ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
GABINETE DO CONSELHEIRO WILSON ROGÉRIO WAN-DALL

 

Processo nº:

REC-05/04181491

Unidade Gestora:

Companhia de Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina - CODESC

Responsável:

Sr. Edson Caporal

Assunto:

Recurso de Reconsideração (art. 77 da LC 202/2000) – TCE-03/08014944

Parecer nº:

GC/WRW/2008/567/ES

 

Ato irregular. Gestão anterior. Fiscalização.

Os atos irregulares praticados em exercícios anteriores à gestão em exame não servem para justificar as irregularidades que lhes sucedem.

 

As auditorias do Tribunal de Contas são realizadas pelo sistema de amostragem, não abrangendo a totalidade dos atos praticados pelos dirigentes da Unidade Gestora, motivo pelo qual algumas irregularidades não foram apontadas na fiscalização das gestões anteriores, mas nem por isso tais atos passam a ser regulares ou lícitos.

 

A auditoria interna ou o controle interno da Unidade Gestora deve ser eficaz na prevenção e correção de irregularidades, que atentem contra as normas legais ou regulamentares, bem como às decisões emanadas deste Tribunal.

 

Adicional por tempo de serviço. Acordo coletivo. 

O pagamento do adicional por tempo de serviço em percentual superior ao estabelecido em acordo coletivo é ilegítimo.

 

No caso de o anuênio vir a ser substituído pelo triênio, através de acordo coletivo, o mesmo período de tempo de serviço não pode servir para a concessão dos dois adicionais.

 

A folha de pagamento deve indicar de maneira clara o percentual de anuênio e de triênio incorporados à remuneração do empregado público, diferenciando, assim, os referidos adicionais.

 

Sociedade de economia mista. Acordo judicial.  

A efetivação de acordos judiciais com valores a menor que o devido, ainda a negociar, é impraticável, uma vez que só é admitida pelo Estado a celebração de acordo relativamente às condições de pagamento, à forma de pagamento do valor devido, com as correções legais, e não em relação aos valores, se a mais ou menos que o efetivamente devido (Prejulgado nº 580, texto parcial).

 

 

 

1.   RELATÓRIO

 

Cuidam os autos de recurso interposto pelo Sr. Edson Caporal, ex-Presidente Executivo da CODESC, em face do Acórdão n. 1.484/2005, proferido nos autos n. TCE-03/08014944.

 

O recurso foi examinado pela Consultoria-Geral, que, mediante o Parecer n. COG-591/08, propôs o seu conhecimento e, no mérito, o seu provimento parcial.[1]

 

Tal entendimento foi acompanhado pelo Ministério Público, em manifestação subscrita pelo seu Procurador-Geral, Dr. Márcio de Sousa Rosa.[2]

 

Autos conclusos ao Relator.

 

Este o sucinto relatório.

 

2.   DISCUSSÃO

 

Com efeito, o acórdão recorrido foi vazado nos seguintes moldes:

 

“[...] 6.1. Julgar irregulares, com imputação de débito, na forma do art. 18, III, "c", c/c o art. 21, caput, da Lei Complementar n. 202/2000, as contas pertinentes à presente Tomada de contas Especial, que trata da análise de irregularidades constatadas quando da auditoria ordinária realizada na Companhia de Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina - CODESC, com abrangência sobre atos de pessoal referentes ao exercício de 2002, e condenar o Responsável – Sr. Edson Caporal - ex-Presidente Executivo daquela entidade, ao pagamento das quantias abaixo relacionadas, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial do Estado para comprovar, perante este Tribunal, o recolhimento dos valores dos débitos aos cofres da CODESC, atualizados monetariamente e acrescidos dos juros legais (arts. 40 e 44 da Lei Complementar n. 202/2000), calculados a partir das datas de ocorrência dos fatos geradores dos débitos, ou interpor recurso na forma da lei, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial (art. 43, II, do mesmo diploma legal):

 

6.1.1. R$. 4.292,17 (quatro mil duzentos e noventa e dois reais e dezessete centavos), referente a despesas com pagamento indevido de horas extraordinárias aos ocupantes da função gratificada de Fiscal de Loteria, em descumprimento a Resolução CPF n. 015/2002 (item 2.1 do Relatório DCE);

 

