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ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO GABINETE DO CONSELHEIRO WILSON ROGÉRIO WAN-DALL |
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CON-05/04021370 |
UNIDADE GESTORA: | Serviço Autônomo Municipal de Trânsito e Transportes de Blumenau |
Interessado: | Sr. Carlo Olimpio Menestrina |
Assunto: | Realização de licitação. Autarquia Municipal. |
Parecer n°: | GC/WRW/2005/875/ES |
1. RELATÓRIO
Tratam os autos n. 05/04021370 acerca de consulta, formulada pelo Sr. Carlos Olímpio Menestrina, Diretor-Presidente do Serviço Autônomo Municipal de Trânsito e Transportes de Blumenau-SETERB, apresentando questionamentos acerca do procedimento a ser adotado para processar licitações, bem como quanto à possibilidade das suas licitações serem realizadas pela Administração direta.
A consulta foi encaminhada à Consultoria Geral desta Corte, que, através do Parecer n. COG-1000/05, entendeu preenchidos os pressupostos de sua admissibilidade e, no mérito, firmou o seguinte entendimento:
1 NATUREZA JURÍDICA DA SETERB
O Serviço Autônomo Municipal de Trânsito e Transportes de Blumenau - SETERB foi criado pela Lei Ordinária Municipal nº 2.437/79, de 27/03/1979, que tinha a denominação de Serviço Autônomo Municipal de Terminais Rodoviários de Blumenau - SETERB, conforme seu art. 1º:
Art. 1º - Fica criado, como entidade autárquica municipal, o Serviço Autônomo Municipal de Terminais Rodoviários de Blumenau -SETERB - com personalidade Jurídica própria, sede e foro nesta cidade de Blumenau, dispondo de autonomia econômico-financeira e administrativa, dentro dos limites traçados na presente lei.
A denominação foi alterada, conforme dispõe o art. 1º da Lei Complementar Municipal nº 438/03, de 22/12/2003:
Art. 1º. O Serviço Autônomo Municipal de Terminais Rodoviários de Blumenau - SETERB, entidade autárquica municipal, criada pela Lei Municipal nº 2.437, de 27 de março de 1979, com personalidade jurídica própria, sede e foro na cidade de Blumenau, passa a denominar-se Serviço Autônomo Municipal de Trânsito e Transportes de Blumenau - SETERB.
O SETERB é uma pessoa jurídica de direito público, sob a forma de autarquia.
2 AUTARQUIA
Autarquia é ente administrativo autônomo, criado por qualquer ente federado - União, Estados, Distrito Federal ou Municípios - por meio de lei específica. Essas entidades adquirem personalidade jurídica de direito público interno com a edição da lei, e não com o registro. Possuem atribuições estatais específicas, prestando serviço típico por outorga da Administração pública direta.
Exerce parcela do poder estatal (jus imperii), agindo por direito próprio e não por delegação. Tem a administração sobre seus bens e rendas, que são públicos e com destinação especial, podendo utilizar, onerar ou alienar sem lei autorizativa, respeitando apenas as normas estatutárias próprias, salvo para a alienação de bens imóveis, que necessita da lei. No caso de extinção, o patrimônio reintegra-se à entidade criadora.
Por expressa disposição constitucional (art. 37, XXI), deve observar as regras de licitação pública para a realização de contratos administrativos. O seu pessoal é regido por normas estatutárias ou celetistas, conforme opção expressada na lei de criação.
Na qualidade de exercente de parcela do poder estatal, as autarquias possuem alguns privilégios, dentre os quais, cite-se a imunidade de impostos sobre patrimônio, renda e serviços, a prescrição qüinqüenal, cobrança de seus créditos pelo procedimento atribuído para a execução fiscal, impenhorabilidade de seus bens e rendas, impossibilidade de usucapião de seus bens imóveis, recurso de ofício em caso de improcedência de executivo fiscal, prazo em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer, prazo para despejo em um ano, salvo se entre a citação e a sentença de primeira instância decorrer mais de um ano, caso em que o prazo será reduzido para seis meses etc.
