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ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO GABINETE DO CONSELHEIRO WILSON ROGÉRIO WAN-DALL |
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REC-04/02774108 |
UNIDADE GESTORA: | Prefeitura Municipal de Sangão |
Interessado: | Sr. Jaime Ondino Teixeira |
Assunto: | Recurso de Reconsideração (art. 77 da LC 202/2000) TCE-02/10961392 |
Parecer n°: | GC/WRW/2007/755/ES |
Horas extras. Controle.
É irregular o pagamento de horas-extras sem a existência de efetivo controle do turno ordinário e extraordinário, pois impossibilita a verificação da liquidação da despesa, em desacordo com o inciso III do § 2º do artigo 63 da Lei n. 4.320/64.
Horas extras. Percentual.
O pagamento de horas-extras acima do percentual previsto e/ou sem previsão legal é irregular, colidindo com o princípio da legalidade, insculpido no art. 37 da Constituição Federal.
Multas. Recolhimento. Efeito.
Falta interesse em recorrer ao gestor que, mesmo sucumbente, tenha aceito a decisão, expressa ou tacitamente, quer renunciando ao direito de recorrer, quer praticando ato, no processo ou fora dele, incompatível com a vontade de recorrer, como, por exemplo, o recolhimento das multas cominadas na decisão condenatória.
1. RELATÓRIO
Cuidam os autos de Recurso de Reconsideração, interposto pelo Sr. Jaime Ondino Teixeira, à época Prefeito do Município de Sangão, em face do Acórdão n. 0378/2004, proferido nos autos n. TCE-02/10961392, imputando-lhe débito, em virtude de irregularidades no pagamento de horas extras, bem como cominando-lhe multas.
Seguindo os trâmites regimentais, a peça recursal foi examinada pela Consultoria-Geral, a qual, por meio do Parecer n. COG-413/07, entendeu presentes os pressupostos que autorizam o seu conhecimento e, no mérito, propugnou que lhe fosse negado provimento (fls. 25/34).
O Ministério Público, através de parecer exarado pelo seu Procurador-Geral, acompanhou o entendimento do órgão consultivo (fls.35/36).
Este o sucinto relatório.
Conclusos os autos, passo à minha manifestação.
Com efeito, constato que o acórdão recorrido foi lavrado nos seguintes moldes:
"6.1. Julgar irregulares, com imputação de débito, na forma do art. 18, III, "c", da Lei Complementar n. 202/2000, as contas pertinentes à presente Tomada de Contas Especial, que trata de irregularidades constatadas quando da auditoria realizada na Prefeitura Municipal de Sangão, com abrangência sobre atos de pessoal referentes ao exercício de 2002, e condenar o Responsável Sr. Jaime Ondino Teixeira - Prefeito Municipal daquele Município, ao pagamento das quantias abaixo relacionadas, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial do Estado para comprovar, perante este Tribunal, o recolhimento dos valores dos débitos aos cofres do Município, atualizados monetariamente e acrescidos dos juros legais (arts. 40 e 44 da Lei Complementar n. 202/2000), calculados a partir das datas de ocorrência dos fatos geradores dos débitos, ou interpor recurso na forma da lei, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial (art. 43, II, do mesmo diploma legal):
6.1.1. R$ 17.035,40 (dezessete mil trinta e cinco reais e quarenta centavos), referente a despesas com horas-extras sem que houvesse efetivo controle das horas-extras realizadas, em desacordo aos arts. 59 e 74 da Consolidação das Leis do Trabalho e configurando não-comprovação da liquidação da despesa, em desacordo com a Lei Federal n. 4.320/64, art. 63, § 2º, III (item 1.1 do Relatório DMU);
6.1.2. R$ 3.149,93 (três mil cento e quarenta e nove reais e noventa e três centavos), referente a despesas com pagamento de horas-extras com acréscimo de 100% sem lei municipal autorizativa, em afronta ao princípio da legalidade insculpido no art. 37, caput, da Constituição Federal, bem como sem comprovação da efetiva prestação dos serviços mediante controle de ponto dos servidores, em descumprimento à Lei Federal n. 4.320/64, art. 63, § 2º, III (item 1.2 do Relatório DMU).
