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TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SANTA CATARINA Gabinete do Auditor Altair Debona Castelan |
PROCESSO N° |
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CON 0401589501 |
O R I G E M: |
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ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SANTA CATARINA |
INTERESSADO: |
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VOLNEI MORASTONI |
A S S U N T O: |
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CONSULTA |
Tratam os autos de Consulta subscrita pelo Deputado Estadual Volnei Morastoni, Presidente da Assembléia Legislativa do Estado, encaminhando cópia do Pedido de Informação n. PIC/0033.6/2004, de autoria do Deputado Antônio Carlos Vieira, aprovado na Sessão do dia 18.03.2004, solicitando informações sobre a ocorrência de antecipação de receita vedada pelo art. 37 da Lei Complementar n. 101/00, diante da situação hipotética indicada no pedido de informação (fls. 03/04).
A Consultoria Geral do Tribunal de Contas, apreciando os termos da Consulta, após detalhada análise, elaborou o Parecer COG nº 139/04, de fls. 13 a 19 dos autos, nos seguintes termos:
"A presente consulta versa sobre a ocorrência de antecipação de receita vedada pelo art. 37 da Lei Complementar nº 101/00, diante de situação hipotética indicada no pedido de informação, do qual se extrai:
Considerando que a Lei Complementar 101, de 04 de maio de 2000, em seu artigo 37, I, equipara a operações de crédito e a proíbe de modo expresso, a captação de recursos a título de antecipação de receita de tributo cujo fato gerador ainda não tenha ocorrido; (...) [reproduz texto do art. 37, inciso I, da LC nº 101/00]
Considerando que o artigo 1º do Decreto Lei nº 201, de 27 de fevereiro de 1967, o artigo 74 da Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950 e o artigo 359-A, do Decreto Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, disposições legais modificadas ou inseridas por dicção contida na Lei Federal nº 10.028 de 19 de outubro de 2000, consideram crime passível de punição aos administradores que se utilizarem da conduta definida no artigo 37, 1, da Lei Complementar nº 101/00; (...)
[reproduz texto do art. 1º e inciso XXI, do DL 201/67 - com redação da Lei nº 10028/00 - do art. 74 da Lei nº 1079/50, e do art. 359-A do Código Penal, com redação da Lei nº 10028/00]
Considerando que a Lei estadual nº 10.297, de 26 de dezembro de 1996, fundada na Lei Complementar Federal nº 87, de 13 de setembro de 1996 e regulamentada pelo Decreto nº 2.870, de 27 de agosto de 2001 estabelece como normas gerais:
a) como fato gerador do ICMS, a realização de operações de saídas de mercadorias ou a prestação de serviços de transporte interestaduais e intermunicipais e de comunicação - RICMS/SC-01, artigo 1º;
b) como período de apuração para as operações de saídas de mercadorias cada um dos meses calendário, exceto nas operações com combustíveis e lubrificantes, a teor do disposto no artigo 53 do RICMS/SC-01;
c) como data de vencimento o dia 10 do mês seguinte àquele dos fatos geradores - RICMS/SC-01, artigo 60.
Considerando que uma empresa promova recolhimento de tributo em montante grandemente superior aos seus pagamentos mensais, no dia 19 de dezembro, sem conhecer o volume de operações do mês, sem ter-se completado o período de apuração, que é mensal, sem saber o quantum de ICMS devido e a recolher no mês seguinte, sem que tenha ocorrido o vencimento do tributo, que seria o dia 10 de janeiro , indaga-se:
1) O fato descrito constituir-se-ia em antecipação de receita?
2) A vedação do inciso I do artigo 37 da Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000 aplica-se ao caso em tela?
3) As cominações legais decorrentes das alterações ou inserções efetuadas ante a dicção da Lei Federal nº 10.028, de 19 de outubro de 2000, às normas que definem penas por crimes concernentes às antecipações de crédito se constituem em penalidades imputáveis aos administradores que autorizam ou aceitaram a antecipação de receita acima descrita?
