TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SANTA CATARINA

 

                Gabinete do Conselheiro Julio Garcia

PROCESSO nº

:

REP-10/00448590

 

UG/CLIENTE

:

Fundo Municipal de Saúde de Cocal do Sul

 

INTERESSADO

:

Alexandre Bianchini de Azevedo

 

RESPONSÁVEL

:

Sidney Duarte de Oliveira

 

ASSUNTO

:

Representação (art. 113, §1º, da Lei 8666/93) – Irregularidades na Concorrência Pública nº 01/2010, para aquisição de material de enfermagem, odontológicos e medicamentos

 

VOTO

:

GC-JG/2011/332

 

 

 

 

 

 

REPRESENTAÇÃO DE LICITANTE. PRIVILÉGIOS ESTABELECIDOS PELO ESTATUTO DA MICROEMPRESA E DE PEQUENO PORTE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA PUBLICAÇÃO DO JULGAMENTO DAS PROPOSTAS. IRREGULARIDADES. MULTAS. DETERMINAÇÃO.

1. Os privilégios concedidos às microempresas e empresas de pequeno porte pelos arts. 44 e 45 da Lei Complementar nº 123/2006 (direito de preferência de contratração) independem da existência de previsão editalícia.

2. A ausência de comprovação da publicação do resultado do julgamento das propostas fere o comando contido no art. 109, §1º, da Lei de Licitações.

 

I – RELATÓRIO

Trata-se de representação formulada ao Tribunal nos termos do art. 113, § 1º, da Lei 8.666/93 pela empresa TRADE MEDICAL COMÉRCIO DE MATERIAIS HOSPITALARES LTDA., comunicando supostas irregularidades no Processo de Licitação nº 03/2010, Edital de Concorrência Pública nº 01/2010, do tipo menor preço por item, promovido pelo Fundo Municipal de Saúde da Prefeitura Municipal de Cocal do Sul, que teve por objeto a aquisição de material de enfermagem, odontológicos e medicamentos.

A peça inaugural de fls. 02-09 denuncia, em síntese, as seguintes irregularidades no referido certame:

1) preterição do direito de preferência de contratação da Representante, em desacordo com o previsto nos artigos 44 e 45 da Lei Complementar nº 123/2006 (Estatuto das Micro e Pequenas Empresas), uma vez que a aplicação de tais dispositivos (a concessão dos benefícios nela contidos) foi negada por não estar previsto no edital;

2) ausência de publicação do resultado da fase de classificação do processo licitatório, em atendimento ao que dispõe o art. 109, § 1° da Lei nº 8.666/93.

Para corroborar o alegado, juntou os documentos de fls. 10 a 92.

Após analisar a documentação remetida, a Diretoria de Controle de Licitações e Contratações (DLC), por meio do Relatório de Instrução nº 663/2010 (fls. 93-105), sugeriu conhecer da representação e ainda, pela audiência dos responsáveis – Sr. Rafael Uggioni Colombo, Procurador Jurídico da Prefeitura Municipal de Cocal do Sul; Sr. Nilso Bortolatto, Prefeito Municipal; e Sr. Romildo Francisco dos Santos, Presidente da Comissão de Licitações da Prefeitura Municipal de Cocal do Sul quanto aos fatos denunciados na exordial.

Acompanhando as manifestações da Área Técnica e do Ministério Público de Contas (fl. 106), preliminarmente, conheci da representação para determinar a audiência dos Responsáveis para exercerem seu direito de defesa quanto às restrições descritas no relatório técnico. (Despacho Singular nº GC-JG/2010/1114, constante às fls. 107 a 111 do feito).

Em cumprimento, os Responsáveis apresentaram suas alegações de defesa, anexas às fls. 122-127; 130-132; e 135-138.

Na sequência, os autos foram submetidos à análise do Órgão Técnico, que lavrou o Relatório de Reinstrução nº 1020/2010, de fls. 141 a 147. Após apreciar as defesas apresentadas, no tocante ao Sr. Rafael Uggioni Colombo – Procurador Jurídico da Prefeitura Municipal de Cocal do Sul, a Instrução concluiu pelo afastamento de sua responsabilidade, por entender que o Procurador Jurídico não participou dos atos e das decisões tomadas pela Comissão Permanente de Licitação do Município em relação ao certame em tela.

