de Registro de Preços, propõe que as unidades contem com instrumento normativo acerca da matéria, para resguardar os atos e os operadores do Sistema. Sustenta que se a figura do “carona” tivesse amparo legal, não haveria obstáculos para o seu uso entre órgãos das diferentes esferas de governo (fls. 78).

 

Diógenes Gasparini limita a possibilidade de adesão à Ata de Registro de Preços aos órgãos no âmbito da esfera Federal, à vista do uso do vocábulo Administração contido no dispositivo do Decreto 3.931 (e não Administração Pública). Fls. 78.

Marçal Justen Filho, na esteira do entendimento de Diógenes Gasparini, sustém que a norma regulamentar tem efeitos na esfera Federal e que as demais esferas de Governo devem editar regulamentação própria, nem que seja para adotar o teor do Decreto Federal (fls. 78/79).

 

Arremata a COG, que, apesar das divergências que o assunto revela, em última análise, com as devidas cautelas, é admitida a adesão à Ata de Registro de Preços entre órgãos das diversas esferas de Governo (fls. 79).  

·         O Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina

 

A Consultoria Geral aponta que o entendimento desta Corte de Contas deu-se nos termos do Prejulgado 1895, que dispõe:

 

1. O Sistema de Registro de Preços, previsto no art. 15 da Lei (federal) n. 8.666/93, é uma ferramenta gerencial que permite ao Administrador Público adquirir de acordo com as necessidades do órgão ou da entidade licitante, mas os decretos e as resoluções regulamentadoras não podem dispor além da Lei das Licitações ou contrariar os princípios constitucionais.

2. Por se considerar que o sistema de "carona", instituído no art. 8º do Decreto (federal) n. 3.931/2001, fere o princípio da legalidade, não devem os jurisdicionados deste Tribunal utilizar as atas de registro de preços de órgãos ou entidades da esfera municipal, estadual ou federal para contratar com particulares, ou permitir a utilização de suas atas por outros órgãos ou entidades de qualquer esfera, excetuada a situação contemplada na Lei (federal) n. 10.191/2001.[1]

 

Ou seja, esta Corte de Contas não admite a adoção do Sistema, com a ressalva especificada.

 

·         Executivo Estadual de Santa Catarina

 

Nesta direção, salienta o Órgão Consultivo que o art. 103 do Decreto Estadual n. 2.617, de 16/09/2009, que aprova o “Regulamento Geral para Contratação de Materiais, Serviços, Obras e Serviços de Engenharia” na Administração Estadual (Administração Direta, Fundos, Fundações, Autarquias e entidades dependentes), veda a hipótese de “carona” (fls. 71/72).

 

Observo que o Capítulo VII do Regulamento Geral em pauta discorre a respeito do Sistema de Registro de Preços (art. 82 e segts.), e que o art. 85 contempla conceitos próprios do Sistema SRP, entre eles:

........

X – Termo de Adesão: instrumento pelo qual a autoridade competente do órgão ou entidade se compromete a participar da licitação para registro de preços, em concordância com as condições estabelecidas pela Unidade Gerenciadora, e por meio do qual informa as quantidades estimadas para seu consumo;

XI – Unidade Gerenciadora: Órgão ou Entidade da Administração Estadual responsável pela condução do conjunto de procedimentos do certame para registro de preços e gerenciamento da ata de registro de preços dele decorrente; e

XII – Unidade Participante: Órgão ou Entidade da Administração Estadual que tenha manifestado interesse em participar de Sistema de Registro de Preços específico e que tenha encaminhado à Unidade Gerenciadora as estimativas de consumo antes da realização da licitação.

 

Confrontados com a definição atribuída aos componentes do Sistema não se poderia esperar conteúdo diferente daquele expresso no art. 103 do Regulamento, qual seja: 

 

Art. 103. É vedada a utilização da Ata de Registro de Preços por órgãos e entidades que não tenham participado do certame licitatório na condição de Unidades Participantes.

 

Em outras palavras, o Executivo Estadual restringe a possibilidade de contratação dos bens licitados, constantes de Ata de Registro de Preços, às Unidades Participantes que, previamente, habilitaram-se junto à Unidade Gerenciadora, na forma do art. 89 do Regulamento, obstando, destarte, a participação de órgãos estranhos ao processo.

 

 

·         Programas federais – adesão dos Municípios Catarinenses à Ata de Registro de Preços de órgão da União

 

Por fim, a COG faz a análise objetiva da Consulta, que busca resposta para a indagação:

 

É legalmente viável adquirir ônibus através do Programa Federal “Caminhos da Escola”, mediante adesão à Ata de Registro de Preços decorrente de licitação efetivada por órgão federal?

