ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
GABINETE DO CONSELHEIRO WILSON ROGÉRIO WAN-DALL

 

Processo nº:

REC-04/05856113

Unidade Gestora:

Prefeitura Municipal de Cunha Porã

Responsável:

Sr. Mauro de Nadal

Assunto:

Recurso de Reconsideração (art. 77 da LC 202/2000) – TCE-03/02670998

Parecer nº:

GC/WRW/2008/828/ES

 

Graficação. Insalubridade.

O adicional de insalubridade ou periculosidade só será percebido enquanto o servidor municipal estiver em efetivo exercício no cargo e função, que o exponham a agentes nocivos à saúde.

 

Servidor municipal. Salário-família.

Para a disciplina do regime geral de Previdência Social, no qual está incluso o salário-família, é competente o legislador nacional, porquanto, nesse caso, o dito benefício possui caráter previdenciário, restando aos Estados e Municípios competência legislativa suplementar (art. 24, XII, da Constituição Federal).

Quando, porém, o salário-família apresenta natureza de vantagem pecuniária para os servidores, a divisão de competências é diversa, atendendo a outro critério, em que cada ente político é absolutamente autônomo para prescrever o regime jurídico para seus respectivos servidores (art. 39, da Constituição Federal). Os servidores públicos federais terão direito ao salário-família na forma em que dispuser a lei federal que discipline seu regime jurídico. Já os servidores públicos estaduais e municipais terão tal direito disciplinado pelas respectivas leis de regência; por constituir competência legislativa de cada ente político autônomo a disciplina da remuneração de seus servidores.

 

Vice-Prefeito. Acumulação. Remuneração.

Ao servidor público investido no mandato de Vice-Prefeito aplicam-se-lhe, por analogia, as disposições contidas no inciso II do art. 38 da Constituição Federal.

Desta feita, não pode o Vice-Prefeito acumular a remuneração decorrente de cargo público com o subsídio estabelecido para o exercício do mandato eletivo.

 

 

1.   RELATÓRIO

 

Cuidam os autos de recurso interposto pelo Sr. Mauro de Nadal, à época Prefeito do Município de Cunha Porã, em face do Acórdão n. 1.635/2004, proferido nos autos n. TCE-03/02670998, com imputação de débitos e aplicação de multa, em face de irregularidades verificadas em auditoria in loco, realizada na Prefeitura do citado município.

 

A Consultoria-Geral se pronunciou acerca da peça recursal, tendo emitido o Parecer n. COG-476/08, no qual propôs o seu conhecimento e, no mérito, que lhe fosse negado provimento.[1]

 

Tal entendimento foi integralmente acompanhado pelo Ministério Público junto a este Tribunal, que se manifestou, através de parecer subscrito pelo Dr. Márcio de Souza Rosa, à época Procurador-Geral.[2]

 

Este o necessário relatório.

 

2.   DISCUSSÃO

 

Registro inicialmente que o acórdão recorrido foi vazado nos seguintes moldes:

“[...]ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1° da Lei Complementar n. 202/2000, em:

 

6.1. Julgar irregulares, com imputação de débito, na forma do art. 18, III, "c", da Lei Complementar n. 202/2000, as contas pertinentes à presente Tomada de contas Especial, que trata da análise de irregularidades constatadas quando da auditoria ordinária realizada na Prefeitura Municipal de Cunha Porã, com abrangência sobre atos de pessoal referentes ao exercício de 2002, e condenar o Responsável – Sr. Mauro de Nadal - Prefeito daquele Município, ao pagamento das quantias abaixo relacionadas, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial do Estado para comprovar, perante este Tribunal, o recolhimento dos valores dos débitos aos cofres do Município, atualizados monetariamente e acrescidos dos juros legais (arts. 40 e 44 da Lei Complementar n. 202/2000), calculados a partir das datas de ocorrência dos fatos geradores dos débitos, ou interpor recurso na forma da lei, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial (art. 43, II, do mesmo diploma legal):

 

6.1.1. R$ 59,54 (cinqüenta e nove reais e cinqüenta e quatro centavos), referente a despesas com pagamento de adicional de insalubridade e periculosidade a servidor em licença para tratamento de saúde, contrariando o disposto no art. 6º da Lei Municipal n. 1.910/99 (item 1.3 do Relatório da DMU);

 

6.1.2. R$ 11.134,09 (onze mil cento e trinta e quatro reais e nove centavos), referente a despesas com pagamento de abono-família a servidores sem direito a tal benefício, em desacordo com o art. 39, § 3º, da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional n. 20, art. 1º (item 1.4 do Relatório da DMU);

 

 6.1.3. R$ 20.179,22 (vinte mil cento e setenta e nove reais e vinte e dois centavos), referente a despesas com valores remuneratórios do Vice-Prefeito Municipal Paulo Oscar Christ quando da irregular acumulação remunerada do cargo de Engenheiro Civil, percebendo simultaneamente os proventos do cargo efetivo e o subsídio do mandato eletivo, em desacordo com o previsto no art. 39, § 4º, da Constituição Federal (item 1.7 do Relatório da DMU).

 

 6.2. Aplicar ao Sr. Mauro de Nadal - Prefeito Municipal de Cunha Porã, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 109, II, do Regimento Interno, a multa no valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais), em face da cessão de servidor contratado em caráter temporário a órgão estadual, contrariando os fundamentos caracterizadores da contratação temporária, previstos no art. 37, IX, da Constituição Federal (item 1.6 do Relatório da DMU), fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial do Estado, para comprovar ao Tribunal o recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, ou interpor recurso na forma da lei, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000.

