PROCESSO Nº |
REP – 10/00139961 |
UNIDADE GESTORA |
Prefeitura Municipal de Cunha Porã |
INTERESSADOS |
Aline Dalle Laste – Promotora de Justiça |
RESPONSÁVEIS |
Euri
Ernani Jung – Ex-Prefeito de Cunha Porã (01/01/2009 a 02/11/2009) Adiles Maria Rampi Bregalda – Ex-Prefeita de Cunha Porã (03/11/2009 a 31/12/2009) |
ESPÉCIE |
Representação |
REPRESENTAÇÃO. CONTADOR.
LICITAÇÂO. IRREGULARIDADE.
É irregular a contratação de contador mediante processo licitatório, em vista de a atividade ser de caráter permanente e contínuo, exigindo, pois, a criação nos quadros do Município do cargo de provimento efetivo de Contador.
I – RELATÓRIO
Trata-se de Representação encaminhada a esta Casa pela Sra. Aline Dalle Laste, nos termos do art. 66 da Lei Complementar Estadual nº 202/2000 (Lei Orgânica do TCE/SC) e arts. 100 e 101, I, da Resolução nº TC/06-2001 (Regimento Interno do TCE/SC), versando sobre possíveis irregularidades na contratação da Sra. Cléria Eliandra Honaiser, para o exercício da função de contadora, mediante processo licitatório, em afronta ao art. 37, II, da CRFB/88.
Em despacho (fls. 142/143), conheci da Representação e determinei a audiência dos responsáveis, Sr. Euri Ernani Jung – Prefeito Municipal de Cunha Porã de 01/01/2009 a 02/11/2009 – e Sra. Adiles Maria Rampi Bregalda – Prefeita Municipal interina de Cunha Porã de 03/11/2009 a 31/12/2009.
Os Responsáveis apresentaram as defesas escritas de fls. 152/156 e 167/175, bem como os documentos de fls. 157/163 e 176/188.
Os autos seguiram para a Diretoria de Diretoria de Controle de Atos de Pessoal - DAP, que, por meio do Relatório nº 6630/2010 (fls. 190/205), manifestou-se pela aplicação de multa ao Sr. Euri Ernani Jung, em razão da irregularidade constatada na contratação de contador para o Município. Com relação à Sra. Adiles Maria Rampi Bregalda, entendeu inexistir irregularidade, face à sua permanência interina no cargo de Prefeita Municipal (em razão da cassação do Sr. Euri Ernani Jung, assumiu por menos 60 dias, até a posse do novo Prefeito).
O Ministério Público Especial, através do Parecer nº 7714/2010 (fls. 207/211), manifestou-se no mesmo sentido, entendendo pela aplicação de multa ao Sr. Euri Ernani Jung e excluindo a responsabilidade da Sra. Adiles Maria Rampi Bregalda.
É o relatório.
II – FUNDAMENTAÇÃO
Trata-se de Representação encaminhada a esta Casa pela Sra. Aline Dalle Laste, nos termos do art. 66 da Lei Complementar Estadual nº 202/2000 (Lei Orgânica do TCE/SC) e arts. 100 e 101, I, da Resolução nº TC/06-2001 (Regimento Interno do TCE/SC), versando sobre possíveis irregularidades na contratação da Sra. Cléria Eliandra Honaiser, para o exercício da função de contadora, mediante processo licitatório, em afronta ao art. 37, II, da CRFB/88.
Relata a Representante que a Sra. Cléria Eliandra Honaiser foi contratada pela municipalidade para prestação de serviço de contabilidade, com carga horária de 30 horas semanais, pelo período de 10 (dez) meses. Ressaltando que a prestação de serviços de contabilidade tem caráter continuado e permanente, insurgiu-se a Representante contra a ausência, no quadro de servidores do Município, do cargo de contador.
Como bem apontado pela Representante e, posteriormente, pela Área Técnica desta Corte, a função de contador é fundamental importância para o Município, de modo que deve ser exercida por servidor investido em cargo de provimento efetivo.
Trata-se de matéria já várias vezes debatida nesta Corte. Nesse sentido, o Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina exarou os Prejulgados nº 996 e nº 1277 (redação final dada pela Decisão nº 3000/2009, proferida no Processo nº CON-08/00526490):
Prejulgado nº 996
1. Em face do caráter de atividade administrativa permanente e contínua, o serviço de
contabilidade deve ser cometido à responsabilidade de profissional habilitado e
em situação de regularidade perante o Conselho Regional de Contabilidade, integrante do quadro de cargos efetivos do
ente público, com provimento mediante concurso público (art. 37 da
Constituição Federal).
