ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
GABINETE DO CONSELHEIRO WILSON ROGÉRIO WAN-DALL

 

Processo nº:

REC-04/02685946

Unidade Gestora:

Fundo Estadual de Saúde

Responsável:

Sr. Antônio Carlos Trevisol Bittencourt

Assunto:

Recurso de Reexame (art. 80 da LC 202/2000) – ARC-026941084+REC-2601800/92+REC-8903300/93+REC-8904700/90

Parecer nº:

GC/WRW/2009/309/ES

 

Controle contábil. Inexatidão. Responsabilidade.

Por força do art. 112 do Regimento Interno desta Corte de Contas (Resolução n° TC-06/01), a multa aplicada reveste-se do caráter de pessoalidade, ou seja, deve estar presente o vínculo do agente com o ato apontado como irregular (nexo causal), recaindo na pessoa física que deu causa à irregularidade.

 

 A identificação do responsável pelo ato inquinado perpassa pelo exame de alguns elementos, dentre os quais se destaca a existência da irregularidade (materialidade), a autoria, o nexo de causalidade entre a ação (prática do ato irregular) e o resultado (dano) e a culpabilidade. Ausente algum destes pressupostos, a apenação mostra-se indevida.

 

Irregularidade. Contraditório e ampla defesa.

A penalização mostra-se descabida quando, em relação à irregularidade que a fundamenta, o responsável não exerceu seu direito ao contraditório e ampla defesa, garantia fundamental insculpida nos incisos LVI e LV do artigo 5º da Constituição Federal/1988 e no artigo 75 da Lei Complementar Estadual n° 202/2000.

 

 Auditoria. Irregularidade. Materialidade. Ônus da prova.

O processo de auditoria, enquanto espécie de processo de fiscalização é, basicamente, um procedimento de coleta de dados de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, quanto aos aspectos técnicos de legalidade, legitimidade e economicidade da gestão dos administradores e demais responsáveis pelos órgãos ou entidades fiscalizadas, objetivando, principalmente, assegurar a eficácia do controle e subsidiar a instrução e o julgamento de processos de tomadas e prestações de contas.

 

O relatório de inspeção ou de auditoria deve ser minucioso e objetivo de modo a possibilitar ao Tribunal uma decisão baseada nos fatos relatados pela equipe técnica e nos documentos reunidos, juntando-se a ele aqueles indispensáveis à comprovação dos fatos apurados. Inteligência do art. 49, § 4°, do Regimento Interno desta Corte de Contas.

 

A falta de elementos indispensáveis à comprovação dos fatos apurados nos autos e aptos a demonstrarem a infração aos dispositivos legais supostamente violados não autoriza a penalização do gestor em razão da ausência de materialidade.

 

O ônus da prova de ilegalidade em auditoria ordinária realizada “in loco” é da instrução do processo e a ausência de documentos que desconstitua a alegação da instrução não conduz à penalização.

 

 

1.   RELATÓRIO

 

Versam os autos acerca de recurso interposto pelo Ilmo. Sr. Antônio Carlos Trevisol Bittencourt, ex-Diretor-Geral do Hospital Regional de São José Dr. Homero de Miranda Gomes, em face do Acórdão n. 0312/2004, proferido nos autos n. ARC-0269410/84.

 

A peça recursal passou pelo crivo da Consultoria-Geral, que, mediante o Parecer n. COG-279/09, propôs o seu conhecimento e, no mérito, que lhe fosse dado provimento para cancelar as multas cominadas ao Recorrente.[1]

 

O Ministério Público, em manifestação subscrita pelo seu Procurador-Geral Adjunto, Dr. Márcio de Sousa Rosa, aquiesceu ao entendimento do órgão consultivo.[2]

 

Autos conclusos ao Relator.

 

Este o sucinto e necessário relatório.

 

2.   DISCUSSÃO

 

Averbo, por oportuno, que o acórdão atacado possui o seguinte teor:

 

6.1. Conhecer do Relatório da Auditoria realizada no Fundo Estadual de Saúde, com abrangência sobre registros contábeis e execução orçamentária relativos ao período de julho a setembro de 1997, para considerar irregulares despesas, transferências de recursos, cobrança de honorários e outros atos, tratados no presente processo.

 

6.2. Aplicar aos Responsáveis abaixo discriminados, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/2000 e 109, II c/c 307, V, do Regimento Interno Instituído pela Resolução n. TC-06/2001, as multas a seguir especificadas,

com base nos limites previstos no art. 239, III, do Regimento Interno (Resolução n. TC-11/1991) vigente à época da ocorrência das irregularidades, fixando-lhes o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial do Estado, para comprovarem ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, ou interporem recurso na forma da lei, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos artigos 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000:

 

[...]

