ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO

 

PROCESSO:                REC 05/04249479

UG/CLIENTE:               Assembléia Legislativo do Estado de Santa Catarina

INTERESSADO:           César Luiz Belloni Faria

ASSUNTO:                   Recurso de Reconsideração no Processo nº APC nº 03/06371120

 

 

 

Recurso de Reconsideração. Subvenção Social. Poder Legislativo. Ilegitimidade. Manter Recomendação.

 

De acordo com o Prejulgado TCE/SC nº 1139 - “(...)  O Poder Legislativo não deve custear gastos concernentes a subvenções sociais por faltar-lhe competência para empreender atos de execução, de acordo com o princípio da tripartição das funções estatais insculpido no art. 2º da Constituição Federal de 1988.”

 

 

 

I - RELATÓRIO

Tratam os autos de Recurso de Reconsideração interposto pelo Sr. Cesar Luiz Belloni Faria – Procurador de Finanças da Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina, em face da recomendação constante do item 6.2.1 da decisão nº 1.802/2005 proferida pelo Tribunal Pleno na sessão do dia 05 de setembro de 2005, nos autos do processo de auditoria de prestação de contas de recurso antecipados APC – 03/06371120.

Eis o teor da decisão combatida:

“(...)

6.1. Julgar regulares com ressalva, com fundamento no art. 18, II, c/c o art. 20 da Lei Complementar n. 202/2000, as contas de recursos antecipados referentes às 1863 (hum mil oitocentos e sessenta e três) notas de empenho relacionadas nas fs. 83 a 138 do presente processo e dar quitação aos Responsáveis, de acordo com os pareceres emitidos nos autos.

 

6.2. Recomendar à Assembléia Legislativa do Estado a adoção de providências visando à correção das restrições abaixo especificadas e à prevenção da ocorrência de outras semelhantes:

 

6.2.1. liberação de recursos a título de subvenções sociais pelo Poder Legislativo, contrariando o art. 2º da Constituição Federal, c/c os arts. 32, 39 e 40 da Constituição Estadual, e o art. 6º da Lei n. 5.867/81, por constituir-se tal liberação função do Poder Executivo (itens 3.1.1, 3.1.2 e 3.1.3 do Relatório DCE);

(...).” (grifamos)

 

Autuado, o processo foi encaminhado à Consultoria Geral que, através do Parecer COG-525/06 (fls. 15-28), manifestou-se pelo conhecimento do recurso e, no mérito, negar-lhe provimento ratificando, na integra, a decisão recorrida.

O Ministério Público, por meio do Parecer nº 0771/2008 (fls. 29), acompanhou a Corpo Instrutivo.

Vieram os autos conclusos.

É o breve relatório.

II - DISCUSSÃO

Trata-se de recurso de reconsideração proposto com fundamento no artigo 77 da Lei Complementar nº 202/2000 em face da recomendação sobre a liberação de recursos a título de subvenções sociais pelo Poder Legislativo. De acordo com a recomendação desta Corte, a unidade fiscalizada deveria adotar providências para a correção desta restrição porque a concessão de subvenções sociais seria função do Poder Executivo e não do Legislativo.

O apelo foi protocolizado dentro trintídio legal, está firmado por pessoa legitimada a fazê-lo e, muito embora não nominado pelo Recorrente, é o meio adequado para impugnar a decisão, motivos pelos quais merece ser conhecido.

No mérito, o recorrente alegou que nos termos do artigo 38 da Carta Magna Estadual foi assegurada autonomia administrativa e financeira à Casa Legislativa com a prescrição de elaborar sua proposta orçamentária dentro dos limites da lei de diretrizes orçamentária; que o plano plurianual do Estado (Lei 12.871/2004), na parte da Assembléia, prevê valores destinados à subvenção social, fato que se repete nas leis orçamentárias anuais; que a Lei 13.334/2005 que criou o Fundo Social destina 3,6% de participação à Assembléia e que esta parcela de arrecadação estaria totalmente destinada à subvenção social para o exercício de 2006; que a subvenção social seria uma função subsidiária do Poder Legislativo e que relevantes trabalhos sociais são desenvolvidos em parceria com a ALESC.

