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ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO Gabinete
do Auditor Adircélio de Moraes Ferreira Junior |
PROCESSO Nº |
REC nº 05/00973857 |
UNIDADE |
Câmara Municipal de
Presidente Nereu |
RESPONSÁVEL |
Mauro Rech –
Presidente da Câmara Municipal de Presidente Nereu à época |
ASSUNTO |
Recurso de
Reconsideração do PCA nº 03/00293763 – art. 77 da Lei Complementar nº 202/00 |
VOTO
VISTA
Com o propósito de apresentar
o meu posicionamento acerca da matéria sob exame, pedi vista dos presentes
autos na sessão de 08/12/08. Desta feita, com o intuito de contribuir para o
deslinde da questão, trago à baila os seguintes argumentos, que passo, então, a
expor, precedido do breve relato que segue:
Tratam os autos do Recurso
de Reconsideração, interposto pelo Sr. Mauro Rech, Presidente da Câmara Municipal
de Presidente Nereu no exercício financeiro de 2002, contra Acórdão desta Corte
de Contas, o qual decidiu por julgar irregulares as contas em análise, com
imputação de débito ao Recorrente, em razão de despesas com pagamento de
sessões extraordinárias realizadas durante o período legislativo ordinário aos então
vereadores, em descumprimento à Constituição Federal.
FUNDAMENTAÇÃO
Feito
o Relato, passo ao voto:
Após a verificação do
cumprimento dos requisitos de admissibilidade recursal, constatou-se, dentre as
problemáticas meritórias aduzidas, a imputação exclusiva ao Presidente da
Câmara, na condição de ordenador da despesa, da totalidade dos valores
indevidamente percebidos pelos edis a título de verba indenizatória pela
participação em sessão extraordinária realizada durante o período legislativo
ordinário.
Quanto ao mérito da
constitucionalidade do pagamento de sessões extraordinárias no período
legislativo ordinário, acompanho os posicionamentos até então expostos no
sentido da vedação de tais pagamentos.
Paralelamente,
no entanto, foram ventiladas, durante as discussões sobre o assunto, as
seguintes questões: 1) O ordenador da despesa, in casu, o Presidente da Câmara Municipal, é responsável pelos
pagamentos indevidos? 2) Seria possível, de algum modo, a atribuição de
responsabilidade aos beneficiários do pagamento indevido maior, ou seja, aos
Vereadores? 3) A obrigação de ressarcimento ao erário poderia ser imputada de
maneira solidária ou subsidiária tanto ao ordenador como aos Vereadores?
Antes,
porém, de adentrarmos em cada uma dessas questões, entendo que alguns aspectos
de ordem prática devem ser considerados quando do julgamento de processos que
envolvam pagamento indevido e ressarcimento ao erário.
Para
tanto, auxilio-me dos apontamentos feitos em Plenário pelo Exmo. Sr.
Conselheiro Salomão Ribas Junior que expõe sua preocupação com a tempestividade
na cobrança dos referidos pagamentos, porquanto a pluralidade das situações que
a nós sobrevêm, referem-se a gestões pretéritas. Nesse sentido, aponta o
princípio da continuidade do serviço público e o da eficiência como corolários
da atuação tempestiva desta Corte de Controle.
Dessa
feita, posiciono-me de acordo com o exposto pelo Nobre Conselheiro, conquanto,
sob pena de perder-se no tempo, a formação de título executivo contra aqueles
que indevidamente receberam recursos públicos torna-se necessária para que se assegure
o processo de cobrança.
Digo
isso, haja vista que buscar o ressarcimento dos cofres públicos por meio, exclusivamente, de determinação ao
Presidente da Câmara para adoção de medidas administrativas, sob pena de sua responsabilização
solidária, visando o desconto dos valores diretamente dos subsídios dos edis
beneficiários da legislatura, não seria capaz de, por exemplo, abarcar legislaturas anteriores, quando não houvesse
mais vínculo entre o Vereador que recebeu valores indevidos e a Câmara
Municipal, o que parece ser o caso do presente processo.
