TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SANTA CATARINA

Gabinete do Auditor Altair Debona Castelan

PROCESSO N° CON 0401320308
O R I G E M: TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SANTA CATARINA
INTERESSADO: SALOMÃO RIBAS JÚNIOR
A S S U N T O: CONSULTA

Tratam de Consulta formulada pelo Excelentíssimo Presidente desta Corte de Contas, Sr. Salomão Ribas Júnior, acatando proposição do Diretor da Diretoria de Controle da Administração Estadual - DCE, que solicita parecer e orientação de como proceder na análise de ato aposentadoria por invalidez do servidor público estadual em razão da inexistência de legislação estadual especificamente sobre o assunto.

A Consultoria Geral do Tribunal de Contas, apreciando os termos da Consulta, após detalhada análise, elaborou o Parecer COG nº 085/04, de fls. 05 a 20, nos seguintes termos:

MÉRITO

"A questão ou dúvida que se apresenta no presente processo diz respeito unicamente aos proventos de aposentadoria por invalidez dos servidores públicos do Estado. Para dirimir a dúvida apresentada será necessário cotejar a Constituição Federal, a Constituição Estadual e a legislação infraconstitucional de ambas as esferas, antes e após a Emenda Constitucional nº 20/98.

Com efeito, anteriormente à Emenda Constitucional nº 20/98, a Constituição Federal rezava os seguintes termos no seu art. 40, I:

Art. 40. O servidor será aposentado:

I - por invalidez permanente, sendo os proventos integrais quando decorrentes de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, especificadas em lei, e proporcionais nos demais casos.

Veja-se que o STF é claro ao referir que a doença grave deve vir especificada em lei para que o servidor faça jus aos proventos integrais. Caso não haja a especificação, os proventos serão proporcionais. Como se referiu anteriormente, somente a doença grave, contagiosa ou incurável é que deve vir especificada em lei, excluindo-se a moléstia profissional dessa exigência. Tal entendimento resta evidenciado no momento que fizemos uma leitura do voto proferido pelo Ministro Marco Aurélio no acórdão acima, que assim se manifestou: "Senhor presidente, diante da explicitação de que em jogo se fez não moléstia profissional, mas doença grave, tenho que nesse caso há necessidade de uma lei apontando-a como suficiente a conduzir aos proventos totais." As palavras do Ministro deixam claro que a moléstia profissional não necessita estar especificada em lei. Portanto, o entendimento que se extrai da interpretação dada pelo STF ao art. 40, I, da CF/88, na redação anterior à EC nº 20/98, é no sentido que a doença grave, a doença contagiosa e a doença incurável devem estar especificadas em lei para que o servidor acometido de tais infortúnios faça jus a proventos integrais.

Volvendo-se o assunto à legislação estadual, encontramos a seguinte disposição no art. 30, I, da CE:

Art. 30 - O servidor será aposentado:

I - por invalidez permanente, sendo os proventos integrais quando decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, especificadas em lei, e proporcionais nos demais casos;

A redação da Constituição Estadual é quase idêntica à da Constituição Federal, anterior à EC nº 20/98, assim, toda legislação federal ou estadual que tratava do tema e que não guardava consonância com as disposições constitucionais, não restara recepcionada, de modo que não poderá ser aplicada ao caso concreto. Em outras palavras, advindo um novo texto constitucional, a legislação anterior sofre o fenômeno da recepção ou da não recepção ou revogação. Assim, a legislação anterior que não era compatível com o novo texto constitucional restou tacitamente revogada, não podendo ser aplicada.

