PROCESSO: REP
10/00790166
UG/CLIENTE: Secretaria
de Estado de Desenvolvimento Regional de Joaçaba
INTERESSADO: Marcondes
Marchetti
RESPONSÁVEL: Jair
Antonio Lorensetti
ASSUNTO: Descumprimento
pela administração estadual do Decreto n.º 2.836/2009, que estabelece o BESC
S/A Corretora de Seguros e Administradora de Bens – BESCOR, como corretora
oficial do Estado de Santa Catarina
REPRESENTAÇÃO. IMPUGNAÇÃO DO EDITAL.
INTERVENIÊNCIA DA BESCOR. INEXISTÊNCIA DE IRREGULARIDADES.
A Lei n.º 8.666/93 ampara o Decreto n.º 2.836/2009, no que tange à
interveniência da BESCOR, como corretora nos contratos de seguro, apenas quando
estes forem firmados pelos órgãos e entidade que integram a estrutura
organizacional do Poder Executivo do Estado de Santa Catarina.
I - RELATÓRIO
Trata-se de representação formulada pela BESC S.A Corretora de Seguros e Administradora de Bens – BESCOR, com pedido de suspensão cautelar de edital, em razão de descumprimento pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento Regional (SDR) de Joaçaba do Decreto n.º 2.836/2009.
A representante entende que em todos os certames licitatórios da Administração Pública Estadual a BESCOR deva analisar o edital, apondo seu VISTO, após análise atuarial. Aponta que a SDR de Joaçaba, ao lançar o Edital de Convite n.º 042/2010, não atendeu ao Disposto no Decreto n.º 2.836/2009, e que, mesmo após as sugestões para alteração, de acordo com as exigências de seguro a SDR, continua não respeitando o regulamento.
Liminarmente, requer a suspensão do certame licitatório.
Na data de 02/12/2010, a representante protocola pedido de suspensão do processo, com desistência da cautelar solicitada, em razão da ciência de Prejulgado[1] a respeito do tema em discussão e de reunião que se realizaria com a Diretoria Técnica e Consultoria Geral sobre o posicionamento da Casa.
Após retornarem os autos à DLC, foi elaborado o relatório n. 1154/2010 (fls. 123/), o qual sugeriu:
Considerando que não restaram caracterizados o fumus boni iuris e o periculum in mora para embasar a
concessão de tutela cautelar;
Considerando que se concluiu pela
inconstitucionalidade do §2º do art. 5º do Decreto Estadual nº 2.836, de 11 de
dezembro de 2009, com fundamento na Súmula 347 do Supremo Tribunal Federal[2],
no que tange à exigência de pagamento de taxa de corretagem à BESCOR no caso de
contratação de seguro de responsabilidade civil pela contratada da
Administração, bem como no caso de previsão de seguro-garantia de
licitantes/contratantes;
Diante do exposto, a Diretoria de Controle de
Licitações e Contratações sugere ao Exmo. Sr. Relator:
3.1. CONHECER
da Representação, por preencher os requisitos da Resolução nº TC-07/2002.
3.2. NÃO CONCEDER a tutela cautelar requerida pela
BESCOR, uma vez que não restaram caracterizados o fumus boni iuris e o periculum
in mora.
3.3. Considerar IMPROCEDENTE a representação
apresentada pela BESC S.A. Corretora de Seguros e Administradora de Bens –
BESCOR.
3.4. Dar ciência da decisão e do relatório técnico à
representante e ao representado.
O Ministério
Público ofereceu o parecer n. 340/2011 (fl. 134), acompanhando o entendimento
da área técnica, pela improcedência da representação.
Os
autos vieram conclusos.
É o Relatório.
II - DISCUSSÃO
Preliminarmente, em vista dos elementos contidos nos autos,
entendo que a representação preenche os requisitos legais para sua
admissibilidade, nos termos do art. 65, § 1º da Lei Complementar Estadual n.
202/2000, motivo pelo qual a conheço, fazendo-o também com fundamento no art.
113, § 1º, da Lei n. 8.666/1993, e arts. 101, inciso IV e 102 do Regimento
Interno desta Corte.
Quanto ao pedido de sustação do edital, prejudicada se
encontra a análise, tanto em razão do pedido formulado pela representante
(fl.120/121), quanto pela ausência dos requisitos necessários à concessão da
medida, conforme apontado pela área técnica.
Não acolho pedido de suspensão do processo em razão da
ausência de previsão do referido instituto na Lei Orgânica desta Corte de
Contas – Lei Complementar n.º 202/00, não se enquadrando, da mesma forma, em
nenhumas das hipóteses de suspensão do processo previstas no art. 265[3]
do Código de Processo Civil – Lei (federal) 5.869/73.