6.2. Aplicar ao Sr. Jaime Ondino Teixeira - Prefeito Municipal de Sangão, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 109, II, do Regimento Interno, as multas abaixo relacionadas, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial do Estado, para comprovar ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, ou interpor recurso na forma da lei, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos artigos 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000:
6.2.1. R$ 400,00 (quatrocentos reais), em face do pagamento de gratificação (verba de representação) a servidores de forma discricionária, sem regulamentação específica definidora dos critérios de atribuição, em desacordo com os princípios da igualdade, isonomia e impessoalidade previstos respectivamente nos art, 5º e 37, caput, da Carta Magna (item 1.3 do Relatório DMU);
6.2.2. R$ 400,00 (quatrocentos reais), em face do pagamento de adicional de insalubridade, no montante de R$ 6.609,46, sem prévio laudo pericial, em inobservância aos arts. 190 e 195 da Consolidação das Leis do Trabalho (item 1.4 do Relatório DMU);
6.2.3. R$ 400,00 (quatrocentos reais), em face da realização de horas-extras por servidores que recebem adicional de insalubridade, em desatendimento ao art. 60 da Consolidação das Leis do Trabalho (item 1.5 do Relatório DMU).
6.3. Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam, bem como do Relatório DMU n. 252/2004, ao Sr. Jaime Ondino Teixeira - Prefeito Municipal de Sangão."
Em suas razões recursais, o gestor municipal aduziu, no tocante à irregularidade do item 6.2.1 do acórdão atacado, que:
"Conforme já afirmado no Relatório de Resposta de Diligência, constante das anotações da DMU, as horas extras realizadas por servidores municipais ocorreram somente para atendimento do interesse público e para complementação de serviços. Em casos especiais, a exemplo das atividades dos motoristas (ônibus e ambulância) e atendentes de enfermagem, ocorre a limitação de (duas) horas diárias com 50% e mais 30 horas/mês com 100% de acréscimo.
Período | 2.002 | 2.004 | ||||
Nº Servidores | Nº Horas | Valor Pago | Nº Servidores | Nº Horas | Valor Pago | |
Janeiro | 13 | 505 | 1.473,12 | 4 | 167 | 661,17 |
Fevereiro | 17 | 570 | 1.260,97 | 7 | 265 | 1.057,09 |
Março | 70 | 1.781 | 3.423,84 | 22 | 660 | 2.310,21 |
Abril | 27 | 931 | 2.612,91 | 13 | 562 | 2.028,90 |
Maio | 28 | 892 | 2.806,93 | - | - | - |
Junho | 31 | 918 | 2.806,36 | - | - | - |
Julho | 32 | 963 | 2.651,27 | - | - | - |
Na análise comparativa do período de janeiro a abril verifica-se que em 2004 o volume médio mensal de horas extras passou de 946,75 para 413,50, com redução de 56% no volume, evidenciando a ação da Administração Municipal no controle". (fls. 04/06)
O órgão consultivo rechaçou as justificativas do Recorrente da seguinte maneira:
"Os argumentos do Responsável em nenhum momento reportam-se à irregularidade apontada no sentido de comprovar a existência de controle (qualquer que seja) das horas extras trabalhadas, senão vejamos:
Inicialmente alega que as horas extras ocorreram para atendimento ao interesse público, porém o motivo das horas extras não foi objeto da restrição e sim a inexistência de controle destas. O Responsável alega também que a grande maioria dos servidores que fizeram horas extras, trabalhavam fora do estabelecimento da Administração, o quê, não seria justificativa para deixar de existir controle, pois o § 3º do art. 74 da CLT1, dispõe que: "Se o trabalho for executado fora do estabelecimento, o horário dos empregados constará, explicitamente, de ficha ou papeleta em seu poder, sem prejuízo do que dispõe o § 1º deste artigo.".
Sobre o motivo da repetição do número de horas extras, o Responsável argumenta que, em face do pequeno nº de servidores, estas seriam pagas no seu limite máximo. Ocorre que há repetição de valores abaixo do limite máximo (10, 15, 20, 30, 32, 40, 50 ou ainda 60 horas mensais), conforme se depreende dos autos de origem, fls. 355-360, o que sugere o pagamento cadenciado de horas extras, configurando remuneração indireta e sem efetiva liquidação da despesa.