 

6.3. Determinar à Prefeitura Municipal de Cunha Porã que:

 

 6.3.1. proceda à regularização das contratações de pessoal referentes à execução do Programa Saúde da Família - PSF e Programa de Agentes Comunitários de Saúde - PACS, nos termos dispostos nas Decisões ns. 2658/2003 (Processo n. CON-300122527) e 1166/2004 (Processo n. CON-0306360438), referentes ao Prejulgado n. 1419, deste Tribunal de Contas;

 

 6.3.2. cesse os pagamentos referentes a adicional de insalubridade e periculosidade, abono-família, bem como à acumulação remunerada de cargo efetivo e subsídio, na forma descrita no Relatório de Reinstrução DMU e nos itens 6.1.1 a 6.1.3 desta deliberação;

 

 6.3.3. suspenda a cessão do servidor contratado temporariamente pelo Município, nos termos descritos no item 1.6 do Relatório de Reinstrução DMU e no item 6.2 desta deliberação e, em situações futuras, respeite as regras previstas pela Constituição Federal em seu art. 37, inciso IX, bem como as determinações constantes dos Prejulgados ns. 423 (Processo n. CON-0180704/77- Parecer COG n. 249/1997) e 1364 (Processo n. CON-01/03400923 - Parecer COG n. 590/2002).

 

 6.4. Determinar à Diretoria de Controle dos Municípios - DMU, deste Tribunal, que:

 

6.4.1. após transitada em julgado a decisão, inclua na programação de auditoria no Município de Cunha Porã a averiguação do cumprimento das determinações de que trata o item 6.3 acima exposto;

 

6.4.2. efetue levantamento dos pagamentos efetuados nos exercícios de 2001, 2003 e 2004, pelo Município de Cunha Porã, a título de adicional de insalubridade e periculosidade, abono-família e acumulação de salário de servidor e subsídio de vice-prefeito de forma contrária à legislação vigente e, diante das conclusões obtidas, adote as medidas legais cabíveis.

 

 6.5. Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam, bem como do Relatório de Reinstrução DMU n. 371/2004, ao Srs. Mauro de Nadal e Paulo Oscar Christ - Prefeito e Vice-Prefeito Municipal de Cunha Porã, respectivamente.”

 

Passo ao exame das irregularidades atribuídas ao Recorrente, considerando as razões recursais sustentadas pelo mesmo e a análise do órgão consultivo.

 

6.1.1. R$ 59,54 (cinqüenta e nove reais e cinqüenta e quatro centavos), referente a despesas com pagamento de adicional de insalubridade e periculosidade a servidor em licença para tratamento de saúde, contrariando o disposto no art. 6º da Lei Municipal n. 1.910/99 (item 1.3 do Relatório da DMU)

 

O Recorrente argumentou no seguinte sentido:

 

“O fato ocorreu em virtude de que os cálculos dos valores da folha de pagamento serem gerados por sistema contratado pela Associação dos Municípios, ao qual o nosso município é associado, sistema este que não está programado para efetuar o cancelamento do pagamento de adicional em questão, uma vez que o servidor esteja em licença para tratamento de saúde pelo período de 15 dias, que compete o pagamento ao município conforme prevê a legislação previdenciária.

A adequação do programa com a correção deste equívoco já foi efetuado junto ao sistema de folha do pagamento.

Salientamos que referido servidor ainda se encontra em licença para tratamento de saúde vinculado ao Regime Geral de Previdência e tão logo ocorra o retorno deste servidor às suas atividades normais, será providenciada a devolução do valor pago indevidamente.”[3]

A Consultoria-Geral não acolheu a alegação do Recorrente, aduzindo o seguinte:

Foi imputado um débito no valor de R$ 59,54 (cinqüenta e nove reais e cinqüenta e quatro centavos), referente à despesa com pagamento de adicional de insalubridade e periculosidade a servidor em licença para tratamento de saúde,  no período de 09 a 31 de dezembro de 2002, contrariando o disposto no art. 6º da Lei Municipal n. 1.910/99, de 24/08/99.

 

A Diretoria de Controle dos Municípios concluiu no relatório n°371/2004 (fls. 371 a 396, autos da TC) que a Prefeitura Municipal de Cunha Porã, no período de 2002, efetuou o pagamento de adicional de insalubridade e periculosidade ao servidor Asírio Grade, que se encontrava em licença para tratamento de saúde, no período de 09 a 31 de dezembro de 2002, contrariando o disposto na Lei n° 1.910 de 24/08/99, senão vejamos:

 

Art. 6° - O adicional de insalubridade ou periculosidade só será percebido enquanto o servidor municipal estiver em efetivo exercício no cargo e função para o qual foi nomeado.

 

[...] Conforme supratranscrito, o Recorrente reconhece a ocorrência da restrição, e, em suas justificativas, salienta que o servidor devolverá o valor pago indevidamente quando voltar às atividades normais, porém, até a data do recurso (03/11/2004) o servidor não havia devolvido o valor pago indevidamente (fl. 04, recurso).

 

Diante de todo o exposto, é este parecer pela manutenção do débito do item 6.1.1  do acórdão recorrido.[4]

 

A meu ver, assiste razão ao órgão consultivo desta Corte, porquanto o esclarecimento apresentado pelo Recorrente serviu tão-somente para justificar a irregularidade apurada e não para ilidi-la.

 

O descumprimento de preceito legal é patente, já que o mencionado adicional apenas deve ser percebido pelo servidor que estiver no exercício do cargo.

 

Desta feita, acompanho a Consultoria, para manter o débito em questão.

 

6.1.2. R$ 11.134,09 (onze mil cento e trinta e quatro reais e nove centavos), referente a despesas com pagamento de abono-família a servidores sem direito a tal benefício, em desacordo com o art. 39, § 3º, da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional n. 20, art. 1º (item 1.4 do Relatório da DMU)

 

De acordo com o Recorrente:

 

“O Salário Família está regulado pelo artigo 13 da Emenda Constitucional n. 20, que prescreve:

 

Art. 13. Até que a lei discipline o acesso ao Salário Família e auxílio reclusão para os servidores, segurados e seus dependentes, esses benefícios serão concedidos apenas àqueles que tenham renda bruta mensal igual ou inferior a R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais) que, até a publicação da lei, serão corrigidos pelos mesmos índices aplicados aos benefícios do regime geral da previdência social.

 

Pela análise do dispositivo legal citado, verifica-se que o limite ali estabelecido só persistirá enquanto não existir Lei que o discipline.