No mérito insurge-se a representante contra o fato da SDR de
Joaçaba não observar o disposto no Decreto n.º 2.836/2009, deixando de repassar
seus editais à BESCOR para análise atuarial, apresentação de soluções
securitárias e adequação do edital se necessária.
A suposta infração à norma esbarraria no disposto no art. 5º
do Decreto Estadual n.º 2.836/2009, que declara:
Decreto n.º 2.836 de 11 de dezembro de 2009
O GOVERNADOR DO ESTADO DE SANTA
CATARINA, no uso da competência privativa que lhe confere o art. 71, incisos I
e III, da Constituição do Estado, e tendo em vista o disposto no art. 97 da Lei
nº 6.745, de 28 de dezembro de 1985, e no art.
52 da Lei Complementar nº 412, de 26 de junho de 2008,
D
E C R E T A:
[...]
Art. 5º
Sempre que houver a exigência de
qualquer contratação de seguro, inclusive seguro-garantia, nos certames
licitatórios promovidos pelos entes da estrutura organizacional do Poder
Executivo estadual, o edital deverá conter o visto da BESCOR, atestando a
confiabilidade das especificações técnicas relacionadas às exigências econômica,
financeira e atuariais para efetiva garantia aos riscos e a exigibilidade de
explicitação do custo do componente seguro na planilha de custos,
competindo-lhe ainda atestar a idoneidade da apólice de seguro decorrente, e a
fiscalização do cumprimento de suas cláusulas e garantias, independentemente de
quem tenha a obrigação de contratá-lo.
§ 1º O processo licitatório para a
seleção das companhias seguradoras será realizado na modalidade de pregão,
conforme o Decreto nº 4.777, de 11 de outubro de 2006.
§ 2º O edital conterá,
obrigatoriamente, a comissão de corretagem devida à BESCOR, afixada com base na
média dos percentuais praticados no mercado.
O edital de convite n.º 42/2010 previa a contratação de empresa para execução de serviços de mão-de-obra para pintura nas escolas da rede pública com valor orçado em R$ 72.542,85 (setenta e dois mil quinhentos e quarenta e dois reais e oitenta e cinco centavos). O dispositivo do edital que incitou a representação da empresa representante dispõe:
13.3 - A Contratada providenciará à sua conta, o
seguro de responsabilidade civil, inclusive respondendo pelo que exceder da
cobertura dada pela seguradora não cabendo à SDR, quaisquer obrigações
decorrentes de risco da espécie.
A Lei (federal) n.º 8.666/93 prevê a
contratação de seguros pela contratada nas hipóteses do art. 31 c/c o art. 56,
II, no caso de seguro garantia e do art. 40, XIV, no caso de garantia exigida
para pagamento, conforme se verifica:
Art. 40. O
edital conterá no preâmbulo o número de ordem em série anual, o nome da
repartição interessada e de seu setor, a modalidade, o regime de execução e o
tipo da licitação, a menção de que será regida por esta Lei, o local, dia e
hora para recebimento da documentação e proposta, bem como para início da abertura
dos envelopes, e indicará, obrigatoriamente, o seguinte:
[...]
XIV - condições
de pagamento, prevendo:
[...]
e) exigência de
seguros, quando for o caso;
[...]
Art. 56. A
critério da autoridade competente, em cada caso, e desde que prevista no instrumento
convocatório, poderá ser exigida prestação de garantia nas contratações de
obras, serviços e compras.
§ 1o Caberá
ao contratado optar por uma das seguintes modalidades de garantia:
[...]
II - seguro-garantia;
O seguro previsto no edital de convite não se
enquadra em nenhuma das hipóteses previstas na lei de licitações.
A diretoria técnica
divide a irresignação da representante em dois aspectos: o primeiro referente à
interveniência da BESCOR quanto às providências administrativas para a
elaboração de editais de licitação que exijam seguro de responsabilidade civil
ou que tenha a previsão de seguro-garantia; e o segundo referente ao pagamento
à BESCOR da taxa de corretagem quando exigido seguro de responsabilidade civil
da licitante contratada e quando apresenta seguro garantia.
Em relação ao
primeiro aspecto entende a DLC que é correta a interveniência da BESCOR, pois
se trata de escolha político-adminstrativa que deve ser seguida pelos órgãos e
entidades que fazem parte da estrutura organizacional do Poder Executivo de
Santa Catarina.