Volvendo a linha de raciocínio acima à legislação estadual que trata sobre o assunto, tem-se que a Constituição Estadual está em perfeita consonância com a Constituição Federal, até porque elaborada a partir de normas diretrizes daquela, porém, consoante se verá, o mesmo não se pode dizer da legislação estadual que trata do tema. Com efeito, no Estado de Santa Catarina três foram os diplomas editados entre 1985 e 1986: a) o primeiro, de 28/12/85, tratou de dispor sobre o Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado de Santa Catarina (Lei nº 6.745/85); b) o segundo, editado em julho de 1986, dispôs acerca do Estatuto da Polícia Civil do Estado (Lei nº 6.843/86) e; c) o terceiro, também editado em julho de 1986, tratou a respeito do Estatuto do Magistério Público Estadual de Santa Catarina (Lei nº 6.844/86). Todos os três diplomas legais trouxeram os respectivos benefícios previdenciários para seus servidores. Logo, houve um tratamento diferenciado entre as categorias de servidores no aspecto relacionado à previdência. Com o advento da Constituição Federal, os servidores foram tratados de forma igualitária no que se refere aos benefícios previdenciários, à exceção dos militares, que no Estado de Santa Catarina também possuíam um estatuto próprio (Lei nº 6.218/83). Portanto, servidores do magistério, policiais civis e servidores públicos civis passaram a ter seus direitos previdenciários regrados pela Constituição Federal e pela Constituição Estadual e, por conseqüência, as normas destoantes da nova ordem constitucional restaram tacitamente revogadas, ou seja, não foram recepcionadas. Vejamos o que cada estatuto traz a respeito dos benefícios previdenciários, especificamente sobre o benefício da aposentadoria por invalidez, a fim de que possamos fazer o devido cotejo com a Constituição Federal e com a Constituição Estadual. Começamos com a Lei nº 6.745/85:

Art. 110 – A aposentadoria que depender de inspeção médica só será concedida depois de verificada a impossibilidade de transferência ou readaptação do funcionário.

§ 1° - O laudo do órgão médico oficial deverá mencionar se o funcionário está inválido para as funções do cargo ou para o serviço público em geral e se a invalidez é definitiva.

§ 2° - Não sendo definitiva a invalidez, esgotado o prazo de licença para tratamento de saúde (art. 64), quando utilizada, o funcionário será aposentado provisoriamente, com proventos integrais, nos termos do laudo médico oficial, que indicará as datas para a realização de novos exames, no período de 05 (cinco) anos seguintes. Se, neste prazo, alterar-se o quadro de invalidez e ficar comprovada a cura, o funcionário reverterá ao serviço (art. 181).

§ 3° - O não comparecimento aos exames marcados, na forma do parágrafo anterior, implica na suspensão dos proventos e, no caso de reincidência, na anulação da aposentadoria.

§ 4° - Não sendo comprovada a cura, o funcionário será aposentado definitivamente, com proventos integrais. (Grifou-se)

A Lei nº 6.843, de 28 de julho de 1986, que dispôs acerca do Estatuto da Polícia Civil de Santa Catarina, na sua redação original trouxe a seguinte disposição a respeito da aposentadoria por invalidez:

Art. 146 - A aposentadoria que depender de inspeção medica só será concedida depois de verificada a impossibilidade da readaptação do policial civil.

§ 1º - O laudo do órgão médico oficial, devera mencionar se o policial civil está invalido para as funções do cargo ou para o serviço público em geral e se a invalidez é definitiva.

§ 2º - Não sendo definitiva a invalidez, esgotado o prazo de licença para tratamento de saúde, quando utilizada, o policial civil será aposentado provisoriamente , com proventos integrais para a realização de novos exames, no período de 05 (cinco) anos seguintes. Se, neste prazo, alterar-se o quadro de invalidez e ficar comprovada a cura, o policial civil reverterá ao serviço.

§ 3º O não compadecimento aos exames marcados, na forma do parágrafo anterior, implica na suspensão dos proventos e, no caso de reincidência, na anulação da aposentadoria.

§ 4º - Não sendo comprovada a cura o policial civil será aposentado definitivamente, com proventos integrais. (Grifou-se)

§ 5º - O disposto neste artigo estende-se aos cargos de provimento em comissão cujo titular os tenha exercido por um período mínimo, contínuo ou descontinuo, de 5 (cinco) anos e comprovadamente a causa da invalidez aconteceu dentro do exercício de suas funções.

Por último, a Lei Estadual nº 6.844/86, que dispôs acerca do Estatuto do Magistério Público do Estado de Santa Catarina, trouxe a seguinte disposição a respeito da aposentadoria por invalidez do membro do magistério:

Art. 131 - A aposentadoria por invalidez será concedida depois de verificada a impossibilidade de transferência ou readaptação do membro do magistério.

