ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
GABINETE DO CONSELHEIRO WILSON ROGÉRIO WAN-DALL

 

Processo nº:

REC-03/07463028

Unidade Gestora:

Câmara Municipal de Mafra

Responsável:

Sr. Luiz Iremar Chaikowski

Assunto:

Recurso de Reconsideração – art. 77 da LC 202/2000 – TCE-01/02081190 + AOR-01/01922558

Parecer nº:

GC/WRW/2008/369/ES

 

Despesa. Liquidação.

Os comprovantes da entrega do bem ou da prestação do serviço não devem, pois, limitar-se a dizer que foi fornecido o material ou  prestado o serviço, mas referir-se à realidade de um e de outro, segundo as especificações constantes do contrato, ajuste ou acordo, ou da própria lei que determinou a despesa. Assim, os mencionados comprovantes não podem prescindir da confirmação material da entrega do bem ou da prestação dos serviços.

 

 

1.   RELATÓRIO

 

 

Cuidam os autos de recurso interposto pelo Sr. Luiz Iremar Chaikowski, à época, Presidente da Câmara de Vereadores de Mafra, em face do Acórdão n. 1.299/2003, proferido nos autos n. TCE-01/02081190, que lhe cominou multa e imputou débito, em razão da realização de despesas com prestação de serviços técnicos, sem comprovação da efetiva prestação do serviço.

 

A peça recursal foi examinada pela Consultoria-Geral, através do Parecer n. COG-614/07, entendendo presentes os pressupostos que autorizam o seu conhecimento e, no mérito, propugnou que lhe fosse dado provimento parcial para tão-somente cancelar a multa.[1]

 

O Ministério Público, através de seu Procurador-Geral, Dr. Márcio de Souza Rosa, acompanhou a manifestação do órgão consultivo.[2]

 

Autos conclusos.

 

Este o sucinto relatório.

 

Com efeito, o acórdão recorrido é portador do seguinte teor:

 

“[...] ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1° da Lei Complementar n. 202/2000, em:

6.1. Julgar irregulares, com imputação de débito, com fundamento no art. 18, inc. III, alínea "c", da Lei Complementar n. 202/2000, as contas pertinentes à presente Tomada de Contas Especial, e condenar o Responsável - Sr. Luiz Iremar Chaicowski - Presidente da Câmara de Vereadores de Mafra em 2000, ao pagamento da quantia de R$ 25.300,00 (vinte e cinco mil trezentos reais), referente a despesas com prestação de serviços técnicos sem comprovação da efetiva prestação do serviço, evidenciando ausência da liquidação da despesa, em descumprimento ao disposto no art. 63, § 2º, III, da Lei Federal n. 4.320/64, conforme apontado no item 1.2 do Relatório DMU, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial do Estado, para comprovar, perante este Tribunal, o recolhimento do valor do débito aos cofres do Município, atualizado monetariamente e acrescido dos juros legais (arts. 40 e 44 da Lei Complementar n. 202/2000), calculados a partir da data da ocorrência do fato gerador do débito, ou interpor recurso na forma da lei, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial (art. 43, II, da Lei Complementar n. 202/2000).

6.2. Aplicar ao Sr. Luiz Iremar Chaicowski - Presidente da Câmara de Vereadores de Mafra em 2000, com fundamento nos arts. 68 da Lei Complementar n. 202/00 e 108, caput, c/c o 307, V, do Regimento Interno instituído pela Resolução n. TC-06/2001, a multa no valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais), com base nos limites previstos no art. 237 do Regimento Interno (Resolução n. TC-11/1991) vigente à época da ocorrência da irregularidade, em razão do dano causado ao erário municipal, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial do Estado, para comprovar ao Tribunal o recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000.

6.3. Recomendar à Câmara Municipal de Mafra que, doravante, quando da concessão de "bolsa-auxílio", nos termos da Resolução Municipal n. 001/94, estabeleça previamente critérios para a seleção dos estudantes a serem beneficiados.

