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ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO GABINETE CONSELHEIRO LUIZ ROBERTO HERBST |
Processo n°: |
CON - 10/00143489 |
Origem: |
Associação de Cultura Franco-Brasileira - Aliança Francesa |
Interessado: |
Luiz Henrique Tancredo |
Assunto: |
Consulta |
Parecer n° |
GC-LRH-2010/295 |
Consulta. Concessão de direito real de uso. Terreno. Construção. Locação. Cessão de direitos. Vedação.
A Lei nº 14.170/09, que autoriza a concessão de direito real de uso de terreno à Aliança Francesa, veda a transferência, parcial ou total, dos direitos adquiridos com a concessão.
Para que se proceda à locação parcial do centro cultural e de ensino a ser construído, necessário se faz que o contrato de outorga excepcione tal prática, vinculando tal hipótese a instalações de equipamentos necessários ao pleno funcionamento do empreendimento, como lanchonetes, cafeterias e outras que propiciem conforto e facilitação daqueles que frequentarão o centro.
Trata-se de consulta formulada pelo Sr. Luiz Henrique Tancredo, Presidente do Comitê Gestor do Centro Cultural a ser construído pela Aliança Francesa, questionando se o prédio a ser edificado em terreno concedido pelo Governo do Estado de Santa Catarina, por meio da Lei 14.710/2009, poderá ter parte dele locada para assegurar a obtenção de recursos financeiros para sua auto sustentação e aplicação em programas culturais.
Remetidos os autos à Consultoria Geral, foi emitido o Parecer COG n. 144/10, de fls. 20/25. No tocante à admissibilidade, entendeu a Consultoria que, tendo em vista que a autuação do processo se deu por determinação do Exmo. Sr. Conselheiro Salomão Ribas Júnior, restaria afastado o exame prévio de admissibilidade.
O Ministério Público junto a esta Corte, por sua vez, emitiu o despacho MPTC n.GPDRR/042/2010, fls. 26/28, posicionando-se contrariamente ao entendimento apresentado pela COG e pugnando pelo não conhecimento da consulta.
O Regimento Interno desta Casa, em seu art. 103, estabelece:
Art. 103. O Plenário decidirá sobre consultas quanto a dúvidas de natureza interpretativa do direito em tese, suscitadas na aplicação de dispositivos legais e regulamentares concernentes à matéria de competência do Tribunal, formuladas:
I - no âmbito estadual, pelos titulares dos Poderes, Secretários de Estado, Procurador Geral de Justiça, Procurador Geral do Estado, membros do Poder Legislativo, dirigentes de autarquias, sociedades de economia mista, empresas públicas e fundações instituídas e mantidas pelo Estado;
Assim, pode-se verificar que a Associação de Cultura Franco-Brasileira - Aliança Francesa não está incluída dentre as autoridades legitimadas a encaminhar consultas a esta Corte de Contas, pois se trata de associação de caráter essencialmente privado.
Ressaltou o digno representante ministerial que: "A possibilidade de que particulares, em estreita conexão com atividades que evidenciem interesse público, possam se dirigir às Cortes de Contas precisa ser contemplada pela Lei (...)". E continua: "A consulta poderá, contudo, ser formulada ao ente concedente do direito real de uso, Estado de Santa Catarina, por meio de sua secretaria incumbida das atribuições gerais de gestão patrimonial. Esta Secretaria, por sua vez, caso entenda necessário, poderá valer-se dos bem estruturados serviços de consultoria jurídica do Estado, sob o encargo de sua Procuradoria-Geral.
Contudo, apesar de entendimento divergente, embora a Aliança Francesa não esteja formalmente legitimada a encaminhar consultas a esta Corte, considero que, tendo em vista que suas atividades estão estreitamente ligadas à finalidade pública e intercâmbio entre culturas, possa o questionamento ser acolhido por esta Corte de Contas.
A Aliança Francesa, criada em 21 de julho de 1883, é uma instituição sem fins lucrativos cujo principal objetivo é a difusão da língua e da cultura francesa fora da França.
Para tanto, promove o ensino do francês como língua estrangeira e concede certificados específicos de proficiência e conhecimento lingüísticos. A rede da Aliança Francesa compreende escolas na França para a recepção de estudantes estrangeiros e mais de 1.000 estabelecimentos instalados em 130 países, onde estudam cerca de 400.000 pessoas.
Geralmente, os centros locais da Aliança Francesa nascem por iniciativa de pessoas e instituições dos próprios países onde ela vem a se instalar. Cada centro goza de autonomia estatutária e financeira, sendo regido pela legislação local. Porém, todos eles funcionam em estreita relação com a matriz parisiense, que é a proprietária da marca "Aliança Francesa".
Um dos mais importantes vínculos entre a Alliance Française de Paris e os centros locais, diz respeito à expedição dos diplomas DELF (diploma de estudos em língua francesa) e DALF (diploma aprofundado de língua francesa). Ambos os exames são reconhecidos pelo Ministério da Educação da França.
Nos presentes autos, o Presidente do Comitê Gestor do Centro Cultural e de Ensino a ser construído pela Aliança Francesa nesta capital solicita o exame da possibilidade de locação parcial deste Centro com o escopo de capitalização de recursos para a manutenção do empreendimento e investimento em programas culturais, que se dará sobre os termos da Lei (estadual) nº 14.710/2009.
A indagação foi suficientemente respondida mediante o parecer COG 144/10, fls. 20/25, que, em suma, assevera:
O exame da possibilidade de locação parcial do Centro Cultural e de Ensino passa obrigatoriamente pela exegese do artigo 6º da Lei nº 14.170/09.
