ESTADO DE SANTA CATARINA
Gabinete
Conselheiro Julio Garcia
PROCESSO: CON-10/00469830
UG/CLIENTE: Prefeitura
Municipal de São Bento do Sul
INTERESSADO: Magno
Bollmann
ASSUNTO: Consulta sobre desapropriação
e compensação do crédito indenizatório com o crédito tributário.
VOTO nº GC-JG/2011/278
DESAPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA. MUNICÍPIO. INDENIZAÇÃO.
PAGAMENTO MEDIANTE COMPENSAÇÃO DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO EXISTENTE A FAVOR DA
MUNICIPALIDADE. RESPONDER PARCIALMENTE À CONSULTA.
I
- RELATÓRIO
Cuidam os autos de consulta formulada pelo Prefeito Municipal de São Bento do Sul, Sr. Magno Bollmann, questionando, em síntese, a possibilidade de, em caso de desapropriação, compensar-se o crédito indenizatório com crédito tributário. A propósito, a peça indagativa encontra-se vazada nos seguintes termos:
1. Um dado
Município declara de utilidade pública um dado imóvel urbano, se imite na posse
e dá início ao procedimento de desapropriação, preparando-se para a lavratura da
escritura de acordo expropriatório, precedida de autorização legislativa, não
obstante a desnecessidade (Prejulgado TCE/SC nº 0816). Concomitantemente,
consta inscrito em dívida ativa um crédito tributário vultoso onde é devedor o
particular expropriado. Havendo previsão no Código Tributário Municipal de que
a compensação extingue o crédito tributário e de que o Secretário Municipal de
Finanças pode ‘autorizar a compensação de créditos líquidos e certos, vencidos
ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Municipal’, pode a
Administração, à vista do art. 156, II, c/c art. 170 do Código Tributário
Nacional compensar o crédito indenizatório do particular expropriado com
crédito tributário para o fim de declará-lo extinto?
2. Em caso
positivo e no caso de o crédito indenizatório do particular expropriado ser de
maior monta do que o crédito tributário, pode a diferença que não foi objeto de
compensação ser paga em 30 (trinta) parcelas?
3. Em caso
positivo, tal pagamento parcelado de parte da paga indenizatória é considerado
operação de crédito segundo o art. 37, III da LRF?
4. O
empenhamento da despesa com a indenização expropriatória deve se dar pelo valor
total ou somente pelo valor da diferença não compensada? (Exemplificando: O
valor da indenização expropriada é de R$ 3 milhões, o crédito tributário é
R$1,3 milhão e o valor a ser pago sem compensação é R$1,7 milhão. O empenho é
de R$ 3 milhões ou de R$ 1,7 milhão?)
5. Qual
seria, no caso hipotético, a modalidade de extinção do crédito tributário? Pagamento
ou a compensação? Em sendo compensação, isto não caracterizaria a dação em
pagamento conforme o Prejulgado n. 599 do TCE/SC?
6. Caso o
crédito tributário seja objeto de execução fiscal, como deveria ser feita a
extinção do processo judicial?
O expediente de fls. 02 a 05 veio instruído de parecer jurídico do Ente Consulente, constante às fls. 06-14 dos autos.
I.1 – CONSULTORIA GERAL
Nos termos regimentais, os autos foram encaminhados à Consultoria Geral (COG) desta Casa, para análise técnica, efetivada por meio do Parecer nº COG-486/2010 (fls. 16-25).
Preliminarmente, quando à admissibilidade da presente consulta, os Auditores da COG manifestaram-se pelo seu conhecimento, vez que atendidos os requisitos e formalidades preconizados nos arts. 103 e 104 do Regimento Interno.