Coaduno em parte
com entendimento da DLC, já que o atual Decreto atual altera o disposto no
Decreto n.º 452/2007. O novo regulamento (2.836/2009) disciplina objetivo
distinto para a BESCOR do que o disposto em sua lei criadora que seria apenas
de fazer a corretagem dos contratos de seguros firmados pela administração
direta e indireta do Estado de Santa Catarina. Foge à alçada da BESCOR a
análise e elaboração de editais, pois cabe a mesma, apenas, atuar diretamente junto
ao Poder Executivo, na prestação dos serviços designados quando de sua criação
e desde que anterior à vigência da lei de licitação, o que abarca apenas, no
presente caso, a corretagem de seguros.
Ainda quando em vigor o Decreto n.º 452/2007[4], que em seu art. 1º determinava que os contratos e renovações de seguro de vida, acidentes pessoais, bens e direitos firmados pelos órgãos da administração direta e indireta, autárquica e fundacional do Poder Executivo Estadual, quando pagos, total ou parcialmente, com recursos públicos, deveriam ser realizados, obrigatoriamente, mediante corretagem da BESC S/A – Corretora de Seguros e Administradora de Bens – BESCOR, esta Corte de Contas teve oportunidade de se manifestar sobre a referida interveniência, por meio do Prejulgado 1954[5], nos seguintes termos:
1. Os Decretos Estaduais n. 452, de 18 de junho de
2007, e 483 de 26 de junho de 2007, determinam a interveniência da BESCOR, como
corretora, nos contratos de seguro firmados pelos órgãos e entidades que
integram a estrutura organizacional do Poder Executivo de Santa Catarina.
Conforme demonstrou
o Parecer COG 271/2008, que fundamentou o prejulgado, a obrigatoriedade da
intermediação da BESCOR, como corretora, por ocasião da contratação de empresa
seguradora pelos órgãos e entidades da Administração Direta e Indireta, exigida
pelos Decretos estaduais n.º 452 e 483, está amparada no art. 24, inciso VIII,
Lei Federal n.º 8.666/93 que possibilita a dispensa da licitação para aquisição
de bens e serviços prestados por órgão ou entidade que integre a própria Administração
e que tenha sido criado para esse fim específico em data anterior à vigência
desta Lei, desde que o preço, contratado seja compatível com o praticado no
mercado.
Destaca-se que o órgão ou entidade deve ter
sido criado para atender exclusivamente aos interesses do criador, para aquele
fim específico, no presente caso, de corretora de seguros, não podendo prestar
serviço para terceiros. Este foi entendimento exarado pelo TCU, no Acórdão
1.447/2004 – Plenário.
Vale ressaltar o objetivo destacado no Estatuto Social da BESCOR que
ampara a dispensa:
Art. 5º - A Sociedade
terá por objetivo:
I – Realizar a
corretagem de:
a) seguros de ramos
elementares;
b) seguros do ramo
vida e capitalização;
c) planos de previdenciários
e planos e seguro de saúde.
II – Administrar bens
móveis em geral, operar no campo mercantil de comprar e venda e outras formas
de alienação imobiliária, bem como realizar a corretagem, avaliação, leilão e
pregão de bens móveis e imóveis.
Parágrafo único –
para a consecução dos objetivos elencados neste artigo deverá a Sociedade
respeitar os dispositivos legais aplicáveis à sua atividade e priorizar os
interesses do Estado de Santa Catarina.
III – Assessorar o
Governo do Estado nos Ramos de Seguros, Imobiliário, Previdência, Capitalização
e Planos e Seguro de Saúde, realizando análises e estudos voltados ao
atendimento de suas demandas.
De acordo com o art. 1º da Lei (federal)
n.º 4.594/64, que regula a profissão, o corretor de seguros, seja
pessoa física ou jurídica, é o intermediário legalmente autorizado a angariar e
a promover contratos de seguros, admitidos pela legislação vigente, entre as
sociedades de seguros e as pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou
privado, situação esta não descrita no art. 5º do Decreto n.º 2.836/2009.
Nota-se que o novo
regulamento amplia a atuação da BESCOR, não apenas em relação ao objeto, mas
também em relação aos sujeitos contratantes de seguro que deverão ter seus
contratos de seguro, tanto intermediados, quanto, avaliados pela representante.
O art. 5º determina que os Editais tenham visto da BESCOR sempre que neles
contenha exigência de qualquer contratação de seguro, inclusive seguro
garantia, independentemente de quem tenha a obrigação de contratá-lo.
Esta ampliação vai
além do disposto no objeto social da empresa e afasta a aplicação do art. 24,
inciso VII, da Lei 8.666/93 que possibilitaria a dispensa da licitação para
contratação daquela empresa, deixando de prestar o serviço exclusivamente para
a administração, passando atuar na exploração da atividade econômica.
