TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SANTA CATARINA

Gabinete do Auditor Altair Debona Castelan

PROCESSO N° CON 0306229560
O R I G E M: PREFEITURA MUNICIPAL DE IMBUIA - SC
INTERESSADO: ANTÔNIO OSCAR LAURINDO
A S S U N T O: CONSULTA

Tratam de Consulta formulada pelo Sr. Antônio Oscar Laurindo, Prefeito do Município de Imbuia, deseja orientação sobre a possibilidade de cobrança de dívida prescrita e não cobrada pela administração anterior, nos seguintes termos:

"....

Ao cumprimentá-lo mui cordialmente, servimo-nos do presente, para informar a esse Egrégio Tribunal de Contas, que ao assumirmos a municipalidade, no exercício de 2001, uma de nossas preocupações foi a de efetuar o ajuizamento de toda a dívida não prescrita, fato não ocorrido durante a Gestão anterior, o que prejudicou o erário público municipal.

Informamos ainda, que através do Ofício nº 300/2002 (cópia em anexo), de 06-12-2002, notificamos o ex-Prefeito deste Município, Senhor Nelson Guckert Scheidt, para que este efetuasse o recolhimento aos cofres públicos do Município, dos valores inerentes a débitos inscritos em dívida ativa, prescritas no exercício de 2000 e que não foram ajuizadas.

No entanto, não obtivemos nenhum tipo de manifestação por parte do ex-Prefeito até a presente data.

Por isso, solicitamos a orientação do Tribunal de Contas, sobre quais procedimentos e/ou providências deveremos adotar, relacionados ao assunto em questão ..."

" O consulente apresenta às fls. 04, rol de dívidas ativas que se econtram prescritas por não terem sido ajuizadas as competentes ações de execução fiscal (Lei Federal nº 6.830/80) pela gestão municipal anterior.

Consta dos autos às fls.03, ofício da atual administração municipal ao anterior Chefe do Executivo, objetivando o pagamento por parte deste dos referidos valores, contudo sem a observância do princípio do contraditório (art. 5º, LV, da Constituição da República) e do devido processo legal (art. 5º, LIV, da Constituição da República).

Portanto, para que a atual administração possa cobrar os referidos valores, deverá comprovar a desídia do administrador anterior, através de documentação e competente procedimento de tomada de contas especial, e não apenas apresentando rol de dívidas que se tornaram prescritas na gestão anterior.

Visando orientar a municipalidade, colaciono parte de artigo do Coordenador de Recursos desta Consultoria Geral, Dr. Marcelo Brognoli da Costa1, que assim assevera:

"...

O procedimento de tomada de contas não é novo em nosso país e ganhou o delineamento atual a partir da disposição contida no Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, o qual determinava a sua adoção quando da ocorrência de determinados fatos, sobretudo a não prestação de contas ou a lesão ao erário, in verbis:

A adjetivação Tomada de Contas "Especial" se deu na Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União, dela se propagando para os ordenamentos dos demais Tribunais de Contas pátrios, estando inserta no artigo 10 da Lei Complementar Estadual nº 202, de 15 de dezembro de 2000, Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, nestes termos:

A razão de ser desse procedimento reside no fato de que dentre as atribuições constitucionalmente atribuídas às Cortes de Contas está a de "julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo poder público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte dano ao erário público."2

Note-se que a atuação como órgão julgador se restringe a contas, o que determina que atos e fatos praticados e ocorridos no âmbito da Administração Pública ou envolvendo dinheiros públicos, sejam convertidos em contas para então se processar o julgamento. É o caso dos atos submetidos à fiscalização do Tribunal de Contas e das denúncias e representações.3

Como se vê, tal medida se faz imperiosa para possibilitar a função judicante do Tribunal, a qual torna preclusa a matéria perante o Poder Judiciário, que dela só se manifestará quanto aos aspectos extrínsecos do ato, ou seja, se houve a observância do devido processo legal e se foi oportunizado o contraditório e a ampla defesa.

Nesse sentido o escólio do Ministro Victor Nunes Leal ao afirmar que:

Em síntese, nas palavras de José Cretella Jr., ao Poder Judiciário, quando chamado a examinar o ato administrativo "cumpre tão-somente o patrulhamento da legalidade ou da legitimidade do ato."5

Luciano Wagner Firme6, Analista de Finanças e Controle do Distrito Federal, assim define a tomada de contas especial:

A definição em realce, ainda que jungida à legislação pertinente do Tribunal de Contas do Distrito Federal, sintetiza a essência da Tomada de Contas Especial, já que indica seus específicos fins, refere aos que a ela se submetem, e alude aos princípios basilares da Administração Pública e também aos regentes do procedimento e do processo administrativo.

O escopo da TCE é bem preciso: almeja a reparação de dano lesivo ao erário, bem como a efetividade do dever de prestar contas, dever este que encontra assento constitucional, mais precisamente no parágrafo único do artigo 70 da Lei Maior, que obriga a qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária.7

Pelo comando legislativo, portanto, nos casos em que se der a omissão no dever de prestar contas, ou a prática de ato do qual resulte dano ao erário, se insere a TCE como o devido processo legal.

