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ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SANTA CATARINA Conselheiro José Carlos Pacheco |
PROCESSO Nº | CON 05/04120271 | |
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PREFEITURA MUNICIPAL DE FLORIANÓPOLIS | |
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DÁRIO ELIAS BERGER | |
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CONSULTA - POSSIBILIDADE DE COBRANÇA DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO POR EMPRESA PRIVADA, SENDO REMUNERADA EM PERCENTUAL SOBRE OS VALORES DE DÍVIDAS COBRADOS |
RELATÓRIO
Tratam os autos de consulta formulada pelo Prefeito Municipal de Florianópolis, Sr. Dário Elias Berger, solicitando Parecer deste Tribunal de Contas, sendo o expediente encaminhado nos seguintes termos:
Senhor Presidente,
Cumprimentando-o cordialmente, e nos termos do art. 103 e seguintes do Regimento Interno do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (Res. TC-06/2001), formulamos, pela presente, CONSULTA em relação à dúvida interpretativa sobre o Enunciado nº 957, dessa Egrégia Corte de Contas, combinado com o art. 164, da Constituição Federal de 1988 e art. 43, da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Prende-se a Consulta, portanto, a obter junto a esse TCE/SC o esclarecimento se há possibilidade de o Município de Florianópolis, proceder, através do competente certame licitatório, a contratação de empresa especializada na prestação de serviços de cobrança administrativa, que não seja instituição bancária, oficial ou não, a qual será remunerada em percentual sobre os valores de dívidas efetivamente recuperados para o Tesouro Municipal.
No aguardo de sua manifestação, reitero protestos de elevada estima e consideração.
Atenciosamente.
A Consultoria Geral deste Tribunal, em análise ao mencionado expediente, elaborou o Parecer COG nº 1013/2005, de fls. 08 a 18, da lavra do Dr. Hamilton Hobus Hoemke, salientando, preliminarmente, que a parte é legítima para propor consulta; que a consulta veio instruída com parecer da consultoria jurídica do órgão consulente e que a indagação feita versa sobre matéria sujeita a exame e fiscalização desta Corte de Contas.
No mérito, a COG conclui que este Tribunal pode conhecer da consulta, respondendo ao Consulente, em suma, que a contratação de empresa para prestação de serviço de cobrança extrajudicial de crédito tributário contraria o art. 37, XXII, bem como o sigilo fiscal protegido pelo art. 5º, X e XII, ambos da CF/88 e pelo art. 198 da Lei nº 5.172/66 - Código Tributário Nacional, e que a forma de remuneração da empresa, consubstanciada em percentual sobre os valores de dívidas cobrados, pode violar o disposto no art. 167, IV da CF/88, se houver a vinculação da receita do imposto cobrado com a despesa decorrente da prestação de serviço.
Levados os autos à consideração do Ministério Público junto ao Tribunal, este entendeu por acompanhar a manifestação da Consultoria Geral (Parecer MPTC 0245/2006 - fls. 19 e 20).
VOTO
Ao compulsar os autos, este Relator compartilha do entendimento apresentado pela Consultoria Geral desta Casa (Parecer COG nº 1013/2005), ratificado pela Procuradoria Geral junto ao Tribunal de Contas (Parecer MPTC nº 0245/2005).
O crédito tributário decorrente do poder impositivo outorgado pela Carta Política, que se constitui na principal fonte regular de receita pública, é bem público indisponível, irrenunciável e imodificável pela vontade de seu titular, porque instrumento de realização da missão constitucional de promover o bem-estar da sociedade. Toda a atividade estatal, desde a instituição do tributo até a sua fiscalização, cobrança e aplicação do produto de sua arrecadação há de ser regida exclusivamente pelas normas jurídicas de direito público, sendo vedada a utilização de institutos ou procedimentos de direito privado.
Outrossim, o Código Tributário Nacional - CTN, em seu art. 198, sem prejuízo de sanções penais, veda a divulgação para qualquer fim, por parte da Fazenda Pública ou de seus funcionários, de qualquer informação obtida em razão de ofício, sobre a situação econômica e financeira dos contribuintes, bem como sobre a natureza e estado de seus negócios, no pressuposto de que somente os agentes públicos participam desse processo de retirada compulsória da parcela de riqueza dos particulares.
Contratar empresa para prestação de serviço de cobrança de crédito tributário no Município de Florianópolis, portanto, seria incorrer em inconstitucionalidade por implicar afronta ao art. 37, XXII, que prescreve que a administração tributária - atividade essencial ao funcionamento do Estado, deve ser exercida por servidores de carreira específicas e, ainda, ao art. 5º, X e XII, que trata do sigilo fiscal. De igual forma, essa contratação violaria, também, o disposto no art. 167, IV da Consituição Federal, posto que ao consubstanciar a remuneração da empresa em percentual sobre os valores de dívidas cobrados, haverá vinculação da receita do imposto cobrado com a despesa decorrente da prestação de serviço, situação vedada pela citado dispositivo legal, já pacificada em julgados do STF (ADI 2.848-MC, DJ 02/05/03; ADI 1689, DJ 02/05/03; ADI 1889-MC, DJ 14/11/02 e ADI 1848, DJ 25/10/02) e prejulgados deste Tribunal de Contas (Prejulgados 0801 e 1216).
