TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SANTA CATARINACORPO DE AUDITORESGabinete do Auditor Gerson dos Santos SiccaREC 03/07180905

Recurso de Reexame. Licitação. Inexigibilidade. Singularidade e notória especialização. Requisitos não preenchidos. Ilegalidade.

A inexigibilidade de licitação com fundamento no art. 25, II, da Lei nº 8.666/93, exige a comprovação de três requisitos: a) serviço técnico especializado constante do rol do art. 13; b) singularidade do objeto; e c) notória especialização do contratado. Sem prova cabal da ocorrência dos três requisitos, a qual compete ao responsável que contratou diretamente, o procedimento licitatório estará viciado.

RELATÓRIO

Tratam os autos de recurso de reexame, interposto pelo BADESC e pelo Sr. Arno Garbe com supedâneo no art. 80, da Lei Complementar nº 202/00, contra o Acórdão n. 1297/2003, exarado nos autos do Processo ALC 02/09877731, que considerou irregulares as inexigibilidades de licitação relativas aos processos 05/2001 e 16/2001 e aplicou duas multas ao Sr. Arno Garbe.

Alegam os recorrentes, em síntese, que o contrato firmado era ad exitum, sem qualquer prejuízo ao BADESC, que o prazo era exíguo para licitação e que a contratação resultou num benefício de cinco milhões ao BADESC. Sustentaram, também, que a singularidade não pode ser vista como contrária à pluralidade de sujeitos teoricamente em condições de prestar mesmo serviço e que a notória especialização não deve ser interpretada como a exigência de que um único sujeito seja capaz de realizar aquela específica prestação.

Alegam, também, falta de tempo para licitar e que tal fato restou comprovado nos autos. Por último, sustentam que para ser possível imputação de penalidade há a necessidade de dano ao erário, o que não ocorreu, haja vista que o BADESC obteve ganho de quase R$ 5.000.000,00.

Os autos seguiram à Consultoria Geral que, por meio do parecer COG-253/07 (fls. 12/34) entendeu pelo conhecimento do recurso e, no mérito, pela negativa de provimento, tendo em vista que restou comprovada a infração à norma legal inscrita no art. 25, II, da Lei nº 8.666/93 e que a alegação de suposta economicidade não é fundamento para o cometimento de irregularidades como é o caso da não realização de licitação.

O Ministério Público Especial, à sua vez(parecer nº 4572/2007, fls. 35/36), acompanhou o entendimento exarado pela Consultoria Geral.

À fl. 37, o Conselheiro César Filomeno Fontes declarou-se impedido para atuar no presente feito, tendo em vista que no processo principal oficiou como membro do Ministério Público Especial.

É o relatório.

PROPOSTA DE VOTO

Trata-se de recurso de reexame interposto com fundamento no art. 80, da LC nº 202/00, através do qual pugnam os recorrentes a reforma do Acórdão nº 1297/2003, exarado nos autos do Processo ALC 02/09877731, que imputou ao responsável duas multas no valor de R$ 400,00(quatrocentos reais) cada, em razão da não comprovação, quando das inexigibilidades de licitação n. 05/2001 e n. 16/2001, da natureza singular do serviço e da notória especialização.

O recurso é tempestivo, foi interposto por partes legítimas e a modalidade é adequada. Ainda que a Consultoria Geral não tenha considerado o recorrente BADESC como parte legítima, não posso desconsiderar o fato que embora tenha a multa sido aplicada ao Sr. Arno Garbe, é dever do recorrente BADESC zelar e pugnar pelo que entende ser correto nos procedimentos adotados pelos seus diretores. Em outras palavras, a legitimidade em recorrer, no caso específico dos autos, reside na defesa da lisura e da legalidade do procedimento adotado pela Instituição e não em razão da conseqüência dos atos praticados pelos seus diretores e da natureza personalíssima da multa aplicada. Logo, tendo em vista que o recurso do BADESC clama pela lisura dos procedimentos adotados nas inexigibilidades nº 05/2001 e 16/2001, considero o mesmo parte legítima para recorrer do Acórdão.

