Processo:

CON-10/00456509

Unidade Gestora:

Câmara Municipal de Concórdia

Interessado:

Alaor Antônio Camillo

Assunto:

Entes Públicos operando via contrato ou convênio com cooperativas de crédito

Relatório e Voto:

GAC/HJN - 873/2010

 

                                                                                                                               

COOPERATIVAS DE CRÉDITO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS A NÃO ASSOCIADOS.

As cooperativas de crédito podem prestar serviços a não associados, salvo os serviços de captação de recursos e de concessão de créditos.

 

ENTES PÚBLICOS. PARTICIPAÇÃO EM COOPERATIVAS DE CRÉDITO.

Os entes públicos não podem compor o quadro social das cooperativas de crédito.

 

COOPERATIVAS DE CRÉDITO. RECEBIMENTO DE TRIBUTOS. PAGAMENTO DE SALÁRIOS.

As Cooperativas de Crédito podem receber tributos que devem de imediato serem depositados em instituições financeiras oficiais, bem como realizar pagamentos de salários de servidores públicos.

 

 

 

1. INTRODUÇÃO

 

Trata-se de consulta formulada pelo presidente da Câmara de Vereadores de Concórdia, Sr. Alaor Antônio Camillo, referente a entes públicos operando via contrato ou convênio com cooperativas de crédito.

O consulente assevera que a legislação vigente no país concernente a disponibilidade de caixa dos entes públicos, tais como a Lei Complementar n. 101/2000, o artigo 164, § 3º, da Constituição Federal e Lei Complementar n. 130/2009, além de Resoluções emitidas pelo Banco Central, autorizam os entes públicos, embora não sejam associados da cooperativa de crédito, a firmarem contrato ou convênio com tais instituições financeiras para recebimento de tributos e pagamento de salário de servidores, razão pela qual formula os seguintes questionamentos:

1. Os entes públicos, como a Câmara de Vereadores, Prefeituras, suas autarquias e empresas, podem firmar contratos ou convênios com cooperativas de crédito para recebimentos de impostos, taxas e tarifas, ou seja, tributos em geral?

2. Os entes públicos, como a Câmara de Vereadores, Prefeituras, suas autarquias e empresas, podem firmar contratos ou convênios com cooperativas de crédito para o pagamento de seus servidores/funcionários através de abertura de conta-salário, nos termos da Resolução Bacen nº 3.402/2006?

 

Foram juntados aos autos o Ofício 215/2010 (fl. 10) conforme despacho do Excelentíssimo Senhor Conselheiro Presidente deste Tribunal protocolizado pelo Diretor Presidente Senhor Marcos Baron e pelo Diretor Vice-Presidente Senhor Ernardi Feijó Vieira da Cooperativa Econômica e Crédito Mútuo dos Servidores Públicos do Vale do Itajaí - SICOOB/SC - BLUCREDI.

 

Os signatários do ofício mencionado solicitam a revisão do parecer COG 236/09, oriundo da Decisão n. 3138/2009[1], devido a uma interpretação da legislação correlata à cooperativa de crédito que concluiu pela impossibilidade de prestação de serviços dessas instituições financeiras a não associados, no caso, Entes Públicos.

 

Referido entendimento, afirmam os peticionários, poderia prejudicar as cooperativas de crédito de Santa Catarina, uma vez que a legislação pertinente admite a prestação de serviço pelas cooperativas a não associados.

 

A Consultoria Geral (COG), preliminarmente, elaborou o Parecer n. COG 320/2010 (fls. 21/36) e efetuou a análise dos pressupostos de admissibilidade da consulta, os quais foram satisfeitos, ressalvado o parecer da assessoria jurídica previsto pelo inc. V do art. 104 do Regimento Interno, cuja ausência, conforme registra o Órgão de Instrução, pode ser relevada pelo Tribunal Pleno nos termos do art. 105, § 2º, do Regimento Interno deste Tribunal.

 

Sobre o exame de mérito manifestou-se, em síntese, no seguinte sentido:

           

2.1. As cooperativas de crédito, que são equiparadas às instituições financeiras privadas, podem realizar o serviço de pagamento aos servidores públicos, mediante prévio processo licitatório, pois, na esteira do prejulgado 1803 deste Tribunal de Contas, tais pagamentos não são considerados disponibilidade de caixa em razão da natureza de despesa liquidada que possuem, não havendo ofensa ao artigo 164, parágrafo 3º, da Constituição Federal;

2.2. É possível o recebimento de tributos pelas cooperativas de crédito, desde que contratadas mediante processo licitatório (prejulgado 311) e que tais instituições atuem como meras arrecadadoras, não utilizando os recursos para quaisquer fins, como por exemplo aplicações financeiras e que os valores sejam transferidos e depositados em instituições financeiras oficiais imediata e automaticamente.

 

Sugeriu ainda reformar os Prejulgados nºs. 2002, 357 e o item 3 do Prejulgado n. 1536.

