ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO

Gabinete do Auditor Gerson dos Santos Sicca

PROCESSO N. RPA 00/05813131
UG/CLIENTE

PREFEITURA MUNICIPAL DE CAMPOS NOVOS

INTERESSADO IDERNEI ANTÔNIO TITON
ASSUNTO Representação-Agente Público.

Em 25 de fevereiro de 2005 a Consultoria Geral remeteu à Exma. Sra. Relatora, Auditora Thereza Apparecida Costa Marques, a Informação n° 09/05(fls.10-15), cuja conclusão foi a seguinte:

Posteriormente, os autos foram remetidos pela Relatora para a Diretoria de Controle dos Municípios-DMU(fls.16-17).

A DMU remeteu a Informação n° 297/2006 ao Exmo. Sr. Presidente, sugerindo a autuação do feito como Representação(fls.18-19) e a sua remessa para a Diretoria de Denúncias e Representações-DDR, providência determinada por Sua Excelência.

A DDR sugeriu o conhecimento da Representação(fls.19-22). O Ministério Público manifestou-se no mesmo sentido(fls.24-25).

Por meio de despacho, após ser designado novo Relator, conheci da Representação e determinei à Diretoria de Denúncias e Representações-DDR a adoção das providências pertinentes(fls.26-27).

Após alterações na estrutura organizacional deste Tribunal o processo retornou à Diretoria de Controle dos Municípios-DMU, que, no Relatório n° 01112/2007(fls.30-34) entendeu pela necessidade de realização de diligência junto ao Prefeito Municipal de Campos Novos, a fim de que fossem enviados documentos considerados relevantes para a instrução.

O Prefeito Municipal de Campos Novos em 2007, Sr. Nelson Cruz, juntou documentos e informou o que segue(fls.39-40):

A Diretoria de Controle dos Municípios elaborou o Relatório n° 1833/2007(fls.121-136), no qual sugeriu fosse realizada a audiência do Sr. Nelson Cruz, Prefeito Municipal de Campos Novos, devido à seguinte irregularidade:

Além disso, a DMU manifestou-se pela pertinência de determinar-se ao Prefeito Municipal a adoção de providências para que o imóvel objeto da Lei n° 1697/90 fosse revertido ao Município de Campos Novos.

Determinei a audiência do Responsável, tendo em vista o que foi exposto pela Área Técnica(fl.143).

Em resposta, o Responsável disse ter encaminhado cópia da audiência à empresa Bruno Industrial Ltda. Juntou aos autos os argumentos da empresa, sem, no entanto, apresentar suas próprias razões(fl.146).

Após, a Instrução apreciou as justificativas e documentos juntados aos autos e entendeu que o Relator poderia submeter proposta de voto ao Plenário no sentido de considerar irregular a doação efetuada pelo Município, e que fosse determinado ao atual Prefeito Municipal a adoção de providências para a reversão do bem ao Patrimônio Público(fls.314-335).

Foram os autos ao Ministério Público, que enviou ofício ao Responsável, Sr. Nelson Cruz, a fim de que este se manifestasse sobre o cumprimento pela empresa Indústria de Máquinas Bruno Ltda. do encargo fixado em doação anterior, referente a um terreno de 105.260m², concretizada no ano de 1983(fls.342-343).

O Responsável veio aos autos para informar que a empresa está efetuando operações no local doado, conquanto tenha descumprido os prazos previstos na legislação(fls.344-345). Quanto ao ofício enviado pelo Ministério Público, o Sr. Nelson Cruz disse que a empresa está em funcionamento no terreno doado desde a década de 1980(fl.347).

Em parecer, o Ministério Público entendeu pela existência de sérias divergências entre as informações apresentadas pelo Responsável. Em vista disso, considerou pertinente a realização de auditoria in loco, "a fim de verificar o cumprimento ou não dos encargos estabelecidos no art.2° da Lei n. 1.302/83 e art.3° da Lei n. 1.697/90"(fls.349-354).

Em despacho(fls.356-357), determinei a realização de inspeção/auditoria in loco, submetendo a questão ao Sr. Presidente, para a devida autorização.

Foi autorizada pelo Exmo. Sr. Presidente a verificação solicitada no despacho(fl.358).

A DMU procedeu à verificação in loco(fls. 919-959) e constatou que mais de 80% do imóvel doado pela Lei n° 2.840/03 encontra-se ocioso, e que na parte utilizada há um galpão inacabado e abandonado e outro galpão no qual trabalham aproximadamente 20 funcionários, fabricando transportadores. Por esses motivos, manteve as conclusões anteriormente apresentadas.