Para
essas situações, mais célere do que a determinação, por parte deste Tribunal,
para que a unidade gestora instaure Tomada de Contas Especial visando o
ressarcimento dos valores pagos indevidamente, seria o julgamento, por esta
Corte de Contas, da imputação do débito (com a inclusão de todos os
responsáveis) no próprio processo de Prestação de Contas, sem prejuízo de
eventual determinação para desconto em folha daqueles Vereadores que ainda viessem
a manter, após a condenação, o vínculo com o Poder Público. Esta solução,
inclusive, pela sua celeridade, poderia ser adotada até mesmo para os processos
de Prestação de Contas de Administrador que viessem a ser julgados no curso da
legislatura em que teriam sido verificados os pagamentos indevidos.
É
importante destacar que a presente solução é proposta tão somente a situações
análogas ao presente processo, ou seja, quando não haja uma quantidade excessiva
de responsáveis a serem citados, não sendo aplicável, portanto, a situações em que,
por exemplo, envolvam pagamentos indevidos a uma grande massa de servidores, o
que, em virtude da grande quantidade de interessados, terminaria por
inviabilizar a citação pessoal de cada um deles por parte deste Tribunal de
Contas.
Ao
contrário do que ocorre com os Vereadores, os servidores, pela característica
de sua relação com o Poder Público, possuem uma vinculação perene com o ente
pagador. Dessa forma, para os casos em que haja pagamentos indevidos a um
grande quantitativo de servidores, parece ser mais adequado, sob o ponto de
vista da racionalização administrativa e da economia processual na recomposição
de danos causados ao erário, a adoção, pela unidade gestora (seja por
iniciativa própria, seja por determinação deste Tribunal), das providências
administrativas anteriores à instauração de Tomada de Contas Especial, previstas
no art. 4º da Instrução Normativa nº TC 03/2007, as quais incluem, a meu ver, o
desconto em folha, desde que previamente comunicado ao servidor, em respeito ao
princípio do contraditório e da ampla defesa.
Somente
para os casos em que não fosse possível, por algum motivo (tal como,
desligamento do servidor do serviço público), a recomposição do erário, é que
seria instaurada, pela unidade gestora,
a Tomada de Contas Especial nos termos do parágrafo único do mencionado art.
4º, bem como em consonância com o disposto no art. 7º da citada Instrução
Normativa.
Feitas
essas observações preliminares, passemos a abordar cada uma das questões acima,
iniciando-se pela responsabilização ou
não, no presente caso, do ordenador de despesa pelo ressarcimento ao erário do
montante pago indevidamente.
Como
será evidenciado adiante, qualquer pessoa estará jungida ao dever de prestar contas quando estiver na guarda, uso,
entre outros, de dinheiro público (parágrafo único do art. 70 da Constituição
Federal).
Assim,
entendo que o Presidente da Câmara Municipal, ordenador de despesas e, como
tal, atuando como administrador público, é passível de julgamento por esta
Corte de Contas, devendo ser responsabilizado pela má aplicação dos recursos
públicos, salvo se comprovada ausência de culpa ou dolo.
No
que diz respeito à ausência de culpa ou dolo, há quem argumente que os
pagamentos teriam sido feitos pelo Presidente da Câmara com base em lei (ou
outro ato normativo com força de lei) aprovada pelo Poder Legislativo, a qual
goza de presunção de legitimidade até que venha ser declarada inconstitucional
pelo Poder Judiciário. A esse respeito, trago lição de Alexandre de Moraes que,
ao discorrer sobre o descumprimento de lei ou do ato normativo inconstitucional
pelo Poder Executivo, diz: “O Poder Executivo, assim como os demais Poderes de Estado, está obrigado a pautar sua conduta pela estrita legalidade, observando, primeiramente, como primado
do Estado de Direito Democrático, as
normas constitucionais.”
Ora,
se essa é uma prerrogativa juridicamente viável para o Chefe do Poder
Executivo, com muito mais razão seria possível estendê-la ao Chefe do Poder
Legislativo, no caso, o Presidente da Câmara Municipal. Isso porque a norma
inconstitucional, assim estaria sendo reconhecida pelo próprio Poder que a
editou (através de seu chefe), não havendo, portanto, qualquer repercussão entre
os Poderes. A repercussão estaria restrita ao âmbito do próprio Poder
Legislativo.