 

6.2.2. ao Sr. Antônio Carlos Trevisol Bittencourt - ex-Diretor Geral do Hospital Regional de São José, as seguintes multas:

 

6.2.2.1. R$ 200,00 (duzentos reais), em face do controle contábil (boletim de caixa e outros procedimentos contábeis) do setor de Tesouraria inexatos, não refletindo com fidelidade a movimentação financeira do setor, em desrespeito aos arts. 83 e 85 da Lei Federal n. 4.320/64;

 

6.2.2.2. R$ 500,00 (quinhentos reais), em face de cobranças de contas médicas improcedentes e sem fundamentação legal, em descumprimento ao art. 196 c/c o art. 198, parágrafo único da Constituição Federal;

 

6.2.2.3. R$ 200,00 (duzentos reais), em face do fornecimento de refeições a funcionários da empresa prestadora de serviços de vigilância, em afronta ao art. 12, § 1º, da Lei Federal n. 4.320/64 c/c o art. 37, caput, da Constituição Federal, por ferir o princípio da legalidade;  [...]

 

Com efeito, o Recorrente se insurgiu contra as multas, constantes dos itens 6.2.2.1 a 6.2.2.3 da decisão recorrida.

 

A Consultoria, em bem lançado parecer, examinou as razões esposadas na peça recursal e propôs o cancelamento das referidas sanções pecuniárias, servindo-se dos fundamentos a seguir apresentados.

 

6.2.2.1. R$ 200,00 (duzentos reais), em face do controle contábil (boletim de caixa e outros procedimentos contábeis) do setor de Tesouraria inexatos, não refletindo com fidelidade a movimentação financeira do setor, em desrespeito aos arts. 83 e 85 da Lei Federal n. 4.320/64

 

Após analisar a alegação do ex-gestor, o órgão consultivo consignou que:

 

No âmbito deste Tribunal de Contas, a multa aplicada reveste-se do caráter de pessoalidade, isto é, deve estar presente o vínculo do agente com o ato apontado como irregular, recaindo na pessoa física que deu causa à irregularidade. Veja-se, a respeito, o dispositivo do Regimento Interno (Resolução n° TC-06/01), que revela, de forma inconteste, o caráter personalíssimo da multa:

 

Art. 112. A multa cominada pelo Tribunal recairá na pessoa física que deu causa à infração e será recolhida ao Tesouro do Estado no prazo de trinta dias a contar da publicação da decisão no Diário Oficial do Estado. (grifou-se).

 

Nesse contexto, a identificação do responsável pelo ato inquinado perpassa pelo exame de alguns elementos, dentre os quais se destaca o nexo de causalidade entre a ação (prática do ato irregular) e o resultado (dano) e a culpabilidade.

 

[...] a mera identificação de irregularidade não é requisito suficiente para a apenação do responsável. Há várias etapas a serem superadas para que se possa concluir pela necessidade de apenação do gestor. Nesse contexto, a rotina de investigação da conduta dos agentes públicos deve seguir as seguintes etapas, quais sejam: existência da irregularidade (materialidade), autoria do ato examinado, culpa do agente e grau de culpa do agente.

Assim, há de se perquirir se restou configurada a violação a normas legais e regulamentares ou a cláusulas de termos do convênio ou de outros instrumentos do gênero, ocasião em que o julgador é chamado a avaliar a compatibilidade de determinado ato com as normas jurídicas que o regulam.

Neste particular, ressalte-se que no âmbito deste Tribunal de Contas, a aplicação de multa pressupõe que o ato praticado viole de forma grave essas normas, ex vi do art. 70, II, da Lei Orgânica (LCE nº 202/00), in verbis:

Art. 70. O Tribunal poderá aplicar multa de até cinco mil reais aos responsáveis por:

[...]

II - ato praticado com grave infração a norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial.

 

Superada a etapa anterior (verificação da existência da irregularidade), passa-se ao exame da autoria do ato, quando então avalia-se se o agente efetivamente praticou o ato impugnado (ato comissivo). Ou, ainda, se deixou de agir, quando estava obrigado a fazê-lo (conduta omissiva).

No caso dos autos, a penalização do ora Recorrente mostra-se indevida justamente pela ausência de alguns dos pressupostos que autorizam a sua aplicação, quais sejam: a existência de grave infração às normas contábeis e financeiras indicadas como violadas pelo aresto recorrido (art. 83 e 85 da Lei n° 4.320/64) e, ainda, a autoria dos supostos ilícitos administrativos que concorreram para a realização da infração, resultando, por conseguinte, na sua responsabilização.