6.1.2. R$ 59.647,50 (cinqüenta e nove mil quatrocentos e oitenta e dois reais e cinqüenta centavos), referente a despesas com pagamento de vale-refeição à Diretoria, aos estagiários e ao pessoal terceirizado, sem amparo legal, desrespeitando o princípio da legalidade insculpido no art. 37, caput, da Constituição Federal (item 2.2 do Relatório DCE);

 

6.1.3. R$ 17.397,15 (dezessete mil trezentos e noventa e sete reais e quinze centavos), referente a despesas com pagamento de percentual de anuênio acima de 36%, ou acima do percentual adquirido quando da fixação do limite, desrespeitando os Acordos Coletivos de Trabalho e o art. 2º da Resolução CPF n. 013/99, caracterizando dispêndios sem amparo legal, em descumprimento ao princípio da legalidade insculpido no art. 37, caput, da Constituição Federal (item 2.3 do Relatório DCE).

 

 6.2. Aplicar ao Sr. Edson Caporal - qualificado anteriormente, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 109, II, do Regimento Interno, as multas abaixo relacionadas, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial do Estado, para comprovar ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, ou interpor recurso na forma da lei, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos artigos 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000:

 

6.2.1. R$ 500,00 (quinhentos reais), em face da criação de 07 funções gratificadas de Fiscal de Loteria não destinadas às atribuições de direção, chefia ou assessoramento, em descumprimento ao art. 37, V, da Constituição Federal (item 2.4 do Relatório DCE);

 

6.2.2. R$ 500,00 (quinhentos reais), em face da realização de acordos com empregados para pagamento de ações trabalhistas sem norma legal autorizativa, configurando ato de liberalidade do administrador vedado pelo art. 154, § 2º, "a", da Lei 6.404/76 e descumprimento ao princípio da legalidade insculpido no art. 37, caput, da Constituição Federal (item 2.6 do Relatório DCE).

 

6.3. Determinar à Companhia de Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina - CODESC que suspenda o pagamento do adicional por tempo de serviço, além do percentual de 36%, em função do disposto nos Acordos Coletivos de Trabalho n. 1991/1992 e seguintes e na Resolução CPF n. 013/99 (item 2.3 do Relatório DCE).

 

6.4. Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam, bem como do Relatório de Auditoria DCE/Insp.4/Div.12 n. 54/2005, à Companhia do Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina - CODESC e ao Sr. Edson Caporal - ex-Presidente Executivo daquela entidade.”[3]

 

Passo ao exame das irregularidades ensejadoras de imputação de débito, em que a Consultoria-Geral não acolheu as razões recursais do Recorrente:

 

6.1.2. R$ 59.647,50 (cinqüenta e nove mil quatrocentos e oitenta e dois reais e cinqüenta centavos), referente a despesas com pagamento de vale-refeição à Diretoria, aos estagiários e ao pessoal terceirizado, sem amparo legal, desrespeitando o princípio da legalidade insculpido no art. 37, caput, da Constituição Federal (item 2.2 do Relatório DCE)

 

Em relação a esta irregularidade, o Recorrente assim se manifestou:

 

“[...] repete-se que o administrador teve como fulcro uma disposição expressa em norma federal, que ora se cita, novamente:

 

7 – O programa de alimentação pode alcançar, além dos empregados da empresa beneficiária, os trabalhadores avulsos a seu serviço, bem como os contratados por intermédio de empresa de trabalho temporário, cessionária de mão-de-obra ou subempreiteira.

7.1 – Da mesma forma, estende-se ao estagiário ou bolsista, previstos na Lei 6.494, de 07/12/77, os benefícios do programa.

 

Portanto, corretos estão os pagamentos, eis que há expressa previsão legal para sua concessão, conforme, aliás, consta na página oficial do Ministério do Trabalho e Emprego. Diga-se, por oportuno, que, para todos os efeitos, vale-alimentação não é remuneração, exatamente para não ser base de cálculo para eventuais tributos e estimular sua concessão. Não sendo remuneração, independe de autorização da Assembléia Geral de acionistas para sua concessão.