Nesse
sentido, o Pleno do Supremo Tribunal Federal já se manifestou em sede de Medida
Cautelar em Adin ao determinar que “Os Poderes Executivo e Legislativo, por sua Chefia [...] podem tão-só determinar aos
seus órgãos subordinados que deixem de aplicar administrativamente as leis ou
atos com força de lei que considerem inconstitucionais”.
Dessa
forma, fazendo pagamentos indevidos, ainda que com base em lei flagrantemente
inconstitucional, bem como em contrariedade a diversos prejulgados desta Corte
de Contas, o administrador deixou de exercer o seu Poder-Dever de zelar pela
coisa pública, incorrendo em culpa, o que dá ensejo a sua responsabilização de
maneira subjetiva.
Também
não há que se falar em responsabilidade política por parte do Presidente da
Câmara, haja vista ser nítida sua atuação, quando do pagamento aos edis, como
agente administrativo.
Aponto, por pertinente,
artigo elaborado pela Dra. Elóia Rosa da Silva, Diretora Geral desta Casa, em
que esclarece o tema da responsabilização do agente político quando “assume a
dupla função, política e administrativa, respectivamente, a tarefa de executar
orçamento e o encargo de captar receitas e ordenar despesas, submete-se a duplo
julgamento. Um político perante o Parlamento precedido de parecer prévio; o
outro técnico a cargo da Corte de Contas”.
Portanto,
o Presidente da Câmara, em virtude de sua atuação como administrador quando da
realização do pagamento aos vereadores, é passível de ser julgado por esta
Corte de Contas.
Ante o exposto, não vejo como desonerarmos o Presidente da Câmara Municipal da responsabilidade pelo montante pago indevidamente, mormente quando presentes os elementos ensejadores de sua responsabilidade subjetiva, acompanhando, assim, os posicionamentos dos Ilustres Conselheiros César Filomeno Fontes e Luiz Roberto Herbst.
Passo,
então, à análise da outra questão a ser levantada: são os edis jurisdicionados desta Corte de Contas?
Aqueles
que assim não os consideram, levantam que o inciso I do art. 6º, da Lei
Complementar Estadual nº 202/00, dispositivo que trata da jurisdição deste
Tribunal, não englobaria os vereadores.
De
maneira diversa, reflito.
Cito
os seguintes dispositivos legais como fundamentadores da responsabilidade dos
vereadores: art. 1º, inciso III; art.
6º, inciso II; e art. 18, inciso III, §2º, alínea ‘b’, da Lei Complementar nº
202/00.
Tais
dispositivos mencionam aqueles que derem causa à irregularidade de que resulte prejuízo
ao erário, bem como a parte interessada na prática do ato irregular que, de
qualquer modo, haja concorrido para a ocorrência do dano apurado.
Ao
receberem valores flagrantemente inconstitucionais, não tendo recusado o
recebimento ou omitindo-se na devolução desses recursos, os vereadores (também)
deram causa ou concorreram, de algum modo, para a ocorrência do dano.
Assim, há que se considerar
o vereador que percebe parcela indevida de dinheiro público como adstrito ao
campo de atuação dos órgãos de controle externo.
Dentro
dessa visão global do sistema de controle externo, ao qual se deve dar
coerência para com as demais normas que o constituem, reporto-me às palavras do
Conselheiro Salomão Ribas Júnior, em voto proferido nos autos da TCE nº
04/03389402, quando diz que “tal responsabilização, muito embora tenha respaldo
legal, não atende a alguns princípios gerais de direito, a exemplo do
enriquecimento sem causa e da repetição do indébito”.
De fato, bem observa o nobre Conselheiro que, se a exigência recair somente sobre o Presidente da Câmara, estarão os demais responsáveis incorrendo em enriquecimento sem causa, em flagrante contrariedade com os ditames legais (art. 884 do Código Civil Brasileiro), posto que a custas de outrem.
Como
se vê, o acréscimo patrimonial se deu em detrimento dos cofres públicos, o que
resulta na obrigação de restituição ao erário por parte de cada qual que recebeu indevidamente, nos termos do
art. 876 do Código Civil Brasileiro.