Quanto ao mérito, sugeriram responder tão somente
o item 1 da consulta, que diz respeito à possibilidade de compensar indenização devida pelo
Município em virtude de desapropriação de imóvel urbano por utilidade pública
com crédito tributário. Nesse particular, concluiram, com base em doutrina
pátria especializada, que a Constituição Federal determina em seu art. 5º,
inciso XXIV, que a indenização decorrente de desapropriação por utilidade
pública deve ser paga em dinheiro, razão pela qual não é possível a compensação
de crédito indenizatório decorrente de desapropriação com crédito tributário,
pois além de não haver previsão desta hipótese na Constituição Federal, é nulo
de pleno direito o ato de desapropriação de imóvel urbano sem prévia e justa
indenização em dinheiro, conforme previsto no art. 46, da Lei de
Responsabilidade Fiscal.
Quanto aos demais itens
(2 a 6), consideraram prejudicada a resposta tendo em vista que o primeiro
questionamento foi respondido de forma negativa.
I.2 – DO
MINISTÉRIO PÚBLICO JUNTO AO TRIBUNAL DE CONTAS
O Ministério
Público Especial, por meio do Parecer nº 7.107/2010, lavrado pelo Procurador
Diogo Roberto Ringenberg (fls. 26-27), acompanhou a manifestação da COG.
Vieram os autos
conclusos.
É a relato do
essencial.
II
– DISCUSSÃO
Trata a consulta de matéria sujeita a exame e fiscalização desta Corte de Contas, nos termos do inciso XII, do artigo 59, da Constituição Estadual c/c inciso I do art. 104 da Resolução nº TC-06/2001.
Atendidos estão os pressupostos de admissibilidade do art. 104 da Resolução nº TC-06/2001, porquanto a matéria versa sobre questão formulada em tese, com indicação precisa da dúvida a ser esclarecida, subscrita por pessoa legitimada para formular a consulta e devidamente instruída com parecer da assessoria jurídica da municipalidade, autorizando, portanto, o seu conhecimento, em razão do que disciplina o art. 105, § 2°, do Regimento Interno.
O tema ventilado na presente consulta diz respeito, em síntese, se a indenização em dinheiro, prevista constitucionalmente para as desapropriações por utilidade pública, pode ser adimplida com a compensação de créditos tributários de titularidade do ente expropriante, à luz do comando contido no art. 156, II, c/c art. 170 do Código Tributário Nacional.
No parecer técnico de fls. 16 a 25, a Consultoria Geral concluiu pela sua impossibilidade, com amparo nos seguintes argumentos: 1) um dos requisitos constitucionais para a desapropriação por utilidade pública, segundo o art. 5º, inciso XXIV, é de que a indenização deve ser prévia, justa e em dinheiro; 2) a regra é, portanto, o pagamento em espécie, sendo permitida outras formas de pagamento tão somente nas hipóteses previstas nos artigos 182, § 4º, inciso III e 184 da Constituição Federal, dispositivos que regulamentam a desapropriação para fins de política urbana e a desapropriação para fins de reforma agrária e prevêem o pagamento da indenização mediante títulos da dívida pública, donde concluiu-se que não é possível compensar a indenização por desapropriação de imóvel urbano por utilidade pública com créditos tributários, pois esta modalidade de pagamento não está contida nas exceções previstas constitucionalmente.
Além disso, outros dois argumentos, não menos importantes,
foram levantados pela Consultoria Geral, a saber: 3) a de que a interpretação restritiva nesse caso é a
mais prudente, haja vista que a desapropriação por utilidade pública e,
consequentemente, o direito à indenização em dinheiro está prevista no art. 5º,
inciso XXIV, da Constituição Federal, que trata dos direitos e garantias individuais, os quais foram protegidos
pelo legislador constitucional, que os inseriu no rol do art. 60, § 4º, inciso
IV, da Constituição Federal. São as chamadas Cláusulas Pétreas, que vedam
propostas de emendas constitucionais tendentes a abolir os direitos e garantias
individuais.; 4) por fim, que a Lei de Responsabilidade Fiscal dispõe
que é nulo de pleno direito o ato de desapropriação de imóvel urbano sem prévia
e justa indenização em dinheiro, conforme previsto no art. 46.
