Processo nº TCE-04/00881209
Unidade Gestora Secretaria de Estado da Informação atual Secretaria de Comunicação (LC nº 284/05)
Interessado Derly Massaud de Anunciação
Assunto Tomada de Contas Especial
Voto nº GCF-586/06

1. RELATÓRIO

Tratam os Autos nº TCE-04/00881209 de Tomada de Contas Especial decorrente da conversão dos Autos nº ARC-04/00881209 - Auditoria in loco empreendida pela Diretoria de Controle da Administração Estadual na Secretaria de Estado da Informação, com vistas a verificar os registros contábeis e execução orçamentária dos meses de fevereiro a dezembro de 2003.

Efetuada a fiscalização, a DCE elaborou o Relatório de Auditoria nº 013/2004 - fls. 44-52 dos autos -, sugerindo, ao final, a conversão do processo em Tomada de Contas Especial e a Citação do Sr. Derly Massaud de Anunciação, Secretário da Unidade fiscalizada à época, para apresentação de seus argumentos defensivos, haja vista a existência de indícios de dano ao erário em razão da irregularidade apurada.

Convertido o processo em Tomada de Contas Especial, na forma do art. 34, §1º, do Regimento Interno, foi procedida a Citação do Sr. Derly, que em resposta ao Ofício nº 3400/2004 juntou aos autos sua defesa - fls. 56-70. Apreciadas tais justificativas pelo Corpo Instrutivo (Relatório nº 055/2004), foi sugerido a este Relator, ao final, o julgamento irregular da Tomada de Contas Especial, na forma do art. 18, III, "c", da Lei Complementar nº 202/00, a responsabilização do Sr. Derly na quantia de R$ 1.430,00 (mil quatrocentos e trinta reais), face o pagamento de ônibus especial para o transporte de servidores da Secretaria e a remessa ao Ministério Público Estadual de cópia dos documentos para ajuizamento das ações civis e penais cabíveis.

O Ministério Público junto ao Tribunal, por meio do Parecer nº MPTC nº 541/2005, acordou parcialmente com a Instrução, entendendo que o Ministério Público Estadual só deveria ser cientificado após esgotadas todas as vias recursais neste Tribunal.

Em seguida, vieram-me os autos, na forma regimental, para Voto e respectiva proposta de Decisão.

É o breve relatório.

2 - DISCUSSÃO

Com fundamento no art. 224 da Resolução nº TC-06/2001, e, por conseguinte, nos Relatórios do Corpo Instrutivo e no Parecer do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, e após compulsar atentamente os autos, passo a tecer algumas questões fáticas e jurídicas que entendo oportunas para fundamentar o Voto por mim proferido.

Com efeito, consta na conclusão do Relatório de Instrução nº 055/2004, à fl. 87, a sugestão do Corpo Técnico de julgar irregular com imputação de débito, na forma do art. 18, III, "c", da Lei Complementar nº 202/00, a presente Tomada de Contas Especial, condenando o Sr. Derly a devolver aos cofres públicos o valor de R$ 1.430,00 (mil quatrocentos e trinta reais), tendo em vista a caracterização de dano ao erário decorrente de ato de gestão ilegítimo.

No seu exame, a Instrução arguiu que o art. 1º da Lei nº 7975/90 ao dispor sobre o vale-transporte dos servidores públicos e delinear que "os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário e Tribunal de Contas anteciparão aos servidores públicos para utilização efetiva em despesas de deslocamento residência - trabalho e vice-versa, através do sistema de transporte coletivo público, urbano e intermunicipal, excluídos os serviços seletivos e os especiais", impossibilitou o administrador de utilizar outros meios para atender o transporte dos seus servidores. Argumentou, ainda, que tal despesa requer, nos moldes do art. 118, parágrafo único, da Constituição Estadual, a existência de lei. Para fins de ilustração, abaixo segue a redação do dispositivo constitucional, reestruturado pela Emenda nº 38, de 20/12/2004:

Art. 118 - A despesa com pessoal ativo e inativo do Estado e de seus Municípios não poderão exceder os limites estabelecidos em lei complementar federal:

§1º - A concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração, a criação de cargos, de empregos e funções, ou a alteração da estrutura de carreiras, bem como a admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, pelos órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo poder público, só poderão ser feitas:

I - se houver prévia dotação orçamentária, suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes; e

II - se houver autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias, ressalvadas as empresas públicas e as sociedades de economia mista.

Em resposta à Citação, o Sr. Derly alegou que o Decreto nº 3853/2002, vigente à época e posteriormente revogado pelo de nº 1345/2004, ao classificar a despesa pública do Estado de Santa Catarina, autorizou a contratação de ônibus para o transporte de servidores, especificando-a, inclusive, como elemento de despesa, dispensando, assim, a necessidade de uma legislação específica.