Cabe alertar que não havendo a observância do devido processo legal, mesmo que reste assegurada a ampla defesa e o contraditório, a decisão que dele advir é passível de nulidade. Afinal, esse princípio goza de status constitucional, no sentido de que ninguém será privado de seus bens sem o devido processo legal8, o qual, aliado ao direito de acesso à justiça, e o direito ao contraditório e à plenitude de defesa, completa o ciclo das garantias processuais, conforme o ensinamento de José Afonso da Silva9.

É importante realçar a confusão que comumente se instala na Administração quando ocorre um fato motivador de instauração de TCE.

Como se trata de uma espécie de procedimento administrativo, considerando exclusivamente a fase interna desenvolvida pela Administração, é freqüente àqueles que não são afeitos à TCE, darem início à sindicância ou processo administrativo disciplinar.

Para bem distingui-los basta atentar para os fins a que se destinam. A sindicância e o processo administrativo disciplinar se voltam para a apuração e posterior punição de servidor público por falta disciplinar, regulando-se invariavelmente pelo Estatuto dos Servidores. Já a TCE tem por objetivo apurar a ocorrência de dano ao erário, expressar o valor desse dano e o responsável pela ação ou omissão danosa.

A diferença entre esses procedimentos possibilita a sua concorrência podendo, portanto, serem instaurados concomitantemente, porque, além de lesiva ao erário, a ação também poderá implicar em uma falta funcional, passível de punição ao servidor que não cumpriu seus deveres.

Como exemplo dessa simbiose de procedimentos pode-se conjecturar o caso em que um servidor, sentindo-se ofendido por alguém em seu ambiente de trabalho, com a intenção de agredi-lo fisicamente lhe arremessa um bem público. Em uma só ação deflui: a ocorrência de dano que deve ser reparado - responsabilidade civil; comportamento não compatível com o exercício de cargo público - falta funcional; e ainda a ação dolosa da qual resultara lesão corporal - crime.

Cada fato tipificado deve ser tratado no foro apropriado. A sindicância e o processo displinar administrativo se desenvolvem e se encerram na própria Administração; o juízo formado e a punição ficam restritos àquele âmbito. A TCE tem seu desenvolvimento na própria Administração, fase interna. O julgamento, porém, dar-se-á no Tribunal de Contas, na denominada fase externa da TCE. O crime, por sua vez, será processado no juizado criminal.

O Professor e atual Conselheiro do Tribunal de Contas do Distrito Federal, Jorge Ulysses Jacoby Fernandes, ao comentar sobre a distinção desses procedimentos, esclarece que em relação àqueles que se desenvolvem na Administração, há pontos de contato, asseverando que:

Obra citada, página 43.

11 Vocabulário jurídico, p. 259.

12 Citado Jacoby Fernandes, p. 181.

13 Art. 70 da CF.

14 Curso: TOMADA DE CONTAS ESPECIAL, promovido pelo Centro Ibero-Americano de Administração e Direito CEBRAD, ministrado pelo Professor Léo da Silva Alves, em Brasília, em dezembro de 2002.

15 Instrução Normativa nº 13, de 04 de dezembro de 1996, art. 1º, § 1º.

16 Art. 5º, IV, da I.N. nº 01/2001.

17 Art. 10, § 2º da LC 202/00 e art. 6º da IN nº 01/2001.

18 Art. 15 da LC 202/00.

19 Art. 10, § 3º da LC nº 202/00 e art. 7º da IN nº 01/2001.

20 Art. 24. A título de racionalização administrativa e economia processual, e com o objetivo de evitar que o custo da cobrança seja superior ao valor do ressarcimento, o Tribunal, em decisão definitiva, poderá determinar o arquivamento do processo, sem cancelamento do débito, a cujo pagamento continuará obrigado o devedor, para lhe ser dada quitação.

§ 1º O valor do débito imputado na forma do caput deste artigo, para fins de arquivamento de processo sem cancelamento do débito, será o mesmo adotado pela Fazenda Pública Estadual para dispensa do ajuizamento de dívida ativa.

§ 2º O débito imputado na forma do caput este artigo será inscrito em cadastro específico de devedores, mantido pelo Tribunal de Contas.

21 Art. 19 da LC nº 202/00.

22 Art. 20 da LC nº 202/00.

23 A regra, apesar de não expressa na legislação do Tribunal, guarda consonância com a lógica processual da Lei Orgânica, haja vista que o julgamento pela regularidade dá quitação plena ao responsável. Para recurso à analogia é possível valer-se esta Corte de Contas do artigo 206 do Regimento Interno do Tribunal de Contas da União, Resolução nº 155, de 4 de dezembro de 2002.

24 Art. 21 da LC nº 202/00.

25 Art. 71, § 3º da CF.

26 Art. 39, § 2º.

27 Art. 29, III, da Lei Federal nº 8.666/93.

28 Arts. 22 da LC nº 202/00.

29 João Angélico. Contabilidade Pública. 8. ed. São Paulo: Atlas, 1994.