§ 1º - O laudo do órgão médico oficial deverá mencionar se o funcionário está inválido para as funções do cargo ou para o serviço público em geral e se a invalidez é definitiva.

§ 2º - Não sendo definitiva a invalidez, esgotado o prazo de licença para tratamento de saúde quando utilizada, o funcionário será aposentado provisoriamente com proventos integrais, nos termos do laudo médico oficial, que indicará as datas para a realização de novos exames, no período de 5 (cinco) anos seguintes. Se, neste prazo, alterar-se o quadro de invalidez e ficar comprovada a cura, o funcionário reverterá ao serviço.

§ 3º - O não comparecimento aos exames marcados, na forma do parágrafo anterior, implica na suspensão dos proventos e, no caso de reincidência, na anulação da aposentadoria.

§ 4º - Não sendo comprovada a cura o funcionário será aposentado definitivamente, com proventos integrais. (Grifou-se)

Veja-se que coincidentemente todos os dispositivos citados que tratam dos proventos de aposentadoria por invalidez dizem exatamente a mesma coisa, ou seja, na hipótese de não ser comprovada a cura da moléstia incapacitante, os proventos serão integrais. Diante dos referidos dispositivos em destaque, surge a inevitável pergunta se os mesmos foram ou não recepcionados pela Constituição Federal e pela Constituição Estadual? Ora, se a Constituição Federal, ditadora dos direitos previdenciários dos servidores públicos de todas as esferas, exige para integralidade dos proventos decorrentes da aposentadoria por invalidez que a doença grave, incurável ou contagiosa venha apontada em lei, não resta dúvida que os dispositivos grifados não restaram recepcionados pela CF/88, estando tacitamente revogados desde outubro de 1988.

O direito fundamental do servidor público, consubstanciado pela norma descrita no art. 40, I, da Constituição Federal, com redação anterior à EC nº 20/98, não veio expressamente identificado, haja vista que a definição de doença grave, contagiosa ou incurável necessita de conhecimentos periciais específicos de modo a identificar a gravidade, a contagiosidade ou a incurabilidade da doença. Porém, apesar da necessidade do conhecimento pericial específico, a própria Constituição tratou de dizer que tais doenças (incuráveis, graves ou contagiosas) devem vir especificadas em lei, logo, sem essa especificação ou apontamento pela lei, baseada em medicina especializada, não será possível reconhecer o direito à integralidade dos proventos. Refere-se, por oportuno, que a lei que disciplinar ou apontar as doenças graves, contagiosas ou incuráveis deve apenas exemplificar as doenças assim consideradas, deixando em aberto a possibilidade de outras existirem, assim como fez a Lei Federal nº 8.112/90 no seu art. 186, § 1º, senão vejamos:

Tal entendimento permite àquele servidor acometido de alguma moléstia não expressamente prevista na lei, mas que atestadamente é de natureza grave, contagiosa ou incurável, tenha o seu direito fundamental prestacional reconhecido sem que haja ofensa ao princípio da legalidade insculpido no caput do art. 37 da CF/88. É o que nos mostra o julgado abaixo:

SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. DOENÇA GRAVE. INTEGRALIDADE DOS PROVENTOS. HEMOGLOBINÚRIA PAROXÍSTICA NOTURNA. Enfermidade pericialmente constatada Hemoglobinúria Paroxística Noturna a inserir-se entre o rol das doenças incapacitantes e graves, que a equiparam àquelas previstas no art. 158, § 1º, da lei estadual nº 10.098/94, embora sem fazer expressa referência a ela. Proventos integrais a que faz jus o servidor. Recurso Provido. Sentença Reformada. Procedência da Demanda (Apelação Cível nº 70006446710, TJRS, 3ª Câmara Cível, voto un., Rel. Des. Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, 28/08/03).

