TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SANTA CATARINA

Gabinete do Conselheiro Otávio Gilson dos Santos

PROCESSO N. : REC 03/07180824
UG/CLIENTE : Agência de Fomento do Estado de Santa Catarina S/A - BADESC
INTERESSADO : Arno Garbe
ASSUNTO : Recurso (Reexame -art. 80 da LC 202/2000) ALC - 02/02265781
RELATÓRIO N. : GC-OGS/2007/547

Recurso de Reexame. Licitação. Cláusula condicionante da marca comercial dos microprocessadores. Restrição à competitividade. Infringência ao art. 15, § 7º, I, da Lei de Licitações

A indicação no ato convocatório da marca dos processadores componentes do objeto, restringiu a competitividade do certame, em desrespeito ao disposto no art. 3º, §1º, I c/c art. 15, § 7º, I, da Lei n. 8.666/93.

Contrato de comodato. Empréstimo injustificado de imóvel a particular. Uso e gozo incondicional de bens de capital para fins industriais. Cessão à particular. Necessidade de autorização legislativa. Prejulgados desta Corte

É possível a cessão de uso de bens de órgãos da Administração Pública da mesma esfera de poder (federal, estadual e municipal), mediante termo e anotação cadastral. Todavia, se a cessão ocorrer à outra entidade, mister se faz a autorização legal para a transferência da posse.

1. RELATÓRIO

Tratam os autos do Recurso de Reexame, interposto pelo Sr. Arno Garbe - ex-Diretor Presidente da Agência de Fomento do Estado de Santa Catarinense S.A. - BADESC, conforme previsto no art. 80, da Lei Complementar n. 202/2000, em face do Acórdão desta Corte de n. 1308/2003 (fls. 84/85), exarado no processo n. ALC - 02/02265781, que segue em apenso.

O Recorrente visa modificar os itens 6.2.1. a 6.2.4. do acórdão recorrido, no qual restou aplicada multa de R$ 300,00 cada em virtude das seguintes irregularidades, ad litteram:

6.2.1. R$ 300,00 (trezentos reais), em face da inclusão, no Convite n. 006/00, de cláusula condicionante da marca comercial dos microprocessadores integrantes do objeto licitado (Notebooks), restringindo a essência competitiva das propostas, em descumprimento ao art. 3º, § 1º, I c/c art. 15, § 7º, I, da Lei Federal n. 8.666/93 (item 1.1.4 do Relatório DCE);

6.2.2. R$ 300,00 (trezentos reais), em face do empréstimo injustificado de imóvel a particular, mediante o Contrato n. 022/00, em descumprimento ao disposto no art. 154, §2º, alíneas "a" e "b", da Lei Federal n. 6.404/76 (item 2.1.2 do Relatório DCE);

6.2.3.R$ 300,00 (trezentos reais), em face da cessão a particular, mediante o Contrato n. 016/00, o uso e o gozo incondicional de bens de capital para fins industriais, caracterizando ato de liberalidade do administrador, vedado pelo art. 154, § 2º, alíneas "a" e "b", da Lei Federal n. 6.404/76 (item 2.1.3 do Relatório DCE);

6.2.4. R$ 300,00 (trezentos reais), em face da ausência de autorização legislativa para execução do objeto dos Contratos ns. 017/00 e 018/00, em afronta ao princípio da legalidade insculpido no art. 37, caput, da Constituição Federal, e caracterizando ato de liberalidade do administrador, vedado no art. 154, § 2º, alíneas "a" e "b", da Lei Federal n. 6.404/76 (item 2.1.4 do Relatório DCE).

Do exame pela Consultoria Geral

A Consultoria Geral deste Tribunal de Contas examinou o recurso por meio do Parecer COG-178/2007, de fls. 13 a 25, no qual, preliminarmente, observou a legitimidade do Sr. Arne Garbe para interposição do Recurso de Reexame e a pertinência da modalidade interposta.

No que diz respeito à tempestividade, anotou que o recurso foi protocolado dentro do prazo de trinta dias previsto no art. 80 da LC 202/00, o que o torna tempestivo, possibilitando o seu conhecimento.

Após a análise do preenchimento dos requisitos de admissibilidade, o Órgão Consultivo, examinando os argumentos expostos na peça recursal, sugeriu o cancelamento da multa imposta no item 6.2.1 referente à inclusão, no Convite n. 006/00, de cláusula condicionante da marca comercial dos microprocessadores integrantes do objeto licitado (Notebooks), restringindo a essência competitiva das propostas.