A Lei Complementar nº 101, da 04 de maio de 2000, trás vedações para a realização de operações de crédito por antecipação de receita. Dentre as vedações está a que proíbe da captação de recursos a título de antecipação de receita de tributo ou contribuição cujo fato gerador ainda não tenha ocorrido. É o que dispõe o art. 37:
Art. 37. Equiparam-se a operações de crédito e estão vedados:
I - captação de recursos a título de antecipação de receita de tributo ou contribuição cujo fato gerador ainda não tenha ocorrido, sem prejuízo do disposto no § 7o do art. 150 da Constituição;
II - recebimento antecipado de valores de empresa em que o Poder Público detenha, direta ou indiretamente, a maioria do capital social com direito a voto, salvo lucros e dividendos, na forma da legislação;
III - assunção direta de compromisso, confissão de dívida ou operação assemelhada, com fornecedor de bens, mercadorias ou serviços, mediante emissão, aceite ou aval de título de crédito, não se aplicando esta vedação a empresas estatais dependentes;
IV - assunção de obrigação, sem autorização orçamentária, com fornecedores para pagamento a posteriori de bens e serviços.
O disposto no inciso I do art. 37 da Lei de Responsabilidade Fiscal é explicita em vedar a obtenção de receitas antecipadas relativas a tributo ou contribuição cujo fato gerador ainda não tenha ocorrido, equiparando tal ato a operação de crédito (empréstimo).
No caso vertente, a consulta apresenta hipótese de empresa realizar (ou ter realizado) recolhimento de ICMS no dia 19 de dezembro, em valor superior a média daquela empresa para o mês integral, o que sugeriria recolhimento antecipado, sem conhecer o volume das operações para o mês, sem ter completado o período de apuração (mensal), sem conhecer o valor a ser recolhido e sem o vencimento do tributo, que seria no dia 10 do mês seguinte.
Quanto a esse último aspecto, cumpre dizer que o prazo estabelecido para recolhimento do ICMS - no caso, dia 10 do mês subseqüente - representa apenas a data limite para recolhimento, podendo a empresa fazê-lo a partir do primeiro dia do mês subseqüente àquele em que ocorra o fato gerado.
Ainda quanto ao prazo, o segundo aspecto é que nada impede que o contribuinte promova o recolhimento durante o mês em que ocorra o fato gerador. A partir do momento em que se configura o fato gerador do tributo, o contribuinte do ICMS fica obrigado ao recolhimento do imposto devido, podendo promover o recolhimento mesmo antes do final do mês e antes do prazo concedido para o recolhimento (dia 10 do mês subseqüente).
O recolhimento antes do final do mês, em valor superior à média mensal do contribuinte, por si só, não significa antecipação de recolhimento de tributo, ou seja, recolhimento sobre fatos geradores ainda não ocorridos. Isto requer verificação do caso concreto e dos documentos correspondentes, o que provavelmente implicaria na atuação da fiscalização fazendária à vista da necessidade de verificação das operações e contabilidade da empresa.
Todavia, se ficar comprovado que houve recolhimento de tributo sem correspondência com fatos geradores do tributo, ficaria caracterizada a captação de recursos a título de antecipação de receita de tributo ou contribuição cujo fato gerador ainda não tenha ocorrido. O Poder Público não pode aceitar recolhimentos a título de tributos sem que haja o correspondente fato gerador. Um tal valor (receita sem causa) só poderia ocorrer a título de doação.
Efetivamente, se houve ou houvesse uma situação na forma descrita no pedido de informações, em tese, caracterizaria afronta ao disposto no inciso I do art. 37 da Lei Complementar nº 101/00. No entanto, repita-se, aqui se está falando em tese. Os fatos devem ser comprovados pelos meios legais.