O município de Cunha Porã, já antes da edição da Lei Complementar n. 01/90, em seu artigo 31, disciplinou o pagamento do Salário Família pago a seus servidores.

Portanto, o pagamento do Salário Família indicado pelos auditores foi pago corretamente, amparado pela Lei Orgânica do Município e também pela Lei Complementar n. 01/90.

 

O órgão consultivo rechaçou o argumento do Recorrente, valendo-se dos seguintes fundamentos:

“Foi imputado um débito de R$ 11.134,09 (onze mil cento e trinta e quatro reais e nove centavos), referente a despesas com pagamento de abono-família a servidores sem direito a tal benefício.

 

 A Diretoria de Controle dos Municípios no relatório n°371/2004 (fls. 371 a 396, autos da TCE) anotou:

 

Constatou-se que a Prefeitura Municipal de Cunha Porã pagou Abono Família a servidores que não mais possuiam direito a receber este benefício, contrariando o disposto na Constituição Federal, art. 39, § 3°, com redação dada pela Emenda Constitucional n° 20/98.

 

Estabelece o art. 39, § 3°, da Constituição Federal:

 

Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes.

 

§ 3º Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir.

 

omissis

 

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

 

omissis

 

XII - salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei;

 

Estabelece ainda, o art. 13 da Emenda Constitucional n° 20:

 

Art. 13. Até que a lei discipline o acesso ao salário-família e auxílio-reclusão para os servidores, segurados e seus dependentes, esses benefícios serão concedidos apenas àqueles que tenham renda bruta mensal igual ou inferior a R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais), que, até a publicação da lei, serão corrigidos pelos mesmos índices aplicados aos benefícios do regime geral de previdência social.

[...]

Os argumentos apresentados pelo recorrente, de que a Lei Orgânica, art. 41, VII e da Lei Complementar n° 01/90, em seu art. 31, disciplinou o pagamento do salário Família pago a seus servidores, não tem o condão de sanar a restrição, haja vista a filiação dos servidores municipais ao Regime Geral de Previdência Social, o qual é regido pela Lei n° 8.213/91, em conformidade com o que disciplina o art. 39, § 3° da Constituição Federal (transcrito anteriormente, fl. 09).

 

Diante de todo o exposto, é este parecer pela manutenção do débito do item 6.1.2 do acórdão recorrido.”[5]

 

No tocante à irregularidade em exame, trago à colação parecer da lavra do eminente jurista Carlos Ari Sundfeld, na condição de Procurador do Estado de São Paulo, no seguinte sentido:

“Assunto: Servidores. Salário-família.

A Emenda Constitucional n. 20/98 instituiu um novo tratamento a respeito do salário-família, restringindo o universo de beneficiários aos trabalhadores de baixa renda; além disso, impôs norma transitória que vinculou todas as formas de concessão do benefício, inclusive em relação a servidores públicos estaduais e municipais. Portanto, Estados e Municípios só podem conceder o benefício do salário-família àqueles servidores que apresentarem renda bruta igual ou inferior a R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais), limite que os vinculará até a edição de lei, de suas respectivas competências, que regulamente a matéria em face do novo texto constitucional.

PARECER PA-3 N. 150/99

Trata-se de consulta sobre parecer exarado pela Procuradoria de Assistência Jurídica aos Municípios, a respeito da interpretação do artigo 13 da Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998, que versa sobre salário-família.

Por entender que o referido parecer propôs tratamento à matéria diverso do adotado atualmente no âmbito do Estado de São Paulo, o ilustre Procurador em exercício da chefia daquela Procuradoria, tendo em vista a necessidade de adoção de postura uniforme em face da questão, consulta a Procuradoria Geral do Estado sobre que providência deve ser tomada.

A postura ensejadora da presente consulta é, em suma, a seguinte:“em se tratando de salário-família, a lei mencionada pelo artigo 13 da Emenda Constitucional n. 20/98 é de caráter nacional. Enquanto não editada para disciplinar o acesso ao salário-família para os servidores, esse benefício somente pode ser concedido àqueles que tenham renda bruta mensal igual ou inferior a R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais).”
Após o devido recebimento dos autos pela Procuradoria Geral do Estado, o assunto foi encaminhado a esta Procuradoria Administrativa para exame e parecer.

É o relatório.

A Emenda Constitucional n. 20/98, que instituiu a chamada “reforma previdenciária”, tratou, entre vários outros assuntos, do salário-família. As mudanças efetivadas nesta matéria denotaram a perseguição de um objetivo certo: delimitar o universo de possíveis agraciados com tal benefício, restringindo-o aos trabalhadores de baixa renda. Dois dispositivos constitucionais, que sofreram alterações por essa Emenda, deixam absolutamente clara esta intenção. Confira-se:

“Artigo 7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

(...)
XII - salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei;”

“Artigo 201 - A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:

(...).
IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda;”

Além de estabelecer quem, a partir de então, poderia auferir o benefício do salário-família, a Emenda da reforma previdenciária instituiu regra de transição, disciplinando o modo de concessão do benefício até sua necessária regulamentação legal. É justamente sobre esta regra de transição que versa a presente consulta. Eis a íntegra do dispositivo em tela, artigo 13 da Emenda:

“Artigo 13 - Até que a lei discipline o acesso ao salário-família e auxílio-reclusão para os servidores, segurados e seus dependentes, esses benefícios serão concedidos apenas àqueles que tenham renda bruta mensal igual ou inferior a R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais), que, até a publicação da lei, serão corrigidos pelos mesmos índices aplicados aos benefícios do regime geral de previdência social.”

Antes de fixar o alcance desta prescrição, e com isso definir se Estados e Municípios estão vinculados a tais limites em relação ao pagamento do salário-família, faz-se por bem traçar breve relato acerca da natureza jurídica deste instituto.

