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ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO GABINETE DO CONSELHEIRO WILSON ROGÉRIO WAN-DALL |
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CON- 05/04022776 |
UNIDADE GESTORA: | Câmara Municipal de São Francisco do Sul |
Interessado: | Sr. Flávio Maciel de Souza |
Assunto: | Contratação de Serviços Advocatícios para Defesa de Prefeitos, Vereadores e Secretários Municipais |
Parecer n°: | GC/WRW/2005/847/ES |
1. RELATÓRIO
Tratam os autos n. 05/04022776 acerca de consulta, formulada pelo Ilmo. Sr. Flávio Maciel de Souza, Presidente da Câmara de Vereadores de São Francisco do Sul, apresentando os seguintes questionamentos:
1 - Os direitos conferidos aos Vereadores e aos Prefeitos pela Lei n. 360, de 10 de janeiro de 2005, de maneira geral, na ótica do Tribunal de Contas do Estado, seria compatível com a interpretação dessa Egrégia Corte de Contas?
2. Quais direitos previstos na mencionada lei seriam compatíveis com a interpretação do Tribunal de Contas do Estado?
3. É lícito a contratação e pagamento pelos cofres da fazenda municipal de advogado, fora dos quadros da administração municipal, livremente escolhido pelo Presidente ou ex-Presidente da Câmara de Vereadores, para defesa de seus próprios atos no exercício de sua gestão, com fundamento no parágrafo sexto do artigo 2º, da mencionada lei, inclusive perante essa Egrégia Corte de Contas? O parágrafo sexto e artigo 2º da mencionada lei, assim dispõe:
[...]
Art. 2º - A assistência jurídica será prestada por procuradores ou assessores jurídicos servidores da administração municipal ou por advogados contratados especificamente para promover defesas ou consultas que se fizerem necessárias, nos termos desta lei.
§ 6º - Ao Presidente da Câmara e ao Prefeito, em virtude dos altos postos que ocupam e dos interesses que cabem gerir, é sempre facultado, discricionariamente, para defesa de seus próprios atos, contratar advogados fora dos quadros da administração pública, atendendo-se o disposto nesta lei.1
Devidamente autuada, a consulta foi enviada à Consultoria Geral deste Tribunal, que, ao se manifestar através do Parecer n. COG-942/05, entendeu preenchidos os pressupostos de admissibilidade.
No mérito, a Consultoria firmou o seguinte posicionamento:
O consulente solicita parecer indagando sobre a validade de lei municipal concessiva de assistência jurídica integral e gratuita, judicial e extrajudicial, a ex-Prefeitos, a ex-Vereadores, a ex-Secretários Municipais, a ex-servidores, bem como, aos atuais Prefeito, Vereadores, Secretários Municipais e servidores, com ônus para a Administração pública municipal de São Francisco do Sul.
A Lei Municipal nº 306/05 sofre de vício de inconstitucionalidade formal, haja vista ser da competência concorrente da União, Estados e Distrito Federal legislarem sobre assistência jurídica (art. 24, XIII, CR/88).
Ademais, o interesse dos ex-agentes políticos, ex-servidores e seus atuais ocupantes pode ser contrário ao interesse do Poder público municipal.
Dependendo da causa, o Poder público poderá ingressar com a ação de responsabilidade civil, bem como, habilitar-se como legitimado ativo em outra ação, colocando-se ao lado do autor principal. Nessa posição o Poder Público tem interesse na procedência da ação.
No entanto, o Poder Público também poderá ocupar o lado passivo da demanda, ou seja, ser demandado. Nessa posição o Poder Público tem interesse na improcedência da ação.
O art. 12, II, da Lei nº 5.869/73, de 11/01/1973 - Código de Processo Civil, dispõe que o Município será representado em juízo, ativa e passivamente, por seu Prefeito ou procurador.
A pessoa jurídica do município é distinta da pessoa natural de quem o represente. Portanto, em uma mesma ação, tanto o município quanto seu Prefeito podem figurar como litisconsortes passivos.
A pessoa natural, ainda que exerça a chefia do Poder Executivo, e, portanto, nessa função, represente o ente público, pode ser demandada isoladamente, sem o ingresso do município no processo. Tal situação é possível quando o município não tem interesse na improcedência da ação, podendo ingressar posteriormente como litisconsorte ativo, se lhe interessar a procedência.
Cada uma das partes - autor ou réu, demandante ou demandado, processante ou processado etc - defende o interesse que lhe cabe defender.
Se determinada pessoa natural - ainda que seja o Prefeito Municipal - está sendo demandada em qualquer ação, não pode defender seus interesses servindo-se da estrutura de pessoa jurídica distinta, ou seja, do Município.
O mesmo se pode dizer de ex-Prefeitos, ex-Vereadores, ex-Secretários Municipais, ex-servidores, bem como, de atuais Prefeito, Vereadores, Secretários Municipais e servidores.
Cada um defende interesse próprio em juízo, salvo os que, por determinação legal, devam representar outrem.
A utilização da Procuradoria Municipal para a defesa da pessoa natural de qualquer dos agentes políticos ou servidores, anteriores ou atuais, não se legitima em face dos interesses contrapostos. Se em Ação Civil Pública, exempli gratia, o Prefeito e o município são demandados, ou somente o Prefeito, ou somente o Município, cada um deve defender seu interesse na demanda; cada qual poderá - a depender do objeto da demanda - pleitear a responsabilização do outro.