Nessa
esteira, necessária a individualização da conduta no sentido de verificar a
extensão da responsabilidade de cada beneficiário (vereador).
Não
creio, por evidente, que a obrigação de ressarcir ao erário esteja adstrita
somente à ação de realizar o pagamento. Também deve ser evidenciada a conduta ‘receber’ por parte dos vereadores,
procedimento este que vai de encontro ao interesse público, na medida em que os
valores recebidos eram, sabidamente, indevidos, ante a flagrante
inconstitucionalidade dos pagamentos, o que faz com que os edis beneficiários sejam
responsáveis pela reposição ao erário, cada qual pelo valor recebido
indevidamente.
Ora,
se os vereadores são responsáveis pelo ressarcimento ao erário, entendo que
eles devem necessariamente ser citados individualmente para fins de composição
da lide, sob pena de nulidade processual em decorrência de violação dos
princípios do contraditório e da ampla defesa.
A
recorrente alegação de dificuldade ou impossibilidade de se citar todos os
vereadores envolvidos, a meu ver, não é argumento jurídico válido para que esta
Corte de Contas assim não o faça. A esse respeito, é oportuno lembrar que, diante
de eventual impossibilidade, o nosso ordenamento jurídico prevê o instrumento
da citação ficta, ou seja, por meio de edital, o que afasta, portanto, qualquer
óbice em se realizar a cobrança individual.
Há
quem alegue, ainda, que não seria possível responsabilizar os vereadores, em
decorrência de estarem protegidos pela imunidade parlamentar.
No
entanto, o que se pretende no presente Voto não é a responsabilização dos
parlamentares por eventualmente terem aprovado uma lei flagrantemente
inconstitucional. Não é a aplicação de qualquer sanção ou, ainda, a
responsabilização civil pelo dano ao erário causado pela conduta de ter votado
pela aprovação da lei viciada. Não fosse assim, de fato estaríamos violando a
imunidade parlamentar dos vereadores. Longe disso.
Do
contrário, não haveria como responsabilizarmos os vereadores que, mesmo tendo
recebido valores indevidamente, não tivessem deliberado pela aprovação da lei
inconstitucional, seja por ausência, seja por abstenção ou ainda por
simplesmente terem votado pela rejeição da proposição legislativa.
Por
esse motivo, entendo que a condição de agente político pode ser trazida à
discussão no que diz respeito à análise da boa-fé,
no meu entender, afastada no presente caso.
Isso
porque, ante a cristalina vedação constitucional dos valores recebidos, os
vereadores (legisladores que são) têm, ou ao menos deveriam ter, a obrigação de
conhecer tais regramentos.
Além
disso, em virtude de sua participação direta no processo legislativo, afastar a
responsabilidade dos vereadores que aprovaram o pagamento indevido, ao
argumento de que desconheciam sua inconstitucionalidade, seria conceder-lhes o
benefício de sua própria torpeza, o que se revela incompatível com o nosso
ordenamento jurídico.
Assim,
acompanho o posicionamento do Ilustre Conselheiro Salomão Ribas Junior, no
sentido de que os vereadores são jurisdicionados desta Corte de Contas e responsáveis
pela restituição ao erário dos valores recebidos indevidamente.
Passo,
então, à análise da terceira e última questão, que trata da existência de
solidariedade ou subsidiariedade na
relação entre o Presidente da Câmara e os vereadores beneficiários, quanto à obrigação
de ressarcimento ao erário.
Apóio-me,
de início, no art. 264 do Código Civil
Brasileiro, o qual dispõe que “há solidariedade, quando na mesma obrigação
concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou
obrigado, à dívida toda”, situação, pois, presente nos autos, conforme visto
anteriormente, já que concluímos pela responsabilidade do ordenador pela
totalidade dos pagamentos indevidos, bem como dos vereadores pela quantia
recebida irregularmente por cada um deles.
Em
seqüência, há que se destacar o art. 265,
do mesmo Diploma Legal, que determina o seguinte: “a solidariedade não se
presume; resulta da lei ou da vontade das partes”.