6.4. Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam, bem como do Relatório DMU n. 823/2003, à Câmara Municipal de Mafra e ao Sr. Luiz Iremar Chaicowski - Presidente daquele órgão em 2000.”[3]

Em sua defesa, o Recorrente argüiu, em síntese, que:

“[...] Dos aspectos enfocados, o Corpo Técnico do Tribunal limitou-se a alegar que os serviços deveriam ser comprovados através da apresentação dos pareceres emitidos pela empresa contratada, ignorando todos os documentos apresentados, inclusive as declarações constantes nos citados documentos fiscais e financeiros.

Ora, pela legislação vigente, seja a Lei n. 4.320/64, assim como a Resolução n. TC-16/94, em nenhum momento determinam a apresentação dos pareceres emitidos, e sim, que seja verificado pelos setores pertinentes o direito do credor, com base nos contratos, para averiguar se os serviços foram executados.

Neste aspecto, a Câmara observou todos os procedimentos definidos nos §§1º e 2º do art. 63 da Lei n. 4.320/64, sendo comprovado através do Termo de Liquidação, amplamente aceito pelo Tribunal para o cumprimento do citado dispositivo legal.

No tocante aos documentos apresentados pela Câmara, o Corpo Técnico desconsiderou o Termo de Liquidação, constante da Nota de Empenho, que sintetiza todos os aspectos do art. 63 da Lei n. 4.320/64, onde está devidamente assinado pelo Ordenador da Despesa, portanto, documento de fé pública, e usualmente utilizado pela Administração Pública para a formalização do recebimento dos serviços, inclusive orientado pelo próprio Tribunal de Contas.

[...]

Veja-se que o Corpo Técnico relata que os serviços deveriam ser comprovados através de pareceres fundamentados, entretanto, no próprio parecer da DMU deixa de especificar tal exigência legal, ou seja, em que legislação consta esta obrigatoriedade.

Outra impropriedade do Corpo Técnico refere-se à afirmação que os serviços eram prestados somente por consultas informais. Ora, não foi isto que foi afirmado nas nossas considerações, pois utilizamos dos serviços através de telefonemas, reuniões, solicitação de revisão de projetos de leis, dentre os muitos outros serviços prestados pela empresa contratada.

Também é importante salientar que o objeto do contrato era a execução de serviços especializados de assessoramento técnico de caráter contínuo, compreendendo visitas locais e atendimento de escritório, portanto, em nenhum momento, no contrato, ficou definido que seria obrigatório a formalização de pareceres, na forma reclamada pelo Corpo Técnico do Tribunal.

Ora, se o próprio Tribunal de Contas exercendo suas atribuições constitucionais, também presta assessoramento pela via telefônica, visitas, reuniões, sem que para isto, seja necessária a emissão de um parecer, para cada telefonema, visita e/ou reunião. [...][4]

O órgão consultivo afastou a argumentação do gestor público, aduzindo, em suma, que “o Recorrente sustenta a mesma tese esposada em resposta à Citação, fls. 06/124, juntando cópia dos mesmos documentos. Trata-se, pois, de matéria já examinada e rechaçada pelo Tribunal Pleno desta Corte de Contas, não constituindo fato novo a ensejar reforma do julgado.”[5]

 

A irregularidade em comento corresponde ao descumprimento do preceituado no art. 63, § 2º, III, da Lei Federal n. 4.320/64, in verbis:

 

“Art. 63. A liquidação da despesa consiste na verificação do direito adquirido pelo credor, tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito.

§ 1º - omissis.

§ 2º - A liquidação da despesa, por fornecimentos feitos ou serviços prestados, terá por base:

I - o contrato, ajuste ou acordo respectivo;

II – a nota de empenho;

III – os comprovantes da entrega do material ou da prestação efetiva do serviço.”

 

Comentando o mencionado preceptivo legal, J. Teixeira Machado Jr. e Heraldo da Costa Reis assim se pronunciaram:

 

“Como é fartamente sabido e já o dissemos, a despesa passa, entre outras coisas, pelas seguintes fases: o empenho, já analisado; a liquidação, definida no caput do artigo acima transcrito; e o pagamento, que veremos adiante.

A liquidação é, pois, a verificação do implemento de condição. Quando o órgão do pessoal prepara a folha de pagamento do mês, deduzindo faltas e impontualidades, está na verdade liquidando a despesa de pessoal do mês, embora na prática não se costume utilizar tal expressão em relação a esse tipo de despesa.