Quanto aos demais gestores, mantiveram os apontamentos, sugerindo, ao final:

Considerando o afastamento da responsabilidade do Sr. Rafael Uggioni Colombo – Procurador Jurídico do Município de Cocal do Sul;

Considerando que as demais justificativas não foram suficientes para sanar as irregularidades;

Diante do exposto, a Diretoria de Controle de Licitações e Contratações sugere ao Exmo. Sr. Relator:

3.1. Considerar irregular a Concorrência Pública no 01/2010, com fundamento no art. 36, § 2º, “a”, da Lei Complementar nº 202, de 15 de dezembro de 2000;

3.2. Aplicar multas, aos Srs. Nilso Bortolatto – Prefeito de Cocal do Sul e Romildo Francisco dos Santos,  Presidente da Comissão de Licitações,  com fundamento no art. 70, inc. II da Lei Complementar nº 202, de 15 de dezembro de 2000, c/c o art. 109, inc. II do Regimento Interno (Resolução nº TC-06, de 28 de dezembro de 2001), em face do descumprimento de normas legais ou regulamentares abaixo, fixando-lhe o prazo de 15 dias, a contar da publicação do Acórdão no Diário Oficial Eletrônico - DOTC-e, para comprovar ao Tribunal de Contas o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da citada Lei Complementar:

 3.2.1. Em face da não aplicação do direito de preferência previsto no art. 44 da Lei Complementar 123/20006 (item 2.1. do Relatório 663/2010 do Relatório);

3.2.2. Em face da ausência de comprovação da publicação do resultado do julgamento das propostas, em descumprimento ao que prescreve o § 1º do art. 109 da Lei 8.666/93 (item 2.2. do Relatório 663/2010);

3.3. Dar ciência do Acórdão, do Relatório, do Voto do Relator, bem como do Parecer do Ministério Público, aos representados  ao Sr. Alexandre Bianchini de Azevedo e ao Fundo Municipal de Saúde de Cocal do Sul, a Assessoria Jurídica e ao Controle Interno – Responsável, Sr. Sidney Duarte de Oliveira.

 

A Procuradoria de Contas, por meio do Parecer nº MPTC/2.439/2011, ratificou o encaminhamento proposto pelo Órgão Técnico.

Vieram os autos conclusos, para voto.

É o relatório.

 

II – DISCUSSÃO

Trata-se, pois, de representação formulada com base no §1º do art. 113 da Lei nº 8.666/93[1], noticiando supostas irregularidades no Processo de Licitação nº 03/2010, Edital de Concorrência Pública nº 01/2010, promovido pelo Fundo Municipal de Saúde da Prefeitura Municipal de Cocal do Sul, para aquisição de materiais de enfermagem, odontológicos e medicamentos.

Os fatos representados pela Empresa TRADE MEDICAL COMÉRCIO DE MATERIAIS HOSPITALARES LTDA e analisados nestes autos dizem respeito (1) à preterição do direito de preferência à contratação, em descumprimento ao art. 44 da Lei Complementar 123/06, ou seja, não foi oportunizado pela Comissão Permanente de Licitações o direito à Representante oferecer preço mais baixo que a classificada em primeiro lugar; e (2) ausência de publicação do resultado do julgamento das propostas de preços na imprensa oficial.

Segundo se extrai da exordial, a base da representação sustenta-se na não concessão desse direito, sendo que a Representante tomou conhecimento dessa ilegalidade somente 30 (trinta) dias após o julgamento das propostas, momento em que o Presidente da Comissão de Licitações foi questionado, sem ofertar qualquer resposta. Por essa razão a Representante apresentou pedido de anulação da decisão classificatória no que se refere aos itens os quais lhe foi negado o direito de preferência.

