ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
GABINETE DO CONSELHEIRO WILSON ROGÉRIO WAN-DALL

 

Processo nº:

REC-05/04249630

Unidade Gestora:

Departamento Estadual de Infra-Estrutura-DEINFRA

Responsável:

Sr. Romualdo Theophanes de França Júnior

Assunto:

Recurso de Reconsideração – art. 77 da LC 202/2000 – SPC-04/05036159

Parecer nº:

GC/WRW/2008/517/ES

 

 

Diária.  Ato regulamentador.

A concessão de diárias ao pessoal da Administração Direta, Autárquica e Fundacional é regulamentada por ato do Governador do Estado, na forma de Decreto, especificando as condições de sua concessão, bem como da prestação de contas. 

 

Diária. Prestação de contas.

Considerando que a diária se destina ao custeio de despesas de alimentação, hospedagem e locomoção, são os comprovantes dessas espécies de gastos que legitimam a sua utilização e que servem para amparar a prestação de contas.

 

Ordem de tráfego. Resolução TC-16/94.

Conforme o art. 62 da Resolução n. TC-16/94, a) o roteiro de viagem, b) os documentos comprobatórios da efetiva realização da viagem e c) a justificativa do ordenador da despesa, se necessária, prestam-se à comprovação do “pagamento da diária”.

A comprovação da efetiva realização da viagem, nos termos da mencionada resolução, pode ser feita através de ordem de tráfego, nota fiscal ou outros documentos.

No caso de restrições fundamentadas apenas no art. 62 da citada resolução, deve ser aceita a ordem de tráfego como documento comprobatório de viagem.

Todavia, se a restrição, pertinente à concessão de diárias e sua prestação de contas, estiver fundamentada no Decreto Estadual regulamentador da matéria, apenas a ordem de tráfego não é suficiente para comprovar a viagem, havendo necessidade dos comprovantes das despesas realizadas para atender à finalidade do pagamento de diárias (alimentação, hospedagem e locomoção, conforme o caso).

 

1.   RELATÓRIO

 

Versam os autos acerca de recurso interposto pelo Sr. Romualdo Theophanes de França Júnior, em face do Acórdão n. 1.952/2005, proferido nos autos n. SPC-04/05036159, que lhe aplicou multa em razão do descumprimento do disposto no art. 62, II, da Resolução n. TC-16/94.

 

O recurso foi examinado pela Consultoria-Geral, que, através do Parecer n. COG-618/08, entendeu presentes os pressupostos que autorizam o seu conhecimento e, no mérito, propôs que lhe fosse dado provimento.[1]

 

O Ministério Público concordou com o entendimento do órgão consultivo.[2]

 

Este o relatório.

 

2.   DISCUSSÃO

 

De início, registro que o acórdão recorrido é portador da seguinte redação:

 

“[...] 6.1. Julgar irregulares, sem imputação de débito, com fundamento no art. 18, III, "b", c/c o art. 21, parágrafo único, da Lei Complementar n. 202/2000, as contas de recursos antecipados referentes às notas de empenho a seguir relacionadas, de acordo com os pareceres emitidos nos autos: [...]

 

6.2. Aplicar ao Sr. Romualdo Theophanes de França Júnior - Presidente do Departamento Estadual de Infra-Estrutura - DEINFRA, CPF n. 486.844.499-91, multa prevista no art. 69 c/c o o art. 21, parágrafo único, da Lei Complementar n. 202/2000, no valor de R$ 600,00 (seiscentos reais), pela não-comprovação da efetiva realização das viagens, objetos das NE acima citadas, em descumprimento ao disposto no art. 62, II, da Resolução n. TC-16/94, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial do Estado, para comprovar ao Tribunal o recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial (arts. 43, II, e 71 do mesmo diploma legal).

 

6.3. Determinar ao Departamento Estadual de Infra-Estrutura - DEINFRA que instrua seus servidores no sentido de observarem o que dispõe a Resolução CA n. 0397/2004, do Conselho Administrativo do DEINFRA, de modo a que, doravante, juntem ao processo de prestação de contas outros elementos comprobatórios da viagem, além da Ordem de Tráfego. [...]” g. n.

 

Almejando o cancelamento da multa, o Recorrente argumentou no seguinte sentido:

 

“[...] Antes mesmo de adentrarmos às questões de mérito, necessária e útil se faz a citação de alguns pressupostos constitucionais e infraconstitucionais, diretamente pertinentes ao caso em tela.

 

Está assegurado na Constituição Federal de 1988 que:

 

Art. 5º, inciso II, ‘ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei’;

 

[...]