Ao
proceder ao exame da Lei Complementar nº 202/00, vejo clara a hipótese de
solidariedade com previsão legal na Lei Orgânica desta Corte de Contas; dita o
art. 18, III, alínea ‘c’ e §2º que “[...] o tribunal, ao julgar irregulares as
contas, fixará a responsabilidade solidária: a) do agente público que praticou
o ato irregular e b) do terceiro que, como contratante ou parte interessada na
prática do mesmo ato, de qualquer modo, haja concorrido para a ocorrência do
dano apurado”.
Tal norma reafirma o
disposto no art. 6º, II, do mesmo diploma legal, que inclui na jurisdição deste
Tribunal “aqueles que derem causa à
perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte dano ao erário”.
O
agente público que praticou o ato irregular, previsto na alínea “a”, no
presente processo, é o Presidente da Câmara Municipal, enquanto que os
vereadores que receberam o pagamento indevido podem ser enquadrados no disposto
na alínea “b”, qual seja, o terceiro que, como parte interessada, de qualquer
modo tenha concorrido para a ocorrência do dano apurado.
Inclusive,
saliento que o citado dispositivo faz parte da Seção que dispõe acerca da
decisão tanto em processo de prestação
de contas como em tomada de contas,
o que torna possível a aplicação da
solidariedade quando da análise de PCA (Prestação de Contas de Administrador),
preocupação exposta pelo Ilustre Conselheiro Luiz Roberto Herbst na sessão
ordinária de 08/12/08.
Por
outro lado, quanto à questão suscitada, relativa ao alerta da possibilidade da
cobrança ser superior ao débito existente, a mesma não persiste, tendo em vista
o que dispõem os arts. 275 e 277 do
Código Civil Brasileiro, ao observarem que a
exigência limitar-se-á ao valor do débito.
Delineia,
ainda, o art. 942 do Código Civil
Brasileiro, a questão da responsabilidade patrimonial quando da reparação pelos
danos causados e estabelece a aplicação do
princípio da solidariedade, “[...] sendo tanto o agente causador do dano como
o seu responsável obrigados pela reparação integral do dano”.
De
qualquer forma, a título de esclarecimento, ressalto acórdão do Tribunal de Contas da União, de nº 33/05, que aplica a solidariedade, também, em razão de ato ilícito (Processo nº: 003.192/2001-0
(TCE), Plenário, Ministro Relator Benjamin Zymler). Ou seja, aplica a responsabilidade extracontratual ou aquiliana, atualmente
prevista no art. 186 do Código Civil Brasileiro.
Por
sua vez, o art. 927, também do Código Civil Brasileiro, traz de maneira
expressa a obrigação de indenizar quando do cometimento de ato ilícito: “Aquele
que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a
repará-lo”.
A
desoneração, tanto do Presidente da Câmara, quanto dos vereadores, poderia
ocorrer ante a ausência de culpa ou dolo, pressupostos para a imputação da
responsabilidade subjetiva, sendo que, in
casu, há, em conformidade com as considerações já realizadas, no mínimo,
culpa. De qualquer forma, há a previsão legal da responsabilidade solidária ora
tratada.
Relevante,
também, considerar que o instituto da solidariedade
passiva visa dar maior segurança ao
credor que, in casu, trata-se do
erário público.
Nesse
contexto, esta Corte de Contas tem por obrigação
constitucional julgar as contas de todos aqueles que derem causa a perda,
extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário, não podendo, portanto, dispor desse dever e
escolher, dentre os autores do ilícito danoso, apenas aquele cujas contas irá
julgar, sob pena de incorrer em afronta ao princípio da indisponibilidade
do interesse público e ao princípio da isonomia. Dessa forma, a responsabilização solidária pelo
ressarcimento ao erário, tanto do Presidente da Câmara Municipal, como dos
vereadores, é medida que se impõe.
Oportuno,
ainda, abordar o tema da possibilidade de direito de regresso, que vem disposto
no art. 285, do Código Civil Brasileiro; cito: “Se a dívida solidária
interessar exclusivamente a um dos devedores, responderá este por toda ela para
com aquele que pagar”.