 

O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas emitiu o Parecer MPTC/5095/2010 (fls. 37/41), manifestando-se pelo conhecimento da consulta e resposta de mérito nos termos do Parecer COG.

 

É o breve Relatório.

 

 

2. DISCUSSÃO

 

Conforme assinalaram a COG e o MPTC, efetivamente estão presentes os requisitos de admissibilidade da consulta, o que a torna apta para análise por este Tribunal, a despeito da ausência de parecer da assessoria jurídica da Câmara Municipal, que pode ser relevada no presente caso (artigo 105, § 2º, do RITC).

 

Acrescento, ainda, que o órgão consultivo analisou a questão e a respondeu de acordo com a legislação em vigor, tendo sugerido a revogação dos Prejulgados nºs 2002, 357 e o item 3 do Prejulgado n. 1536, que trazem orientação conflitante com outras decisões que estão sendo exaradas por esta Corte de Contas.

 

No caso em tela, com vistas a uniformizar a jurisprudência deste Tribunal de Contas, considero pertinente acatar a sugestão da Consultoria Geral também neste ponto.

 

Quanto ao mérito, verifico que tanto a Lei Complementar Federal n. 130/2009, em seu art. 2º, §§ 1º e 2º[2], quanto a Resolução n. 3859/2010, art. 35, inciso VI[3], editada pelo Banco Central permitem a prestação de serviços de natureza financeira pelas cooperativas de crédito a não associados, salvo os serviços de captação de recursos e de concessão de créditos e garantias que devem ser restritos aos associados.

 

Cabe ressaltar que, a Lei Complementar Federal, já mencionada, em seu art. 4º, não admite a participação de entes públicos e suas autarquias, fundações e empresas estatatais dependentes, no quadro social das cooperativas de crédito.

 

Com relação ao primeiro questionamento pertinente a possibilidade do recebimento de tributos pelas cooperativas de crédito é possível desde que condicionada a depósito imediato em instituições financeiras oficiais, uma vez que, o Código Tributário Nacional, art. 7º, § 3º[4], permite a atribuição da função de arrecadação à pessoa jurídica de direito privado.

 

Nesta linha o Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul manifestou-se sobre a compatibilidade da arrecadação tributária por instituições não oficiais, também este Tribunal se manifestou favorável conforme Prejulgado n. 311[5].

 

Assim, a meu ver, não há óbice o recebimento de tributos pelas cooperativas de crédito, em observância ao Prejulgado n. 311, desde que tais instituições atuem como meras arrecadadoras, não utilizando os recursos para quaisquer fins, e que os valores sejam transferidos imediatamente para instituições financeiras oficiais.

 

Quanto ao segundo questionamento efetuado pelo consulente pertinente a possibilidade do pagamento de vencimentos de servidores por intermédio de cooperativas de crédito, este Tribunal possui entendimento que esta operação poderá ser feita por instituição financeira privada (Prejulgado n. 1803), sendo as cooperativas consideradas instituições financeiras pela Lei Federal n. 4595/64, arts. 17 e 18, bem como item 2 do Prejulgado n. 1536, e tendo em vista que os pagamentos feitos aos servidores públicos não são considerados disponibilidade de caixa devido a natureza de despesa liquidada que possuem, não há ofensa ao art. 164, § 3º da Constituição Federal.

 

Desta forma, a realização de tais serviços, por intermédio de abertura de conta-salário, por cooperativas de crédito, é possível desde que precedidas de licitação.

 

 

3. VOTO

 

Considerando que o consulente está legitimado à subscrição de consultas para este Tribunal, nos termos do inciso II do art. 103 do Regimento Interno desta Corte de Contas;

 

Considerando que a consulta trata de situações em tese e de interpretação de lei, conforme determina o inciso XII do art. 59 da Constituição do Estado, bem como o inciso XV do art. 1º da Lei Complementar Estadual n. 202/00;

 

Proponho ao Egrégio Tribunal Pleno a adoção da seguinte deliberação:

 

3.1. Conhecer da presente Consulta por preencher os requisitos e formalidades preconizados nos arts. 103 e 104 do Regimento Interno (Resolução nº TC-06, de 28 de dezembro de 2001) do Tribunal de Contas.

 

3.2. Responder à Consulta nos seguintes termos:

 

3.2.1. As cooperativas de crédito, por serem equiparadas às instituições financeiras privadas, podem realizar o serviço de pagamento aos servidores públicos por intermédio de abertura de conta-salário, mediante processo licitatório, pois, na esteira do Prejulgado n. 1803 deste Tribunal de Contas, tais pagamentos não são considerados disponibilidade de caixa em razão da natureza de despesa liquidada que possuem, não havendo ofensa ao art. 164, § 3º, da Constituição Federal.

 

3.2.2. É possível o recebimento de tributos pelas cooperativas de crédito, contratadas mediante processo licitatório (Prejulgado n. 311) desde que essas instituições atuem como meras arrecadadoras, não utilizando os recursos para quaisquer fins, como por exemplo aplicações financeiras e que os valores sejam transferidos e depositados imediatamente para instituições financeiras oficiais.