 

Em primeiro plano, o Órgão Instrutivo deste Tribunal informa que na atualidade apenas uma Lei Federal, a de n. 10.191, de 2001, prevê o uso recíproco dos Sistemas de Registro de Preços entre os órgãos do Ministério da Saúde e entre esferas de Governo (Municípios, Estados-membros, DF e União), uma vez prevista a hipótese no edital, ou seja: circunscrito à implementação de ações de saúde.

Sustenta a COG, que, em razão de o Programa Federal “Caminhos da Escola” estar baseado em Decreto Federal (e não em Lei), em princípio, haveria óbice para a adesão dos Municípios, tal como dispõe o Prejulgado 1815 deste Tribunal, o qual, assevera, “numa visão geral, não merece reparos” (fls. 80/81).

 

Todavia, como se trata de um projeto de importância, diante dos objetivos: renovação da frota; propósito específico de atendimento dos alunos da zona rural; padronização dos veículos para os fins a que se destinam; números e valores envolvidos segundo relato de fls. 81/83; mostrando ampla repercussão social, além de economia de recursos para a Administração Municipal que adere ao Programa.

Conclui o Órgão Consultivo, que em face aos benefícios advindos da adesão a Programa Federal de alcance nacional, como na situação concreta “... pode ser considerada uma situação excepcional, de forma a não ensejar a ilegalidade da aderência, pelos órgãos federados, à ata de registro de preço devidamente licitada, desde que prevista esta possibilidade no edital de licitação” (fls. 84).

 

A propósito disso, a COG propõe a modificação da redação do item 2 do Prejulgado 1895, para expandir a exceção, até então restrita à situação prevista na Lei Federal n. 10.191, de 2001.

 

Pondera este Relator que a matéria consultada atrela-se à implementação de programa federal em proveito dos Municípios Brasileiros, relacionado à educação, que tem foro constitucional (arts. 205 a 214), observada a alteração promovida, entre outras, pela Emenda Constitucional n. 53, de 2006.

 

A educação submete-se, também, ao regramento da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei Federal n. 9.394, de 1996, e alterações posteriores), concentrando-se, sem embargos, na esfera Federal a concepção, desenvolvimento e execução de planos e programas, inclusive com linhas de financiamento, de abrangência nacional, como é o caso do Programa “Caminhos da Escola”.

Existe farta legislação sobre o tema - Educação, a começar pela criação do Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação-FNDE ( Lei 5.537, de 1968, e alterações posteriores), com o objetivo de prestar assistência técnica e financeira a Estados e Municípios.

 

Pode-se dizer que o Programa “Caminhos da Escola” é suplementar ao “Programa Nacional de Apoio ao Transporte do Escolar – PNATE”, este, instituído pela Lei Federal n. 10.880, de 2004, com as alterações da Lei n. 11.947, de 2009.

 

Como manifesto pela COG, o Programa é disciplinado através do Decreto Federal n. 6.768, de 2009, cuja adoção sujeita-se às disposições da Resolução/CD/FNDE n. 2, de 05/03/2009.

Porém, surgiu em 2007, segundo a Resolução n. 3, de 28/03/2007, visando a concessão de linha de crédito especial pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), para facilitar a aquisição de ônibus novos por estados e municípios, para assegurar o acesso dos alunos aos estabelecimentos de ensino.

 

O Programa sob apreciação é direcionado, com primazia, para suprir a demanda de transporte escolar na zona rural, observados os pressupostos:

 

a)    A aquisição dos veículos pode ser efetivada mediante:

- recursos orçamentários do Ministério da Educação (Convênio);

- recursos próprios do ente federativo (adesão do município ou estado);

- linha de crédito a ser concedida pelo BNDES, através de adesão (art. 3º do Decreto n. 6.768, de 2009).

 

b)  Podem ser adquiridos ônibus com 23, 44 até 54 passageiros, segundo a faixa etária dos alunos, consideradas as especificações do INMETRO e FNDE;

 

c)  Quando os recursos provêm de Convênio com o MEC é exigida a adesão dos entes ao Programa (FNDE); no caso de recursos próprios ou obtidos através de linha de crédito do BNDES, ocorre a adesão à Ata de Registro de Preços, tudo de acordo com a demanda (nº de ônibus a serem adquiridos) e a disponibilidade financeira;

 

d)  O FNDE é responsável pela realização de Pregão Eletrônico, que dar origem à Ata de Registro de Preços, determinando o objeto, isto é, modelos e todas as características técnicas e de segurança; itens e quantidades máximas previamente definidas; e preço máximo, para tanto, valendo-se da colaboração de outros órgãos federais (tais como, INEP e INMETRO);

 

e)  O Programa persegue a renovação da frota de transporte escolar; a padronização dos modelos dos veículos; a segurança e qualidade dos ônibus, com a finalidade de assegurar o acesso e a permanência dos estudantes nas escolas.