O salário-família é tratado, de um modo geral, como benefício de natureza previdenciária. Era assim antes mesmo da Emenda Constitucional n. 20/98, que o inseriu expressamente entre os benefícios a cargo do regime geral da previdência social (art. 201, IV do atual texto constitucional). Deveras, a Lei de Benefícios da Previdência, Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991, assim o considerava; confira-se:

“Artigo 18 - O Regime Geral de Previdência Social compreende as seguintes prestações, devidas inclusive em razão de eventos decorrentes de acidentes do trabalho, expressas em benefícios e serviços:

I - quanto ao segurado:

(...)
f) salário-família;”

O mesmo caráter previdenciário também já era adotado em relação aos servidores públicos civis da União. Veja-se a disciplina dada pela Lei n. 8.112, de 11 de dezembro de 1990:


“Artigo 185 - Os benefícios do Plano de Seguridade Social do servidor compreendem:
I - Quanto ao servidor:

(...)
c) salário-família;”

 

A solução adotada pelo Estado de São Paulo ao tratar da remuneração de seus servidores, porém, destoa da tendência acima exposta. Ao invés de benefício previdenciário, para a legislação paulista o salário-família é considerado vantagem pecuniária. Este é o tratamento dado pelo Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado de São Paulo, Lei  
n. 10.261, de 28 de outubro de 1968; confira-se mais uma vez:

“Artigo 124 - Além do valor do padrão do cargo, o funcionário só poderá receber as seguintes vantagens pecuniárias:

(...)
V - salário-família e salário-esposa;”

Este modelo, segundo o qual o salário-família não é considerado benefício previdenciário, apresenta indícios de perdurar no Estado de São Paulo, haja vista a exclusão do referido benefício no projeto de lei complementar preparado no âmbito governamental visando a instituir o regime próprio de previdência dos servidores públicos do Estado; veja-se:

“Artigo 12 - O Regime Básico de Previdência compreende os seguintes benefícios:

I - em relação ao segurado:

a) aposentadoria;

b) reforma;

c) gratificação natalina;

II - em relação aos dependentes:

a) pensão por morte;

b) gratificação natalina.”

 

Esta brevíssima descrição, além de ser ilustrativa, serve para demonstrar que a natureza jurídica do salário-família pode variar de acordo com o tratamento legal que receba. Mais, deixa claro que existem diversos núcleos de produção normativa competentes para versar o assunto, variando de acordo com a situação em tela.

Deveras, para a disciplina do regime geral de Previdência Social, no qual está incluso o salário-família, é competente o legislador nacional, restando a Estados e Municípios competência legislativa suplementar (art. 24, XII, da Constituição Federal). Em relação a servidores, a divisão de competências é diversa, atendendo a outro critério, em que cada ente político é absolutamente autônomo para prescrever o regime jurídico para seus respectivos servidores (art. 39, da Constituição Federal). Os servidores públicos federais terão direito ao salário-família na forma em que dispuser a lei federal que discipline seu regime jurídico. Já os servidores públicos estaduais e municipais terão tal direito disciplinado pelas respectivas leis de regência; por constituir competência legislativa de cada ente político autônomo a disciplina da remuneração de seus servidores, bem como seu correspondente regime previdenciário.

Neste ponto, como se vê, apresentamos divergência em relação ao parecer objeto da presente análise, pois não vislumbramos a perspectiva de haver uma única lei, de índole nacional, a tratar do tema salário-família. Em relação à concessão deste benefício a servidores públicos, conforme demonstrado, a disciplina da matéria há de ser feita pelos vários entes da federação, no exercício de suas competências legislativas, podendo perfeitamente variar de acordo com as conveniências e peculiaridades de cada um.

Isto, porém, não descarta a conclusão final à qual se chegou.

Quer dizer, não é por existirem, em relação aos servidores públicos, diversas esferas de competência legislativa para disciplinar o salário-família, que a norma transitória, instituída pela Emenda Constitucional n. 20/98, teria sua incidência reduzida.

A referida norma transitória teve por finalidade disciplinar, de modo genérico, o período imediato à implantação do novo perfil constitucional do salário-família, agora só aplicável a trabalhadores de baixa renda. A regra limita a concessão de salário-família para servidores e segurados que tenham renda bruta mensal igual ou superior a R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais), sendo esta a definição provisoriamente estabelecida na Constituição para a expressão “trabalhador de baixa renda”.


Essa espécie de “teto” foi concebida para limitar toda e qualquer concessão de salário-família, e valerá até que seja editada lei específica que discipline a matéria – oportunidade em que a definição de trabalhador de baixa renda poderá ser revista e consolidada. Frise-se, mais uma vez, que, em matéria de servidor público, cada ente político da Federação apresenta competência legislativa para disciplinar o assunto; o que não se passa em relação ao regime jurídico dos trabalhadores comuns, submetidos ao regime geral da previdência, a ser regulamentado por lei nacional.

Pelo exposto, é de se concluir pelo acerto do posicionamento segundo o qual o Estado de São Paulo submete-se ao limite fixado no artigo 13 da Emenda Constitucional n. 20/98 para pagamento de salário-família; com a ressalva apenas de que, em relação a servidores, a lei que regulamentará o assunto não será nacional, mas de índole restrita às competências de cada pessoa política da Federação.

É o meu parecer.

São Paulo, 16 de julho de 1999.

Carlos Ari Sundfeld, Procurador do Estado – Chefe da 2ª Seccional da 3ª Subprocuradoria”[6]

 

 A breve leitura da manifestação do Dr. Carlos Ari Sundfeld demonstra que a matéria contém nuanças que precisam ser devidamente consideradas. Entendo, contudo, que o parecer do renomado jurista apresenta-se bastante elucidativo.

 

No Município de Cunha Porã, tal qual o Estado de São Paulo, o salário-família não é tratado como um benefício previdenciário e sim como vantagem pecuniária, a teor do art. 78 da LC n. 02/90 (Estatuto dos Servidores Públicos Municipais), decorrendo, deste raciocínio, que um ato normativo municipal poderia fixar o valor da dita vantagem.

 

Apenas para ilustrar, no Estado de São Paulo, foi publicado o Decreto Estadual n. 53.301 de 05.08.08, fixando o valor do salário-família.