De
início, registro que, in casu, trata-se da compensação tributária[1], uma vez que,
conforme consignado na peça indagativa, a Administração
Pública pretende extinguir, nas palavras do próprio Consulente, crédito
tributário “vultuoso”, já inscrito em dívida ativa, onde é devedor o particular
expropriado, mediante compensação dos
valores a serem pagos a particular a título de indenização, decorrente de
desapropriação amigável promovida pelo Ente Público.
A
compensação tributária é uma das modalidades de extinção do crédito tributário
(artigo 156, inciso II, do CTN). Ela ocorre quando duas pessoas forem ao mesmo
tempo credor e devedor de obrigações, uma com a outra, operando-se a extinção
até onde se compensarem. O Código Tributário acolheu o instituto, com algumas
particularidades, dispondo no sentido de que a lei pode, nas condições e sob as
garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade
administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos
líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda
Pública. (art. 170, CTN).
Já a desapropriação por utilidade pública, por sua vez, está prevista no art. 5º, inciso XXIV, da Constituição Federal, que possui a seguinte redação:
TÍTULO II Dos Direitos e Garantias Fundamentais
CAPÍTULO I DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS
Art. 5º Todos são iguais perante
a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por
necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e
prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta
Constituição;
Pois bem.
Após analisar atentamente a matéria ventilada nos presentes autos, decidi filiar-me ao entendimento exarado pela Consultoria Geral em seu parecer, fazendo apenas algumas considerações.
Ao proceder a uma leitura atenta da indagação contida no item 1, verifico que o Consulente delimitou a matéria da consulta à desapropriação amigável, isto é, aquela em que as partes entram em acordo quanto ao valor da indenização na via administrativa[2], o que também se confirma à fl. 02 dos autos.
Afasto, assim, possível discussão quanto aos comandos contidos no art. 32, §1º, do Decreto-Lei nº 3.3665/41[3] e no art. 100, §9º, da Constituição Federal/88[4], dispositivos estes foram recentemente incluídos pela Lei nº 11.977/2009 e Emenda Constitucional nº 62/2009, respectivamente, vez que tais dispositivos só possuem aplicação no âmbito da desapropriação judicial.
De fato, no caso sob exame, tenho como escorreito os argumentos ventilados pelo Órgão Consultivo para o deslinde da questão. Assim como a Instrução, entendo que, no presente caso, a interpretação restritiva é a mais prudente, mormente porque estamos tratando de direitos e garantias fundamentais, com previsão e proteção constitucional, além do fato de que a Fazenda Pública possui meios próprios para cobrar créditos de natureza tributária.
Afora isso, outra questão, ao meu ver, tem especial relevância para a presente consulta: o fator voluntariedade.
Entendo que o Poder Público não pode impor a compensação tributária como forma/meio de quitar, ainda que parcialmente, dívida com o particular expropriado, em razão do pagamento da indenização oriunda de desapropriação, friso, amigável.
Como bem anotou a COG: “Ora, se nem por meio de emendas constitucionais os direitos e garantias individuais podem ser diminuídos, quem dirá a restrição por parte do Administrador Público.” (fl. 23).
Ademais,
registro que além dos pressupostos formais para a se operar a compensação, em
se tratando de crédito tributário a compensação sempre depende da existência de
lei que estipule as condições e garantias, ou que se delegue à autoridade
administrativa e encargo de fazê-lo. Não
é suficiente, portanto, a simples
existência de reciprocidade de dívidas para que a compensação se imponha. Para
haver a dita compensação, o contribuinte
há que anuir expressamente. Isto é: se o contribuinte não quiser aceitar a
compensação, ela não irá se operar.
Face ao
exposto, e respondendo ao primeiro questionamento formulado na presente
consulta, a
Constituição Federal determina em seu art. 5º, inciso XXIV, que a indenização
decorrente de desapropriação por utilidade pública deve ser paga em dinheiro,
razão pela qual não é possível a compensação de crédito indenizatório
decorrente de desapropriação amigável com crédito tributário, pois além de não
haver previsão desta hipótese na Constituição Federal, é nulo de pleno direito
o ato de desapropriação de imóvel urbano sem prévia e justa indenização em
dinheiro, conforme previsto no art. 46, da Lei de Responsabilidade Fiscal.