Em que pese a laboriosa peça produzida pelo Recorrente, não há como prevalecer os seus argumentos. Este Tribunal de Contas, em diversas oportunidades, vem consolidando sua orientação no sentido de que falece competência ao Poder Legislativo para conceder subvenções sociais.

O Prejulgado nº 1.139 resume bem a questão:

“1. No desempenho de suas atribuições constitucionais, a Câmara Municipal deve restringir suas funções às de normatização, fiscalização, controle e assessoramento ao Poder Executivo e à organização de seus serviços.
2. O Poder Legislativo não deve custear gastos concernentes a subvenções sociais por faltar-lhe competência para empreender atos de execução, de acordo com o princípio da tripartição das funções estatais insculpido no art. 2º da Constituição Federal de 1988.”
(Processo nº CON-01/02054207; Parecer nº COG-63/02; Decisão nº 617/2002; Origem: Câmara Municipal de Rio do Campo; Relator: Auditor José Carlos Pacheco; Data da Sessão: 15/04/2002; Data do Diário Oficial: 07/06/2002) (grifamos)

Extraí-se do parecer Parecer COG nº 63/02 que originou o referido prejulgado, as seguintes lições doutrinárias que podem ser aplicadas ao caso em análise:

‘A teoria da separação dos poderes diz que, qualquer que seja a atividade estatal, esta deverá ser sempre precedida por normas do último tipo citado, isto é, normas abstratas e gerais, denominadas leis. Os atos concretos, ainda segundo a teoria ora exposta, só serão legítimos na medida em que forem praticados com fundamento nas normas gerais. (...). Eis aí a função legislativa e a executiva.’[1]

 

A teoria da tripartição das funções estatais defende que o órgão que legisla não deve ser o mesmo que executa, assim como, não pode ser o responsável em dirimir as controvérsias geradas pela aplicação das leis. A tripartição não deve ficar somente no plano teórico, deve compor-se da estrutura orgânica do Estado.

Assim é que, cabe ao Poder Legislativo, em sua função típica, legislar e fiscalizar. Contudo, em razão da complexidade das relações sociais, este Poder também exerce funções atípicas, ou seja, de competência de outros Poderes como por exemplo, administrar o seu pessoal e patrimônio e fiscalizar os atos do Poder Executivo, bem como, julgar determinados agentes públicos por crimes de responsabilidade. No entanto, as funções atípicas do Legislativo ficam contidas no âmbito do próprio Poder.

Por outro lado, ao Poder Executivo cabe governar, e neste comando está inserido, além da função administrativa, também a de adotar medidas no sentido de dirimir questões econômicas, políticas e sociais que afetam o país e a comunidade local conforme o caso. Diante desta realidade, este é o Poder que mais funções atípicas exerce, demonstrando desvio em relação a teoria da tripartição das funções estatais.

Esta teoria faz parte do ordenamento jurídico brasileiro desde a Constituição de 1824, estando atualmente disciplinada pelo art. 2º da CF/88, in verbis:

 

“Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”

 

Mesmo diante da complexidade das relações sociais, o que em certa medida poderia justificar o exercício de funções atípicas aos Poderes estatais, é inadmissível o exercício de funções típicas de um Poder pelo outro, sem que isto represente uma afronta aos princípios procedentes da Constituição.

José Afonso da Silva[2] afirma que o princípio da divisão de poderes é um princípio geral do Direito Constitucional. De fato, as atribuições de cada poder são bem marcadas na sistemática nacional da divisão de funções estatais, a qual conta com mecanismos de proteção para inibir a ingerência de um órgão em atividade própria de outro.

 

No caso da concessão de subvenções sociais, estaria o Poder Legislativo exercendo uma administração paralela à função estatal do Poder Executivo, inadmissível, mesmo diante de suas múltiplas funções.