O entendimento dado acima pela 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul restou fundamentado na lei estadual que trouxe a previsão das doenças graves, contagiosas ou incuráveis. Em outros termos, entendeu a referida Câmara que o rol trazido pela Lei Gaúcha nº 10.098/94 não era taxativo e que a inclusão de outra doença, considerada grave pela medicina especializada, não implicaria em ofensa ao princípio da legalidade, visto que a própria lei permitia que outras doenças assim fossem consideradas. Mas, seria possível trazer o raciocínio acima para o caso catarinense, que sequer lei possui neste tocante? A resposta é negativa. Com efeito, a jurisprudência do STF (RE 175.980) é contundente no sentido de que a doença grave, contagiosa ou incurável deve vir especificada em lei e que sem essa especificação não é possível reconhecer o direito à integralidade dos proventos. Até o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, reconhecido nacionalmente por suas interpretações inovadoras, foi minuciosamente criterioso para reconhecer uma doença grave não expressamente identificada na lei gaúcha, imagina-se, então, a possibilidade do Estado Catarinense aposentar por invalidez servidores públicos, dando-lhes proventos integrais, sem que haja uma lei estadual apontando ou elencando o rol de doenças graves, contagiosas ou incuráveis. Não há dúvida que o ato do administrador, tomado neste sentido, fere por completo o princípio da legalidade.

Refere-se, ademais, que apenas uma doença foi considerada pela legislação estadual como causa incapacitante. É o caso da AIDS, prevista pela Lei Estadual nº 7.590, de 08 junho de 1989. Apenas a título de elucidação, vejamos o que diz a referida Lei, na sua redação original:

Art. Art. 1º - Fica declarado inválido para o serviço público em geral o funcionário público comprovadamente portador da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida - AIDS.

Parágrafo único - A comprovação de que trata este artigo será obtida através de atestado da Junta Médica Oficial do Estado.

Art. 2º - Ficam assegurados ao funcionário público nessa condição todos os direitos e benefícios previstos em Lei.

A previsão de invalidez do servidor público acometido da referida doença, deixa clara a possibilidade do mesmo obter proventos integrais, até porque a AIDS vem prevista na legislação federal como sendo doença grave e incurável (art. 186, § 1º, da Lei nº 8.112/90). Posteriormente, a referida lei foi alterada pela Lei Estadual nº 10.246, de 12 de novembro de 1996, dando a seguinte redação aos arts. 1º e 2º:

Art. 1º Fica instituído o benefício da aposentadoria por invalidez ao servidor público comprovadamente portador da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida - SIDA/AIDS."

Art. 2º O art. 3º da Lei nº 7.590, de 08 de junho de 1989, acrescido de seus § § 1º e 2º, passa a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 3º Fica assegurada ao servidor público portador da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida - SIDA/AIDS, a faculdade de permanecer no exercício das funções do cargo que ocupa, mediante requerimento escrito dirigido à autoridade administrativa competente.

A mudança na redação não foi de todo adequada, haja vista que cria desnecessariamente um benefício previdenciário, quando bastava apontar a doença como grave e incurável. Entretanto, apesar das incongruências, respeitado fica o princípio da legalidade, caso venha o Estado a aposentar por invalidez com proventos integrais o servidor público acometido de tal doença, exatamente porque prevista a doença em lei, como requer a Constituição Federal.

Portanto, as Leis Estaduais nº 6.745/85, 6.843/86 e 6.844/86, na parte que trataram da aposentadoria por invalidez, restaram tacitamente revogadas com a promulgação da Constituição Federal. Assim, não havendo na legislação estadual apontamento das doenças graves, contagiosas ou incuráveis, à exceção da AIDS, não é possível conceder proventos integrais ao servidor aposentado por invalidez permanente.

Feita a análise anterior à EC nº 20/98, passamos a verificar se houve mudança com a nova disposição constitucional. Com efeito, a EC nº 20/98 trouxe mudanças significativas no aspecto previdenciário do servidor público, porém, no que se refere à aposentadoria por invalidez a mudança foi apenas terminológica, senão vejamos o que reza o art. 40, § 1º, I:

Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da união, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.