Outrossim, alegou que a despesa com transporte não está subordinada aos ditames do art. 118 da Constituição Estadual, pois não se trata de despesa com pessoal. Em síntese, eis os argumentos apresentados:

1) A despesa com contratação de ônibus para transporte de funcionários não pode ser confundida com despesa de pessoal, assim como não pode, também, ser confundida com despesa de vale-transporte. Ou seja, a discricionariedade na escolha, pelo ordenador, não pode ser contestada, posto que a despesa em questão não fere a Constituição Federal, assim como também não fere a Lei Estadual nº 7975, de 28 de junho de 1990, por não ser aplicável a esse tipo de despesa.

2) Salienta-se, ainda, que, o fato de o TRANSPORTE DE SERVIDORES estar previsto no Decreto nº 1.345, de 16 de janeiro de 2004, que aprova a Classificação da Despesa Pública para o Estado de Santa Catarina, demonstra cabalmente que esse tipo de despesa é legal e, portanto, permitida.

3) O fato de haver uma lei específica que trata de vale-transporte não elide a possibilidade de a Administração fazer a contratação questionada, em face da discricionariedade apontada, até porque ela se mostrou mais eficaz, como já foi dito anteriormente.

Com efeito, considerando a redação do art. 1º da Lei nº 7975/90 concordo com a Instrução quanto à impossibilidade do Administrador Público efetuar a contratação de ônibus para transporte de seus servidores, pois a expressão "serviços especiais", contida na parte final do supracitado dispositivo, não está relacionada à concessão do vale-transporte. Em outras palavras, à luz da Lei Municipal nº 34/98, que dispõe sobre os sistemas de transporte coletivo de passageiros no Município de Florianópolis, o art. 4º, §2º, é claro ao estabelecer que o fretamento, isto é, a contratação de ônibus pelo poder público para transporte de servidores, é modalidade de serviço especial. Por este motivo, não parece lógico que a lei tenha relacionado a concessão de vale-transporte com este contrato. Entendo que a interpretação mais coerente é a que veda o Poder Público de prestar o transporte por meio de fretamento, já que lhe é permitido conceder o vale-transporte. Para melhor corroborar este raciocínio, transcrevo abaixo o dispositivo da lei municipal supracitado:

Art. 4º Os serviços classificam-se em:

[...]

II - especial;

[...] §2º - especial é o serviço remunerado através de contrato entre o operador e o contratante, classificando-se em:

a) Fretamento: serviço de locação de veículos para o transporte de empregados ou clientes de empresas públicas ou privadas, com ponto de partida e chegada delineados, sem paradas intermediárias para embarque ou desembarque de passageiros, observada a regulamentação estabelecida pelo Poder Executivo;

b) Transporte escolar: serviço de transporte exclusivo para o atendimento de estudantes, com ligação residência-escola-residência, regulamentado pelo Poder Executivo;

c) Turismo: serviço de transporte exclusivo para o atendimento de turistas, com ponto de partida e chegada delineados, sem paradas intermediárias para o embarque ou desembarque de passageiros, observando-se o prescrito nas leis Municipais nº 2.988, de 28 de julho de 1988 e nº 2.990, de 28 de julho de 1988, a legislação federal e a regulamentação estabelecida pelo Poder Executivo;

Portanto, a interpretação exposta pelo Sr. Derly de que "a exclusão dos serviços seletivos e dos especiais, grifada pelos analistas no final da transcrição do art. 1º da Lei nº 7.975/90, diz respeito apenas à concessão do vale-transporte, não se aplicando ao caso em questão (contratação de ônibus). Ou seja, nesta lei que trata exclusivamente de vale-transporte, a exclusão de transportes seletivos e especiais refere-se, tão-somente, por exemplo, aos hoje chamados de 'Amarelinhos', utilizados no transporte urbano de Florianópolis, cujos preços são mais elevados do que os de linha normal", não me parece ser a mais acertada. Tal hipótese levaria ao absurdo do poder público conceder o vale e ao mesmo tempo custear o fretamento, já que se trata de "serviço especial". E, mesmo que se pensasse na possibilidade do fretamento ocorrer pelos servidores públicos, via associação, nenhuma razão teria a norma de vedá-lo, pois cuidaria-se de um contrato firmado entre particulares sem qualquer participação do poder público. Neste caso, se os custos fossem maiores, correriam por conta e risco dos servidores contratantes, restando à Administração apenas conceder o vale-transporte nos termos do preço da tarifa vigente do transporte coletivo público convencional, urbano ou intermunicipal, conforme prescreve o art. 4º da Lei nº 7975/90, verbis:

Art. 4º A empresa operadora do sistema de transporte coletivo público fica obrigada a emitir e a comercializar o Vale-Transporte, ao preço da tarifa vigente, colocando-o à disposição do Poder Público e assumindo os custos dessa obrigação.