 

Por oportuno, convém ressaltar que também aplicável aqui a Teoria da Aparência: desde de 1995, pelo menos, diretores da Companhia recebem vales-alimentação, sem quaisquer oposições dessa Colenda Corte de Contas. Nem ao menos esse Tribunal determinou que sejam cessados os pagamentos, os quais continuam sendo feitos, demonstrando-se a boa-fé dos pagamentos realizados.”[4]

 

A Consultoria-Geral rechaçou a argumentação do Recorrente, da seguinte maneira:

“O item 6.1.2 imputou débito ao Recorrente em função das despesas com pagamento de vale-refeição à Diretoria, aos estagiários e ao pessoal terceirizado, sem amparo legal, desrespeitando o princípio da legalidade insculpido no art. 37, caput, da Constituição Federal.

 

O Recorrente sustenta a regularidade do vale-refeição com base em norma federal de seguinte teor:

 

7 - O programa de alimentação pode alcançar, além dos empregados da empresa beneficiária, os trabalhadores avulsos e seus serviços, bem como os contratados por intermédio de empresa de trabalho temporário, cessionário de mão-de-obra ou subempreiteira.

7.1 - Da mesma forma, estende-se ao estagiário ou bolsista, previstos na Lei 6.494, de 07/12/77, os benefícios do programa.

 

Alega que o pagamento de vale-refeição aos diretores dispensa a aprovação assemblear, pois não é considerado remuneração e, por fim, levanta a aplicação da Teoria da Aparência já que desde 1995 os diretores da Companhia vinham recebendo tais parcelas sem contestação desta Corte de Contas.

 

Preliminarmente, quanto à percepção irregular de valores, desde 1995, sem a impugnação deste Tribunal, não deve prosperar a tese recursal.

 

Os trabalhos de auditoria envolvem uma quantidade infinita de variáveis, implicando na possibilidade desse fato haver passado ao largo da análise pela Equipe de Auditoria, mormente quando se procede à coleta dos dados por amostragem.

 

Considerada a ausência de reprovação desta Casa, o fato não legitima a prática sob exame, face a natureza dos trabalhos de fiscalização e controle externo. Nessa senda, já tive a oportunidade de me manifestar no Parecer COG nº 446/08, autos do processo nº REC-05/00550204:

 

Atos irregulares. Sucessão.

Os atos irregulares praticados em exercícios anteriores à gestão sob exame não servem de justificativa para as irregularidades que lhes sucedem.

 

Sobre a existência de base legal para pagamento do vale-refeição, o Recorrente colaciona uma Ordem de Serviço do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS[5] estendendo os efeitos do Programa de Alimentação do Trabalhador - PAT aos terceirizados e estagiários.

O PAT, previsto na Lei nº 6.321/76, possibilita a dedução dos valores gastos com o Programa no imposto de renda, excluindo-o do salário de contribuição conforme prescreve seu art. 1º c/c art. 28, §9º, “c”, da Lei nº 8.212.91:

 

Lei nº 8.212/91.

Art. 28. Entende-se por salário-de-contribuição:...

§ 9º Não integram o salário-de-contribuição para os fins desta Lei, exclusivamente:...

c) a parcela "in natura" recebida de acordo com os programas de alimentação aprovados pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social, nos termos da Lei n 6.321, de 14 de abril de 1976;...

 

Lei nº 6.321/76.

Art 1º As pessoas jurídicas poderão deduzir, do lucro tributável para fins do imposto sobre a renda o dobro das despesas comprovadamente realizadas no período base, em programas de alimentação do trabalhador, previamente aprovados pelo Ministério do Trabalho na forma em que dispuser o Regulamento desta Lei.

 

Diante das controvérsias que surgiram em torno da natureza do benefício pago em razão da Lei nº 6.321/76, o Tribunal Superior do Trabalho editou a Orientação Jurisprudencial nº 133, conferindo à verba o caráter indenizatório, excluindo-a do salário pago ao trabalhador:

 

Orientação Jurisprudencial nº 133 (SBDI-1)

AJUDA ALIMENTAÇÃO. PAT. LEI Nº 6.321/76. NÃO INTEGRAÇÃO AO SALÁRIO. Inserida em 27.11.98.

A ajuda alimentação fornecida por empresa participante do programa de alimentação ao trabalhador, instituído pela Lei nº 6.321/76, não tem caráter salarial. Portanto, não integra o salário para nenhum efeito legal.

 

Nada obstante a orientação do TST, o Recorrente não juntou documentos comprovando sua participação no referido Programa.

 

Compulsando os autos do processo principal, constata-se a observação da Equipe de Auditoria informando que a extensão do benefício aos diretores, terceirizados e estagiários advém de decisão da Diretoria.