§ 1º Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este artigo serão aposentados, calculados os seus proventos a partir dos valores fixados na forma do § 3º:

I - por invalidez permanente, sendo os proventos proporcionais ao tempo de contribuição, exceto se decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, especificada em lei; (grifou-se)

Veja-se que a Emenda apenas inverteu os termos, não fazendo mudanças significativas, aptas a provocarem uma interpretação diversa daquela exposta acima. Assim, a Emenda mantém a necessidade da previsão em lei da doença grave, contagiosa ou incurável. Por sua vez, na Constituição Estadual sequer houve mudança de texto, logo, não resta dúvida que a EC nº 20/98 não trouxe mudança no aspecto relacionado à aposentadoria por invalidez, exceto na maneira de calcular os proventos, agora com a proporcionalidade de acordo com o tempo de contribuição e não com o tempo de serviço.

Mas, a EC nº 20/98 trouxe uma regra importante para o regime próprio de previdência, principalmente no aspecto relacionado à falta de legislação estadual prevendo as doenças graves, contagiosas ou incuráveis, fato este que impede a integralidade dos proventos de aposentadoria. Com efeito, o § 12 do art. 40, na redação dada pela EC nº 20/98 assim preconiza:

Art. 40...

§ 12. Além do disposto neste artigo, o regime de previdência dos servidores públicos titulares de cargo efetivo observará, no que couber, os requisitos e critérios fixados para o regime geral de previdência social.

Apesar do referido dispositivo não deixar clara a possibilidade de aplicação subsidiária do regime geral de previdência social, o STF, ao apreciar medida cautelar na ADIn nº 2.169, do Rio de Janeiro, entendeu que o referido parágrafo autoriza a aplicação subsidiária do regime geral, senão vejamos os termos da ementa:

Alguns órgãos fracionários dos Tribunais Federais, adotando a mesma linha do STF, também têm entendido que o referido dispositivo permite que o regime geral de previdência social seja aplicado supletivamente ao regime próprio, senão vejamos os julgados abaixo:

Portanto, não resta dúvida que a norma prevista no § 12 do art. 40, na redação dada pela EC nº 20/98, permite a aplicação subsidiária do regime geral para fins de interpretação e também para casos omissos do regime próprio. Nessa linha, se o Estado de Santa Catarina não possui norma elencando as doenças graves, contagiosas ou incuráveis, fato este que impede que os servidores aposentados por invalidez recebam proventos integrais, exceto se a invalidez decorre de acidente em serviço e de moléstia profissional, não resta dúvida que o Estado poderá buscar norma no regime geral a fim de colmatar o vazio da legislação estadual, restando atendido o princípio da legalidade previsto no caput do art. 37 da CF/88. Assim, volvendo-se os olhos para o regime geral de previdência encontramos o seguinte dispositivo na Lei nº 8.213/91, que implantou o plano de benefícios da previdência social:

Art. 151. Até que seja elaborada a lista de doenças mencionadas no inciso II do artigo 26, independe de carência a concessão de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez ao segurado que, após filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social, for acometido das seguintes doenças: tuberculose ativa; hanseníase; alienação mental; neoplasia maligna; cegueira; paralisia irreversível e incapacitante; cardiopatia grave; doença de Parkinson; espondiloartrose anquilosante; nefropatia grave; estado avançado da doença de Paget (osteíte deformante); síndrome da deficiência imunológica adquirida - Aids; e contaminação por radiação, com base em conclusão da medicina especializada.

Veja-se que o artigo em tela não diz expressamente que as doenças por ele elencadas são de natureza grave, contagiosa ou incurável, porém, se volvermos os olhos para a Lei nº 8.112/90, que dispôs sobre o Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis da União, vamos perceber que a referida lei elenca no seu art. 186, § 1º,1 à exceção da esclerose múltipla, exatamente as mesmas doenças como sendo de natureza grave, contagiosa ou incurável, logo, não resta dúvida que o catálogo de doenças previsto no artigo em referência é de natureza grave, contagiosa ou incurável, permitindo sua aplicação subsidiária até que a legislação estadual venha a apontá-las em legislação própria.