O Edital n.º
42/2010 da SDR de Joaçaba se analisado sob a ótica do Decreto n.º 452/2007 não
provocaria a atuação da BESCOR, pois a administração não está firmando contrato
de seguro, obrigação esta imposta apenas aos licitantes/contatada. Já sob á
ótica deste novo Decreto, a existência de cláusula que obriga a contratação de
seguro por parte da contratada, faria nascer a atuação da BESCOR na análise
deste edital.
Ademais, como o Decreto
inclui na análise até mesmo os editais que prevejam a contratação de seguro a
ser firmada pela contrata, seja de que espécie for, incluindo o
seguro-garantia, o pagamento de comissão de corretagem à BESCOR seria imposto
também à contratada.
Em relação ao
pagamento desta comissão, entende a DLC que o dispositivo que assim o determina
seria inconstitucional, por impor reserva de mercado à BESCOR, não podendo
haver essa imposição aos agentes privados, menos ainda, vinda por meio de Decreto,
havendo afronta ao disposto nos arts. 173, § 2º da Constituição Federal. O art.
5º, do Decreto n.º 2.836/2009, também viola o art. 22, XXVII, da Constituição
Federal, por disciplinar matéria reservada à União Federal.
Não há dúvidas a respeito da
possibilidade das Cortes de Contas deliberarem a respeito da não aplicação de
leis inconstitucionais em seus julgados. Sobre o assunto, o Supremo Tribunal
Federal já definiu que o "Tribunal
de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a
constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público” (Súmula 347).
Por todo o exposto,
além de entender que o Decreto n.º 2.836/2009 prevê objetivos distintos para a empresa
daqueles descritos em seu Estatuto Social, o que impossibilita a atuação da
BESCOR como intermediária no presente Edital impugnado, afasto a aplicação do
art. 5º, para o presente caso em razão de sua ilegalidade e
inconstitucionalidade, estando regular no ponto contestado o Edital de Convite
n.º 42/2010 da SDR de Joaçaba.
III – VOTO
Diante do exposto, acolhendo o Relatório da Instrução por seus próprios fundamentos e;
Considerando os vícios insanáveis do art. 5º, do Decreto n.º 2.836/2009;
Considerando que
a Súmula 347 do Supremo Tribunal Federal é clara ao definir que o "Tribunal de Contas, no exercício de suas
atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do Poder
Público";
Considerando a competência deste Tribunal de Contas para, em casos concretos, deixar de aplicar norma legal quando considerá-la inconstitucional (vide Regimento Interno, artigos 149 a 153);
Estando os
autos instruídos na forma Regimental, proponho a este egrégio Plenário o
seguinte voto:
1. Conhecer da presente Representação, mas, no
mérito, julgá-la improcedente.
2. Dar ciência desta Decisão, do Relatório e Voto do
Relator que a fundamentam, ao Representante.
3. Determinar
o arquivamento dos autos.
Gabinete, em 4 de abril de 2011.
Auditor Cleber Muniz Gavi
Auditor
Substituto de Conselheiro
Relator
[1]
Prejulgado 1954
– 1. Os Decretos Estaduais ns. 452, de 18 de julho de 2007, e 483, de 26 de
julho de 2007, determinam a interveniência da BESCOR, como corretora, nos
contratos de seguro firmados pelos órgãos e entidades que integram a estrutura
organizacional do Poder Executivo do Estado de Santa Catarina.
[2] Texto da Súmula: “O Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público”.
[3] Suspende-se o processo:
I - pela morte ou perda da
capacidade processual de qualquer das partes, de seu representante legal ou de
seu procurador;
II - pela
convenção das partes;
III - quando for oposta exceção
de incompetência do juízo, da câmara ou do tribunal, bem como de suspeição ou
impedimento do juiz;
IV - quando a sentença de mérito:
a) depender do julgamento de
outra causa, ou da declaração da existência ou inexistência da relação
jurídica, que constitua o objeto principal de outro processo pendente;
b) não puder ser proferida senão
depois de verificado determinado fato, ou de produzida certa prova, requisitada
a outro juízo;
c) tiver por pressuposto o
julgamento de questão de estado, requerido como declaração incidente;
V - por motivo de força maior;
VI - nos demais casos, que este
Código regula.
[4] Decreto n.º 452/2007 revogado pelo Decreto n.º 2.836/2009, diploma legal apontado como desrespeitado.
[5] CON-08/00295153 – Parecer COG-271/08 –
Decisão 1450/2008 - Conselheiro Wilson Rogério Wan-Dall – D.O 16/06/2008