Destacou que o Recorrente, em suas razões de defesa, alega que a determinação do tipo de processador não caracteriza marca de computador e que a opção pelo processador 'AMD' foi por possuir a mesma tecnologia e qualidade do único concorrente (Intel). Acerca dessas alegações, a COG afirma que assiste razão ao Recorrente, haja vista, que é notório o fato de que o processador AMD possuir preço de mercado inferior ao processador Intel. Nesse sentido, acrescentou in verbis:

A jurisprudência e a doutrina vêm entendendo que o edital pode especificar a marca dos bens a serem comprados pelo Estado. Tal conduta não configura ilegalidade, nem preferência de marca ou dirigismo licitatório, mas observância ao princípio da padronização.

Inúmeros julgados têm prestigiado o princípio da padronização na Administração Pública, admitindo que não configura atentado ao princípio da igualdade entre licitantes o estabelecimento de requisitos mínimos de participação no edital ou convite, porque a Administração pode e deve fixá-los sempre que necessários à garantia da execução do contrato, à segurança e perfeição da obra ou serviço. Assim, é permitida a padronização, precedida de justificativa técnica para a escolha respectiva, por força do artigo 15, inciso I, da Lei n. 8.666/93.

No tocante à multa imposta no item 6.2.2, referente ao empréstimo injustificado de imóvel a particular, mediante o Contrato n. 022/00, a Consultoria Geral desta Corte, sugeriu a sua manutenção, salientando que apesar da sugestão do Sr. Gerente Regional, a celebração de contrato de comodato pela Administração Direta ou Indireta deve seguir certos pressupostos e requisitos que a legislação prescreve.

Ressaltou que a cessão de uso de bens de órgãos da Administração Pública é permitida, mediante termo e anotação cadastral. No entanto, na hipótese de a cessão ocorrer à outra entidade ou a particular, faz-se necessário a autorização legal para a transferência de posse, consoante se extrai dos Prejulgados ns. 088 e 0208 desta Corte, in verbis:

Prejulgado 088

No âmbito da Administração Pública permite-se o contrato de comodato, quando esta figura na relação contratual como comodatária, sendo desnecessária a autorização legislativa.
O comodato não se presta para instrumentalizar a transferência da posse de bens entre órgãos e entidades públicas.
Apesar da omissão verificada na Lei Orgânica do Município de Joinville quanto à necessidade de autorização legislativa para efetuar a cessão de uso, de forma diversa, a Carta Magna Estadual e a doutrina indicam esta exigência, sobretudo, quando os contratantes pertencem a entidades diferentes.
A transferência de bem público para um particular poderá ser feita através da concessão de uso ou da concessão de direito real de uso, dependendo ambas as modalidades de autorização legislativa e de processo licitatório.

Prejulgado 0208

É possível a cessão de uso de bens de órgãos da Administração Pública da mesma esfera de poder (federal, estadual e municipal), mediante termo e anotação cadastral. Todavia, se a cessão ocorrer à outra entidade, mister se faz a autorização legal para a transferência de posse.

Assim sendo, sugeriu a manutenção da multa imposta, em virtude dos argumentos expostos retro.

No mesmo norte, a respeito da cessão a particular, mediante o Contrato n. 016/00, do uso e o gozo incondicional de bens de capital para fins industriais, caracterizando ato de liberalidade do administrador, bem como da ausência de autorização legislativa para execução do objeto dos Contratos ns. 017/00 e 018/00, a Cog sugeriu a manutenção das multas impostas nos itens 6.2.3 e 6.2.4 da decisão recorrida, considerando também o teor dos prejulgados supramencionados, visto que em relação a cessão de uso de bens de órgãos da Administração Pública, se a cessão ocorrer à outra entidade ou a particular, segundo entendimento do TCE/SC (Prejulgados 088 e 208), mister se faz a autorização legal para a celebração de contrato de comodato.

Por derradeiro, sugeriu o conhecimento do recurso e, no mérito, o seu provimento parcial para cancelar a multa constante do item 6.2.1 da decisão recorrida, mantendo os seus demais termos.

Do Ministério Público

A Procuradoria Geral do Ministério Público junto a este Tribunal de Contas manifestou-se, por meio do Parecer n. 3.207/2007 (fl. 26), adotando integralmente os termos do parecer da Consultoria Geral.

2. ANÁLISE E VOTO

Vindo os autos à apreciação deste Relator, entendo que o presente recurso não merece ser provido, em que pese o entendimento exarado pela Consultoria Geral, ratificado pelo Ministério Público, no sentido de cancelar a multa imposta no item 6.2.1 da decisão recorrida. Justifica-se.

Analisando as razões expostas na peça recursal, verifica-se que a inclusão no Convite n. 006/00, de cláusula condicionante de marca comercial dos microprocessadores integrantes do objeto licitado, efetivamente restringiu a essência competitiva das propostas, em desrespeito ao art. 3º, § 1º, I c/c art. 15, § 7º, I, da Lei Federal n. 8.666/93, devendo ser mantida a decisão recorrida na sua integralidade.