 

Desta feita, não vejo como imputar débito ao Recorrente, quando, à época, a Lei Orgânica Municipal, fixava um parâmetro o cálculo do salário-família, em seu art. 41:

Art. 41 – São direitos específicos dos servidores públicos, além de outros estabelecidos em lei:

[...]

VII – salário família para seus dependentes calculado a base de dez por cento do piso de vencimento do Município, fixado em lei, para menores de até quinze anos de idade incompletos;

 

Registre-se, por oportuno, que, com acerto, através da LC n. 32/2007, o Município, alterou o Estatuto dos Servidores Municipais, estabelecendo que o salário-família deve ser pago de acordo com os arts. 7º, XII e 201, IV da Constituição Federal, exercendo, portanto, a sua competência legislativa e elidindo qualquer irregularidade acerca dos pagamentos da dita vantagem.

 

Infere-se que tanto o gestor público quanto aqueles que perceberam os valores atuaram em boa-fé e com respaldo em norma legal vigente, de modo que, no meu entender, o débito não pode subsistir.

 

6.1.3. R$ 20.179,22 (vinte mil cento e setenta e nove reais e vinte e dois centavos), referente a despesas com valores remuneratórios do Vice-Prefeito Municipal Paulo Oscar Christ quando da irregular acumulação remunerada do cargo de Engenheiro Civil, percebendo simultaneamente os proventos do cargo efetivo e o subsídio do mandato eletivo, em desacordo com o previsto no art. 39, § 4º, da Constituição Federal (item 1.7 do Relatório da DMU)

 

Conforme o Recorrente:

 

“O Vice-Prefeito de Cunha Porã além do cargo eletivo é servidor municipal admitido em 01.09.82, no cargo de engenheiro civil.

 

A acumulação do subsídio de vice-prefeito com o de servidor efetivo estava amparado no Prejulgado n. 216 desse Egrégio Tribunal de Contas:

 

Processo n. 0161/47 – Parecer n. COG-298/94.

216 – O servidor público estadual eleito Vice-Prefeito poderá perceber verba de representação mais a remuneração auferida do Estado.

Não está o Vice-Prefeito impedido de assumir uma Secretaria Municipal (art. 25, parágrafo 1º da Constituição Estadual). Fato que o afastará do outro cargo ou função pública, com direito à opção de remuneração (art. 25, inciso II, Constituição Federal) sem prejuízo da verba de representação de Vice-Prefeito, que cumulativamente pode perceber, observados os limites da remuneração do Prefeito (art. 37, XI).

 

Enquanto percebeu a verba de representação, estava o Vice-Prefeito amparado pelo Prejulgado n. 216, que vigorou até a data de 02 de dezembro de 2002, quando foi revogado e cessou também o recebimento da representação pelo Vice-Prefeito.

 

Não pode o Tribunal cobrar execução contrária desde janeiro de 2002, quando ainda o citado prejulgado 216, que (sic) restou revogado apenas no dia 02 de dezembro de 2002, época em que cessou a acumulação dos cargos.”[7]

 

A Consultoria-Geral afastou os argumentos do Recorrente com amparo nos seguintes fundamentos:

“[...] A Diretoria de Controle dos Municípios constatou no relatório n°371/2004 (fls. 392 a 394, autos da TCE), que o Sr. Paulo Oscar Christ, Vice-Prefeito Municipal de Cunha Porã, acumulou, no exercício de 2002, a remuneração do cargo efetivo de engenheiro civil com o subsídio de Vice-Prefeito.

 

A norma violada nesta restrição foi:

 

Art. 39, § 4º, da Constituição Federal

 

Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas carreira;

 

...omissis

 

§ 4º O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI..

 

[...]

 

Não faz jus a alegação do Recorrente, uma vez que o Parecer COG-298/94, que sustentou o Prejulgado n° 216, perdeu sua eficácia desde a edição da Emenda Constitucional n° 19, de 04/06/98.

 

Por outro lado, esta Corte de Contas manifestou-se sobre o assunto através dos Pareceres n° 383/01 e 709/01, conforme Ementas transcritas abaixo:

 

Parecer n° 383/01

 

Vice-Prefeito. Secretário Municipal. Opção pelo subsídio de um dos cargos.

Ao Vice-Prefeito exercente de cargo de Secretário Municipal, verificada a ausência de impedimento na Lei Orgânica do Município, assiste o direito de optar entre o subsídio atribuído ao mandato de Vice-Prefeito e àquele fixado para o cargo de Secretário Municipal.

Norma fixadora dos subsídios. Estabelecimento de subsídio composto derivado da acumulação dos cargos de Vice-Prefeito e de Secretário Municipal. Exegese do art. 29, V, da CF.

A norma fixadora do subsídio dos agentes políticos municipais não pode inovar estabelecendo subsídio composto, considerando a acumulação de cargos, empregos ou funções, por ir além da competência firmada no artigo 29, V, da Constituição Federal.

 

Parecer n° 709/01

 

EMENTA. Consulta formulada pelo Prefeito Municipal de Itapiranga. Indagação quanto à possibilidade de acumulação de subsídio de vice-prefeito com remuneração de cargo de provimento efetivo.

O servidor público efetivo municipal ocupante do cargo de vice-prefeito do mesmo Município pode optar entre a remuneração do cargo efetivo e o subsídio do cargo de Vice-prefeito, vedada a percepção cumulativa. Caso o servidor efetivo municipal opte pelo subsídio legalmente instituído para o cargo de Vice-prefeito do mesmo Município, somente poderá perceber o valor correspondente ao subsídio, sem outro adicional, gratificação ou qualquer outro estipêndio, nos termos do § 4° do art. 39 da Constituição Federal.