Quanto ao mérito do recurso, observo que em ambos os processos de inexigibilidade de licitação (05/2001 e 16/2001) discute-se a singularidade do serviço e a notória especialização, requisitos estes que, segundo a decisão atacada, não restaram comprovados nos autos. Em corrente diametralmente oposta, manejam os recorrentes o presente recurso.

Primeiramente cumpre esclarecer que o ganho potencialmente auferido com as contratações por inexigibilidade não tem o condão de convalidar uma situação irregular. No caso específico, o fim obtido não justifica os meios utilizados, haja vista que há norma cogente que obriga o Administrador a determinado procedimento sem o qual configura grave infração à norma legal. Ademais, a inexigibilidade, assim como a dispensa de licitação, são procedimentos específicos dentro da regra geral e, por tal razão, demandam observância incondicional a todas as regras previstas.

Ainda que possível o argumento ventilado pelos recorrentes, o que se admite apenas a título de argumentação, observo que não há nos autos nenhuma prova robusta que efetivamente demonstre ter o BADESC obtido proveito econômico da ordem de quase R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais). Alerto para o fato que os documentos de fls. 143/144 são apenas indícios, mas não documentos aptos a demonstrar o ganho econômico alegado pelos recorrentes.

Por último, os contratos ad exitum ou "contratos de risco", são aqueles que o contratado é remunerado exclusivamente pelo sucesso da demanda. Segundo o entendimento desta Corte de Contas, os contratos ad exitum somente são permitidos quando o Poder Público não despender qualquer valor, sendo que a remuneração do contratado deve limitar-se aos honorários de sucumbência fixados em sentença. O prejulgado nº 1199 dá conta de tal entendimento:

Somente é admissível o contrato de risco (ad exitum) na Administração Pública quando o Poder Público não despender qualquer valor, sendo a remuneração do contratado exclusivamente os honorários pela sucumbência devidos pela parte vencida, nos montantes determinados pelo juízo na sentença condenatória.

Não é admissível a celebração de contrato pela Administração Pública onde esteja previsto que o contratado perceberá, a título de remuneração, um percentual sobre as receitas auferidas pelo ente com as ações administrativas ou judiciais exitosas promovidas pelo contratado, pois neste caso seria imperiosa a inclusão de cláusula contendo o valor do contrato e observância das normas orçamentárias e financeiras, que exigem previsão de receitas e despesas. (Grifei)

[...]

(TCESC, Processo COM-02/03429850, Decisão 1930/2002, Relator Conselheiro Moacir Bertoli, DO 21/10/2002)

Conforme se depreende da cláusula III do contrato entabulado entre o BADESC e a B & C Consultoria Ltda. (fl. 134), havia um valor predeterminado a ser pago, logo após a execução dos serviços, fato este que não se ajusta aos comandos do prejulgado acima, que diz textualmente não ser admissível a celebração de contrato que tenha como remuneração um percentual sobre as receitas auferidas pelo ente.

Portanto, rejeito de plano os argumentos relativos ao suposto proveito econômico decorrentes do suposto contrato ad exitum.

Quanto à singularidade do objeto e a notória especialização, requisitos estes que os recorrentes insistem em dizer estarem presentes nos procedimentos objurgados pelo órgão instrutivo desta Corte de Contas, verifico que os mesmos efetivamente não ficaram demonstrados.

O art. 25, II, da Lei nº 8.666/93 é claro ao prever que a licitação é inexigível para os casos de contratação de serviços técnicos a que refere o art. 13 cuja natureza seja singular e que os profissionais ou empresas tenham notória especialização. O prejulgado nº 1341 nos dá a definição de singularidade dos serviços e de notória especialização, senão vejamos:

[...]

2. A contratação de profissional ou empresa para desenvolvimento de serviços técnicos por inexigibilidade de licitação fundamentada no art. 25, inc. II, combinado com o art. 13; todos da Lei nº 8.666/93, requer a demonstração, pela Administração contratante, da singularidade do objeto do contrato e da notória especialização do profissional ou empresa contratada.