 

A concessão do Vale-Refeição está amparado na Cláusula 13 do Acordo Coletivo de Trabalho 2002/2003, com vigência até 30/04/2003, onde a CODESC garante o vale a todos os seus servidores.

 

Contudo, Através da Ata da Reunião da Diretoria, realizada em 03 de julho de 2002, foi proposto e aprovado a concessão do Vale Alimentação a todos os servidores da CODESC, incluindo empregados, diretores, prestadores de serviços de limpeza e vigilância e estagiários.[6]

 

Ausente a prova de inscrição no PAT, o pagamento de vale-refeição assume uma feição remuneratória, consoante o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho:

 

RECURSO DE REVISTA. VALE-REFEIÇÃO. NATUREZA SALARIAL. INTEGRAÇÃO À REMUNERAÇÃO DO EMPREGADO. SÚMULA N.º 241 DO TST.

A questão relativa à natureza salarial do vale-refeição percebido por empregado de empresa que não demonstre a sua filiação ao PAT, como no caso dos autos, resta pacificada no âmbito dessa Corte, por meio da Súmula n.º 241, que entende que o vale-refeição possui natureza salarial e integra a remuneração do empregado para todos os efeitos legais. Tendo a Corte de origem afastado a natureza salarial do vale-refeição, deve se reformada a sua decisão, de modo a adequá-la à jurisprudência dessa Corte. Recurso de Revista conhecido em parte e provido.[7]

 

Súmula nº 241

SALÁRIO-UTILIDADE. ALIMENTAÇÃO (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003
O vale para refeição, fornecido por força do contrato de trabalho, tem caráter salarial, integrando a remuneração do empregado, para todos os efeitos legais.

 

De outro norte, a questão relativa à natureza do vale-refeição, como parcela integrante da remuneração, não altera o entendimento conferido à matéria quando se trata de pagamento aos diretores.

 

Os diretores da Companhia exercem mandato, por isso, não estão vinculados à empresa por uma relação jurídica celetista[8]. No caso, o pagamento de qualquer benefício aos diretores deveria se subsumir à exigência do art. 152 da Lei nº 6.404/76 c/c o art. 11, VIII, do Estatuto Social da Companhia.

 

Lei nº 6.404/76.

Art. 152. A assembléia-geral fixará o montante global ou individual da remuneração dos administradores, inclusive benefícios de qualquer natureza e verbas de representação, tendo em conta suas responsabilidades, o tempo dedicado às suas funções, sua competência e reputação profissional e o valor dos seus serviços no mercado

 

Estatuto Social.

Art. 11 - Compete privativamente à Assembléia Geral:...

VIII - fixar a remuneração, global ou individual, dos membros do Conselho de Administração e do Conselho Fiscal, da Diretoria Executiva da Companhia, observadas as prescrições legais; (grifei)

 

Com relação à extensão do benefício aos terceirizados e estagiários, acolho a manifestação da Equipe Técnica como razões deste Parecer.

 

Em relação aos estagiários, a Companhia possui Termo de Compromisso de Estágio com os estudantes, concedendo aos mesmos uma bolsa de auxílio e em relação ao pessoal terceirizado a Companhia assinou contratos de prestação de serviços nºs. 014/99, 015/99 e 005/00, com valor global, ou seja, a concessão de Vale Alimentação aos estagiários e ao pessoal terceirizado, já possui os valores estipulados nos Contratos específicos, sendo que, o que for concedido além do contratado é considerado irregular, sem amparo legal.

 

No caso da contratação de empresa para terceirização de empregados, que é realizada através de processo licitatório, por ser a CODESC integrante da Administração Pública, o contrato é o documento que rege os envolvidos e é nele que consta os valores e vantagens que devem ser cumpridos e concedidos. Portanto, a concessão de vale alimentação, deveria ser por parte da empresa terceirizada e não da Companhia, pois os empregados que prestam serviços à CODESC são contratados pela empresa terceirizada e é esta quem deve fornecer toda e qualquer vantagens ou benefícios.[9]

 

Ante o exposto, permanece o débito aplicado no item 6.1.2.”[10]

 

A manifestação da Consultoria não merece acréscimos, de modo que a acolho para manter o débito imputado ao Recorrente.