Ao Legislativo, a par de sua função primeira, que é a de editar leis de caráter abstrato e genérico, e da função fiscalizadora, cabe a função de assessoramento ao Executivo. Tal assessoramento, no entanto, não implica em atividade paralela ou suplementar à administração; trata-se sim, de indicações aprovadas em plenário, mera sugestão para a prática administrativa, cuja conveniência e oportunidade de concretização ficam a critério exclusivo do Chefe do Executivo, o qual por sua vez, atendendo as normas de cortesia, analisará a proposição, e em reconhecendo a sua relevância e verificando a possibilidade da ação sugerida, encetará os trâmites necessários para o acatamento da indicação do Legislativo.

Os artigos 48 e 49 da Constituição Federal, bem como, os artigos 11 e 12 da Lei Orgânica do Município de Rio do Campo não relacionam dentre as competências do Poder Legislativo a concessão de subvenções sociais.

As subvenções sociais classificam-se como Transferências Correntes (art. 12, § 2º, Lei 4.320/64) e se destinam a instituições públicas e privadas de caráter assistencial ou cultural, sem finalidade lucrativa (art. 2º, § 3º). Vem disciplinada no art. 16 e 17 da Lei 4.320/64 e art. 26 da Lei Complementar Federal 101/2000 (LRF). Este artigo da LRF limita o uso deste instituto pelo Poder Público, aumentando as exigências para a concessão, como por exemplo, estar autorizada em lei específica, atender às condições da lei de diretrizes orçamentárias e estar prevista no orçamento. O art. 26, § 1º da LRF diz que este artigo se aplica a toda a administração indireta, inclusive fundações públicas e empresas estatais, não fazendo menção ao Poder Legislativo. Pergunta-se: Estaria o Poder Legislativo desobrigado a cumprir com as exigências da LRF para a concessão de subvenções sociais, pelo fato de não estar relacionado no art. 26, § 1º? A ausência da menção a este Poder é proposital, visto que não é constitucionalmente competente para o pagamento das subvenções, portanto, desnecessária a exclusão expressa no corpo do artigo.

Cabe ao Poder Legislativo deliberar e votar sobre a autorização legislativa requerida pelo Poder Executivo para que este possa subvencionar entidades privadas sem fins lucrativos, portanto, para a concessão de subvenção social a teoria da tripartição das funções estatais é plenamente aplicada, ou seja, ou Legislativo cabe legislar e ao Executivo cumprir a lei. Incabível ao Legislativo aprovar a concessão e ele mesmo promover o pagamento.

Este Tribunal de Contas tem decidido sobre a matéria correlata à presente consulta, tendo sido objeto de apreciação do Tribunal Pleno e constituindo-se em Prejulgado, conforme segue:

 

“025. No desempenho de suas atribuições constitucionais, a Câmara Municipal deve restringir suas funções às de normatização, fiscalização, controle e assessoramento ao Poder Executivo e à organização de seus serviços.

Considera-se ingerência indevida do Legislativo, o desempenho de funções de competência do Executivo, como a de concessão de auxílio financeiro à entidade privada.” (Origem: C. M.  de Santa Cecília; Processo: n° 0397/13 – Parecer n° DMU-012/90; Decisão: 22/04/91)”

 

Isto posto, entende-se que o Poder Legislativo não deve responsabilizar-se por questões que fogem de suas atribuições, sendo precípuas a de desempenhar funções legislativas e fiscalizar o Poder Executivo.(...)” (grifamos)

 

Nesse contexto, denota-se que as alegações do Requerente não merecem prosperar.

O Recorrente menciona, ainda, a Lei nº 13.334/05 que instituiu o FUNDOSOCIAL, no intuito de dar legitimidade à concessão das subvenções pelo Legislativo Estadual.