Consoante a doutrina pátria, a singularidade de serviço técnico-profissional está relacionada à natureza personalíssima de sua execução, como resultado da atuação de executor com especial qualificação, denotando objeto de características intrínsecas inconfundíveis, diferenciado, incomum, particular, marcado pelo ineditismo, como também o responsável pela sua execução. Embora não seja necessariamente único, o objeto singular deve carregar qualidade ou complexidade que o torne incomparável com outros trabalhos, ainda que do mesmo gênero, que nas palavras de Hely Lopes Meirelles fica caracterizado como singular "quando nele tem de interferir, como requisito de satisfatório atendimento da necessidade administrativa, um componente criativo de seu autor, envolvendo o estilo, o traço, a engenhosidade, a especial habilidade, a contribuição intelectual, artística ou a argúcia de quem o executa", como ocorre "quando os conhecimentos científicos, técnicos, artísticos ou econômicos a serem manejados dependem, pelo menos, de uma articulação ou organização impregnada pela específica individualidade e habilitação pessoal do sujeito (pessoa física ou jurídica, indivíduo ou grupo de indivíduos) que o realize".

A notória especialização do contratado será demonstrada com documentos que comprovem que, no campo de sua especialidade, reúne os requisitos que ostentem a adjetivação de notória especialização, como decorrência de desempenho anterior demonstrado e conhecido, experiências demonstradas relacionadas aos serviços técnicos pretendidos pela Administração, estudos e publicações realizadas, organização, aparelhamento e equipe técnica, pertinentes ao objeto a ser contratado, permitindo inferir que, em tese, seu trabalho atenderá de modo eficiente à plena satisfação do objeto do contrato.

Em havendo a opção pela contratação com inexigibilidade de licitação, deve ser observado o procedimento estatuído no art. 26 da Lei n 8.666/93.

(TCESC, Processo CON-02/10855797, Relator Auditor Evângelo Spyros Diamantaras, DO 17/06/2003)

Conforme bem constatou a Consultoria Geral desta Casa, a existência de profissionais aptos a desempenhar a mesma espécie de serviço descaracteriza a singularidade do objeto e a inviabilidade de competição, o que repele a possibilidade de contratação direta nos moldes capitaneados pelos recorrentes. Ainda que a singularidade não se contraponha à pluralidade de sujeitos em condições de executar os serviços, conforme referem os recorrentes, é certo que os serviços contratados não se revestiam de ineditismo e com características intrínsecas inconfundíveis e incomuns aptas a ensejar a contratação direta nos termos preconizados pela Lei de Licitações.

Quanto à notória especialização, não houve comprovação, em ambos os procedimentos licitatórios, no sentido que as empresas contratadas reuniam o referido requisito. Como bem salientado pela Consultoria Geral, a contratação direta é exceção à regra geral insculpida no art. 37, XXI, da Constituição Federal. Assim, para que possa validamente ser aplicada, os requisitos que ensejam tal contratação devem estar cabalmente demonstrados no procedimento licitatório. A inexistência de prova tempestiva, contemporânea ao momento da declaração de inexigibilidade, da notória especialização da empresa contratada aliada à inexistência de prova da singularidade do objeto licitado levam à irregularidade do procedimento licitatório.

Ante o exposto, acolho o parecer exarado pela Consultoria Geral, referendado que foi pelo Ministério Público Especial, para o fim de negar provimento ao recurso.

Estando os autos instruídos na forma regimental, submeto a presente matéria ao Egrégio Plenário, propugnando pela adoção da seguinte proposta de voto:

1. Conhecer do Recurso de Reexame nos termos do art. 80, da LC nº 202/00, interposto contra o Acórdão nº 1297/2003, proferido nos autos do Processo nº ALC 02/09877731 para, no mérito, negar-lhe provimento, mantendo na íntegra o Acórdão recorrido.

2. Dar ciência desta Decisão, do Relatório e Voto do Relator que a fundamentam, bem como do parecer COG-253/2007 aos recorrentes.

3. Encaminhar cópias ao Ministério Público Especial nos termos do art. 102, da Lei nº 8.666/93 para que adote medidas que entender cabíveis.

Gabinete, em 23 de agosto de 2007.

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Gerson dos Santos Sicca

Auditor

Relator