Tal
dispositivo possibilita ao Presidente da Câmara Municipal o direito de regresso
contra os vereadores, em caso de, eventualmente, aquele vir a adimplir a dívida
destes, notadamente quando a solidariedade restar evidente na formação do
título executivo, o que se dá pelo julgamento, em uma única decisão, de todos
os envolvidos por este Tribunal de Contas.
Cumpre
esclarecer, ainda, quanto à questão, que a redação do inciso II do §1º do art.
135 da Resolução TC-06/01 busca, ao que parece, incluir os demais
beneficiários (no caso, vereadores), em conjunto com o Responsável
inicialmente proposto (Presidente da Câmara), e não desonerar este último,
tendo em vista constituir o suporte do direito de regresso do Presidente da
Câmara para com os demais beneficiários do pagamento irregular.
Por
fim, acrescento à discussão julgado do Tribunal de Contas da União (Acórdão nº
516/03, Processo nº: 000.571/1999-7, Ministro Relator Marcos Bemquerer,
Primeira Câmara) que acaba por não anular o acórdão, mesmo com a inclusão de
outros responsáveis solidários, com a “possibilidade de apuração dessa
responsabilidade solidária sem a decretação de insubsistência do acórdão
condenatório”.
Acompanho
a preocupação exposta pelo Ilustre Ministro Substituto do Tribunal de Contas da
União, Marcos Bemquerer, de que o gestor já condenado não seja desde logo
executado judicialmente, o que, além de não me parecer uma situação justa,
faria com que a aplicação da responsabilidade solidária restasse inócua.
Isso
porque, dar ciência ao órgão competente pela sua execução judicial, do inteiro
teor da deliberação adotada (que, não anulando a decisão, mantém a condenação
do gestor, mas reconhece a solidariedade dos demais responsáveis) não teria, a
meu ver, o condão de sustar o processo de cobrança judicial, parecendo-me de
praticidade duvidosa.
Por
essa razão, entendo como necessária a anulação do acórdão recorrido,
aproveitando-se, por sua vez, os atos processuais válidos. Como já houve a
regular citação do Presidente da Câmara para que este apresentasse suas
alegações de defesa acerca dos pagamentos irregulares, entendo desnecessária
nova notificação do mesmo quando do retorno dos autos para citação dos demais
responsáveis solidários.
Somente
a título de observação, discorro, ainda, sobre a possibilidade de aplicação da responsabilidade subsidiária, por mim
referida na sessão do dia 08/12/08.
Acerca
da subsidiariedade, o doutrinador Pablo
Stolze comenta: “Nada mais do que uma forma especial de solidariedade, com
benefício ou preferência de excussão de bens de um dos obrigados, dizemos nós”.
Com
efeito, o nosso ordenamento jurídico parece dar abrigo à tese exposta pelo
ilustre doutrinador, no sentido de que a subsidiariedade é uma espécie de
solidariedade.
Isso
porque, ao tratar desse instituto, o parágrafo único do art. 124 do Código
Tributário Nacional (Lei nº 5. 172, de 25/10/66) prevê que a solidariedade a
que se refere “não comporta benefício de ordem”.
Ao
excluir a aplicação do benefício de ordem, o legislador parece admitir que o
instituto da solidariedade, a priori,
teria tal característica. Ou, analisando sobre um outro prisma, poderíamos
inferir que o legislador enxerga a solidariedade (latu sensu) como gênero e que teria como espécies: a solidariedade strictu sensu e a subsidiariedade.
Dessa
forma, se dermos uma interpretação ampla ao instituto da solidariedade prevista
na nossa Lei Orgânica, seria possível a aplicação da responsabilidade subsidiária
ao Presidente da Câmara, de forma que este somente seria demandado a ressarcir
os valores pagos indevidamente em caso de insolvência dos vereadores.
Ocorre
que a aplicação da subsidiariedade geraria uma maior lentidão na restituição
dos recursos pagos indevidamente, o que levaria, como conseqüência inerente a
essa morosidade, a uma diminuição na garantia e na efetividade de recebimento desses
valores.
Assim,
interpretarmos o termo “solidariedade” de maneira ampla significaria
privilegiarmos o interesse privado do Presidente da Câmara, em detrimento de um
interesse coletivo maior, o que implicaria na violação do princípio da supremacia
do interesse público sobre o particular, o que não me parece razoável.