 

Ademais, conforme transcrição abaixo, o texto revogado tratava da verba de representação mais a remuneração, veremos:

 

Revogado

 

Revogado pelo Tribunal Pleno em sessão de 02.12.2002, através da decisão nº 3089/2002, exarada no processo nº PAD-02/10566680. Texto revogado: "O servidor público estadual eleito Vice-Prefeito poderá perceber a verba de representação mais a remuneração auferida do Estado. Não está o Vice-Prefeito impedido de assumir uma Secretaria Municipal (artigo 25, § 1º, CE), fato que o afastará do outro cargo ou função pública, com direito de opção de remuneração (artigo 25, inciso II, CE), sem prejuízo da verba de representação de Vice-Prefeito, que cumulativamente pode perceber, observados os limites da remuneração do Prefeito (artigo 37, XI).

Processo: REC-TC000161A/47 Parecer: COG-298/94 Origem: Prefeitura Municipal de Mondaí Relator: Conselheiro Octacílio Pedro Ramos Data da Sessão: 14/06/1994.

 

Portanto, a acumulação do subsídio de vice-prefeito com a remuneração do cargo efetivo de engenheiro civil é vedada.

 

Diante de todo o exposto é este parecer pela manutenção do débito do item 6.1.3 do acórdão recorrido.”

 

O Recorrente fundamentou a sua defesa, amparando-se no Prejulgado n. 216, aprovado na Sessão de 14/06/1994.

 

Ocorre que posteriormente ao citado pronunciamento, este Tribunal editou o Prejulgado n. 653, aprovado na Sessão de 05/04/1999, consignando o seguinte entendimento acerca do tema:

 

1. A percepção acumulada de proventos e vencimentos só é admitida quando não caracterize a vedação contida no § 10 do art. 37 da Constituição Federal.


2. O subsídio de vereador só poderá ser pago cumulativamente com a remuneração de cargo, emprego ou função, se houver compatibilidade de horário.


3. A percepção cumulativa de subsídio de vereador e proventos de aposentadoria não encontra impedimento legal.


4. O provento de aposentadoria, subsídio de agente político e o vencimento pelo exercício de cargo público, recebidos aglutinadamente, devem observar o teto remuneratório instituído pelo inciso XI do art. 37 da Constituição Federal.


5. Ao vice-prefeito nomeado para o exercício de cargo, emprego ou função é vedada a percepção cumulativa da remuneração do mandado mais o vencimento ou salário inerente ao cargo, emprego ou função pública, consoante precedente do STF - RE-140.269-5.

6. A Constituição Federal não permite no art. 37, incisos XVI e XVII, a acumulação remunerada de cargo de provimento efetivo com a de cargo de provimento em comissão.” g.n.

 

O Prejulgado n. 653 já estava adequado ao entendimento do Supremo Tribunal Federal-STF.

 

De fato, no Recurso Extraordinário n. 140269-5/210, a Suprema Corte estabeleceu o seguinte entendimento sob o tema em comento:

 

“Recurso extraordinário. 2. Vice-Prefeito, que é titular de emprego remunerado em empresa pública. 3. Não pode o Vice-Prefeito acumular a remuneração decorrente de emprego em empresa pública estadual com a representação estabelecida para o exercício do mandato eletivo (Constituição Federal  art. 29, V). 4. Constituição, art. 38, II. 5. O que a Constituição excepcionou, no art. 38, III, no âmbito municipal, foi apenas a situação do Vereador, ao possibilitar-lhe, se servidor público, no exercício do mandato, perceber as vantagens de seu cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração do cargo eletivo, quando houver compatibilidade de horários; se não se comprovar a compatibilidade de horários será aplicada a norma relativa ao Prefeito (CF, art. 38, II). 6. Hipótese em que o acórdão não reconheceu ao Vice-Prefeito, que exercia emprego em função pública, o direito a perceber, cumulativamente, a retribuição estabelecida pela Câmara Municipal. 7. Recurso Extraordinário não conhecido. (RE-140269-5/210 – Rio de Janeiro – Relator: Ministro Néri da Silveira – DJU: 09.05.97)” g.n.

 

Posteriormente, o STF confirmou esse entendimento ao apreciar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade:

 

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE PERNAMBUCO: ART. 98, § 2º, I, VI, XII, XVII: CONCESSÃO DE VANTAGENS A SERVIDOR PÚBLICO. VÍCIO DE INICIATIVA. COMPETÊNCIA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. ART. 99, IV E PARÁGRAFO ÚNICO: INVESTIDURA EM MANDATO ELETIVO. POSSIBILIDADE DE EXERCÍCIO SIMULTÂNEO DA VEREAÇÃO E DE FUNÇÃO PÚBLICA. EXTENSÃO AO VICE-PREFEITO E AO SUPLENTE DE VEREADOR.

[...]

2.4. Servidor público investido no mandato de Vice-Prefeito. Aplicam-se-lhe, por analogia, as disposições contidas no inciso II do art. 38 da Constituição Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade que se julga procedente. (ADIn n. 199-0 – Pernambuco – Relator: Ministro Maurício Corrêa – DJU: 07.08.98)”

 

Desta feita, não há como o Recorrente se apegar ao revogado Prejulgado n. 216 desta Corte, para justificar a despesa impugnada, seja pelo fato deste Tribunal modificar seu entendimento por meio do Prejulgado n. 653 – editado em 1999 -, seja pelo fato de o STF, já em 1998, haver firmado o entendimento de que se aplica ao Vice-Prefeito, por analogia, o inciso II do art. 38 da Constituição Federal, isto é, se for servidor público, no exercício de mandato eletivo, tal qual o Prefeito, deverá afastar-se do cargo, emprego ou função, sendo-lhe facultado optar pela sua remuneração.

 

Considerando que a situação irregular ocorreu no exercício de 2002, não há como o gestor se eximir da sua responsabilidade, mormente quando figurou como o ordenador da despesa tida por irregular.

 

Pelo exposto, acompanho a Consultoria para manter o débito imputado ao Recorrente.