Apesar da alegação do Recorrente que, no caso, a determinação do tipo processador não caracteriza marca de computador, que a opção pelo processador "AMD" foi por possuir a mesma tecnologia e qualidade do único concorrente - a Intel, bem como, deter preço bem inferior, constata-se que o princípio da padronização não se faz aplicável na hipótese, ao contrário do entendimento adotado pela Cog, em virtude da ausência de justificativa técnica para a especificação da marca.

A respeito do princípio da padronização, bem delineou a Consultoria Geral que, para sua incidência, faz-se necessário a justificativa técnica para a escolha da marca respectiva, verbis: [...] Assim, é permitida a padronização, precedida de justificativa técnica para a escolha respectiva, por força do artigo 15, inciso I, da Lei n. 8.666/93.

Nesse ínterim, é primordial a demonstração efetiva da vantagem de determinada marca, para sua adoção ou padronização, consoante se extrai dos elucidativos ensinamentos de Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, em seu livro: Comentários às Licitações Públicas, Rio Janeiro: Temas & Idéias, 2002, p. 60-61, ad litteram:

- A palavra marca aparece apenas três vezes na Lei, sendo que em todas vedando-se a sua indicação, e, apenas em uma, admitindo-se como exceção. No art. 15, § 7º, inciso I, e no art. 25, inciso I, veda-se a indicação de marca, e, no art. 7º, § 5º, admite-se, em caráter excepcional, em duas hipóteses. Uma, quando se tratar de caso tecnicamente justificável, e a outra quando se tiver em conta a execução por administração contratada, regime de execução por administração contratada, regime de execução vetado na sanção da Lei, e, portanto, inexistente;

- A justificativa para a indicação de marca deverá, como se insere no único dispositivo que baliza o assunto, amparar-se em motivos de ordem técnica, como tal entendido o alinhamento de fatores impessoais e que tenham um fundamento científico.

[...)

Ademais, nessa seara é imperioso que a demonstração das razões do convencionamento fiquem documentadas porque está se afastando da órbita princípio da isonomia, fundamental em sede licitações;

- O laudo pericial deve fazer parte integrante do processo que declara a inexigibilidade, ou ficar junto do edital original quando for o caso de realização do processo licitatório. (grifou-se).

Indubitável que, para ser possível a especificação de marca no processo licitatório, faz-se mister a existência de parecer técnico indicando a necessidade de sua adoção, sendo razoável também o elenco das características que levaram à designação da marca exigida, o que no presente processo não se verificou, resultando na restrição à competitividade em prejuízo ao interesse público.

Outrossim, a Diretoria de Controle da Administração Estadual a respeito da matéria, adequadamente esclareceu, no Relatório n. 24/2003 (fls. 51/71 do ALC 02/02265781) a infringência ao caráter competitivo do processo de licitação pública, em virtude da exigência da marca do processador ocorrida, consoante se extrai, in verbis:

[...] A Agência licitante, ao indicar expressamente, no ato convocatório, a marca dos processadores componentes do objeto, obrou frontalmente contra o espírito competitivo do certame, estreitando sobremaneira a universalidade plúrima de interessados potencialmente capazes de oferecerem computadores com processadores de marca diversa. Até porque, dependendo da configuração genérica implementada com os demais elementos e especificações, poderia se alcançar propostas incluindo outras marcas, e cujo preço final ficaria igual ou mesmo aquém daquele efetivamente contratado, conforme se optasse, por exemplo, por determinada capacidade de memória de seu HD, e assim por diante.

Desta forma, uma vez evidenciada a exigência de marca comercial para componente integrante do objeto contratado, em franca dissonância com o caráter competitivo do processo de licitação pública, caracterizada está a ofensa ao dispositivo no inciso I, § 1º, do art. 3º da Lei 8.666/93.

Mister ressaltar, ademais, que o argumento de padronização utilizado pela Consultoria Geral a fim de afastar a multa aplicada, sequer foi alegada nas razões recursais apresentadas. Além disso, não há como se acolher tal justificativa (padronização), considerando o fato de que os requisitos imprescindíveis para sua aplicação não restaram cumpridos. Meras alegações não são suficientes para justificar tecnicamente a adoção da marca AMD, exigida na licitação.

Quanto aos demais itens, remeto-me aos termos do Parecer COG 178/2007, como fundamentação do Voto que a seguir profiro.

Diante disso, conforme anteriormente afirmado, posiciono-me por sugerir ao Tribunal Pleno que conheça do presente Recurso de Reexame e, no mérito, negue-lhe provimento.

Gabinete do Conselheiro, em 24 de setembro de 2007

Otávio Gilson dos Santos

Conselheiro Relator