Contudo, a Comissão Permanente de Licitações analisou tal pedido (sem qualquer parecer da Procuradoria do Município), opinando pelo indeferimento, com as alegações de que não existiria tratamento diferenciado concedido às micro e pequenas empresas, bem como pelo fato de o pedido não ter sido protocolizado em tempo hábil.

Após, o pedido de anulação foi encaminhado ao Prefeito, Sr. Nilso Bortolatto, que acatou as razões de decidir da Comissão de Licitações, determinado, por conseguinte a intimação da representante, juntamente com cópia do termo de homologação e adjudicação do processo licitatório.

Pois bem.

Analisando todas as informações contidas nos autos, tenho como escorreita a análise técnica empreendida pela Diretoria de Controle de Licitações e Contratações, consubstanciadas nos Relatórios nºs 663/2010 e 1020/2010, endossada que foi pelo Ministério Público de Contas.

De início, acolho as sugestões no sentido de afastar a responsabilidade do Sr. Rafael Uggioni Colombo – Procurador Jurídico da Prefeitura Municipal de Cocal do Sul, uma vez que não teve qualquer participação na ilegalidade perpetrada, seja na não concessão do direito de preferência, seja no indeferimento do pedido de anulação, seja ainda na ausência de publicação do resultado do certame. Desta forma, não existe razão para manter o Procurador Jurídico no pólo passivo desta representação, motivo pelo qual sua exclusão é medida que impõe.

Quanto ao mérito dos fatos representados, associo-me à posição da Área Técnica e do Ministério Público Especial quanto à confirmação de sua ocorrência, razão pela qual é cabível a aplicação de multa aos Senhores Nilso Bortolatto – Prefeito Municipal de Cocal do Sul e Romildo Francisco dos Santos – Presidente da Comissão de Licitações dessa Prefeitura, cada qual pelos fatos de sua responsabilidade[2], vez que houve grave violação às normas legais que regem a matéria.

A discussão travada quanto a primeira irregularidade refere-se à possibilidade de aplicação dos dispositivos previstos nos arts. 44 e 45 da Lei Complementar nº 123/2006, que concedem benefícios às microempresas e empresas de pequeno porte nos certames licitatórios, quando não há tal referência no edital que regulamenta o procedimento.

Para uma melhor compreensão da matéria, transcrevo os artigos da Lei Complementar nº 123/2006 pertinentes à discussão:

Art. 44.  Nas licitações será assegurada, como critério de desempate, preferência de contratação para as microempresas e empresas de pequeno porte.

§ 1º Entende-se por empate aquelas situações em que as propostas apresentadas pelas microempresas e empresas de pequeno porte sejam iguais ou até 10% (dez por cento) superiores à proposta mais bem classificada.

§ 2º Na modalidade de pregão, o intervalo percentual estabelecido no § 1º deste artigo será de até 5% (cinco por cento) superior ao melhor preço.

Art. 45.  Para efeito do disposto no art. 44 desta Lei Complementar, ocorrendo o empate, proceder-se-á da seguinte forma:

I - a microempresa ou empresa de pequeno porte mais bem classificada poderá apresentar proposta de preço inferior àquela considerada vencedora do certame, situação em que será adjudicado em seu favor o objeto licitado;

II - não ocorrendo a contratação da microempresa ou empresa de pequeno porte, na forma do inciso I do caput deste artigo, serão convocadas as remanescentes que porventura se enquadrem na hipótese dos §§ 1º e 2º do art. 44 desta Lei Complementar, na ordem classificatória, para o exercício do mesmo direito;

III - no caso de equivalência dos valores apresentados pelas microempresas e empresas de pequeno porte que se encontrem nos intervalos estabelecidos nos §§ 1º e 2º do art. 44 desta Lei Complementar, será realizado sorteio entre elas para que se identifique aquela que primeiro poderá apresentar melhor oferta.

§ 1º Na hipótese da não-contratação nos termos previstos no caput deste artigo, o objeto licitado será adjudicado em favor da proposta originalmente vencedora do certame.

§ 2º O disposto neste artigo somente se aplicará quando a melhor oferta inicial não tiver sido apresentada por microempresa ou empresa de pequeno porte.