 

6.1.3. R$ 17.397,15 (dezessete mil trezentos e noventa e sete reais e quinze centavos), referente a despesas com pagamento de percentual de anuênio acima de 36%, ou acima do percentual adquirido quando da fixação do limite, desrespeitando os Acordos Coletivos de Trabalho e o art. 2º da Resolução CPF n. 013/99, caracterizando dispêndios sem amparo legal, em descumprimento ao princípio da legalidade insculpido no art. 37, caput, da Constituição Federal (item 2.3 do Relatório DCE)

 

Aduziu o Recorrente que:

 

“Antes de qualquer argumentação é necessário esclarecer os critérios de concessão dos adicionais por tempo de serviço. De início, a CODESC concedia anuênios, em percentual equivalente por ano de serviço. Tais anuênios ficaram incorporados às remunerações dos servidores, que os recebem até hoje. Diversas fontes fundamentam a concessão, desde o Regulamento de Pessoal até tempo de serviço laborado em órgãos de origem (Secretarias etc) antes de ser contratado na CODESC [...]

Posterior à concessão dos citados anuênios, foi criada a figura do triênio, esta sim limitada a 36%. Os triênios foram concedidos a partir de normas coletivas de trabalho, citadas no Relatório de Instrução, e cuja concessão foi suprimida por determinação do CPF em 2001.

Portanto, há dois tipos de adicionais de tempo de serviço que foram incorporados à remuneração dos servidores: triênios ou anuênios. Por razões operacionais, constam ambos numa mesma rubrica, já que o sistema computadorizado da folha não aceita cálculos separados.

A soma dos triênios e anuênios concedidos pode, eventualmente, suplantar o percentual de 36%. Deve-se entender, entretanto, que se trata de duas modalidades diferentes de um mesmo benefício, dos quais apenas o triênio tem a limitação em percentual.

Ademais, a supressão dos anuênios feriria o direito adquirido daqueles que agregaram à sua remuneração o respectivo adicional. Reitera-se que não foram mais concedidos os adicionais por tempo de serviço a partir da decisão do CPF, respeitando-se apenas o direito adquirido, como, aliás, o próprio órgão determinou.

Não há nada de irregular nos pagamentos, estando sendo cumprido o dispositivo constitucional que determina a manutenção do direito adquirido. Ademais, até a expressa disposição do CPF, foi cumprido o que dispunha o Regulamento de Pessoal da empresa, citado:

Art. 44 – O adicional por tempo de serviço corresponde a 1% (um por cento) do salário base do empregado, por ano de efetivo exercício,  com arredondamento para casa de 1 (um) cruzeiro.

Observe-se que este regulamento é de 1979, e, até a determinação do CPF em 1999, jamais foi revogado. Ademais, denota-se que o pagamento de que fala o Regulamento é anuênio, não o triênio concedido pelo ACT.

Não poderia a empresa descumprir o seu regulamento, eis que os benefícios constantes deste integram o contrato de trabalho. O Tribunal Superior do Trabalho, depois de reiteradamente decidir sobre a questão, a sumulou nos seguintes termos:

Súmula 51 – As cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente, só atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do regulamento.

O quadro abaixo, verifica-se que após 1991, não foi pago mais triênio a qualquer dos empregados nominados. Há, isto sim, pagamento de anuênios (1%) e não triênio (3%), de conformidade com as cláusulas regulamentares.

[...]

O quadro acima: desde 1991 não são concedidos mais triênios e sim anuênios, que são institutos diferentes, sendo que sobre o segundo não incide limitações, já que dele não fala o indigitado Acordo Coletivo de Trabalho.

Portanto, não existe concessão de triênios acima do limite estabelecido pelo citado Acordo Coletivo, razoa porque não deve perdurar a sanção estabelecida por esse Egrégio Tribunal.

[...]

O segundo ponto que emerge bastante forte para derrubar as razões expostas na decisão atacada. Trata-se da existência do fato consolidado.

O ora Recorrente assumiu o cargo no ano de 2000. Naquela época, já se pagavam os percentuais a título de adicional por tempo de serviço, conforme demonstrado no quadro acima. Como jamais houve quaisquer oposições do Tribunal de Contas do Estado sobre a questão, que estava consolidada, entendia-se, como ainda se entende, que não havia razões de direito para alterar os pagamentos efetuados.