Trata-se de verificar o direito do credor ao pagamento, isto é, verificar se o implemento de condição foi cumprido. Isto se faz com base em títulos e documentos. Muito bem, mas há um ponto central a considerar: é a verificação objetiva do cumprimento contratual. O documento é apenas o aspecto forma da processualística.

A fase de liquidação deve comportar a verificação in loco do cumprimento da obrigação por parte do contratante. Foi a obra, por exemplo, construída dentro das especificações contratadas? Foi o material entregue dentro das especificações estabelecidas no edital de concorrência ou de outra forma de licitação? Foi o serviço executado dentro das especificações? O móvel entregue corresponde ao pedido? E assim por diante. Trata-se de uma espécie de auditoria de obras e serviços, a fim de evitar obras e serviços fantasmas.

[...]

Tudo quanto dissemos ao comentar o caput do artigo vale para o seu § 2º. Os comprovantes da entrega do bem ou da prestação do serviço não devem, pois, limitar-se a dizer que foi fornecido o material, foi prestado o serviço, mas referir-se à realidade de um e de outro, segundo as especificações constantes do contrato, ajuste ou acordo, ou da própria lei que determinou a despesa.

Para maior segurança da autoridade que determinará o pagamento, os documentos citados devem conter a assinatura do funcionário responsável pela liquidação da despesa.[...]”[6]Grifo nosso

Sublinho que nos autos da Tomada de Contas, ao tratar da materialização da dos serviços prestados, o gestor afirmou que:

“Quanto à materialização em que os serviços foram prestados, justificamos que todos os documentos foram colocados à disposição do Tribunal de Contas, quando da auditoria ‘in loco’ e aproveitamos a oportunidade para encaminhar cópias dos mesmos, que são as notas de empenho (Anexo n. 05), onde se apresenta através do Termo de Liquidação, em atendimento ao art. 63 da Lei n. 4.320/64.” [7]

No que tange ao tipo de serviço prestado, o gestor esclareceu, na mesma ocasião, que:

 

“Ao longo do exercício de 2000, a equipe da empresa contratada, prestou todos os serviços definidos no Contrato, ou seja, os servidores da Câmara, Vereadores e a Presidência estavam em constante contato, via telefone, com os Responsáveis Técnicos da Empresa. Além dos contatos telefônicos, a Câmara no exercício de 2000, era visita, pelo menos, uma (1) vez por semana, e quando surgiam assuntos urgentes, imediatamente, depois de chamado dessa Presidência.

 

Mais os trabalhos não se restringiram somente a atendimentos por telefone e/ou visitas ao município de Mafra, também houve por parte dessa Presidência da Câmara e dos Vereadores, por inúmeras ocasiões, no Escritório da Empresa, a discussão, na busca de orientações, sobre assuntos inerentes à remuneração de vereadores, Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei Orgânica, projetos de Lei Orçamentária e Diretrizes Orçamentárias, dentre tantos outros assuntos importantes para a municipalidade, que eram implementados através da melhoria de projetos legislativos e, conseqüente, eficácia das leis editadas.”[8]

 

Analisando os documentos juntados pelo gestor municipal, nos autos da Tomada de Contas, verifico que se restringem às notas de empenho emitidas pela Administração municipal e às notas de prestação de serviço fornecidas pela empresa contratada.[9]

 

Apesar de o Recorrente afirmar, em suas razões recursais, que a utilização dos serviços se deu através de “telefonemas, reuniões, solicitação de revisão de projetos de leis, dentre os muitos outros serviços prestados pela empresa contratada”, não foi juntado aos autos nenhum documento que formalmente indique ou discrimine os serviços prestados pela empresa de consultoria.

A comprovação da prestação dos serviços se restringiu à declaração do ordenador da despesa.

Examinando o contrato de prestação de serviços técnicos especializados, firmado pela Câmara de Vereadores de Mafra e a empresa EST – Escritório de Serviços Técnicos Ltda., observo que a descrição do objeto contratual é bastante genérica, não permitindo aferir se os serviços contratados relacionam-se à área jurídica ou contábil, a fim de verificar se não poderiam ser prestados pelos próprios servidores da Câmara (contador ou assessor jurídico), conforme se observa pela transcrição a seguir:

“Cláusula Primeira – Do objeto

O presente contrato tem por objetivo a execução de serviços especializados de assessoramento técnico de caráter contínuo, compreendendo visitas locais e atendimento de escritório.