O controle exercido pela Administração direta sobre a autarquia não é hierárquico, é um controle finalístico, visando a vigilância, orientação e correção superiores. Em regra, o objeto centra-se na legalidade, mas, por exceção, também pode atingir o mérito. O controle sobre o mérito somente pode ser autorizado por lei, para a apreciação de atos internos e conduta funcional dos dirigentes, em condições especialíssimas. O objetivo desse controle deve limitar-se à manutenção das finalidades institucionais da autarquia.
O exercício do controle é limitado aos termos da lei, sob pena de supressão da sua autonomia administrativa, característica essa essencial para a sua configuração como autarquia. É exercido em três níveis: político, administrativo e financeiro. Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho, atualizadores da obra de Hely Lopes Meirelles (in memoriam), Direito Administrativo Brasileiro, comentam sobre os três níveis de controle, afirmando que o político insere-se na nomeação de dirigentes das autarquias pelo Poder Executivo, o administrativo diz respeito à supervisão ministerial e recursos administrativos (internos e externos) e o financeiro está relacionado com a prestação de contas ao Tribunal de Contas.1
A supervisão ministerial é tratada pelo Decreto-lei nº 200/67, no art. 26, in verbis:
Art. 26. No que se refere à Administração Indireta, a supervisão ministerial visará a assegurar, essencialmente:
I - A realização dos objetivos fixados nos atos de constituição da entidade.
II - A harmonia com a política e a programação do Govêrno no setor de atuação da entidade.
III - A eficiência administrativa.
IV - A autonomia administrativa, operacional e financeira da entidade.
Parágrafo único. A supervisão exercer-se-á mediante adoção das seguintes medidas, além de outras estabelecidas em regulamento:
a) indicação ou nomeação pelo Ministro ou, se fôr o caso, eleição dos dirigentes da entidade, conforme sua natureza jurídica;
b) designação, pelo Ministro dos representantes do Govêrno Federal nas Assembléias Gerais e órgãos de administração ou contrôle da entidade;
c) recebimento sistemático de relatórios, boletins, balancetes, balanços e informações que permitam ao Ministro acompanhar as atividades da entidade e a execução do orçamento-programa e da programação financeira aprovados pelo Govêrno;
d) aprovação anual da proposta de orçamento-programa e da programação financeira da entidade, no caso de autarquia;
e) aprovação de contas, relatórios e balanços, diretamente ou através dos representantes ministeriais nas Assembléias e órgãos de administração ou contrôle;
f) fixação, em níveis compatíveis com os critérios de operação econômica, das despesas de pessoal e de administração;
g) fixação de critérios para gastos de publicidade, divulgação e relações públicas;
h) realização de auditoria e avaliação periódica de rendimento e produtividade;
i) intervenção, por motivo de interêsse público.
Uma das principais características da autarquia, conforme já dito, é a sua autonomia administrativa, portanto, qualquer ingerência, controle ou diminuição dessa qualidade deverá estar prevista em lei, sob apreciação do Parlamento.
O poder hierárquico, que, diga-se, não é aplicável na relação entre a autarquia e a Administração pública direta, é o poder estabelecido em uma relação de subordinação, tendo como institutos implícitos de atuação, as seguintes: dar ordens, fiscalizar, delegar, avocar e rever.
Avocar, de acordo com os atualizadores do livro de Hely
é chamar a si funções originariamente atribuídas a um subordinado. Nada impede tal prática, que, porém, só deve ser adotada pelo superior hierárquico quando houver motivos relevantes para tal substituição, isto porque a avocação de um ato sempre desprestigia o inferior e, não raro, desorganiza o normal funcionamento do serviço. 2
Portanto, a assunção de funções próprias de autarquia pela Administração pública direta, por ato, que não o legislativo, fere o princípio da autonomia adminstrativa desses entes administrativos.