O Administrador Público, assim, não poderá impor dita compensação tributária, mormente porque estamos tratando de direitos e garantias fundamentais, com previsão e proteção constitucional, além do fato de que a Fazenda Pública possui meios próprios para cobrar créditos de natureza tributária.
Os demais questionamentos restam prejudicados em razão da resposta ofertada no item 1 da consulta.
III - VOTO
Diante de todo o exposto, estando os autos instruídos na forma regimental, acolho o parecer exarado pela COG, referendado que foi pelo Ministério Público Especial, e proponho ao e. Plenário o seguinte voto:
1 – Conhecer da presente Consulta por
preencher os requisitos e formalidades preconizados no Regimento Interno deste
Tribunal e respondê-la nos seguintes
termos:
1. A Constituição Federal determina em seu art. 5º, inciso XXIV, que a
indenização decorrente de desapropriação por utilidade pública deve ser paga em
dinheiro, razão pela qual não é possível a compensação de crédito indenizatório
decorrente de desapropriação amigável com crédito tributário, pois além de não
haver previsão desta hipótese na Constituição Federal, é nulo de pleno direito
o ato de desapropriação de imóvel urbano sem prévia e justa indenização em
dinheiro, conforme previsto no art. 46, da Lei de Responsabilidade Fiscal.
2. O Administrador Público, assim, não poderá impor dita compensação tributária, mormente porque estamos tratando de direitos e garantias fundamentais, com previsão e proteção constitucional, além do fato de que a Fazenda Pública possui meios próprios para cobrar créditos de natureza tributária.
2 - Dar ciência da Decisão, do Relatório e Voto do Relator e do Parecer nº COG-486/2010 ao Consulente.
3 – Determinar o arquivamento dos autos.
Gabinete, em 08 de junho de 2011.
Conselheiro Julio Garcia
Relator
[1]
Existem duas modalidades de compensação: a
compensação civil (Código Civil, art. 368), e a compensação tributária (Código
Tributário Nacional, art. 170). Transcrevo, abaixo, os dispositivos legais:
CC, “Art. 368. Se duas pessoas forem ao
mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até
onde se compensarem.”
CTN, “Art. 170. A lei pode, nas condições e
sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à
autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com
créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a
Fazenda Pública.
Parágrafo único: Sendo vincendo o crédito do
sujeito passivo, a lei determinará, para os efeitos deste artigo, a apuração do
seu montante, não podendo, porém, cominar redução maior que a correspondente ao
juro de 1% (um por cento) ao mês pelo tempo a decorrer entre a data da compensação
e a do vencimento.”
[2] Decreto-Lei nº 3365/41: Art. 10. A desapropriação deverá efetivar-se mediante acordo ou intentar-se judicialmente, dentro de cinco anos, contados da data da expedição do respectivo decreto e findos os quais este caducará. (Vide Decreto-lei nº 9.282, de 1946)
[3] Art. 32. O pagamento do preço será prévio e
em dinheiro. (Redação dada
pela Lei nº 2.786, de 1956)
§ 1o As dívidas fiscais serão deduzidas dos valores depositados, quando inscritas e ajuizadas. (Incluído pela Lei nº 11.977, de 2009)
[4]
Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas
Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença
judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos
precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos
ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para
este fim. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009).
§ 9º. No momento da expedição dos precatórios,
independentemente de regulamentação, deles deverá ser abatido, a título de
compensação, valor correspondente aos débitos líquidos e certos, inscritos ou
não em dívida ativa e constituídos contra o credor original pela Fazenda
Pública devedora, incluídas parcelas vincendas de parcelamentos, ressalvados
aqueles cuja execução esteja suspensa em virtude de contestação administrativa
ou judicial. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009). (grifei).