Isto porque, muito embora os fatos narrados revelem a existência de deficiências no setor de Tesouraria do nosocômio, as impropriedades e falhas identificadas não caracterizam grave ofensa às normas legais de natureza contábil, gravidade esta exigida para fins de aplicação de multa com fundamento no inciso II do artigo 70 da LCE n° 202/00.

[...]

Outrossim, a responsabilização pelas falhas e impropriedades contábeis do nosocômio não deve ser atribuída ao ora Recorrente, vez que, na qualidade de administrador da unidade, não praticou ou ingeriu para a sua ocorrência e, desta forma, não violou os dispositivos legais indicados no aresto recorrido.

Conforme exposto anteriormente, os fatos apurados e que fundamentaram a aplicação da multa sob exame foram detectados no setor de Tesouraria do Hospital Regional de São José e dizem respeito a impropriedades e falhas na escrituração contábil do hospital.

Ora, não há como se responsabilizar o gestor por falhas e impropriedades na escrituração contábil do nosocômio mormente quando se observa que havia uma pessoa diretamente encarregada e responsável pela Tesouraria e pela escrituração contábil do hospital. Consoante informado à fl. 25 do relatório da auditoria, este setor estava sob a responsabilidade da servidora Helena Márcia K. Santos, pessoa a quem competia zelar pela exatidão dos registros contábeis, com a observância das normas legais que regem a matéria.

Considerando, pois, o comando contido no art. 112 do Regimento Interno, caso se concluísse pela necessidade e pela razoabilidade de apenação, a multa deveria recair sobre a pessoa que, de fato, deu causa à infração. Assim, correto seria o chamamento aos autos da Sra. Helena Márcia K. Santos para que apresentasse justificativas acerca dos fatos apontados, a fim de que se pudesse concluir, com exatidão, a respeito da responsabilidade por tais irregularidades ou, ainda, orientá-la acerca dos procedimentos a serem adotados.

Por todo o exposto, sugere-se o cancelamento da multa sob exame.[3] Grifo nosso

 

6.2.2.2. R$ 500,00 (quinhentos reais), em face de cobranças de contas médicas improcedentes e sem fundamentação legal, em descumprimento ao art. 196 c/c o art. 198, parágrafo único da Constituição Federal

 

Igualmente, a Consultoria se manifestou pelo cancelamento da sanção em comento, em razão da ocorrência de falha processual, qual seja, a ausência de contraditório e de ampla defesa, em relação à irregularidade de que deu azo à apenação:

 

[...] Entretanto, após compulsar atentamente os autos, verifica-se que em nenhum momento foi apontado e discutido a respeito da legalidade/constitucionalidade da exigência de cheque-caução do paciente nas unidades hospitalares da rede pública, ou seja, se tal prática era permitida ou não.

 

Pelo contrário. O foco dos apontamentos da Área Técnica e das manifestações das partes no processo de origem, seja no âmbito do Hospital Regional de São José ou nas demais unidades hospitalares públicas auditadas, diz respeito à compensação desses cheques, quando assim necessário para pagar contas hospitalares, com vistas a apurar se houve algum dano ao erário e, ainda, a respeito do correto registro desses cheques nos livros contábeis, consoante se verifica às fls. 25/27 da Informação nº 31/98, fls. 434/436 da Informação n° 113/98 e fls. 858/861 do Relatório de Reinstrução n° 059/2003).

 

Tanto é que não consta, na conclusão dos relatórios do Corpo Técnico, a sugestão de citação dos responsáveis para se manifestarem a respeito da temática, bem como a sugestão de aplicação de multa ou recomendação por tal motivo (fls. 443/445 da Informação nº 113/98 e fls. 869/873 do Relatório de Reinstrução n° 059/2003).

Da mesma forma, não há qualquer apontamento a respeito da ilegalidade de utilização de cheque-caução por parte do Ministério Público de Contas, o qual, em sua manifestação, acompanhou o entendimento exarado pela Instrução desta Corte, conforme se verifica à fl. 879 dos autos.

Pelo exposto constata-se que o Relator, em seu voto, trouxe à discussão questão que anteriormente não havia sido pontualmente levantada e, desta forma, não havia sido objeto de manifestação específica do responsável, ou seja, não lhe fora permitido o exercício do contraditório e da ampla defesa a respeito da matéria quando de sua audiência e demais manifestações nos autos principais.

Por conseguinte, somente nesta fase recursal é que o responsável, ora Recorrente, apresenta esclarecimentos e argumentação de defesa específica sobre o fato considerado irregular pelo decisum e que resultou na sua penalização, mediante aplicação de multa.