Portanto, com o advento da Emenda Constitucional nº 20/98, que permitiu a aplicação subsidiária do regime geral de previdência social através do § 12 do art. 40, ficou o servidor público estadual, desamparado que estava pela legislação estadual, agasalhado pelo norma do art. 151, da Lei nº 8.213/91. Assim, caso venha o servidor a ser acometido de alguma das doenças elencadas pelo referido artigo, terá o direito de receber proventos integrais.

Como referido anteriormente, as regras estaduais relativas à aposentadoria por invalidez, principalmente as referidas nas Leis 6.745/85, 6.843/86 e 6.844/86 restaram tacitamente revogadas pela Constituição Federal de 1988, não sendo possível a concessão de proventos integrais para qualquer tipo de invalidez. Para que o servidor fizesse jus aos proventos integrais, a invalidez deveria decorrer de acidente em serviço, moléstia profissional ou deveria a doença ser grave, contagiosa ou incurável, mas a própria Constituição exigiu que nestes casos, deveria a lei estabelecer o rol de doenças. Logo, se esse rol não foi previsto ou estabelecido pela legislação estadual, não há como conceder proventos integrais, exceto no caso de acidente em servido e moléstia profissional. Qualquer interpretação nesse sentido ou tentativa de aplicação do § 4 do art. 110 da lei Estadual nº 6.745/85, tacitamente revogado, afronta diretamente do art. 37, caput, da Constituição Federal, visto que a Administração Pública deve obediência ao princípio da legalidade. Posteriormente à EC nº 20/98, com a inclusão do § 12 ao art. 40 da CF/88, permitindo a aplicação subsidiária do regime geral de previdência social, restaram os servidores públicos estaduais, acometidos das moléstias previstas no art. 151, da Lei nº 8.213/91, assegurados com os proventos integrais da aposentadoria por invalidez, não sendo possível falar em ofensa ao princípio da legalidade, pela aplicação subsidiária do regime geral de previdência.

Com a recente reforma da previdência e a conseqüente promulgação da Emenda Constitucional nº 41/03, novamente a aposentadoria por invalidez sofreu mudança em seu texto, senão vejamos:

Art. 40...

§ 1º Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este artigo serão aposentados, calculados os seus proventos a partir dos valroes fixados na forma dos §§ 3º e 17:

I - por invalidez permanente, sendo os proventos proporcionais ao tempo de contribuição, exceto se decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, na forma da lei;

A nova disposição somente trocou a expressão "especificada em lei" por "na forma da lei", assim, teria a referida alteração modificado o entendimento no sentido de que a doença grave, contagiosa ou incurável deveria estar prevista em lei para que o servidor pudesse fazer jus aos proventos integrais? Ainda, teria a nova disposição negado eficácia imediata ao direito à integralidade dos proventos, visto que o dispositivo remete, em tese, a uma regulamentação através de lei?

Ora, se a aposentadoria por invalidez é um direito fundamental social de prestação do servidor público, porque plasmada pelo princípio da dignidade da pessoa humana, não há dúvida que qualquer tentativa de sobrestar o gozo de tal direito configuraria ofensa direta à própria Constituição, principalmente ao art. 60, § 4º, IV. Por este único motivo, não há como interpretar a nova disposição no sentido de que a mesma depende de uma lei regulamentadora para ter eficácia plena. A Constituição assegurou o direito à aposentadoria por invalidez, porém, em situações excepcionais, elencadas em lei, que assolam, agonizam e torturam a vida do servidor, brindou a Constituição com a integralidade dos proventos, o mesmo acontecendo quando a enfermidade decorre do próprio trabalho, seja por acidente em serviço, seja por moléstia a ele relacionada. Veja-se, são situações ímpares que a Constituição tentou amenizar o sofrimento do servidor, tudo para que ele tenha sua dignidade preservada ou pelo menos amenizada. Portanto, a mudança de redação, não prejudicou nem modificou o que foi dito acima. A fim de referendar tal entendimento, colhe-se a explicação dada pelo Deputado José Pimentel, relator da reforma, à alteração em comento:

3) Alteração, no § 1o, inciso I, da expressão "especificadas em lei" por "na forma da lei", de modo a permitir, por lei infraconstitucional, de um desenho de uma política mais abrangente relativa à aposentadoria por invalidez no serviço público.