2. Na inexistência de cargo efetivo de contador, excepcionalmente, até a
criação e o provimento do cargo, é admissível a contratação de profissional em
caráter temporário. (grifo nosso)
Prejulgado
nº 1277
1. Em face do caráter
contínuo de sua função, o cargo de contador deve estar previsto nos quadros
de servidores efetivos da Prefeitura
Municipal e da Câmara de Vereadores, quando esta administrar seus próprios
recursos, pois a atividade não se coaduna com cargos de livre nomeação e
exoneração.
2. O provimento do cargo de contador
requer obrigatoriamente prévia aprovação em concurso público, conforme
determina o art. 37, II, da Constituição Federal.
3. A prática de registros contábeis e demais atos afetos à contabilidade são
atribuições que devem ser acometidas a contabilista habilitado e registrado no
Conselho Regional de Contabilidade, sob pena de infração à norma regulamentar
do exercício profissional.
Excepcionalmente, caso não exista o
cargo de contador nos quadros de servidores efetivos da Prefeitura Municipal
ou da Câmara de Vereadores, ou houver vacância ou afastamento temporário do
contador ocupante de cargo efetivo, as seguintes medidas podem ser tomadas, desde que devidamente justificadas e em
caráter temporário, até que se concluam, em ato contínuo, os procedimentos de
criação e provimento do cargo de contador da unidade:
a) Contratação temporária de contador habilitado e inscrito no CRC, desde que
justificada a necessidade temporária de excepcional interesse público, conforme
preceitua o art. 37, IX, da Constituição Federal.
b) Realização de licitação para a contratação de pessoa física para prestar
serviço de contabilidade, conforme as diretrizes estabelecidas na Lei Federal
nº 8.666/93.
c) Atribuir a responsabilidade pelos serviços contábeis a servidor efetivo do
quadro de pessoal do Poder Executivo, Legislativo ou na administração indireta,
com formação superior em Contabilidade, devidamente inscrito no Conselho
Regional de Contabilidade e regular em suas obrigações - que não o Contador
desses órgãos - sendo vedada a acumulação remunerada, permitido, no entanto, o
pagamento de gratificação atribuída por lei municipal e de responsabilidade do
órgão que utilizar os serviços do servidor.
4. Em qualquer das hipóteses citadas no itens 1, 2 e 3, acima, a contratação
deverá ser por tempo determinado, com prazo de duração previamente fixado, para
atender a uma necessidade premente; sendo que em ato contínuo deve ser criado e provido por via do concurso público o
cargo efetivo de Contador da Prefeitura e da Câmara Municipal, ou ainda até
que se regularize eventual vacância ou afastamento temporário de contador já
efetivado.
5. O Contador da Prefeitura não pode responsabilizar-se pela contabilidade da
Câmara, em face da vedação de acumulação de cargos (art. 37, XVI e XVII, da
Constituição Federal) e independência de Poderes.
6. É vedada a contratação de escritórios de contabilidade, pessoa jurídica,
para a realização dos serviços contábeis da Prefeitura ou da Câmara Municipal,
ante o caráter personalíssimo dos atos de contabilidade pública. (grifo nosso)
O entendimento exposto nos Prejulgados citados acima denota a preocupação do Tribunal de Contas com a má gestão da máquina pública, especialmente no que toca às regras e princípios ínsitos à realização da atividade administrativa, consagrados a partir do art. 37 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em especial a regra de provimento por concurso público (art. 37, II) e os princípios da Legalidade, Moralidade, Impessoalidade e Eficiência (art. 37, caput).
Assim, assentada a premissa de que a função de contador, em virtude da sua importância à Municipalidade e da sua natureza permanente, deve ser preenchida por cargo de provimento efetivo, cuido da análise do caso concreto.
Conforme farta documentação acostada aos autos, infere-se que o Município de Cunha Porã não dispõe de cargo efetivo de contador, mas tão somente de cargo de Técnico em Contabilidade Pública, o qual exerce, mediante função de confiança, as atribuições de Contador Geral do Município.
Defende-se o Sr. Euri Ernani Jung afirmando que, ante o pedido de exoneração do servidor que ocupava o cargo de Técnico em Contabilidade Pública e a função de confiança de Contador Geral do Município, viu-se na necessidade de promover procedimento licitatório para a prestação de serviços de contabilidade ao Município de Cunha Porã. Afirma que o próprio Prejulgado nº 1277 (acima transcrito) prevê essa possibilidade quando inexistente o cargo de Contador.
Equivoca-se, entretanto, na interpretação do referido Prejulgado, isso porque as hipóteses ali previstas são medidas excepcionais e demandam, expressamente, que sejam temporárias e sucedidas de procedimentos de criação e provimento do cargo de contador da unidade. Não há, todavia, qualquer prova de que o ex-gestor em comento tenha atentado a esta parte do Prejulgado, eis que até o fim de sua gestão (02/11/2009, após o que teve o mandato cassado) permaneceu inerte em relação à ilegalidade apontada.