 

O Governo do Estado de Santa Catarina, a fim de melhor regular as disposições contidas na Lei n. 6.745/85, da Lei n. 6.843/86 e da Lei n. 6.844/86, em 12 de abril de 1999 editou o Decreto n. 133, estabelecendo parâmetros para a concessão de diárias ao servidor civil da Administração, Autárquica e Fundacional e assim regulamentou:

 

Art. 12, ‘O servidor deverá prestar contas e apresentar relatório, por escrito, anexando os documentos comprobatórios das despesas, em até 3 (três) dias do seu retorno.’

 

O Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina – TCE, manifestou seu entendimento acerca da questão em tela através da Resolução n. TC -16/94, disciplinando:

 

Art. 62, ‘O pagamento de diárias deverá ser comprovado com os documentos seguintes:

[...]

II – Documento comprobatório da efetiva realização da viagem: ordem de tráfego, bilhete de passagem, relatório, ata de presença, nota fiscal ou outros documentos’.

 

Observando-se os textos acima destacados poderemos concluir que este DEINFRA vem cumprindo integralmente as disposições legais, constitucionais e infraconstitucionais, correspondentes à matéria em questão. [...]”[3]

 

A Consultoria-Geral, por sua vez, consignou o seguinte:

“Conforme a letra da Resolução, são admitidos para a comprovação do pagamento de diárias:

 

Art. 62 - O pagamento de diárias deverá ser comprovado com os documentos seguintes:

 

I - Roteiro de viagem, que deverá consignar:

a) Identificação do servidor - nome, matrícula, cargo, função ou emprego;

b) Deslocamentos - data e hora de saída e de chegada à origem e local de destino;

c) Meio de transporte utilizado;

d) Descrição sucinta do objetivo da viagem;

e) Número de diárias e cálculo do montante devido;

f) Quitação do credor;

g) Nome, cargo ou função e assinatura da autoridade concedente;

 

II - Documento comprobatório da efetiva realização da viagem: ordem de tráfego, bilhete de passagem, relatório, ata de presença, nota fiscal ou outros documentos;

 

III - Justificativa, firmada pelo ordenador da despesa, da urgência e inadiabilidade ou da conveniência de uso de transporte aéreo ou de veículo particular do servidor, este quando cadastrado no órgão público, na forma da legislação vigente, quando cabível. (grifei)

 

De fato, o dispositivo destacado admite a comprovação da efetiva realização da viagem por meio da ordem de tráfego e também por outros documentos.

A instrução, no entanto, pronunciou-se de maneira diversa, apesar da expressa disposição acima. Confira-se (fl. 502):

 

No caso em tela, durante a realização da auditoria, cabe ressaltar, que verificou-se a existência de Ordem de Tráfego, atendendo dessa forma o disposto no artigo 62, da Resolução TC 16/94.

 

Ocorre porém que o documento público, no caso a Ordem de tráfego é regido pelo disposto no art. 364 do CPC, ou seja, tem presunção de veracidade “juris tantum”, e não “juris et de jure”, admitindo assim, prova em contrário, podendo dessa forma ter o seu conteúdo infirmado por outros elementos de convicção. (grifei)

 

Esse argumento, à toda evidência, não é hábil a fomentar uma restrição. Um dos atributos dos atos administrativos é justamente a presunção de legitimidade. Em razão dessa característica, presumem-se verdadeiros e conformes ao Direito até prova em contrário.[4] Como bem asseverou o então Procurador-Geral César Filomeno Fontes no parecer MPTC nº 1879/2005 (fls. 508-509),

 

a) em todos os processos até hoje analisados pela douta Instrução, foi aceita a Ordem de Tráfego como documento hábil para comprovação da viagem e, por conseqüência, para comprovação das diárias;

 

b) a Resolução TC 16/94, no item II do art. 62, cita textualmente: “Documento comprobatório da efetiva realização da viagem: ordem de tráfego, bilhete de passagem...”;

 

c) inova agora a Instrução, partindo para aplicação do art. 364 do CPC, considerando a Ordem de Tráfego um documento com “presunção de veracidade”;

 

d) cabe a quem põe dúvida no documento, provar sua incapacidade de uso ou sua ilegalidade, fato que caberia a Instrução que expediu o presente Relatório;

 

e) além disto, a suposição de presunção de veracidade não invalida o documento apresentado, mantendo-se a legalidade dos procedimentos efetuados;

 

f) a prestação de contas em epígrafe encontra-se aritmeticamente correta, não apresentando qualquer indício de erro, dolo ou má-fé em seus procedimentos;

 

No caso dos autos, verifica-se a existência de 12 (doze) ordens de tráfego relativas à Nota de Empenho nº 08892 e 36 (trinta e seis) relativas à Nota de Empenho nº 11971, que comprovam, na forma exigida pela Resolução, a utilização dos recursos destinados ao pagamento de diárias. [...]”[5]

 

Com efeito, o ato normativo que trata da concessão de diárias no âmbito da administração estadual é a Lei n. 6.745/85, que guarda a seguinte redação:

 

Art. 102. Ao funcionário que se deslocar temporariamente da respectiva sede, a serviço, conceder-se-á o transporte e o pagamento antecipado das diárias a título de indenização das despesas de alimentação, estada e deslocamento.