§ 3º No caso de pregão, a microempresa ou empresa de pequeno porte mais bem classificada será convocada para apresentar nova proposta no prazo máximo de 5 (cinco) minutos após o encerramento dos lances, sob pena de preclusão.

[...]

Art. 47.  Nas contratações públicas da União, dos Estados e dos Municípios, poderá ser concedido tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte objetivando a promoção do desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e regional, a ampliação da eficiência das políticas públicas e o incentivo à inovação tecnológica, desde que previsto e regulamentado na legislação do respectivo ente

Art. 48.  Para o cumprimento do disposto no art. 47 desta Lei Complementar, a administração pública poderá realizar processo licitatório: 

I - destinado exclusivamente à participação de microempresas e empresas de pequeno porte nas contratações cujo valor seja de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais); 

II - em que seja exigida dos licitantes a subcontratação de microempresa ou de empresa de pequeno porte, desde que o percentual máximo do objeto a ser subcontratado não exceda a 30% (trinta por cento) do total licitado; 

III - em que se estabeleça cota de até 25% (vinte e cinco por cento) do objeto para a contratação de microempresas e empresas de pequeno porte, em certames para a aquisição de bens e serviços de natureza divisível. 

§ 1o  O valor licitado por meio do disposto neste artigo não poderá exceder a 25% (vinte e cinco por cento) do total licitado em cada ano civil. 

§ 2o  Na hipótese do inciso II do caput deste artigo, os empenhos e pagamentos do órgão ou entidade da administração pública poderão ser destinados diretamente às microempresas e empresas de pequeno porte subcontratadas. 

Art. 49.  Não se aplica o disposto nos arts. 47 e 48 desta Lei Complementar quando: 

I - os critérios de tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte não forem expressamente previstos no instrumento convocatório; 

II - não houver um mínimo de 3 (três) fornecedores competitivos enquadrados como microempresas ou empresas de pequeno porte sediados local ou regionalmente e capazes de cumprir as exigências estabelecidas no instrumento convocatório; 

III - o tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte não for vantajoso para a administração pública ou representar prejuízo ao conjunto ou complexo do objeto a ser contratado; 

IV - a licitação for dispensável ou inexigível, nos termos dos arts. 24 e 25 da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993. (grifei).

 

In casu, para o deslinde da matéria, torna-se imperioso distinguir o direito de preferência a que alude o art. 44 da referida lei complementar da concessão de tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte, previsto no art. 47 do mencionado diploma.

Com efeito, da leitura atenta do caput do artigo 44 da LC nº 123/2006 combinado com o inciso I do artigo 49, a aplicação do direito de preferência das microempresas e empresas de pequeno porte independe de previsão no edital, ao contrário do tratamento diferenciado a que alude o art. 47 e 48. 

Este é o entendimento que vem vigorando no âmbito do Tribunal de Contas da União. Com efeito, a matéria foi abordada com clareza no voto condutor proferido pelo Ministro Relator Aroldo Cedraz no processo nº 020.253/2007-0, (Acórdão nº 2144/2007 – Plenário, sessão de 10.10.2007, DOU 15.10.2007), cujos trechos reproduzo:

A Lei Complementar 123, de 14 de dezembro de 2006, ao instituir o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, estabeleceu tratamento diferenciado e favorecido às empresas da espécie, “inclusive quanto à preferência nas aquisições de bens e serviços pelos Poderes Públicos” (art. 1º, inciso III). Inseriu, assim, em seu Capítulo V (“Do Acesso aos Mercados”), entre outras, as regras constantes dos seguintes artigos:

“Art. 44. Nas licitações será assegurada, como critério de desempate, preferência de contratação para as microempresas e empresas de pequeno porte.

§ 1º Entende-se por empate aquelas situações em que as propostas apresentadas pelas microempresas e empresas de pequeno porte sejam iguais ou até 10% (dez por cento) superiores à proposta mais bem classificada.

(...)