Veja-se que a explicação do relator tinha e tem por objetivo o desenvolvimento de uma política mais abrangente no que se refere à aposentadoria por invalidez, assim, não há como cogitar que o dispositivo depende de regulamentação. Se a expressão "na forma da lei" tem por objetivo fazer uma política mais asseguradora ou dar um melhor tratamento ao benefício em tela, evidente que a mesma não tem o condão de mitigar ou retirar o direito do servidor de se aposentar por invalidez com proventos integrais caso venha a ser acometido de uma doença grave, contagiosa ou incurável especificada em lei ou que venha a sofrer um acidente em serviço que o incapacite para o trabalho ou, ainda, venha a sofrer de uma moléstia profissional.

A informação nº 112/2004, originária da DCE, é inconteste ao dizer que esta Corte de Contas vinha considerando legal e registrando as aposentadorias com proventos integrais concedidas de acordo com o art. 110, da Lei nº 6.745/85 e art. 131, da Lei nº 6.844/86, haja vista a inexistência de legislação estadual prevendo as doenças graves, contagiosas ou incuráveis. Diante da referida informação e de tudo que foi dito até então não resta dúvida que esta Corte de Contas, caso seja acatado a presente parecer, terá que estabelecer um marco para que a nova interpretação comece a surtir efeitos. Nessa linha, colhe-se a decisão de 28/04/97, exarada nos autos do Processo nº AP 0007609/35, referente à aposentadoria do Des. José Bonifácio da Silva:

Autorizar o registro do ato aposentatório do Desembargador José Bonifácio da Silva, conforme os cálculos apresentados na Apostila Retificatória de proventos de fls. 214;

Considerar regulares as concessões e adicionais e vantagens pecuniárias conferidas aos Magistrados, bem como aos Conselheiros e Auditores desta Corte de Contas anteriormente a esta decisão, e irregulares as concessões efetivadas com fundamento no Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado de Santa Catarina, Lei nº 6.745/85, após a data da publicação desta decisão, que se instala como marco para a mudança de paradigma e respeita, sobretudo, decisão do Supremo Tribunal Federal, autorizando, entretanto, a retificação de atos aposentatórios conclusos até a data da decisão referenciada, exclusivamente para efeitos de adequação a esta orientação, garantindo destarte, o trato isonômico dos diversos processos;

Dar ciência ao Tribunal de Justiça sobre o novo posicionamento, para que restrinja a concessão de adicionais e vantagens pecuniárias aos Magistrados, aos limites impostos pela lei Orgânica da Magistratura Nacional, e pela Lei Estadual nº 5.624/79.

Com efeito, a decisão acima modificou o entendimento que vinha sendo dado pelo Tribunal de Contas até então, e para que não houvesse tratamento diferenciado entre servidores que estavam em mesma situação, estabeleceu a publicação da decisão como marco para mudança de entendimento. Assim, a partir da publicação da decisão acima, não mais estaria esta Corte de Contas aceitando atos aposentatórios baseados no antigo entendimento.

Portanto, para que não haja prejuízo aos servidores agraciados com a integralidade dos proventos quando inválidos permanentemente para o trabalho, o entendimento que se está dando somente surtirá efeitos sobre os atos de aposentadoria tomados a partir da publicação da presente decisão.

Ante o exposto, considerando que o interessado é parte legítima para formular consulta sobre matéria de competência do Tribunal de Contas e que a consulta atende ao disposto no art. 59, XII, da Constituição Estadual, art. 1º, XV, da LC nº 202/00 (Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado) e art. 1º, XV, do Regimento Interno desta Casa, sugere-se possa o egrégio Plenário:

1. Conhecer da consulta por atender os pressupostos de admissibilidade;

2. No mérito, responder a consulta nos seguintes termos:

2.1. Possuem direito à integralidade dos proventos, decorrentes de aposentadoria por invalidez:

a) todos os servidores estaduais estatutários aposentados por invalidez permanente em decorrência de acidente em serviço e acometidos de moléstia profissional;

b) todos os servidores estaduais estatutários aposentados por invalidez permanente em decorrência de AIDS (Lei Estadual nº 7.590/89);

c) todos os servidores estaduais estatutários aposentados por invalidez permanente após 16/12/98 (EC nº 20/98) em decorrência de doença grave, contagiosa ou incurável incapacitante, elencadas no art. 151, da Lei Federal nº 8.213/91;

2.2. Os demais servidores, aposentados por invalidez permanente, que não se enquadrem em nenhuma das hipóteses acima, possuem o direito a proventos proporcionais.