Entretanto, necessário se fazia a sua citação para apresentar suas razões de defesa neste particular nos autos de origem, e não neste momento processual, em respeito ao princípio do contraditório e da ampla defesa, regra insculpida na Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LV, os quais decorrem da garantia constitucional ao devido processo legal (inciso LIV do mencionado artigo).

[...]

Desta forma, não há como penalizar o Recorrente por irregularidade da qual não foi cientificado para se defender e que, por tal razão, não exerceu seu direito constitucional fundamental ao contraditório e ampla defesa, sob pena de se ferir os comandos contidos nos incisos LVI e LV do artigo 5º da Constituição Federal/1988 e no artigo 75 da Lei Complementar Estadual n° 202/2000.

De outra banda, vale destacar que a utilização/exigência de cheque-caução foi fato apurado e constatado quando da auditoria não só no hospital sob direção do ora Recorrente, mas também em outras unidades hospitalares públicas auditadas, conforme apontamentos realizados pela Instrução às fls. 19/21, os quais dizem respeito ao Hospital Governador Celso Ramos. Contudo, para os demais gestores não houve a aplicação de pena por tal motivo, como revela o aresto recorrido.

Assim, não foi observado a uniformização de entendimento em relação aos demais particulares envolvidos na relação processual.

Por todo o exposto, sugere-se o cancelamento da multa constante no item 6.2.2.2 do decisum.[4]

 

6.2.2.3. R$ 200,00 (duzentos reais), em face do fornecimento de refeições a funcionários da empresa prestadora de serviços de vigilância, em afronta ao art. 12, § 1º, da Lei Federal n. 4.320/64 c/c o art. 37, caput, da Constituição Federal, por ferir o princípio da legalidade

 

De igual modo, em relação à sanção em tela, o órgão consultivo se manifestou pelo cancelamento, desta vez em virtude da ausência de materialidade da irregularidade, cuja responsabilidade se atribuiu ao ex-Diretor do Hospital Regional:

[...] Compulsando os autos, verifica-se que a multa aplicada ao Recorrente teve por subsídio os apontamentos realizados pela Área Técnica, que no relatório da auditoria realizada no setor de almoxarifado / cozinha do Hospital Regional de São José (Informação n° 31/98) assim consignaram (fls. 35):

Foi informado, pelos responsáveis da Cozinha, que funcionários da empresa contratada para prestar serviços de vigilância junto ao hospital estão fazendo suas refeições na cozinha do Hospital, sem que haja, por parte desta, ressarcimento da despesa à instituição. Em média são 50 a 70 almoços por dia.

A situação acima relatada não está, em princípio, dentro da normalidade, devendo a unidade demonstrar o embasamento legal que legitima tal procedimento. (grifou-se).

Na sequência, após a apresentação de justificativas e documentos por parte do ora Recorrente, o Corpo Técnico elaborou o Relatório de Reinstrução n° 059/2003 (fls. 854/879), onde assinalou que o responsável “não juntou aos autos documentos que comprovam as medidas tomadas junto ao setor de Nutrição para que tal prática não mais ocorresse (fls. 864 - grifou-se), sugerindo, por esta razão, a permanência da restrição apurada, no que foi acompanhado pelo Ministério Público de Contas e pelo Plenário desta Corte, conforme revela o acórdão ora recorrido.

Data vênia, a informação obtida não pode ser considerada como prova hábil a comprovar a ocorrência do fato irregular, vez que representa mero indício de irregularidade e, conseqüentemente, não possui o condão de subsidiar, por si só, a aplicação da pena vergastada.

Para fins de penalização do administrador da coisa pública, tem-se como fundamental a prova da materialidade da conduta juridicamente reprovada.

A condenação/penalização não pode ter como base tão-somente a presunção. Os indícios de irregularidades (achados de auditoria) devem ser confirmados e comprovados por meio de evidências, isto é, torna-se necessária a efetiva comprovação dos fatos apurados por meio de documentos e/ou demais meios de prova hábeis e indispensáveis a sua confirmação, ex vi do art. 49, § 4° do Regimento Interno.

Neste sentido, necessário se faz esclarecer que o processo de auditoria, enquanto espécie de processo de fiscalização é, basicamente, um procedimento de coleta de dados de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, quanto aos aspectos técnicos de legalidade, legitimidade e economicidade da gestão dos administradores e demais responsáveis pelos órgãos ou entidades fiscalizadas, objetivando, principalmente, assegurar a eficácia do controle e subsidiar a instrução e o julgamento de processos de tomadas e prestações de contas.

[...]