Art. 45. Para efeito do disposto no art. 44 desta Lei Complementar, ocorrendo o empate, proceder-se-á da seguinte forma:

I - a microempresa ou empresa de pequeno porte mais bem classificada poderá apresentar proposta de preço inferior àquela considerada vencedora do certame, situação em que será adjudicado em seu favor o objeto licitado;

II - não ocorrendo a contratação da microempresa ou empresa de pequeno porte, na forma do inciso I do caput deste artigo, serão convocadas as remanescentes que porventura se enquadrem na hipótese dos §§ 1º e 2º do art. 44 desta Lei Complementar, na ordem classificatória, para o exercício do mesmo direito;”

2. É certo que para maior esclarecimento dos participantes as regras editalícias deveriam deixar claro o procedimento adotado para concessão da preferência legal, inclusive no que concerne ao disciplinamento da forma de comprovação da licitante para identificar-se como microempresa ou empresa de pequeno porte.

3. Entendo, contudo, conforme consignei no despacho concessivo da cautelar, que tal requisito não se fazia obrigatório. De fato, em uma análise mais ampla da lei, observo que seu art. 49 explicita que os critérios de tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte previstos em seus arts. 47 e 48 não poderão ser aplicados quando “não forem expressamente previstos no instrumento convocatório”. A lei já ressalvou, portanto, as situações em que seriam necessárias expressas previsões editalícias. Dentre tais ressalvas, não se encontra o critério de desempate com preferência para a contratação para as microempresas e empresas de pequeno porte, conforme definido em seus arts. 44 e 45 acima transcritos.

4. A existência da regra restringido a aplicação dos arts. 47 e 48 e ausência de restrição no mesmo sentido em relação aos arts. 44 e 45 conduzem à conclusão inequívoca de que esses últimos são aplicáveis em qualquer situação, independentemente de se encontrarem previstos nos editais de convocação.

5. Vê-se, portanto, que não houve mera omissão involuntária da lei. Ao contrário, caracterizou-se o silêncio eloqüente definido pela doutrina.

6. O tema foi abordado em recente assentada pelo ministro Guilherme Palmeira, que registrou no voto condutor do acórdão 2.473/2007 - 2ª Câmara:

“Compulsando o acervo bibliográfico sobre o tema, destaco, para maior compreensão, os registros contidos nos Estudos Doutrinários sobre ‘O ISS das Sociedades de Profissionais e a LC 116/2003’, de autoria do Prof. Hugo de Brito Machado, em que cita o ensinamento de Eduardo Fortunato Bim a respeito:

‘O silêncio eloqüente do legislador pode ser definido como aquele relevante para o Direito, aquele silêncio proposital. Por ele, um silêncio legislativo sobre a matéria de que trata a lei não pode ser considerado como uma lacuna normativa a ser preenchida pelo intérprete, mas como uma manifestação de vontade do legislador apta a produzir efeitos jurídicos bem definidos. Ele faz parte do contexto da norma, influenciando sua compreensão.’”

7. De fato, somente há que se falar de lacuna quando for verificada, da análise teleológica da lei, ser ela incompleta, carecendo de complementação. Não se vislumbra, na espécie, essa situação. Resta nítido que a lei buscou propiciar uma maior inserção das microempresas e empresas de pequeno porte no mercado de aquisições do setor público, o que se compatibiliza por inteiro com o silêncio eloqüente mencionado.

8. Observo, aliás, que os comandos contidos nos arts. 44 e 45 são impositivos (“proceder-se-á da seguinte forma...”), ao passo que a redação conferida aos arts. 47 e 48 deixam claro seu caráter autorizativo (“a administração pública poderá...”). As regras insculpidas nos arts. 44 e 45 não são, portanto, facultativas, mas auto-aplicáveis desde o dia 15.12.2006, data de publicação da Lei Complementar 123.

9. Não poderia, portanto, a Comissão Permanente de Licitação da Coordenadoria de Gestão de Recursos Materiais da Universidade Federal da Grande Dourados ter declarado a empresa Excede Construções e Planejamento Ltda. vencedora da tomada de preços 003/2007, sem antes facultar à Telear - Telecomunicações, Eletricidade e Construções Ltda. - ME a apresentação de nova proposta de preços, de forma a dar cumprimento ao art. 45 do Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte.