Segundo Reinaldo Moreira Bruno1:
Não obstante o tratamento aqui delineado às operações de crédito formalmente realizadas, algumas outras situações corriqueiras nos Municípios brasileiros acabaram sendo equiparadas a estas, visando coibir práticas abusivas na execução orçamentária e que acabavam por gerar enormes déficits orçamentários, sem grande possibilidade de verificação e limitação.
Uma prática muito comum nos Municípios, normalmente visando pagar o décimo terceiro salário e dívidas de curto prazo para evitar a aferição de déficit orçamentário pelos Tribunais de Contas, era o lançamento tributário antes da ocorrência do fato gerador, ou seja, a remessa do carnê de IPTU, principal tributo municipal, para o contribuinte nos meses de novembro e dezembro, oferecendo descontos para o pagamento antes da data do vencimento, este sim, já no exercício de ocorrência da fato gerador.
A conseqüência era simples: passava o administrador municipal a contar com apenas onze ou, em muitos casos, com apenas dez meses de arrecadação deste Tributo, levando ao final do exercício subseqüente a mesma ação.
Visando pôr paradeiro a este tipo de conduta irresponsável do administrador, tal prática acabou por ser equiparada à operação de crédito, sofrendo toda espécie de restrição, inclusive sendo necessária a aprovação do Ministério da Fazenda, para aferição do nível de endividamento. (sem grifo no original)
Mutatis mutandis, tais situações também eram comuns no âmbito estadual. Tratavam-se de operações de crédito informais, que passavam ao largo do padrão usual e legal, gerando equilíbrio financeiro fictício. A Lei de Responsabilidade Fiscal pretendeu dar fim a este tipo de operação. Ademais, é de se supor que o contribuinte tenha alguma vantagem no recolhimento antecipado do tributo, pois, salvo raros casos, e principalmente diante da elevadíssima carga tributária, não se encontram pessoas dispostas a dar ainda mais vantagens ao Poder Público. Aí é de se perguntar: a que custo se faziam2 tais operações?
Na Lei de Responsabilidade Fiscal há ressalva quanto ao disposto no § 7º do art. 150 da Constituição Federal, que permite a substituição tributária, como no caso do ICMS, para certas mercadorias, como combustíveis, bebidas e cigarros. Porém, os recursos captados a título de antecipação de receita tributária, vedadas pela LRF, não se referem aos fatos geradores futuros (nas fases seguintes da movimentação de mercadorias), mas ao recolhimento devido pelo substituto. Destarte, a vedação ao administrador se refere à receita tributária advinda do contribuinte que deve realizar o recolhimento do tributo (inclusive da parte do substituído).
Sobre o tema e comentando o art. 37 da LRF, José Maurício Conti3 esclarece:
Neste caso, há referência à chamada "substituição tributária para a frente", modalidade de responsabilidade tributária em que a lei prevê o pagamento do tributo antes de ocorrido o fato gerador. Essa possibilidade está prevista no art. 150, § 7º, da Constituição, que permitiu atribuir ao sujeito passivo de obrigação tributária a responsabilidade pelo pagamento de tributos cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, desde que seja assegurada a imediata restituição caso este não se realize. É usual essa modalidade de cobrança em impostos multifásicos, ocorrendo principalmente no ICMS, que tem inclusive disposição legal expressa prevendo tal possibilidade. Não se permite a realização das operações de crédito por antecipação de receita (ARO) fundadas nesta espécie de operação tributária, não obstante seja mantida a possibilidade de se continuar realizando a tributação mediante "substituição tributária para a frente".
Por isso, a caraterização do ilícito depende de verificação, caso a caso, frente à legislação tributária nacional e a específica de cada ente.
Cabe ressaltar que a eventual omissão no dever de fiscalizar do Fisco diante do conhecimento dos fatos pode caracterizar infração funcional e conduta criminosa imputável a quem deveria fazê-lo.