No entanto, conforme anotou a Instrução, o referido fundo é vinculado à Secretaria da Fazenda, bem como seu “Conselho Deliberativo” formado somente por Secretários de Estado, a quem compete aprovar os programas de ações por ele financiados. Os Poderes Legislativo e Judiciário, o TCE e o Ministério Público, ao que parece, não foram autorizados a subvencionar nenhuma entidade diretamente a partir da edição dessa lei, conforme se observa pelo teor do seu artigo 16: “Fica o Poder Executivo autorizado a compensar os demais Poderes, o Ministério Público, o Tribunal de Contas, e a Fundação Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC, na hipótese de as receitas tributárias estimadas no orçamento do corrente exercício não se realizarem”.

De outro lado, anote-se que independentemente de existir previsão orçamentária, a subvenção social para ser efetivamente repassada necessita também de autorização legal específica, nos termos do art. 26 da Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF:

“Art. 26 - A destinação de recursos para, direta ou indiretamente, cobrir necessidades de pessoas físicas ou déficits de pessoas jurídicas deverá ser autorizada por lei específica, atender às condições estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias e estar prevista no orçamento ou em seus créditos adicionais.

§ 1º - O disposto no caput aplica-se a toda a administração indireta, inclusive fundações públicas e empresas estatais, exceto, no exercício de suas atribuições precípuas, as instituições financeiras e o Banco Central do Brasil.

§ 2º - Compreende-se incluída a concessão de empréstimos, financiamentos e refinanciamentos, inclusive as respectivas prorrogações e a composição de dívidas, a concessão de subvenções e a participação em constituição ou aumento de capital”. (grifamos)

 

Portanto, a mera previsão na LDO e na LOA não atende à exigência legal, sendo necessária a edição de uma lei própria definindo a área de atuação e finalidade das entidades.

Finalmente, para reafirmar o posicionamento de que somente o Poder Executivo estaria habilitado a conceder subvenções sociais, a Instrução trouxe à baila a Lei Estadual nº 5.867/81 que regulamenta a concessão de subvenções sociais, especialmente o seu artigo 6º que assim dispõe: “A concessão de subvenção social às instituições privadas se fará por expressa autorização do Chefe do Poder Executivo”.

Os demais dispositivos do referido diploma normativo trazem todos os requisitos que seriam exigidos posteriormente pela LRF e, em momento algum, autorizam a concessão de subvenções sociais pelos Poderes Legislativo ou Judiciário, pelo Ministério Público ou por este Tribunal de Contas.

É certo que uma subvenção social repassada pelo Poder Legislativo, desde que tenha sua prestação de contas julgada regular dentro das normas atinentes, não pode ser considerada, a priori, danosa ao erário. Entretanto, salvo melhor juízo, não pode ser considerada despesa legítima, por ser estranha às competências e objetivos do Poder Legislativo, motivo pelo qual mantenho a recomendação exarada no Acórdão nº 1802/2005 em consonância com a manifestação do Corpo Instrutivo e do Ministério Público Especial.

III - VOTO

Ante o exposto, proponho ao Egrégio Plenário o seguinte voto:

1 - Conhecer do Recurso de Reconsideração, nos termos do art. 77 da Lei Complementar n. 202/2000, interposto contra o Acórdão nº 1802/2005, exarado na Sessão Ordinária de 05/09/2005, nos autos do Processo nº APC 03/06371120 e, no mérito, negar-lhe provimento, ratificando na íntegra os termos da decisão recorrida.

2 - Dar ciência deste Acórdão, do relatório e voto que o fundamentam, bem como do Parecer COG, ao Senhor César Luiz Belloni Faria - Procurador de Finanças da Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina - ALESC.

                        Gabinete, em 15 de maio de 2008.

 

 

 

 

Cleber Muniz Gavi

Auditor Substituto de Conselheiro

Relator

 

 



[1] BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. – 18ª ed., ampl. e atual. – São Paulo: Saraiva, 1997, p. 341.

[2] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 16ª ed., rev. e atual., - São Paulo: Malheiros, 1999, p. 110.