O que se quer reiterar é que havia uma situação consolidada por cerca de 10 anos, sem oposições do órgão fiscalizador, e cujos pagamentos estavam devidamente fundados em regulamentos próprios. Ou seja, não foi o Recorrente quem criou os supostos pagamentos irregulares [...].

Por esta segunda razão, se efetivamente forem considerados irregulares os pagamentos, do que se discorda, sob hipótese nenhuma pode ser imputado ao Recorrente, já que não foi ele quem criou a situação supostamente tida como irregular. Ademais, nenhuma manifestação contrária aos pagamentos havia à época de suas efetivações, o que faz supor a sua perfeita regularidade.”[11]

A Consultoria-Geral afastou os argumentos do Recorrente da seguinte forma:

“[...] No que tange à ausência de anterior apontamento pelo Tribunal de Contas sobre as irregularidades constatadas e as características dos trabalhos de auditoria já houve manifestação no item III.II deste Parecer.

 

Sobre a existência de duas espécies de adicionais, melhor sorte não assiste ao Recorrente, porque o triênio foi criado pelo Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) 1987/1988 em substituição ao anuênio, inclusive permitindo o cômputo do tempo de serviço até então registrado.

 

Fica instituído o triênio, em substituição ao anuênio atualmente pago, no percentual de 6% (seis por cento), a cada 3 (três) anos completos de serviço, calculado sobre a remuneração do funcionário e pagos mensalmente, computável o tempo de serviço registrado até esta data na ficha funcional, vedadas novas averbações, excetuados ainda, os casos em que já houve incorporação ao salário.[12] (grifei)

 

Portanto, não se trata de duas realidades distintas, mas de benefícios pagos com base no mesmo fato gerador, cujo cômputo do tempo de serviço objetiva evitar que o mesmo período seja utilizado como fundamento para duplicidade de pagamento.

 

Por oportuno, cita-se uma passagem do relatório da Equipe de Auditoria, onde foi constatado o limite de 36% para pagamento do adicional por tempo de serviço

 

Ao analisar os Acordos Coletivos de Trabalho da CODESC, verificou-se que, a partir do ACT 1991/1992 até o ACT 1997/1998 a concessão do triênio ficou limitado a 36% (trinta e seis por cento) da remuneração e a partir de 1992/1993, somente ficou mantida a concessão do triênio aos empregados admitidos até 30/04/1992.

 

Nos Acordos Coletivos de Trabalho, a partir de 1999, nada constam sobre o item triênio, pois de acordo com a Resolução CPF nº 013/99, Art. 2º, não é mais permitido a concessão de tal vantagem:

 

Art. 2º - Respeitando o direito adquirido, daqueles servidores que já tiveram os percentuais consignados na folha de pagamento, não mais serão concedidas quaisquer vantagens financeiras por tempo de serviço (anuênios, triênios, ou quinquênios), aos servidores dos órgãos e entidades regulados por este Conselho. (grifei)

 

A CODESC, na qualidade de sociedade de economia mista, pertence à Administração Pública Indireta, estando vinculada ao princípio da legalidade[13] e não poderia dispor de benefícios salariais ao arrepio da limitação expressa nos acordos coletivos.

Por isso, conclui-se pela ilegitimidade do pagamento do adicional por tempo de serviço em percentual superior ao estabelecido nos acordos coletivos.”

 

Assinalo para verificar comprovar a argumentação do Recorrente, a folha de pagamento deve indicar de modo claro o percentual de anuênios e triênios concedidos e incorporados à remuneração do empregado público, evitando-se, assim, a inserção de tais adicionais em uma única rubrica (anuênio).

Compulsando os autos principais, percebo que os dados referentes à folha de pagamento dos servidores mencionados às fls. 42 a 44 não permitem verificar os anuênios e triênios incorporados à remuneração, posto que o adicional por tempo de serviço apresenta-se unicamente sob a forma de anuênio.

Pelo exposto, as considerações do Corpo Técnico deste Tribunal às fls. 114/116 dos autos principais, bem como a análise procedida pela Consultoria, em relação à irregularidade em comento, convenceram-me da manutenção do débito imputado ao gestor público.