No que pertine às questões criminais, não cabe manifestação desta Corte, vez que não detém competência para iniciar as ações judiciais competentes, nem promover o julgamento. Todavia, caso identificadas condutas tipificadas como crime, diante do exame de casos concretos, cabe a Tribunal de Contas promover a representação ao Ministério Público Estadual e a outros órgãos, se for o caso.
Documento juntado aos Autos
Na data de conclusão deste parecer, e já estando concluído, por determinação do Exmo. Sr. Presidente, foi juntado o Ofício nº 199/2004 (fls. 08/11), subscrito pelo Deputado Antônio Carlos Vieira, "encaminhando cópia da representação que formulei ao Senhor Procurador Geral de Justiça, por fato que, na minha avaliação, pode ser considerado como crime de responsabilidade, nos termos da redação dada pela Lei nº 10.028, de 19/10/2000", para conhecimento e providências que esta Corte julgar necessárias.
Referida representação ao Ministério Público trata da mesma matéria da consulta, agora nominando a empresa contribuinte de ICMS e os valores que supostamente recolhidos antecipadamente e de forma irregular. Salvo melhor juízo, entendemos que o assunto contido no Ofício nº 199/2000 deve ser tratado em processo específico de representação de agente público, pois se reporta a fato concreto. Nesta circunstância, cabe a esta Corte promover as diligências e inspeções necessárias com vista a comprovação dos fatos e adotar as medidas legais pertinentes.
Assim, poderia ser mantida cópia nestes autos e o original servir para constituição de processo específico para apuração dos fatos, o que demandaria o desentranhamento do documento original destes autos.
Pelo exposto, em conclusão da análise da matéria objeto da consulta da Assembléia Legislativa, encaminhada pelo Deputado Estadual Volnei Morastoni, Presidente daquela casa Legislativa, solicitando informações sobre a ocorrência de antecipação de receita vedada pelo art. 37 da Lei Complementar nº 101/00, diante de situação hipotética indicada no Pedido de Informação nº PIC/0033.6/2004, de autoria do Deputado Antônio Carlos Vieira, aprovado na Sessão do dia 18.03.2004, sugere-se ao relator e ao e. Pleno:
1. Conhecer da Consulta formulada por atender aos requisitos de admissibilidade do Regimento Interno deste Tribunal de Contas;
2. No mérito, responder a consulta nos seguintes termos:
2.1. O recebimento, pelo Poder Público, de recursos a título de receita tributária sem prévia existência de fato gerador, em tese, caracteriza situação equiparada a operação de crédito vedada pelo inciso I do art. 37 da Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000. "
Da Procuradoria:
Esta procuradoria, analisando os autos, posiciona-se no sentido acompanhar aparecer conclusivo da COG, concordando-se com as conclusões ali anotadas, nada havendo a ser aduzido às mesmas.
É o Relatório
Este Relator, considerando que o Consulente detém legitimidade, para o encaminhamento de consultas a esta Corte de Contas - art. 103, I e 104, III, da res. TC06/2001;
Considerando o Parecer da COG, que é acompanhado na íntegra pela douta Procuradoria, formula ao Egrégio Plenário a seguinte proposta de julgamento:
6.1. Conhecer da consulta formulada por atender aos requisitos de admissibilidade do Regimento Interno deste Tribunal de Contas:
6.2. No mérito, responde-la nos seguintes termos:
6.2.1. O recebimento, pelo Poder Público, de recursos a título de receita tributária sem prévia existência de fato gerador, em tese, caracteriza situação equiparada a operação de crédito vedada pelo inciso I do art. 37 da Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000.
Gabinete de Auditor, em 13 maio de 2004
Altair Debona Castelan
Auditor Relator
1
Reinaldo Moreira Bruno. Lei de Responsabilidade Fiscal & Orçamento Municipal. Curitiba: Juruá, 2003, p. 162. 2
Diz-se "faziam", pois partimos da pressuposição de que a lei está sendo cumprida.
3
José Maurício Conti. Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal. Org. Ives Gandra da Silva Martins e Carlos Valder do Nascmento. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 237.