O dispositivo já transcrito veda, em seu inciso I, sob pena de reversão e independemente de notificação judicial ou extrajudicial a transferência parcial ou total de direitos que tenham sido adquiridos com a concessão de uso.
O instituto administrativo adotado para viabilizar a utilização e edificação do terreno à Aliança Francesa foi a concessão de direito real de uso, previsto no artigo 7º do Decreto-Lei federal nº 271/67.
Do escólio de Gasparini extrata-se:
Além dos instrumentos anteriormente examinados, o Estado poderá valer-se do instituto da concessão de direito real de uso, previsto no art. 7º do Decreto-Lei n. 271/67, se o que objetiva é o traspasse de uso de terrenos. É o instituto que não se aplica a imóveis construídos e a bens móveis. Referido diploma não só cria esse instituto, como estabelece, no art. 7º e seus parágrafos, as condições em que a outorga poderá ser contratada. Será legítima a concessão de direito real de uso: 1) se for outorgada por contrato público ou particular, ou termo administrativo; 2) mediante lei autorizadora; 3) com concorrência, se não dispensável ou não exigível por lei; 4) se ocorrer sobre terrenos incultos; 5) se desafetado o bem, quando de uso comum; 6) para fins de urbanização, industrialização, edificação, cultivo da terra, ou outra utilização de interesse social.
É indubitável que a concessão de direito real de uso transfere o domínio e consequentemente a posse do terreno. A locação de parte do prédio a ser edificado implica no transpasse da posse, por prazo determinado, ao locatário.
Ainda que discutível tratar-se ora do domínio e posse do terreno, ora do domínio e posse de parte da edificação, não se pode negar que sem a primeira condição a segunda não se implementaria e muito menos, que a locação implica na cessão de direitos.
Outro considerando, este puramente pragmático, reside no fato de que para o funcionamento de um centro cultural e de ensino, é necessário a instalação de equipamentos como lanchonetes, cafeterias e similares, essenciais ao bem estar do público que nele vá participar de eventos ou cursos.
Como se viu no Estatuto Social da Aliança Francesa, não se encontra entre seus objetivos a gestão de negócios dessa natureza, o que torna apropriada a locação de espaço do novo Centro Cultural e de Ensino para instalações do gênero.
A restrição posta no artigo 6º da Lei nº 14.170/09 veda, sem exceção, qualquer transferência de direito concedido à Aliança Francesa, o que, salvo melhor juízo, alcança a locação parcial do imóvel.
De outro mote, não se pode olvidar que a locação tem cunho comercial e não se atrela aos objetivos tanto da lei autorizadora da concessão de uso quanto estatutários da Aliança Francesa.
E aí cabe realçar o que prevê o inciso III do artigo 6º da Lei em cotejo, que veda sob pena de reversão da concessão de direito real de uso o desvio de finalidade ou a execução de atividades contrárias ao interesse público.
Contudo, como explicitado por Gasparini, e consignado no artigo 8º da lei autorizadora da concessão de direito real de uso, a outorga do direito deve ser firmada por um contrato, o qual nos termos legais disciplinará e detalhará os direitos e obrigações do concedente e da concessionária.
Pode haver de forma clara e objetiva a previsão contratual de que a locação de espaços para a instalação de equipamentos essenciais ao funcionamento do centro cultural e de ensino como lanchonetes, cafeterias e similares não implique em ofensa ao disposto nos incisos I e III do artigo 6º da Lei nº 14.170/09, dada a sua essencialidade para o conforto e a facilitação daqueles que frequentarão o centro.
Dispõe o referido art. 6º da Lei nº 14.710/2009:
Art. 6º A concessionária, sob pena de imediata reversão e independentemente de notificação judicial ou extrajudicial, não poderá:
I- transferir, parcial ou totalmente, direitos adquiridos com esta concessão de uso;
II- oferecer o imóvel como garantia de obrigação; e
III- desviar a finalidade ou executar atividades contrárias ao interesse público.
Art. 8º Será firmado contrato subsidiário a esta Lei disciplinando e detalhando os direitos e obrigações do concedente e da concessionária.
Ante o exposto, acolho integralmente as razões expostas no parecer COG e proponho voto no sentido de conhecer da presente consulta para respondê-la nos termos propostos.
CONSIDERANDO a competência deste Tribunal de Contas, conferida pelo artigo 59 da Constituição Estadual, artigo 1º da Lei Complementar n° 202/2000, e no artigo 1°, inciso XV do Regimento Interno;
CONSIDERANDO o parecer COG 144/10 e a manifestação da Procuradoria Geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, mediante Despacho GPDRR n. 042/2010;
CONSIDERANDO o mais que dos autos consta, proponho ao Egrégio Plenário o seguinte VOTO:
1.1. Responder nos seguintes termos:
1.1.1 A Lei nº 14.170/09, que autoriza a concessão de direito real de uso de terreno à Aliança Francesa, veda a transferência, parcial ou total, dos direitos adquiridos com a concessão. Para que se proceda a locação parcial do centro cultural e de ensino a ser construído, necessário se faz que o contrato de outorga excepcione tal prática, vinculando tal hipótese a instalações de equipamentos necessários ao pleno funcionamento do empreendimento, como lanchonetes, cafeterias e outras que propiciem conforto e facilitação daqueles que freqüentarão o centro.
2. Dar ciência desta Decisão e Voto do Relator que a fundamentam ao Sr. Luiz Henrique Tancredo.
3. Determinar o arquivamento dos autos.
Gabinete do Conselheiro, em 25 de junho de 2010.