Por
esse motivo, concluo pela aplicação, no presente caso, da responsabilidade
solidária, em sentido estrito, ao Presidente da Câmara em conjunto com os
vereadores e não pela responsabilidade subsidiária, ou seja, sem benefício de
ordem.
PROPOSTA DE VOTO
Em
consonância com os termos acima dispostos, proponho ao egrégio Plenário a
seguinte decisão:
1. Conhecer do Recurso de Reconsideração, nos termos do art. 77
Lei Complementar nº
202/00, interposto pelo Sr. Mauro
Rech, contra o Acórdão nº 0099,
exarado na sessão ordinária de 14/02/05, nos autos do Processo nº PCA-03/00293763
e, no mérito, dar-lhe provimento para:
1.1
anular a decisão recorrida.
2.
Determinar à Diretoria de Controle dos Municípios - DMU, deste Tribunal, que
proceda, nos autos do PCA 03/00293763,
à citação dos responsáveis abaixo nominados, nos termos do art. 15, II, c/c o
art. 6º, I , e art. 1º, III, todos da Lei Complementar nº 202/00, para, no
prazo de 30 (trinta) dias, a contar da data da comunicação da citação, com
fulcro no art. 17, II, da Resolução TC-06/01, apresentarem alegações de defesa
acerca do recebimento indevido, em
razão do pagamento por sessões extraordinárias realizadas durante o período
legislativo ordinário aos vereadores, conforme quadro às fls. 76 do Processo nº PCA 03/00293763, em afronta ao disposto no art. 39, §4º c/c art. 57, §7º, ambos da
Constituição Federal de 1998; irregularidade ensejadora de imputação de
débito e/ou aplicação de multas previstas nos arts. 68 a 70 da Lei Complementar
n° 202/00:
2.1
Sr. Altair Moreira, Vereador da Câmara Municipal de Presidente Nereu no
exercício de 2002, em razão do recebimento de R$ 120,42 (cento e vinte reais e
quarenta e dois centavos);
2.2
Sr. Nei Feuzer, Vereador da Câmara Municipal de Presidente Nereu no exercício
de 2002, em razão do recebimento de R$ 120,42 (cento e vinte reais e quarenta e
dois centavos);
2.3
Sr. Paulo Kochanski, Vereador da Câmara Municipal de Presidente Nereu no
exercício de 2002, em razão do recebimento de R$ 120,42 (cento e vinte reais e
quarenta e dois centavos);
2.4
Sr. Mauro Rech, Presidente da Câmara Municipal de Presidente Nereu no exercício
de 2002, em razão do recebimento de R$ 180,63 (cento e oitenta reais e oitenta
e três centavos);
2.5
Sr. José de Souza, Vereador da Câmara Municipal de Presidente Nereu no
exercício de 2002, em razão do recebimento de R$ 120,42 (cento e vinte reais e
quarenta e dois centavos);
2.6
Sr. Celso A. Vieira, Vereador da Câmara Municipal de Presidente Nereu no
exercício de 2002, em razão do recebimento de R$ 120,42 (cento e vinte reais e
quarenta e dois centavos);
2.7
Sr. Eudegar J. Back, Vereador da Câmara Municipal de Presidente Nereu no
exercício de 2002, em razão do recebimento de R$ 120,42 (cento e vinte reais e
quarenta e dois centavos);
2.8
Sr. José C. Francisco, Vereador da Câmara Municipal de Presidente Nereu no
exercício de 2002, em razão do recebimento de R$ 120,42 (cento e vinte reais e
quarenta e dois centavos);
2.9
Sr. Salésio Pereira, Vereador da Câmara Municipal de Presidente Nereu no
exercício de 2002, em razão do recebimento de R$ 120,42 (cento e vinte reais e
quarenta e dois centavos);
3. Dar Ciência deste Acórdão, bem como do Parecer e Voto que o fundamentam à Câmara
Municipal de Presidente Nereu, ao Sr. Mauro Rech – Presidente da Câmara
Municipal de Presidente Nereu no exercício de 2002.
Gabinete, em 15 de dezembro
de 2008.
Adircélio de Moraes Ferreira Junior
Conselheiro Substituto