 

3.3. Revogar, com fundamento no art. 156 do Regimento Interno deste Tribunal os seguintes Prejulgados:

 

3.3.1. Prejulgados nºs 2002, 357 e o item 3 do Prejulgado n. 1536;

 

3.4. Determinar ao consulente que:

 

3.4.1. Em futuras consultas, encaminhe parecer de sua assessoria jurídica, nos termos do art. 104, V, do Regimento Interno do Tribunal de Contas.

 

3.5. Determinar o arquivamento do Processo.

 

3.6. Dar ciência da Decisão, Relatório e Voto do Relator e Parecer da Consultoria Geral ao Sr. Alaor Antônio Camillo e à Câmara Municipal de Concórdia.

 

Florianópolis, em 31 de agosto de 2010.

 

HERNEUS DE NADAL

CONSELHEIRO RELATOR



[1]Origem do prejulgado 2002, que possui a seguinte redação:

 

1. Inexiste amparo legal para a Administração Municipal utilizar-se de Cooperativa de Crédito para depósito e movimentação financeira. Nos termos do art. 164, §3º, da Magna Carta, as disponibilidades de caixa de Município e de seus Órgãos serão depositadas em bancos oficiais, sendo admitido, à falta desses no território do Município, ao Poder Público Municipal valer-se de estabelecimento bancário da rede privada (Prejulgado n. 357 deste Tribunal).


2. Em conformidade com o disposto na Lei n. 5.764/71 e na Lei Complementar n. 130/2009, além do disposto na Resolução n. CMN/BACEN 3.442/2007, fica a Câmara Municipal impossibilitada de movimentar seus recursos financeiros (conta salário e conta fornecedores) com cooperativa de crédito mútuo, mesmo através do SICOOB/SC, que atua na Municipalidade.

[2] Art. 2o As cooperativas de crédito destinam-se, precipuamente, a prover, por meio da mutualidade, a prestação de serviços financeiros a seus associados, sendo-lhes assegurado o acesso aos instrumentos do mercado financeiro.

§ 1o A captação de recursos e a concessão de créditos e garantias devem ser restritas aos associados, ressalvadas as operações realizadas com outras instituições financeiras e os recursos obtidos de pessoas jurídicas, em caráter eventual, a taxas favorecidas ou isentos de remuneração.

§ 2o Ressalvado o disposto no § 1o deste artigo, é permitida a prestação de outros serviços de natureza financeira e afins a associados e a não associados. (g.n.)

 

[3] Art. 35. A cooperativa de crédito pode realizar as seguintes operações e atividades, além de outras estabelecidas em regulamentação específica:

VI - prestar os seguintes serviços, visando ao atendimento a associados e a não associados:
a) cobrança, custódia e serviços de recebimentos e pagamentos por conta de terceiros, a pessoas físicas e entidades de qualquer natureza, inclusive as pertencentes aos poderes públicos das esferas federal, estadual e municipal e respectivas autarquias e empresas;
b) correspondente no País, nos termos da regulamentação em vigor;
c) colocação de produtos e serviços oferecidos por bancos cooperativos, inclusive os relativos a operações de câmbio, em nome e por conta da instituição contratante;
d) distribuição de recursos de financiamento do crédito rural e outros sujeitos a legislação ou regulamentação específicas, ou envolvendo equalização de taxas de juros pelo Tesouro Nacional, compreendendo formalização, concessão e liquidação de operações de crédito celebradas com os tomadores finais dos recursos, em operações realizadas em nome e por conta da instituição contratante; e
e) distribuição de cotas de fundos de investimento administrados por instituições autorizadas, observada a regulamentação aplicável editada pela CVM. (g.n.)

 

[4] Art. 7º A competência tributária é indelegável, salvo atribuição das funções de arrecadar ou fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária, conferida por uma pessoa jurídica de direito público a outra, nos termos do § 3º do artigo 18 da Constituição.

§ 1º A atribuição compreende as garantias e os privilégios processuais que competem à pessoa jurídica de direito público que a conferir.

§ 2º A atribuição pode ser revogada, a qualquer tempo, por ato unilateral da pessoa jurídica de direito público que a tenha conferido.

§ 3º Não constitui delegação de competência o cometimento, a pessoas de direito privado, do encargo ou da função de arrecadar tributos. (g.n.)

 

[5] Pode o Município consulente, para a cobrança de seus carnês de tributos, utilizar-se da rede bancária nas seguintes hipóteses:
- credenciar somente os bancos oficiais com agências no território municipal; ou
- credenciar os bancos oficiais e um da rede privada com agências no Município, escolhido por processo licitatório regular; ou
- credenciar toda a rede bancária (privada e pública), com agências no Município, sendo, neste caso, dispensada a licitação por inviabilidade de competição nos moldes do artigo 25, caput, da Lei n° 8.666/93.