[...]

Cláusula Quarta – Dos serviços a serem prestados

A Contratada, através de seus profissionais, executará para a Contratante, serviços especializados de assessoramento técnico de caráter contínuo, compreendendo visitas locais e atendimento de escritório: abrangendo os seguintes aspectos: orientação sobre normas legais e regulamentares, de natureza operacional administrativa e patrimonial, avaliação de controles internos e revisão de procedimentos e rotinas.”[10]

Daí o motivo de o Corpo Técnico deste Tribunal requerer a apresentação de pareceres, elaborados pelos técnicos da citada empresa.

A meu ver, se a Câmara demonstrasse um relatório da execução do referido contrato, demonstrando materialmente os serviços prestados pela empresa contratada, haveria a efetiva comprovação da liquidação da despesa.

 Realço, por oportuno, o ensino dos autores, anteriormente mencionados, no sentido de que “os comprovantes da entrega do bem ou da prestação do serviço não devem, pois, limitar-se a dizer que foi fornecido o material, foi prestado o serviço, mas referir-se à realidade de um e de outro”.

Ora, não há como verificar se a certificação de que os serviços foram prestados corresponde ou não à realidade quando inexistente a materialização da prestação de tais serviços, mediante documento escrito.

Por fim, no que tange à atuação desta Corte de Contas, afirmo que muitos gestores obtêm orientação - e não assessoria, como mencionou o Recorrente -, por meio de contato telefônico com os auditores deste Tribunal. Contudo, o exercício de sua competência constitucional se materializa através de relatórios, pareceres, propostas de decisão dos Conselheiros Relatores, todos necessariamente fundamentados e baseados nos documentos constantes dos processos que tramitam nesta Corte.

Pelos motivos expostos, acompanho a Consultoria para manter o débito constante do item 6.1 da decisão recorrida.

No que tange à multa, referente ao item 6.2 da decisão recorrida, acolho os fundamentos apresentados pelo órgão consultivo para cancelar a citada sanção pecuniária.

 

2.   PROPOSTA DE DECISÃO

CONSIDERANDO o que mais dos autos consta, em conformidade com os pareceres da Consultoria-Geral e do Ministério Público, submeto à apreciação deste Tribunal a seguinte proposta de decisão:

 

6.1. Conhecer do Recurso de Reconsideração, nos termos do art. 77 da Lei Complementar n. 202/2000, interposto contra o Acórdão n. 1.299/2003, exarado na Sessão Ordinária de 28/07/2003, nos autos do Processo n. TCE-01/02081190 e, no mérito, dar-lhe provimento parcial para:

 

6.1.1. cancelar a multa constante do item 6.2 da decisão recorrida;

 

6.1.2. manter os demais termos da decisão recorrida.

 

6.2. Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam, bem como do Parecer COG n. 614/07 ao Sr. Luiz Iremar Chaikowski, ex-Presidente da Câmara Municipal de Mafra.

 

 

 

        Gabinete do Conselheiro, em 23 de junho de 2008.

 

 
WILSON ROGÉRIO  WAN-DALL

                                                       Conselheiro Relator

 

 

 

 

 



[1] Fls. 256/263 dos autos do Processo n. REC-03/07463028.

[2] Fl. 264 dos autos do Processo n. REC-03/07463028.

[3] Fls. 148/149 dos autos do Processo n. TCE-01/02081190.

[4] Fls. 04/05 dos autos do Processo REC-03/07463028.

[5] Fl. 261 dos autos  do Processo REC-03/07463028.

[6] MACHADO JR., José Teixeira; COSTA REIS, Heraldo da. A lei 4.320 comentada e a lei de responsabilidade fiscal. 31 ed. Rio de Janeiro: IBAM, 2002/2003, p. 149/150.

[7] Fl. 10 dos autos do Processo n. TCE-01/02081190.

[8] Fl. 10 dos autos do Processo n. TCE-01/02081190.

[9] Fls. 73/112 dos autos do Processo n. TCE-01/02081190.

[10] Fls. 03/04 dos autos do Processo n. AOR-01/01922558.