Portanto, diferentemente do que assevera o ex-gestor, sua conduta não está “plenamente consonante com a conduta indicada pelo Tribunal de Contas Catarinense” (fl. 170), uma vez que o Prejulgado no qual buscou embasar sua defesa aponta um procedimento que não foi observado.
Desde o início, manifestou-se o ex-gestor demonstrando que tinha conhecimento da ilegalidade (“Muito embora não se olvide a necessidade de concurso público para o preenchimento da vaga de contador” - fl. 168) e em nenhum momento faz prova – sequer afirma – que buscou a regularização da situação ilegal.
Desse modo, claro está que ex-gestor não exerceu o seu Poder-Dever de Autotutela, mantendo-se omisso ao não adotar as medidas pertinentes a corrigir as irregularidades das quais tinha pleno conhecimento, conforme dispõe o art. 53 da Lei nº 9.784/99 (Regula o processo administrativo no âmbito federal) ou, ainda, as súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
Com relação a outra responsável, Sra. Adiles Maria Rampi Bregalda, partilho do entendimento manifestado pela Área Técnica e pelo Ministério Público, no sentido de afastar a sua responsabilidade.
Isso porque a cassação do Sr. Euri Ernanes Jung, bem como do Vice-Prefeito Municipal, demandou que a Sra. Adiles Maria Rampi Bregalda, na qualidade de Presidente da Câmara Municipal de Vereadores, assumisse interinamente a chefia do Poder Executivo Municipal, tudo devidamente comprovado pela certidão da Justiça Eleitoral acostada aos autos.
Sua gestão perdurou por menos de 60 dias, razão pela qual, em atenção ao próprio princípio da Razoabilidade, não me parece adequado exigir a mesma conduta daquela exigida ao primeiro Responsável. Mesmo que, nesse curto lapso temporal, tomasse a ex-gestora conhecimento da irregularidade e da omissão perpetrada desde a gestão anterior, não haveria tempo hábil para corrigi-la a contento, especialmente ante a iminência da posse do novo Prefeito, a partir do início do ano seguinte.
III – PROPOSTA DE VOTO
Estando os autos apreciados na forma
regimental, proponho ao Egrégio Plenário:
1. Conhecer do Relatório nº
6630/2010, da DAP (fls. 190/205), para CONSIDERAR
IRREGULAR, com fundamento no art. 36, § 2º, alínea “a”, da Lei Complementar
nº 202/2000 (Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina), a
contratação e a manutenção de contador – Sra. Cléria Eliandra Honaiser –
mediante processo licitatório modalidade Convite, cujo objeto é a prestação de
serviço de contabilidade, com carga horária de 30 horas semanais, com prazo
acordado de 10 (dez) meses e valor mensal dos serviços em R$ 3.600,00 (três mil
e seiscentos reais), totalizando R$ 36.000,00 (trinta e seis mil reais), em
afronta ao instituto do concurso público, disposto no art. 37, II, da
Constituição Federal de 1988, bem como aos princípios da Legalidade,
Impessoalidade, Moralidade e da Eficiência;
2. APLICAR MULTA
ao Sr. Euri Ernani Jung – ex-Prefeito Municipal de Cunha Porã (de 01/01/2009 a
19/10/2009), CPF nº 477.126.869-04, residente e domiciliado na Rua Rui Barbosa
– esquina com a Rua Sete de Setembro, nº 240, apto 403, Centro, Cunha Porã –
SC, no valor de R$ 800,00 (oitocentos reais – 16% do valor constante do caput do art. 70 da LC 202/2000), com
fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar nº 202/2000 c/c art. 109, II, da
Resolução nº TC-06/2001 (Regimento Interno do Tribunal de Contas do Estado de
Santa Catarina), fixando o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação do
Acórdão, para que comprove a este Tribunal o recolhimento, ao Tesouro do
Estado, da multa cominada, sem o que fica desde logo autorizado o
encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts.
43, II e 71 da Lei Complementar nº 202/2000, em virtude a irregularidade
explicitada no item anterior;
3. RECOMENDAR à
Prefeitura de Cunha Porã, na figura do seu atual gestor público, a imediata
criação do cargo efetivo de Contador do Município, e a realização de concurso
público para o seu provimento, em atenção ao disposto no art. 37, II, da
Constituição Federal de 1988, bem como aos princípios da Legalidade, Moralidade, Impessoalidade e da Eficiência;
4. DAR CIÊNCIA do Acórdão, bem como do Relatório de fls. 190/205
e do Parecer do Ministério Público Especial de fls. 207/211 ao Sr. Euri
Ernani Jung, ex-Prefeito Municipal de Cunha Porã – SC, à Sra. Adiles Maira
Rampi Bregalda, ex-Prefeita Municipal de Cunha Porã – SC, e à Sra. Luzia Iliane
Vacarin, atual Prefeita Municipal de Cunha Porã – SC.
Gabinete, em 18 de abril de 2011.
Auditor Gerson dos Santos Sicca
Relator