Além disso, a contratação aqui tratada implicaria transformação do serviço público permanente, executado de forma global e uniforme, abarcando as atividades contínuas, em um "serviço público" temporário e descontínuo, sob a responsabilidade de um particular. Não bastasse isso, como decorrência da sujeição do serviço público essencial e permanente às vicissitudes das atividades desenvolvidas por profissionais da iniciativa privada, o Poder Público fica exposto a risco e a perda de eficiência, uma vez que a Administração não possuirá o poder de controle funcional e hierárquico da atividade de administração tributária.
De fato, se o Município já dispõe de órgão institucional permanente, todo custeado pelos cofres públicos, não teria sentido algum buscar fora da Administração os meios de realização dos créditos tributários, com dispêndio de mais recursos financeiros à custa da já sofrida sociedade, e muito provavelmente com menor probabilidade de êxito.
Julga-se oportuno ressaltar, também, alguns fundamentos apresentados pela Consultoria Geral, em seu parecer COG 1013/05 (fls. 08 a 18):
As garantias e os privilégios que o ordenamento jurídico concede ao crédito tributário visam facilitar a sua cobrança e recebimento, e estão disciplinados nos artigos 183 a 193 do Código Tributário Nacional. Portanto, se o crédito tributário já goza dessas garantias e privilégios, instituídos por lei, desarrazoada a invocação de métodos do Direito Privado para a cobrança, ainda que extrajudicial, pois não os tem.
Além disso, por mais que os métodos de cobrança privados sejam eficientes, ao Poder Público não cabe se comportar como empresa privada a título de incorporar facilidades dessa, desrespeitando princípios constitucionais explícitos e implícitos.
Por outro lado, o Código Tributário Nacional veda a divulgação de qualquer informação, obtida em razão do ofício da Fazenda Pública, sobre a situação econômica ou financeira dos sujeitos passivos ou de terceiros e sobre a natureza, e o estado dos seus negócios ou atividades (art. 198, CTN).
O princípio do sigilo fiscal possui, a princípio, três exceções:
(a) legislação criminal (art. 198 caput, CTN);
(b) requisição regular da autoridade judiciária no interesse da justiça (art. 198, parágrafo único, CTN); e
(c) assistência mútua entre as Fazendas Públicas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, com a finalidade de fiscalização dos tributos respectivos e permuta de informações, por meio de lei ou convênio (art. 199, CTN).
Com efeito, o fornecimento de documentos, informações, dados ou qualquer outro meio ou instrumento à particulares pode-se configurar, em tese, como quebra de sigilo fiscal, vedado pelo art. 198 do Código Tributário Nacional.
O sigilo fiscal encontra amparo constitucional no art. 5º, X (inviolabilidade da intimidade e da vida privada) e XII (inviolabilidade do sigilo de dados).
A cobrança judicial de créditos da Fazenda Pública por advogados é admitida, em caráter excepcional, para fins de fiscalização deste Tribunal de Contas, conforme prevêem os Prejulgados 902, 984 e 1579. No mesmo sentido, é o entendimento quanto a contratação de instituição bancária para receber os recursos oriundos do pagamento de tributos (Prejulgados 888 e 957).
Quanto à contratação de advogado, justifica-se a excepcionalidade pelo caso concreto, ademais, o exercício da advocacia é fiscalizado por autarquia federal: a Ordem dos Advogados do Brasil. Vale salientar que, em regra, a remuneração do advogado contratado se dá por honorários de sucumbência.
Quanto à contratação de instituição bancária, essa funciona como mera facilitadora do poder arrecadatório da Fazenda Pública. Os valores cobrados pelo Fisco são pagos em agências bancárias, que, ato contínuo, depositam em contas de titularidade do ente arrecadador. A remuneração pela prestação desse serviço é, em regra, o valor operacional de emissão do boleto de pagamento. Ademais, as instituições financeiras são fiscalizadas por autarquia federal de caráter especial: a Comissão de Valores Mobiliários - CVM.
A empresa de cobrança não é fiscalizada por outra instituição externa ao contrato e sem vínculos com as partes. A virtual prestação de serviço de cobrança de créditos tributários por empresa privada não é facilitadora da arrecadação como são as instituições bancárias. Pelo contrário, amplia o prazo de ajuizamento, facilita a prescrição, onera os custos da arrecadação caso a remuneração for em percentual do valor cobrado ou em valores que considerem o sucesso na cobrança, cria embaraços ilegais ao contribuinte ao se adotar métodos privados de cobrança de créditos tributários, quebra o sigilo fiscal, além de outras situações não pensadas no momento.
Assim, considerando que o consulente é parte legítima para subscrever consultas a este Tribunal - vide art. 103, II e art. 104, III, do Regimento Interno do Tribunal de Contas (Resolução TC nº 06/2001);
considerando que a matéria enfocada na peça indagativa versa sobre matéria sujeita a exame e fiscalização desta Corte de Contas, nos termos do inciso XII da Constituição Estadual, proponho ao egrégio Plenário o seguinte VOTO:
1 Conhecer da presente consulta, por prencher os requisitos de admissibilidade previstos no Regimento Interno desta Casa;
2 Responder ao Consulente o seguinte:
2.1 A administração tributária - atividade essencial ao funcionamento do Estado, exercida por servidores de carreiras específicas (art. 37, XXII da Constituição da República) - compreende a imposição, fiscalização e arrecadação tributárias.
3 Dar ciência ao consulente do inteiro teor desta Decisão, do Parecer e Voto que a fundamentam.
4 Determinar o arquivamento dos autos.
GCJCP, em 15 de fevereiro de 2006.
JOSÉ CARLOS PACHECO
Conselheiro Relator