Alega ainda que "os documentos que juntamos nesta oportunidade, comprovam que as horas extras do período auditado estão devidamente homologadas pelos Secretários e Chefes das áreas". Ocorre que os documentos não têm validade probatória, pois desconstituidos de autenticidade ou assinatura pelo responsável e, mesmo que autênticos, em nada comprovariam o controle e/ou homologação das horas extras.
O Recorrente volta à primeira alegação, quando ressalta a importância das funções dos servidores que prorrogaram o expediente, citando o art. 61 da CLT. Novamente, esclarece-se que este não é o objeto da irregularidade apontada e na verdade, observa-se que excetuando-se o motorista (se for de ambulância), os demais não se enquadram em necessidade imperiosa para fazer face a motivo de força maior ou conclusão de serviços inadiáveis que acarretariam manifesto prejuízo.
Por fim, o Responsável faz um comparativo das horas extras no período auditado (2002) e as do ano de 2004, alegando que teriam sido adotadas medidas corretivas pertinentes e controle do ponto de forma apropriada; faz demonstrações, comparações e junta relações mensais das horas extras de 2004 (fls. 15-18), com as mesmas informações daquelas apresentadas referente ao ano de 2002 (fls. 08-14). Tais relações, em nada referem ou comprovam qualquer controle de horário dos servidores no período auditado.
A equipe de auditoria, junta aos autos de origem, o controle da folha de alguns servidores no mês de julho de 2002 (fls. 56-108). Salientamos que desta amostra, três servidores constam no apontamento da restrição, não assinaram qualquer horário além do expediente normal.
Assim, da análise dos autos, observa-se que a Recorrente não traz argumentação ou documentos hábeis a sanar a irregularidade apontada, porquanto, não demonstrou a necessária comprovação de que os servidores estariam trabalhando além do seu turno regular.
A respeito, leciona Mauricio Godinho Delgado - Curso de Direito do Trabalho. p. 866:
'Jornada de trabalho é o lapso temporal diário em que o trabalhador presta serviços ou se coloca à disposição total ou parcial do empregador, incluídos ainda nesse lapso os chamados intervalos remunerados.
Como se percebe da própria definição da figura jurídica, para que se afira, no plano concreto, uma jornada de trabalho efetivamente prestada, é necessário que exista um mínimo de controle ou fiscalização sobre o tempo de trabalho ou de disponibilidade perante o empregador. Trabalho não fiscalizado ou controlado minimamente é insuscetível de propiciar aferição da real jornada laborada pelo obreiro: por esse motivo é insuscetível de propiciar aferição da prestação (ou não) de horas extraordinárias pelo trabalhador.' (grifo nosso)
Assim, pelo acima exposto, somos pela manutenção da restrição." (fls. 30/31)
A meu ver, está correta a conclusão do órgão consultivo, porquanto o Recorrente não teve êxito na comprovação da existência de controle na realização de horas extras pelos servidores da Prefeitura, devendo, por isso, ser mantido o débito.
Anoto, ainda, que a inexistência de controle das horas extraordinárias prestadas pelos servidores impede a verificação da efetiva prestação dos serviços.
No que tange à irregularidade do item 6.1.2, o Recorrente apresentou a seguinte argumentação:
"Reafirmamos que as horas extras com acréscimo de 100% foram realizadas especificamente pelos três motoristas de ambulância e motoristas de ônibus (Juarez Pinheiro Joaquim, Lourenço S. Goulart e Vanderley O. Monteiro), conforme consta na Reinstrução (item 1.2 do Rel DMU 252/2003), que exercem atividades com expediente estendido e nos finais de semana. O acréscimo de 100% foi pago com base nos princípios legais vigentes. Até então não havia a compreensão pela necessidade de lei autorizativa específica ou regulamentação própria, pois aplicava-se diretamente os dispositivos da CLT.
Diante da justificativa expendida pelo Recorrente, a Consultoria concluiu que:
"No presente item, foi apontado como irregular o pagamento de horas extras no percentual de 100%, em face da falta de Lei autorizativa e sem a devida comprovação da prestação de serviço extraordinário.
O fato de o servidor ser motorista de ambulância ou de ônibus não autoriza o Recorrente pagar despesa sem Lei e sem comprovação de sua liquidação.