Só para fins de conhecimento, assinalo que na auditoria "in loco" de registros contábeis e execução orçamentária, referente ao período de janeiro a dezembro de 2004, empreendida pela Diretoria de Controle da Administração Estadual, constante nos Autos nº ARC-05/04217941 (Relatório nº 28/2006), novamente se verificou a contratação de ônibus para transporte dos servidores da Secretaria no valor de R$ 13.880,00 (treze mil oitocentos e oitenta reais). Atualmente este processo encontra-se na fase de Audiência.

Quanto à imputação de débito proposta pela Instrução, entendo que seja muito mais adequada a cominação de multa, haja vista que mesmo ao "arrepio" da lei o serviço de transporte foi realizado, beneficiando diretamente os servidores da Administração. Para corroborar este posicionamento valho-me da lição de Celso Antônio Bandeira de Mello acerca do enriquecimento sem causa em sede administrativa:

Nesta linha, a responsabilização do Sr. Derly implicaria no enriquecimento sem causa à medida que o Poder Público seria ressarcido de um serviço que lhe foi efetivamente prestado e que, a princípio, refletiu o preço de mercado, já que não houve qualquer questionamento quanto a despesa ser antieconômica ou superfaturada.

No tocante ao art. 118, §1º, da Constituição Estadual e sua menção como norma legal violada para fins do art. 18, III, "c", da Lei Complementar nº 202/00, creio que ela foi equivocada. Como bem salientou o Sr. Derly, a contratação de ônibus para transporte de servidores não caracteriza despesa com pessoal nos termos delineados pela Magna Carta estadual. Razão pela qual entendo que a irregularidade violara as regras estabelecidas na Lei nº 7975/90, bem como o art. 37, caput, da Constituição Federal, em especial, o princípio da legalidade, cujo fundamento encontra amparo no art. 18, III, "b", da LC nº 202/00.

Saliento que a sanção será aplicada no patamar mínimo em função do valor despendido para a contratação - R$ 1.430,00 - e por ter sido a primeira vez que o Sr. Derly realizou este tipo de despesa.

Esclareço, ainda, que o exercício de 2004, cuja análise não está conclusa, não servirá de parâmetro para aumentar a penalidade, pois seria necessária a prolação de uma decisão definitiva, ante a presunção de inocência que também impera na seara administrativa, e, sobretudo, ser o ato praticado anterior à irregularidade constatada em 2003; o que não foi o caso.

Da mesma forma, afasto qualquer menção ao Prejulgado nº 1550, cujo entendimento consolidou-se apenas em 2004, e a comunicação ao Ministério Público estadual, nesta etapa, como bem sugeriu o Exmo. Procurador Geral junto ao Tribunal. Dr. Marcio de Sousa Rosa.

3. PROPOSTA DE DECISÃO

Ante o exposto e com base no exame feito pelo Corpo Instrutivo, no parecer do Ministério Público junto ao Tribunal e nas razões aventadas pelo responsável, VOTO no sentido de que o Tribunal adote a decisão que ora submeto à sua apreciação:

6.1. Julgar irregulares, sem imputação de débito, com fundamento no art. 18, inciso III, alínea "b", c/c o art. 21, parágrafo único, da Lei Complementar n. 202/2000, as contas pertinentes à presente Tomada de Contas Especial, que trata de irregularidades constatadas quando da auditoria ordinária realizada na Secretaria de Estado da Informação, com abrangência sobre registros contábeis e execução orçamentária referentes ao período de fevereiro a dezembro de 2003.

6.2. Aplicar ao Sr. Derly Massaud de Anunciação, CPF n. 130.645.500-63, multa prevista no art. 69 da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 108, parágrafo único, do Regimento Interno, no valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais), referente a despesas com contratação de ônibus especial para o transporte de servidores da Secretaria de Estado da Informação, sem embasamento legal, contrariando a Lei nº 7.975/90 e o princípios da legalidade previsto no art. 37 da Constituição Federal, conforme apontado no Relatório DCE nº 055/04, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial do Estado, para comprovar, perante este Tribunal, o recolhimento do valor do débito aos cofres do Estado, atualizado monetariamente e acrescido dos juros legais (arts. 40 e 44 da Lei Complementar n. 202/2000), calculados a partir da data da ocorrência do fato gerador do débito, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial (art. 43, II, da Lei Complementar n. 202/2000).