 

6.2. Multa no valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais), em face da cessão de servidor contratado em caráter temporário a órgão estadual, contrariando os fundamentos caracterizadores da contratação temporária, previstos no art. 37, IX, da Constituição Federal (item 1.6 do Relatório da DMU)

 

Segundo o Recorrente:

 

“O servidor cedido à Delegacia de Polícia da Comarca de Cunha Porã licenciou-se como lhe faculta a legislação e fez-se necessária a contratação de servidor em substituição ao mesmo para atuação na mesma função na Delegacia de Polícia da comarca, uma vez que nenhum servidor do quadro preenchia os requisitos mínimos indispensáveis para atuar no setor de trânsito daquela delegacia.

 

Ressaltamos, ainda, que referido servidor exerce suas funções na Delegacia de Polícia, porém suas atividades estão voltadas ao interesse da municipalidade, quais sejam: licenciamento de veículos da frota municipal; emplacamento dos veículos novos; controle de multas de trânsito e controle dos emplacamentos dos veículos de pessoas residentes no município e passíveis de tributação (IPVA) [...].”[8]

 

As alegações do Recorrente não foram acolhidas pelo órgão consultivo, que assim se pronunciou:

 

“A Diretoria de Controle dos Municípios constatou no relatório n°371/2004 (fls. 391 e 392, autos da TCE), que a Prefeitura de Cunha Porã contratou, em caráter temporário, o Sr. Izelso Boneti, no cargo de Auxiliar administrativo, para substituir servidor legalmente licenciado, cedido para a delegacia de polícia da Comarca de Cunha Porã.

 

As contratações temporárias estão previstas no art. 37, IX, da Constituição Federal, a qual determina que a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.

 

Portanto, é vedado o ingresso no serviço público que não seja sob a modalidade de concurso público, resssalvadas as nomeações para cargo em comissão.

O legislador abriu uma exceção na redação do inciso IX ao dizer: "a lei estabelecerá casos de contratação por tempo determinado para atender necessidade temporária de excepcional interesse público".

 

Conforme entendimento firmado por este Tribunal de Contas, para a cessão de servidores, o município só poderá fazer transferências com estáveis, sendo negada a cessão de servidores em estágio probatório, os temporários, contratados e os comissionados. Nesse sentido, transcreve-se a ementa da decisão proferida no Processo n° 0180704/77:

 

O TRIBUNAL DE CONTAS EM SESSÃO DE 26.05.97, DECIDIU: CONHECER A CONSULTA E RESPONDE-LA NOS SEGUINTES TERMOS: "1- SIM, E POSSÍVEL A CESSÃO DE FUNCIONÁRIOS DA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL, MAS SOMENTE OS EFETIVOS, PARA ENTIDADES ASSISTENCIAIS E ÓRGÃOS PÚBLICOS ESTADUAIS E FEDERAIS, DESDE QUE FUNDAMENTADA NA FINALIDADE DA ADMINISTRAÇÃO.

 

O Recorrente em suas razões recursais alega (fls. 05 e 06, recurso) que “além de exonerar o município com a contratação de despachante de trânsito, como é a recomendação desse Tribunal, aumenta a arrecadação deste tributo conforme determina a LRF”.

Porém, a determinação deste Tribunal de Contas visa o cumprimento da lei, uma vez que, o administrador público, só deve fazer o que determina a lei, estando tal procedimento em desacordo com o art. 37, IX, da Constituição Federal.

 

Diante de todo o exposto é este parecer pela manutenção da multa do item 6.3 do acórdão recorrido.”

 

A decisão mencionada pela Consultoria corresponde ao Prejulgado n. 0423, que foi reformado pelo Plenário deste Tribunal possuindo atualmente a seguinte redação:

É possível a cessão de funcionários da administração municipal, mas somente os efetivos e para órgãos públicos municipais, estaduais e federais, desde que fundamentada na finalidade da Administração. É necessário lei autorizativa, ainda que contemple as cessões de modo abrangente, não podendo a cessão efetivar-se mediante portaria ou decreto do prefeito.

 

Verifica-se que a cessão de servidores está restrita aos efetivos, conforme o entendimento desta Corte, consubstanciado também nos prejulgados abaixo transcritos:

 

 Prejulgado n. 1009:

A disposição ou cessão de servidores a órgãos ou entidades públicas de outras esferas pode se dar desde que respaldada em autorização legislativa vigente, amparada em norma legal, formalizada por instrumento adequado (Portaria, Resolução, etc.), e constando do ato as condições da cessão.


A disposição de servidores efetivos à Justiça Eleitoral, por requisição desta, encontra amparo legal, sendo obrigação do Município, apenas, a cessão para os períodos eleitorais.

Em face do preceituado no art. 62 da Lei Complementar nº 101/00 (Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF), o custeio pelo Município, de despesas de competência de outros entes, somente será admitido se estiver contemplado na lei de diretrizes orçamentárias e na lei orçamentária anual, e pactuado entre os entes, através de convênio, acordo, ajuste ou congênere, conforme dispuser legislação específica.

A cessão de servidores públicos municipais (colocados à disposição) a outros entes da Federação, com ônus para o Município, equipara-se à contribuição para o custeio de despesas de competência de outros entes de que trata o art. 62 da Lei Complementar nº 101/00.

A Câmara de Vereadores somente poderá suportar o ônus do pagamento da remuneração e encargos dos servidores cedidos para órgãos e entidades de outros entes da Federação, se atendidos os requisitos do art. 62 da Lei Complementar nº 101/00 (Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF).


Na apuração das despesas totais com pessoal (arts. 18, 19, 20 e 22 da LRF) as despesas com servidores cedidos serão consideradas no Poder ou Órgão que efetuar o pagamento da remuneração e encargos correspondentes.

 

Prejulgado n. 1513:

[...]
2. A cessão de servidor público municipal, ocupante de cargo efetivo, para outro órgão da Administração Pública somente é possível quando as atribuições de ambos os cargos se equivalem, sob pena de caracterizar desvio de função.

 

Prejulgado n. 1056:

Os órgãos e entidades executivas de trânsito municipais podem celebrar convênios com entidades similares do Estado e com a Polícia Militar para a execução de atividades de competência do ente delegante, nos termos dos arts. 23 e 25 do Código de Trânsito (Lei Federal nº 9.503/97).