[...].

17. Registro, por oportuno, que no interregno existente entre a concessão da cautelar e o retorno dos autos a meu gabinete foi editado o Decreto 6.204/2007, que dispôs em seu art. 10:

“Art. 10. Os critérios de tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte deverão estar expressamente previstos no instrumento convocatório.”

18. Em uma análise ligeira, parece-me que o referido artigo conflita com a lei que se propôs a regulamentar, padecendo do vício de ilegalidade. A restrição imposta pelo decreto não encontra amparo legal. Não se trata de mera regulamentação de lacuna, uma vez que, conforme assinalei nos itens 3 a 8 deste voto, não há que se falar de omissão da lei, mas de silêncio eloqüente do legislador.

19. Aliás, em face da imperatividade dos comandos contidos nos arts. 44 e 45 da Lei Complementar 123/2006, consoante descrito no item 8 deste voto, parece-me que exigir a previsão editalícia da concessão dos privilégios neles estabelecidos implicará, na prática, em se considerar nulos todos os editais que não expressem tal vantagem.

20. Tal discussão, contudo, não interfere no processo ora em exame, uma vez que o procedimento licitatório sob foco iniciou-se quando o decreto não havia, ainda, sido editado.

21. Dessa forma, considerando que não compete ao Tribunal de Contas da União se manifestar acerca da legalidade ou constitucionalidade de normas em tese, mas apenas quando se depara com situações concretas que exijam a análise dos dispositivos supostamente ilegais, deixo de propor qualquer providência a respeito, alertando quanto à necessidade de que esta Corte, oportunamente, venha a analisar a questão com maior profundidade. (grifei).

 

E ainda:

Assegure, como critério de desempate nos editais de licitação, preferência de contratação para as microempresas e empresas de pequeno porte, em conformidade com o art. 44 da Lei Complementar nº 123/2006.  

(Acórdão nº 265/2010 – Plenário).

 

1. à Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária – Superintendência Regional do Sudeste que, a fim de conferir transparência e legalidade às licitações, preveja, em seus editais, itens específicos acerca da comprovação das condições de enquadramento das empresas licitantes como Microempresas ou Empresas de Pequeno Porte, de acordo com o artigo 3º da LC 123/06; bem como observe, independentemente de tal previsão, a aplicabilidade dos artigos 44 e 45 da Lei Complementar nº 123/06 (Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte), nas hipóteses necessárias.

(Acórdão nº 1785/2008 – Plenário).

 

De outra banda, quanto à ausência de publicação do resultado do julgamento das propostas, também acompanho os pareceres exarados nos autos, no sentido de que o Presidente da Comissão de Licitação, Sr. Romildo Francisco dos Santos, não logrou afastar o apontamento. Com efeito, muito embora se sustente que não foi realizada a publicação na imprensa oficial uma vez que existe faculdade prevista na Lei municipal nº 764/06, que possibilita a publicação no Mural Púbico de Licitações da Prefeitura, bem como afirme ter enviado fac-símile para todas as participantes do certame, não comprovou com documentos essas alegações, apesar da incumbência a ele caber, motivo pelo qual a restrição subsiste, em razão do descumprimento ao que prescreve o § 1º do artigo 109 da Lei nº 8.666/93.

Por fim, deixo de fazer outras considerações e determinações uma vez que os contratos firmados em decorrência do certame em tela encerraram-se no exercício de 2010.