O fato é que da auditoria ordinária in loco realizada por esta Corte de Contas na unidade hospitalar em comento deveriam ter sido colhidas e trazidas ao processo outros meios de prova necessários e suficientes à comprovação do fato que serviu de fundamento para a aplicação da multa ora combatida, ou seja, prova (evidência) de que houve o efetivo fornecimento de refeições a funcionários da empresa prestadora de serviços de vigilância.

Assim, a irregularidade identificada, para poder ser considerada uma evidência em auditoria e contribuir para o estabelecimento de prova e ajudar na convicção sobre a real condição existente no órgão auditado, deve ser comprovada, suficiente, competente e pertinente por si só, ou confirmada através de observações, inspeções, entrevistas e exames de registros que sustentam as conclusões do auditor.

No caso dos autos, a informação não foi confirmada in loco ou por outros meios de prova, o que facilmente poderia ter sido feita. Os Técnicos deste Tribunal poderiam, por exemplo, ter confirmado a informação através de uma inspeção física no local e no horário em que a irregularidade ocorria, ou por meio de entrevista, ou declaração reduzida a termo pelos informantes, ou ainda, mediante juntada de documentos que atestassem, de forma idônea e convicente, a ocorrência da impropriedade. Entretanto, isto não se verifica.

A simples informação, o “ouvir falar” desprovido de qualquer outro meio de prova legítimo, ainda que consignado por funcionário público no bojo de processo de fiscalização/auditoria, não serve como meio de prova hábil a comprovar a situação fática que serviu como fundamento para a aplicação da sanção administrativa ora combatida.

Destarte, não há como transferir para o fiscalizado a prova que deveria ter sido produzida pela instrução quando da auditoria realizada por este Tribunal na unidade. Presunções quando admitidas, somente com a licença da lei podem se estabelecer.

Ressalte-se que, não se instruindo adequadamente o processo, não há que se falar em ausência de prova por parte do Responsável, uma vez que o ônus probante, em se tratando de auditoria ordinária realizada in loco, cabe a este Tribunal, por intermédio de seu Corpo Técnico, ao contrário do que ocorre em processos de prestações ou tomadas de contas, onde o ônus probatório efetivamente se transfere ao prestador das contas, como decorrência lógica da própria obrigação de bem prestar contas da gestão dos recursos públicos (art. 70, CF).[5]

A meu ver, assiste razão ao órgão consultivo.

De fato, nas três irregularidades relatadas ocorreram falhas processuais, na instrução dos autos principais, quais sejam:

a)   Atribuição de responsabilidade ao Diretor do Hospital por ato que não praticou e que estava na esfera de competência de outro servidor (item 6.2.2.1);

b)    A irregularidade evidenciada na auditoria in loco e da qual o Recorrente se defendeu, durante a instrução dos autos principais, não correspondeu  àquela constante do acórdão condenatório, ferindo, por isso, as garantias do contraditório e da ampla defesa (item 6.2.2.2);

c)   A irregularidade foi baseada em indícios, carecendo de prova robusta, que lhe conferisse a materialidade necessária para embasar a aplicação de sanção (item 6.2.2.3).

Pelo exposto, acolho a manifestação da Consultoria como razão de decidir, a fim de cancelar as multas cominadas ao ora Recorrente.

 

3.   PROPOSTA DE DECISÃO

 

CONSIDERANDO o que mais dos autos consta, em conformidade com os pareceres da Consultoria-Geral e do Ministério Público, submeto à apreciação deste Tribunal a seguinte proposta de decisão:

 

6.1. Conhecer do Recurso de Reexame, nos termos do art. 80 da Lei Complementar n. 202/2000, interposto contra o Acórdão n. 0312/2004 exarado na Sessão Ordinária de 24/03/2004 nos autos do Processo n. ARC TC-0269410/84 e, no mérito, dar-lhe provimento para:

 

6.1.1. cancelar as multas constantes nos itens 6.2.2.1 a 6.2.2.3 da decisão recorrida;

 

6.1.2. ratificar os demais termos da decisão recorrida.

 

6.2. Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam, bem como do Parecer COG n. 274/09, ao Sr. Antônio Carlos Trevisol Bittencourt – ex-Diretor-Geral do Hospital Regional de São José Dr. Homero de Miranda Gomes.

 

 

              Gabinete do Conselheiro, em 25 de junho de 2009.

 

 

 

WILSON ROGÉRIO  WAN-DALL

Conselheiro Relator

 



[1] Fls. 47/76.

[2] Fls. 77/78.

[3] Fls. 60, 62 a 64.

[4] Fls. 67 a 69.

[5] Fls. 70 a74.