Irregularidades que deram azo à aplicação de multa:

6.2.1. R$ 500,00 (quinhentos reais), em face da criação de 07 funções gratificadas de Fiscal de Loteria não destinadas às atribuições de direção, chefia ou assessoramento, em descumprimento ao art. 37, V, da Constituição Federal (item 2.4 do Relatório DCE)

 

Conforme o Recorrente:

 

“As funções gratificadas criadas são apenas um plus que se adiciona ao exercício de uma determinada função. Não é criação de cargos, nem se confunde com o disciplinado no art. 37, V, da Constituição. É uma simples gratificação: não é cargo. Por este motivo, deve ser corrigida a interpretação, eliminando-se a multa aplicada.”[14]

 

O órgão consultivo posicionou-se pela manutenção da multa, fazendo uso dos seguintes argumentos:

 

“O item 6.2.1 aplicou multa ao Recorrente em face da criação de 07 funções gratificadas de Fiscal de Loteria não destinadas às atribuições de direção, chefia ou assessoramento, em descumprimento ao art. 37, V, da Constituição Federal.

 

O Recorrente argumenta que não houve lesão ao texto constitucional pois ocorreu simples criação de gratificação, não de cargo.

 

O dispositivo constitucional em questão determina que as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento.

 

Na hipótese dos autos, trata-se claramente da criação de uma função de confiança consoante dispõe o art. 3º da Resolução CPF nº 015/2002:

 

Art. 3º - A Função Gratificada de Fiscal de Loterias é aquela de livre nomeação da Diretoria, de acordo com o que prescrevem as normas internas da empresa, demissível ad nutum.[15] (grifei)

 

A Resolução em comento não trata, especificamente, das atribuições do Fiscal de Loterias. Entretanto, não se vislumbra no exercício da função fiscalizatória a prática de atribuições de direção, chefia e assessoramento.

 

Dessa forma, mantém-se a multa aplicada no item 6.2.1.”[16]

 

Acolho os motivos expostos pelo órgão consultivo para manter a multa.

 

6.2.2. R$ 500,00 (quinhentos reais), em face da realização de acordos com empregados para pagamento de ações trabalhistas sem norma legal autorizativa, configurando ato de liberalidade do administrador vedado pelo art. 154, § 2º, "a", da Lei 6.404/76 e descumprimento ao princípio da legalidade insculpido no art. 37, caput, da Constituição Federal (item 2.6 do Relatório DCE)

 

De acordo com o Recorrente:

 

“[...] casos há em que o administrador tem que agir com diligência para evitar a dilapidação do erário público, como aconteceu no presente caso. A generalização da vedação a qualquer acordo judicial, sem maiores justificativas, pode, efetivamente, trazer inúmeros prejuízos às finanças e à sociedade em geral.

De qualquer forma, deve ser elidida a multa, visto a completa inexistência de prejuízos ao patrimônio público, aí incluído o princípio da moralidade.

Este entendimento tem sido adotado pelo Tribunal de Contas da União. A jurisprudência do TCU é de que, quando não configurado o dolo ou a má-fé, vem considerado as irregularidades de natureza formal sanáveis mediante determinação e acompanhamento.”[17]

A Consultoria rebateu os argumentos do Recorrente da seguinte maneira:

“O Recorrente alega que os acordos realizados no âmbito da Justiça Trabalhista resultaram em economia para os cofres da Companhia.

 

Preliminarmente, deve-se observar que a CODESC, como órgão da Administração Pública Indireta, está vinculada ao princípio da legalidade[18] e não poderia dispor de parcelas indenizatórias sem previsão legal.

 

Ao contrário dos particulares, que podem fazer tudo que a lei não proíbe, a Administração Pública só pode fazer aquilo que a lei determina, e nos limites estabelecidos pela norma[19]. Nesse sentido, é a doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello:

 

Ao contrário dos particulares, os quais podem fazer tudo o que a lei não proíbe, a Administração só pode fazer o que a lei antecipadamente autorize. Donde, administrar é prover aos interesses públicos, assim caracterizados em lei, fazendo-o na conformidade dos meios e formas nela estabelecidos ou particularizados segundo suas disposições. Segue-se que a atividade administrativa consiste na produção de decisões e comportamentos que, na formação escalonada do Direito, agregam níveis maiores de concreção ao que já se contém abstratamente nas leis.[20]

 

Conclui o administrativista:

 

Assim, o princípio da legalidade é o da completa submissão da Administração às leis. Esta deve tão-somente obedecê-las, cumpri-las, pô-las em prática. Daí que a atividade de todos os seus agentes, desde o que lhe ocupa a cúspide, isto é, o Presidente da República, até o mais modesto dos servidores, só pode ser a de dóceis, reverentes, obsequiosos cumpridores das disposições gerais fixadas pelo Poder Legislativo, pois esta é a posição que lhes compete no Direito brasileiro.[21]