Mediante convênio específico, os recursos das multas de trânsito arrecadados pelos municípios, podem ser utilizados para pagamento de despesas da Polícia Militar, desde que sejam relacionadas, exclusivamente, à sinalização, engenharia de tráfego e de campo, policiamento, fiscalização e educação de trânsito, conforme disposto no art. 320 do Código de Trânsito, compreendendo materiais e equipamentos (veículos, rádios, computadores, combustíveis, materiais de sinalização e didáticos etc.) e serviços (controle da frota de veículos, alimentação de policiais etc.).


As atribuições da Polícia Militar do Estado devem ser cumpridas com os meios e recursos disponibilizados no orçamento do Estado, não integrando a competência municipal suportar despesas daquela Corporação, salvo para ações específicas de policiamento do trânsito (arts. 23, 35 e 320 da Lei Federal nº 9.503/97), mediante convênio, com previsão na Lei de Diretrizes Orçamentárias e na Lei de Orçamento Anual (art. 62 da Lei Complementar nº 101/00).


O Município pode ceder servidores titulares de cargos efetivos para atender solicitação do Poder Judiciário (que difere da requisição), desde que atendidas as seguintes condições: demonstração do caráter excepcional da cessão; demonstração do relevante interesse público local na cessão do servidor efetivo; existência de autorização legislativa para o Chefe do Poder editar ato regularizando a cessão; desoneração do município dos custos com remuneração e encargos sociais do servidor cedido, que devem ser suportados pelo órgão ou entidade cessionária; atendimento ao disposto no art. 62 da Lei Complementar nº 101/00 quando, excepcionalmente, os custos sejam suportados pelo Município (autorização na lei de diretrizes orçamentárias e na lei orçamentária anual e convênio, acordo, ajuste ou congênere específico); exclusivamente de servidores efetivos, vedada a cessão de servidores contratados em caráter temporário, de qualquer natureza, e de ocupantes de cargo em comissão.


Os Juízes podem promover a requisição de servidores municipais para atuar em cartórios judiciais somente quando se destinar à prestação de serviço em cartório eleitoral durante o período eleitoral, desde que observadas as hipóteses e parâmetros legais (art. 365 do Código Eleitoral e Lei Federal nº 6.999/82). As requisições para os Cartórios Eleitorais deverão recair em servidor lotado na área de jurisdição do respectivo Juízo Eleitoral, situação em que o Município fica obrigado a ceder servidor efetivo ao Cartório Eleitoral da Comarca cuja área de jurisdição esteja incluso, com o ônus para o Município, em obediência à Lei Federal nº 6.999/82 e ao Código Eleitoral (Lei Federal nº 4737/65).

Pode o município firmar termo de cessão de uso de veículo com a EPAGRI, para utilização em atividades pertinentes à atuação do Poder Público Municipal, especialmente em programa direcionado ao desenvolvimento da agricultura e pecuária, arcando o Município com as despesas de combustíveis, licenciamento, seguro obrigatório e outros gastos correlatos, desde que demonstrado o interesse público específico envolvido na ação e estejam previstos os recursos orçamentários e financeiros para as despesas decorrentes da cessão de uso.


Depende de convênio e autorização na Lei de Diretrizes Orçamentárias e na Lei Orçamentária Anual (art. 62 da LRF) para o Município suportar despesas de outros entes, incluindo as com servidores recebidos à disposição e daqueles cedidos com ônus para o Município. A cessão de servidor pelo Município depende de autorização legislativa e demonstração do interesse público.


A cessão de servidores de empresas de economia mista para outros órgãos ou entidades da Administração Pública, de qualquer esfera administrativa, somente se deve operar com o compromisso da entidade cessionária em promover o ressarcimento à entidade cedente das despesas com remuneração e encargos sociais do servidor cedido, para não caracterizar desvio de finalidade para a qual foi criada a entidade e preservar os interesses dos acionistas minoritários.


Os órgãos da Administração Direta, as autarquias, as fundações e as empresas estatais dependentes devem atentar para o fato de que as despesas relativas ao ressarcimento de despesas com remuneração e encargos de servidores recebidos à disposição, integram a Despesa Total com Pessoal do respectivo Poder ou Órgão constitucional para fins de verificação dos limites estabelecidos na Lei Complementar nº 101/00. [...]

 

No caso em tela, tendo em vista que se trata de cessão de servidor admitido em caráter temporário, acompanho a Consultoria para manter a multa aplicada ao Recorrente.

 

3.   PROPOSTA DE DECISÃO

 

CONSIDERANDO o que mais dos autos consta, submeto à apreciação deste Tribunal a seguinte proposta de decisão:

 

6.1. Conhecer do Recurso de Reconsideração, nos termos do art. 77 da Lei Complementar n. 202/2000, interposto contra o Acórdão n. 1.635/2004 exarado na Sessão Ordinária de 13/09/2004, nos autos do Processo n. TCE-03/02670998 e, no mérito, dar-lhe provimento parcial para:

 

6.1.1. cancelar o débito constante do item 6.1.2 da decisão recorrida;

 

6.1.2. manter os demais termos da decisão recorrida.

 

6.2. Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator, que o fundamentam ao Município de Cunha Porã e ao Sr. Mauro de Nadal ex-Prefeito daquele Município.

                  

Gabinete do Conselheiro, em 16 de dezembro de 2008.

 
 
 
                                          WILSON ROGÉRIO  WAN-DALL

                                              Conselheiro Relator

 

 



[1] Fls. 07/23 dos autos n. REC-04/05856113.

[2] Fls. 28/29 dos autos n. REC-04/05856113.

 

[3] Fls. 03/04 dos autos n. REC-04/05856113.

[4] Fls. 14/15 dos autos n. REC-04/05856113.

[5] Fls15/18 dos autos n. REC-04/05856113.

[6] Disponível em: www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/parecer/xparecer12.htm . Acesso em: 11/12/2008.

 

[7] Fl. 05 dos autos n. REC-04/05856113.

[8] Fls. 5/6 dos autos n. REC-04/05856113.