Parágrafo único. Sempre que o funcionário tiver que se deslocar de sua sede, por convocação do órgão médico oficial, ser-lhe-á igualmente assegurado direito ao transporte e ao máximo de 03 (três) diárias.  g. n.

Tal diploma normativo foi regulamentado pelo Decreto Estadual n. 133/1999, mencionado pelo Recorrente em suas razões.

 

O referido decreto continha diretrizes acerca da concessão e da prestação de contas das diárias, conforme os dispositivos abaixo transcritos:

 

“Art. 1º - O servidor civil da Administração, Autárquica e Fundacional que se deslocar para outro ponto do território nacional ou para o exterior, em caráter temporário, a serviço ou para participar de eventos de interesse da Administração Pública terá direito à percepção de diárias, nos termos deste Decreto.

 

Art. 2º - O pagamento de diárias destina-se a indenizar despesas de alimentação, hospedagem e locomoção urbana, sendo concedidas por dia de afastamento da sede do serviço.

 

[...]

 

Art. 12. O servidor deverá prestar contas e apresentar relatório, por escrito, anexando os documentos comprobatórios das despesas, em até 3 (três) dias do seu retorno.” g.n.

 

A leitura do citado decreto demonstra que apenas a ordem de tráfego não era suficiente para a comprovação da despesa.

 

Ora, se a diária se destina ao custeio de despesas de alimentação, hospedagem e locomoção, são os comprovantes dessas espécies de gastos que legitimam a sua utilização e que servem para amparar a prestação de contas.

 

Todavia, percebo que o acórdão recorrido fundamentou a irregularidade tão-somente em dispositivo da Resolução n. TC-16/94.

 

Verificando os autos principais, constato que os documentos comprobatórios da efetiva realização da viagem juntados pelo administrador público são as “Ordens de Tráfego” e alguns comprovantes de despesas com alimentação.

A comprovação da efetiva realização da viagem, nos termos do art. 62 da Resolução n. TC-16/94, pode ser feita através de ordem de tráfego, nota fiscal ou outros documentos.

 

O rol, constante do inciso II do art. 62 da Resolução n. TC-16/94, é exemplificativo, conforme salientado pelo Recorrente e pela própria Consultoria.

Considerando que a irregularidade ensejadora da multa foi fundamentada no descumprimento da citada resolução deste Tribunal e não do decreto estadual regulamentador da matéria, acolho as razões do Recorrente para cancelar a multa aplicada.

 

 

3.   PROPOSTA DE DECISÃO

CONSIDERANDO o que mais dos autos consta, em conformidade com os pareceres da Consultoria-Geral e do Ministério Público, submeto à apreciação deste Tribunal a seguinte proposta de decisão:

 

6.1. Conhecer do Recurso de Reconsideração, nos termos do art. 77 da Lei Complementar n. 202/2000, interposto contra o Acórdão n. 1.952/2005 exarado na Sessão Ordinária de 08/11/2005, nos autos do Processo n. SPC-04/05036159 e, no mérito, dar-lhe provimento para:

 

6.1.1. cancelar a multa constante do item 6.2 da decisão recorrida;

 

6.1.2. conferir nova redação à decisão recorrida, nos seguintes moldes:

 

6.1. Julgar regulares, com fundamento no art. 18, I, c/c o art. 19 da Lei Complementar n. 202/2000, as contas de recursos antecipados referentes à notas de empenho a seguir relacionadas e dar quitação aos Responsáveis:

 

NE

Data do pagamento

P/A

Item

Fonte

Valor (R$)

08892

08/07/2003

8677

33901400

00

5.000,00

11971

22/08/2003

8677

33901400

00

19.000,00

 

6.2. Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator, que o fundamentam, bem como do Parecer n. COG-618/08 ao Departamento Estadual de Infra-Estrutura – DEINFRA e ao Sr. Romualdo Theophanes de França Júnior-Diretor-Geral do citado órgão.

 

                        Gabinete do Conselheiro, em 22 de agosto de 2008.

 
 
 
                              WILSON ROGÉRIO  WAN-DALL

                                                      Conselheiro Relator

 



[1] Fls. 08/15 dos autos n. REC-05/04249630.

[2] Fl. 16 dos autos n. REC-05/04249630.

[3] Fls. 05 dos autos n. REC-05/04249630.

[4]MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 382.

[5] Fls. 11/13 dos autos n. REC-05/04249630.