2.3. Os atos administrativos concessivos de aposentadorias por invalidez permanente de servdiores públicos estaduais publicados após a publicação da presente decisão terão registro neste Tribunal de Contas se estiverem de acordo com o entendimento contido nesta decisão.

2.4. Recomendar ao Chefe do Poder Executivo Estadual que inicie o processo legislativo para adequação da legislação da previdência do servidor público estadual à diretriz constitucional.

2.5. Dar conhecimento da presente decisão ao Secretário de Estado da Administração. "

Da Procuradoria:

Esta procuradoria, analisando os autos, posiciona-se no sentido do conhecimento da presente consulta, acompanhado em sua totalidade o entendimento esposado no parecer da Consultoria Geral, pois o mesmo, esclarece as dúvidas apresentadas pela Diretoria de Controle da Administração Estadual, relativamente às aposentadorias por invalidez.

Assim sendo, este órgão acompanha o bem fundamentado Parecer da Consultoria Geral.

É o Relatório

Este Relator, considerando que o Consulente detém legitimidade para o encaminhamento de consultas a esta Corte de Contas - art. 103, I e 104, III, da res. TC06/2001;

Considerando que a dívida que se apresenta no presente processo diz respeito unicamente aos proventos de aposentadoria por invalidez dos servidores públicos do Estado;

Considerando o Parecer do Corpo que é acompanhado na íntegra pela douta Procuradoria, formula ao Egrégio Plenário a seguinte proposta de julgamento:

6.1. Conhecer da consulta por atender os pressupostos de admissibilidade;

6.2. No mérito, responder a consulta nos seguintes termos:

6.2.1. Possuem direito à integralidade dos proventos, decorrentes de aposentadoria por invalidez:

a) todos os servidores estaduais estatutários aposentados por invalidez permanente em decorrência de acidente em serviço e acometidos de moléstia profissional;

b) todos os servidores estaduais estatutários aposentados por invalidez permanente em decorrência de AIDS (Lei Estadual nº 7.590/89);

c) todos os servidores estaduais estatutários aposentados por invalidez permanente após 16/12/98 (EC nº 20/98) em decorrência de doença grave, contagiosa ou incurável incapacitante, elencadas no art. 151, da Lei Federal nº 8.213/91;

6.2.2. Os demais servidores, aposentados por invalidez permanente, que não se enquadrem em nenhuma das hipóteses acima, possuem o direito a proventos proporcionais.

6.2.3. Os atos administrativos concessivos de aposentadorias por invalidez permanente de servidores públicos estaduais publicados após a publicação da presente decisão terão registro neste Tribunal de Contas se estiverem de acordo com o entendimento contido nesta decisão.

6.2.4. Recomendar ao Chefe do Poder Executivo Estadual que inicie o processo legislativo para adequação da legislação da previdência do servidor público estadual à diretriz constitucional.

6.2.5. Dar conhecimento da presente decisão ao Secretário de Estado da Administração.

Gabinete de Auditor, em 05 abril de 2004

Altair Debona Castelan

Auditor Relator


1 Art. 186. O servidor será aposentado:

I - por invalidez permanente, sendo os proventos integrais quando decorrentes de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, especificada em lei, e proporcionais nos demais casos;

...

§ 1º. Consideram-se doenças graves, contagiosas ou incuráveis, a que se refere o inciso I deste artigo, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira posterior ao ingresso no serviço público, hanseníase, cardiopatia grave, doença de Parkinson, paralisia irreversível e incapacitante, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, estados avançados do mal de Paget (osteíte deformante), Síndrome de Imunodeficiência Adquirida - AIDS, e outras que a lei indicar, com base na medicina especializada.