 

Na esfera desta Corte de Contas, a matéria relativa à realização de acordos judiciais por entidades da Administração Pública Indireta já foi objeto de análise em processo de Consulta, dando origem ao Prejulgado nº 580:

 

Prejulgado nº 580

Os agentes do Estado, integrantes da administração direta e indireta, somente poderão praticar atos para os quais estejam autorizados por norma legal válida. O poder de transigir ou de renunciar não se configura se a lei não o prevê. O acordo extrajudicial, portanto, é possível, desde que existente norma legal autorizativa.

[...]

A efetivação de acordos com valores a menor que o devido, ainda a negociar, é impraticável, uma vez que só é admitida pelo Estado a celebração de acordo judicial relativamente às condições de pagamento, à forma de pagamento do valor devido, com as correções legais, e não em termos de valores, se a mais ou menos que o efetivamente devido.[22]

 

Por isso, conclui-se pelo não provimento das razões colacionadas no tópico recursal.”[23]

 

Com base nas considerações da Consultoria-Geral, posiciono-me pela manutenção da multa aplicada no item em exame.

 

3.    PROPOSTA DE DECISÃO

 

CONSIDERANDO o que mais dos autos consta, em conformidade com os pareceres da Consultoria-Geral e do Ministério Público, submeto à apreciação deste Tribunal a seguinte proposta de decisão:

 

 

6.1. Conhecer do Recurso de Reconsideração, nos termos do art. 77 da Lei Complementar n. 202/2000, interposto contra o Acórdão n. 1.484/2005 exarado na Sessão Ordinária de 27/07/2005, nos autos do Processo n. TCE-03/08014944 e, no mérito, dar-lhe provimento parcial para:

 

6.1.1. cancelar o débito constante do item 6.1.1 da decisão recorrida;

 

6.1.2. manter os demais termos da decisão recorrida.

 

6.2. Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator, que o fundamentam, bem como do Parecer n. COG-591/08 ao Sr. Edson Caporal – ex-Presidente da Companhia de Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina – CODESC.

                                          

                  

Gabinete do Conselheiro, em 06 de outubro de 2008.

 
 
 
                                          WILSON ROGÉRIO  WAN-DALL

                                              Conselheiro Relator

 



[1] Fls. 15/31 dos autos n. REC-05/04181491.

[2] Fl. 32 dos autos n. REC-05/04181491.

[3] Fls. 137/138 dos autos n. TCE-03/08014944.

[4] Fls. 12/13 dos autos n. REC-05/04181491.

[5]A norma citada em sede recursal é a mesma referida nas fls. 74 da TCE.

[6]Fl. 39 dos autos n. TCE-03/08014944..

[7]BRASIL, Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista nº 815053/2001.1. Data de Julgamento: 09/04/2008. Rel. Min. Maria de Assis Calsing. 4ª Turma. Data de Publicação: DJ 25/04/2008.

[8]Salvo na hipótese em que o diretor já era empregado da empresa. Nesse caso, seu contrato de trabalho permanecerá suspenso enquanto estiver no cargo de direção.

[9]Fls. 110 e 111 dos autos n. TCE-03/08014944..

[10] Fls. 23/27 dos autos  n. REC-05/0481491.

[11] Fls. 06/09 dos autos n. REC-05/04181491.

[12]Fl. 114 dos autos n. TCE-03/08014944 (ACT 1987/1988).

[13]Constituição da República, Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

[14] Fl. 13 dos autos n. REC-05/04181491.

[15]Fl. 26 dos autos n. TCE03/08014944.

[16]  Fls. 28/29 dos autos n. REC-05/04181491.

[17] Fls. 13/14 dos autos n. REC-05/04181491.

[18]Constituição da República, Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

[19]Idem, Art. 5.º, II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

[20]MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 19.ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2005. P. 93.

[21]Idem. p. 90.

[22]Processo: CON-TC0222200/83 Parecer: COG- 411/98 Origem: Santa Catarina Turismo S/A Relator: Auditor Evângelo Spyros Diamantaras Data da Sessão: 26/08/1998.

[23] Fls. 29/31 dos autos n. REC-05/04181491.