Em que pese o Responsável alegar que "O acréscimo de 100% foi pago com base nos princípios legais vigentes", não cita onde especificamente, tenha se baseado para a concessão do acréscimo de 100%.
Não se questiona a existência ou não de motivos para a realização de horas extras e sim a falta de controle e ilegalidade no seu pagamento em 100%.
Por fim, a eliminação das horas extras em período posterior ao auditado não sana o pagamento irregular apontado. Assim, pelo exposto, somos pela manutenção do débito pelos fatos e fundamentos de origem." (fl.32)
Mais uma vez, o exame efetuado pela Consultoria, diante dos argumentos sustentados pelo Recorrente é procedente, pois não foram trazidos documentos ou alegações capazes de desconstituir a irregularidade ensejadora do débito.
Em relação às irregularidades que ensejaram a aplicação de multas (itens 6.2.1 a 6.2.3 do acórdão recorrido), o Recorrente informa e comprova documentalmente o seu recolhimento (fl. 3), razão pela qual o órgão consultivo entendeu que lhe falta o interesse de recorrer.
Entendo estar correto o posicionamento da Consultoria, porquanto, com o recolhimento do valor atinente às multas, falece ao gestor o interesse recursal.
Neste sentido, o magistério de Nelson Luiz Pinto:
[...] Falta, também, interesse em recorrer à parte que, mesmo sucumbente, tenha aceito a decisão, expressa ou tacitamente, quer renunciando ao direito de recorrer, quer praticando ato, no processo ou fora dele, incompatível com a vontade de recorrer. Trata-se de um fato extintivo do direito de recorrer, subsumível à categoria da falta de interesse em recorrer.2
Noutras palavras, se o gestor pretendia postular a reforma da decisão que lhe cominou multas, deveria ter evitado o recolhimento dos referidos valores, mormente porque a modalidade recursal de que se serviu tem o efeito de suspender a execução da decisão recorrida, enquanto não julgado o recurso.
Ao permitir que tal numerário fosse recolhido, entende-se que o gestor aquiesceu à penalização e, desta feita, encontra-se impedido de manifestar seu inconformismo, através da via recursal.
Assinalo que esta Corte de Contas assim já decidiu, conforme os processos: REC-01/02084025, cujo Relator foi Conselheiro Cesár Filomeno Fontes; e os processos n. REC-02/01745275 e REC-02/01745194, de minha relatoria.
Destarte, acompanho o órgão consultivo e o Ministério Público, posicionando-me pelo conhecimento da presente peça recursal e, no mérito, pelo seu desprovimento.
2. VOTO
CONSIDERANDO os pareceres da Consultoria e do Ministério Público e o que mais dos autos consta, VOTO no sentido de que o Tribunal adote a decisão que ora submeto à sua apreciação:
Gabinete do Conselheiro, em 17 de outubro de 2007.
WILSON ROGÉRIO WAN-DALL
2
PINTO, Nelson Luiz. Manual dos recursos cíveis. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 70.
Ressalte-se que na época, a realização de horas-extras para cargos ocupados por pequeno número de servidores foi inevitável e aplicadas somente para as situações em que não havia condições do serviço ser realizado no decorrer do expediente normal.
A partir da anotação do Tribunal de Contas foram realizadas adaptações ao quadro de pessoal, com a eliminação das horas extras 100%, conforme observa-se na "Relação Mensal da Folha - Geral" dos meses de janeiro a abril/2004, juntadas a título de exemplo. (fl. 06)
6.1. Conhecer do Recurso de Reconsideração, nos termos do art. 77 da Lei Complementar n. 202/2000, interposto contra o Acórdão n. 0378/2004, exarado na Sessão Ordinária de 05/04/2004, nos autos do Processo n. TCE-02/10961392 e, no mérito, negar-lhe provimento, ratificando na íntegra a decisão recorrida.
6.2. Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam, bem como do Parecer COG n. 413/07, ao Sr. Jaime Ondino Teixeira - à época Prefeito do Município de Sangão.
Conselheiro Relator
1
No período auditado a Unidade já encontrava-se sob o regime celetista, conforme se depreende do art. 2º da Lei (municipal) n. 006/93, com as alterações da Lei (municipal) n. 096/94 (fls. 4, 29 e 354 dos autos de origem).