III – VOTO

Ante o exposto, com amparo no artigo 224 do Regimento Interno desta Corte, apresento ao egrégio Plenário a seguinte proposta de voto:

1 – Considerar irregular a Concorrência Pública nº 01/2010, com fundamento no art. 36, § 2º, “a”, da Lei Complementar nº 202/2000;

2 – Aplicar as multas abaixo discriminadas aos Srs. Nilso Bortolatto – Prefeito de Cocal do Sul, CPF nº 376.774.899-15, e Romildo Francisco dos Santos – Presidente da Comissão de Licitações, CPF nº 144.837.349-20, com fundamento no art. 70, inc. II da Lei Complementar nº 202, de 15 de dezembro de 2000, c/c o art. 109, inc. II do Regimento Interno (Resolução nº TC-06, de 28 de dezembro de 2001), em face do descumprimento de normas legais ou regulamentares abaixo, fixando-lhe o prazo de 15 dias, a contar da publicação do Acórdão no Diário Oficial Eletrônico - DOTC-e, para comprovar ao Tribunal de Contas o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da citada Lei Complementar:

2.1 – Ao Sr. Nilso Bortolatto – Prefeito de Cocal do Sul:

2.1.1 – Multa no valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais), em razão da não aplicação do direito de preferência previsto no art. 44 da Lei Complementar 123/20006 (item 2.1. do Relatório nº 663/2010);

2.2 – Ao Sr. Romildo Francisco dos Santos – Presidente da Comissão de Licitações:

2.1.1 – Multa no valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais), em razão da não aplicação do direito de preferência previsto no art. 44 da Lei Complementar 123/20006 (item 2.1 do Relatório nº 663/2010);

2.1.2 – Multa no valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais), em face da ausência de comprovação da publicação do resultado do julgamento das propostas, em descumprimento ao que prescreve o § 1º do art. 109 da Lei 8.666/93 (item 2.2. do Relatório nº 663/2010).

3 – Determinar ao Fundo Municipal de Saúde e à Comissão de Licitação da Prefeitura Municipal de Cocal do Sul que, doravante, a fim de conferir transparência e legalidade às licitações, observe, independentemente de previsão em edital, a aplicabilidade dos artigos 44 e 45 da Lei Complementar nº 123/06 (Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte), nas hipóteses necessárias.

4 – Alertar ao do Fundo Municipal de Saúde de Cocal do Sul, na pessoa do Sr. Nilso Bortolatto, Prefeito Municipal e Gestor do Fundo, que o não cumprimento do item 3 desta deliberação implicará a cominação das sanções previstas no art. 70, VI e § 1º, da Lei Complementar (estadual) n. 202/00, conforme o caso, e o julgamento irregular das contas, na hipótese de reincidência no descumprimento de determinação, nos termos do art. 18, § 1º, do mesmo diploma legal.

5 – Determinar à Secretaria-geral - SEG, deste Tribunal, que cientifique à Diretoria-geral de Controle Externo - DGCE, após o trânsito em julgado, acerca da determinação constante do item 3 retrocitado para fins de registro no banco de dados e comunicação à Diretoria de Controle competente para consideração no processo de contas do gestor.

6 – Dar ciência desta Decisão, do Relatório e do Voto do Relator, bem como do Relatório nº DLC-1020/2010 ao Representante, na pessoa do Sr. Alexandre Bianchini de Azevedo, aos Representados, ao Fundo Municipal de Saúde de Cocal do Sul, a Assessoria Jurídica e ao Controle Interno – Responsável, Sr. Sidney Duarte de Oliveira.

                        Gabinete, em 27 de junho de 2011.

 

Julio Garcia

Conselheiro Relator



[1] Lei nº 8.666/93 - Art. 113.  O controle das despesas decorrentes dos contratos e demais instrumentos regidos por esta Lei será feito pelo Tribunal de Contas competente, na forma da legislação pertinente, ficando os órgãos interessados da Administração responsáveis pela demonstração da legalidade e regularidade da despesa e execução, nos termos da Constituição e sem prejuízo do sistema de controle interno nela previsto.

§ 1º Qualquer licitante, contratado ou pessoa física ou jurídica poderá representar ao Tribunal de Contas ou aos órgãos integrantes do sistema de controle interno contra irregularidades na aplicação desta Lei, para os fins do disposto neste artigo.

[2] A respeito, confira-se os termos do Despacho Singular de fls. 107 a 111 dos autos, que oportunizou o contraditório e ampla defesa dos responsáveis, cada qual pelos fatos de sua responsabilidade, conforme indicado nos itens 2.2.1 e 2.2.2 do decisum.