3. LICITAÇÃO
Licitação é o procedimento administrativo que antecede a celebração do contrato. Aplicável à Administração pública direta, aos fundos especiais, às autarquias, às fundações públicas, às empresas públicas e às sociedades de economia mista, prestadoras de serviços públicos (art. 1º, parágrafo único, Lei nº 8.666/93). Deve respeitar, principalmente, o princípio constitucional da isonomia e selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração (art. 3º, Lei nº 8.666/93).
Conforme os atualizadores do livro de Hely (in memoriam)
a licitação é o antecedente necessário do contrato administrativo; o contrato é o conseqüente lógico da licitação.3
A autarquia tem autonomia administrativa para a celebração de seus contratos, e, como conseqüência lógica dessa premissa está a autonomia de realizar suas próprias licitações.
A avocação por ato próprio da Administração pública direta, da realização de procedimento licitatório, relativo a contrato a ser firmado por autarquia, fere a autonomia administrativa dessas entidades.
Qualquer redução da autonomia administrativa das autarquias somente pode ser autorizada mediante lei.4
Ao final, a Consultoria sugeriu a este Relator responder à consulta formulada nos seguintes termos:
A Douta Procuradoria Geral junto a este Tribunal acompanhou o entendimento da Consultoria, no exame da indagação formulada pelo Diretor-Presidente da SETERB.6
2. VOTO
De acordo com o que dos autos consta, VOTO em conformidade com os pareceres da Consultoria e do Ministério Público, no sentido de que o Tribunal adote a decisão que ora submeto a sua apreciação:
6.1. Conhecer da presente Consulta por preencher os requisitos e formalidades preconizados no Regimento Interno deste Tribunal.
Gabinete do Conselheiro, em 12 de dezembro de 2005.
WILSON ROGÉRIO WAN-DALL
Conselheiro Relator
2
Ibid., p. 123.
3
Ididem, p. 268. 4
Fls. 7 a 11 dos autos do Processo n. CON-05/04021370. 5
Fls. 12 a 13 dos autos do Processo n. CON-05/04021370. 6
Fls. 14 a 15 dos autos do Processo n. CON-05/04021370.
2.1 Autarquia é pessoa jurídica de direito público interno, criada por lei específica, para prestação de serviço público, tem administração de seus bens e rendas, age por direito próprio, tem autonomia administrativa, embora mantenha vinculação com o ente estatal que a criou.
2.2 A forma pela qual a Administração pública direta exerce o controle finalístico sobre autarquia pode ser alterado por lei específica.
2.3 A realização de procedimento licitatório é expressão da autonomia administrativa outorgada às autarquias. A avocação dessa competência por ato exclusivo do Chefe do Poder Executivo, caracteriza-se como controle hierárquico, incompatível com o caráter de vinculação entre a Administração pública direta e a autarquia.5
6.2. Responder à Consulta nos seguintes termos:
6.2.1. Autarquia é pessoa jurídica de direito público interno, criada por lei específica, para prestação de serviço público, tem administração de seus bens e rendas, age por direito próprio, tem autonomia administrativa, embora mantenha vinculação com o ente estatal que a criou;
6.2.2. A forma pela qual a Administração pública direta exerce o controle finalístico sobre autarquia pode ser alterado por lei específica;
6.2.3. A realização de procedimento licitatório é expressão da autonomia administrativa outorgada às autarquias. A avocação dessa competência por ato exclusivo do Chefe do Poder Executivo, caracteriza-se como controle hierárquico, incompatível com o caráter de vinculação entre a Administração pública direta e a autarquia.
6.3. Dar ciência desta Decisão, do Relatório e Voto do Relator que a fundamentam, bem como do Parecer COG n. 1000/05, ao Sr. Carlos Olímpio Menestrina, Diretor-Presidente do Serviço Autônomo Municipal de Trânsito e Transportes de Blumenau-SETERB.
6.4. Determinar o arquivamento dos autos.
1
AZEVEDO, Eurico de Andrade; ALEIXO, Délcio Balestero; BURLE FILHO, José Emmanuel. Direito Administrativo Brasileiro. 30ª ed. (até a 16ª escrita por Hely Lopes Meirelles - in memoriam). São Paulo: Malheiros, 2005, p. 344.