Este entendimento está de acordo com os Prejulgados 327 e 1109 deste Tribunal de Contas:
Prejulgado 0327
Origem: Associação dos Municípios do Médio Vale do Itajaí Relator: Auditor José Carlos Pacheco Data da Sessão: 09/09/1996
Em tese, não se considera ilegal a despesa efetivada às expensas do erário na contratação de advogado para defesa de atos da reputação do Prefeito Municipal, atos esses praticados no exercício da função pública, posto que se reconhece interesse público na realização dessas despesas.
São ilegais as despesas dessa natureza se os atos se relacionarem à pessoa física do cidadão, ou se, praticados os atos na condição de agente político, reverterem em indenização para a pessoa física. (grifou-se)
A característica dos processos administrativos ou judiciais é a decisão favorável ou desfavorável ao autor ou ao réu; ao processante ou ao processado. Nestas circunstâncias, não há que se falar em ressarcimento de despesas realizadas com a defesa de atos decorrentes da função pública. Ressalva-se o controle jurisdicional, ao qual se submetem a maioria dos atos e fatos produzidos na Administração.
A realização das despesas deve observar as normas de direito financeiro pertinentes às despesas públicas, inclusive contar com a autorização legislativa genérica ou específica, além de o valor despendido corresponder aos limites fixados na tabela de honorários da OAB, exemplificativamente.
Processo: CON-TC1495102/51
Art. 30. São impedidos de exercer a advocacia:
I - os servidores da administração direta, indireta e fundacional, contra a Fazenda Pública que os remunere ou à qual seja vinculada a entidade empregadora;
A supramencionada lei municipal ainda prevê nova hipótese de dispensa de licitação, contrariando o disposto no art. 22, XXVII da Constituição da República - CR, que dispõe acerca da competência privativa da União para legislar sobre normas gerais de licitação e contratação.
A Lei nº 8.666/93 apresenta um rol taxativo de hipóteses de licitação dispensável, e estão todas transcritas nos incisos do art. 24. Em nenhuma delas encontra-se a situação mencionada pelo consulente. O legislador estadual, distrital ou muncipal não pode inovar prevendo novas hipóteses de licitação dispensável, por ferir o disposto no art. 22, XXVII, CR.
Vale salientar manifestação contrária aos permissivos da supramencionada lei municipal, também por parte do Parecer ASSEJUR 039/05 ("não é ato de interesse público e sim de interesse pessoal" - fls. 06), ao qual se adere a fundamentação desse parecer.2
Ao final, a Consultoria respondeu à consulta formulada nos seguintes termos:
2. VOTO
De acordo com o que dos autos consta, VOTO em conformidade com os pareceres da Consultoria e do Ministério Público, no sentido de que o Tribunal adote a decisão que ora submeto a sua apreciação:
6.1. Conhecer da presente Consulta por preencher os requisitos e formalidades preconizados no Regimento Interno deste Tribunal.
Gabinete do Conselheiro, em 08 de dezembro de 2005.
2.1. É incabível a utilização de advogados, públicos ou particulares, com ônus para a Administração pública, pelos ex-Prefeitos, ex-Vereadores, ex-Secretários Municipais, ex-servidores, bem como, pelos atuais Prefeito, Vereadores, Secretários Municipais e servidores, para prestarem assistência jurídica, judicial ou extrajudicialmente, especialmente em casos que possam haver interesses contrapostos com os do Poder público, pois tal matéria é da competência concorrente da União, Estados e Distrito Federal (art. 24, XIII, CR/88).
2.2 Contraria o art. 22, XXVII da Constituição da República, município dispor sobre nova hipótese de dispensa de licitação.3
A Douta Procuradoria-Geral junto a este Tribunal, ao se manifestar nos autos, acompanhou na íntegra o entendimento da Consultoria.4
6.2. Responder à Consulta nos seguintes termos:
6.2.1. É incabível a utilização de advogados, públicos ou particulares, com ônus para a Administração pública, pelos ex-Prefeitos, ex-Vereadores, ex-Secretários Municipais, ex-servidores, bem como, pelos atuais Prefeito, Vereadores, Secretários Municipais e servidores, para prestarem assistência jurídica, judicial ou extrajudicialmente, especialmente em casos que possam haver interesses contrapostos com os do Poder público, pois tal matéria é da competência concorrente da União, Estados e Distrito Federal (art. 24, XIII, CR/88).
6.2.2. Contraria o art. 22, XXVII da Constituição da República, o Município dispor sobre nova hipótese de dispensa de licitação.
6.3. Dar ciência desta Decisão, do Relatório e Voto do Relator que a fundamentam, bem como do Parecer COG n. 942/05, ao Sr. Flávio Maciel de Souza, Presidente da Câmara de Vereadores de São Francisco do Sul.
6.4. Determinar o arquivamento dos autos.
WILSON ROGÉRIO WAN-DALL
Conselheiro Relator
2 Fls. 15 a 22 dos autos do Processo n. CON-05/04022776.
3 Fl. 23 dos autos do Processo n. CON-05/04022776.
4 Fl. 25 dos autos do Processo n. CON-05/04022776.