 

Além dos dados estatísticos já apresentados pela COG em seu Parecer, é possível acessar na página da Rede Internet do Ministério da Educação/FNDE, dados acerca da execução do Programa, destacando-se quanto ao Estado de Santa Catarina:

 

Forma de aquisição ônibus

 

2008

2009

Valor R$

Valor R$

Convênio (MEC)

 

36

5.064.900,00

48

7.973.200,00

Recursos Próprios

 

32

5.024.850,00

54

9.619.650,00

Financiamentos

 

134

18.973.050,00

13

2.204.600,00

Totais

202

29.062.800,00

115

19.797.450,00

 

Como se observa, em dois exercícios, pouco mais de 300 ônibus foram adquiridos por entes do Estado de Santa Catarina, incorporando-se à frota usada para fins de transporte escolar.

 

Sem dúvida o volume de aquisições, segundo modelos padronizados, com detalhamento que favorece os usuários e a Administração, permitem a negociação financeira, com ganhos econômicos de escala, em favor dos cofres públicos municipais.  

 

Entendo que programas federais como o analisado nestes autos, com alcance sobre o território nacional, que demonstram que são voltados ao atendimento das necessidades da população e da Administração, em matéria de relevante interesse como o é a educação, devem ser apoiados.

Ainda que a participação dos entes for condicionada à adesão ao Programa e/ou ao Sistema de Registro de Preços conduzido por Órgão Governamental Federal, que tem como atribuição desenvolver e executar planos e projetos de incontestável interesse público, parece-me que tal adesão não deve ser obstruída por divergências essencialmente doutrinárias, como visto neste processo.

 

Notável que o Tribunal de Contas da União, entre outras Cortes de Contas relacionadas, não oferece maiores restrições à possibilidade de adesão a Atas de Registro de Preços entre os órgãos e esferas de Governo, sempre que o interesse público estiver encimado.

 

Isto posto, acolho o parecer conclusivo da COG, com adaptação do texto como consta da

 

 

PROPOSTA DE DECISÃO

 

Em conformidade com o exposto, VOTO por submeter à deliberação do Plenário, a seguinte PROPOSTA DE DECISÃO:

2.1. Conhecer da presente Consulta formulada pelo Sr. Edgar Eloi Lamberty, Prefeito Municipal de Princesa-SC, que indaga a este Tribunal acerca da viabilidade legal de adquirir e fazer o pagamento das despesas com a aquisição de ônibus para transporte escolar, mediante adesão à Ata de Registro de Preços de órgão Federal (FNDE), relativo ao Programa “Caminhos da Escola”, por preencher os requisitos e formalidades previstos nos arts. 103 e 104 do Regimento Interno (Resolução nº TC-06/2001) deste Tribunal de Contas.

2.2. No mérito, responder à Consulta nos seguintes termos:

2.2.1. Sempre que a aquisição de bens é vinculada a Programa de Governo com abrangência nacional, a exemplo do Programa “Caminhos da Escola” pertinente ao sistema de educação, de comprovado interesse público, é admissível a adesão à Ata de Registro de Preços derivada da execução de licitação promovida por órgão de outra esfera de Governo, responsável pelo Programa.

2.2.2. Reformar o item 2 do Prejulgado 1895 deste Tribunal, com fundamento no art. 156 do Regimento Interno (Resolução n. TC-06/2001), que passa a vigorar com a seguinte redação:

 Prejulgado 1895

1-  .........................................................................................................

2 - Regra geral o sistema de adesão (“carona”) à ata de registro de preços, instituído pelo Decreto Federal n. 3.931, de 2001, que regulamenta o art. 15 da Lei Federal n. 8.666, de 1993, conflita com o princípio da legalidade, não devendo ser utilizado pelos jurisdicionados deste Tribunal com relação a outros órgãos de qualquer das esferas de Governo, nem permitir a utilização das suas atas por outros órgãos de qualquer esfera de Governo, ressalvado quando vinculado a Programa do Governo Federal, de abrangência nacional, de comprovado interesse público, nas áreas de assistência social, educação e saúde pública, a exemplo da Lei Federal n. 10.191, de 2001 (aquisição de bens relativos às ações de saúde), e do Decreto Federal n. 6.768, de 2009 (que dispõe sobre o Programa “Caminhos da Escola”), desde que o ato convocatório da licitação contenha expressa previsão sobre a hipótese de adesão à Ata de Registro de Preços.

2.3. Dar ciência da decisão, do relatório e voto e relatório técnico -Parecer n. 110/2010 da COG, ao Sr. Edgar Eloi Lamberty, Prefeito Municipal de Princesa.

 Florianópolis, em 12 de julho de 2010.


Herneus De Nadal

Relator



[1] Processo CON-07/00001662. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Decisão n. 2392/2007, Sessão Ordinária de 06/08/2007. Conselheiro Relator Wilson Rogério Wan-Dall.