Diante das considerações feitas pela Área Técnica, o Ministério Público(fls.978-982) propugnou pela realização de audiência do Sr. Oscar Bruno Schaly, Prefeito Municipal de Campos Novos em 1990, para apresentar justificativas quanto à seguinte irregularidade:

Determinei a audiência(fls.983-984). Entretanto, como a DMU comunicou o falecimento do Responsável, o que torna impossível eventual aplicação de multa, decidi pelo retorno dos autos ao Ministério Público, que exarou parecer no sentido de acompanhar as conclusões da Instrução e pela remessa de infomações ao Ministério Público Estadual, haja vista a presença de fortes indícios da prática de crimes previstos na Lei de Licitações(fls.1000-1008).

É o relatório.

II-FUNDAMENTAÇÃO

II.1) Sobre as doações de imóveis às empresas Bruno;

No intento de esclarecer os pontos controversos do processo, procurarei, com auxílio da prova e alegações contidas nos autos, traçar um quadro das doações de terrenos do Município às empresas Bruno.

Conforme relatado pela Instrução, houve três doações de terrenos de propriedade do Município de Campos Novos às empresas Bruno.

A Lei n° 1.302, de 28 de janeiro de 1983, autorizou a doação de um terreno de 105.260 m², "situado na confluência da BR-282 a BR-470, confrontando com as mesmas BR-470 BR-282, com terreno já doado à firma Eletel-com a Rua de acesso à BR-282 e com a Rua de acesso à BR-470(...)"(art.1°, "a", da Lei n° 1302/83, fl.45). A beneficiária foi a empresa Bruno Indústria de Máquinas e Equipamentos Ltda.

A Lei n° 1.302/83 ainda estabeleceu encargos à empresa em seu art.2°, cujo prazo para o cumprimento era de dois anos(art.3°):

A comparação do CNPJ permite concluir que a empresa "Bruno Indústria de Máquinas e Equipamentos LTDA", mencionada na Lei, é a mesma "Indústria de Máquinas Bruno Ltda."(fl.453 e fl. 964).

A Equipe Técnica concluiu que há plena atividade industrial na área doada, com ocupação do terreno em quase 100%, como mostram as fotos juntadas aos autos(fls.966-970).

Como há demonstração de que a planta industrial foi concretizada, com operação desde os anos 1980, pode-se concluir que o encargo foi devidamente cumprido, de modo que inexiste irregularidade a ser apurada.

A segunda doação ocorreu mediante autorização da Lei Municipal n° 1.589, de 28 de dezembro de 1988. Eis o teor do seu art.1°(fl.392):

A empresa TRATORCAMPOS-Serviços de Terraplanagem Ltda tem como sócio fundador o Sr. Oscar Bruno Schaly, falecido em 2003. A Instrução apurou não se vislumbrar nenhum indício de que o encargo previsto na Lei n° 1.589, de 28 de dezembro de 1988, foi descumprido.

A terceira doação, objeto específico da Representação, foi autorizada pela Lei Municipal n° 1.697, de 27 de março de 1990. Eis os termos do aludido diploma legal:

Em 29 de novembro de 1994 o Prefeito à época, Athos de Almeida Lopes, editou o Decreto n° 3.267/94, concedendo novo prazo de dois anos para o adimplemento do encargo(fl. 383/verso)

No dia 27 de março de 2000 o então Prefeito Municipal de Campos Novos, Oscar Bruno Schaly, expediu o Decreto n° 4.182/00, com nova prorrogação do prazo concedido pela Lei n° 1.697/90 à empresa Indústria de Máquinas Bruno Ltda. Dispôs o artigo primeiro(fl.7):

As prorrogações do prazo concedidas por Decreto ocorreram de forma indevida, isso por duas razões. A primeira é que o termo final do prazo deu-se no ano de 1993, sendo inadmissível a prorrogação, mediante decreto, de um prazo já expirado. Ainda que ao Chefe do Poder Executivo houvesse sido conferida por Lei a possibilidade de prorrogação, essa medida somente poderia ser admitida caso solicitada pelo interessado no curso do prazo originário, já que, com o advento do termo final, restou demonstrado de forma cabal o descumprimento do encargo. A partir daí,a única solução admissível seria a reversão do bem ao Patrimônio Público.

Nada impediria que novo prazo fosse fixado para a empresa. No entanto, o princípio da paridade das formas reclama que a alteração das regras iniciais seja efetivada apenas por quem as estabeleceu, sendo impossível a sua modificação para além do que foi disposto pelo legislador.

Na situação em análise, o regramento estatuído pelo legislador fixou que o prazo para o cumprimento do encargo era de 3 anos, de modo que, verificado o descumprimento nesse período, haveria a reversão do terreno ao Patrimônio do Município. No momento em que se encerrou o prazo, a única alternativa ao Executivo era dar cumprimento à determinação de reversão, eis que assentada a inadimplência da donatária, não sendo permitido ao Prefeito ignorar a determinação para a reversão.

Assim, para que novo prazo fosse concedido era essencial a intervenção do Legislador, o que não aconteceu.

A segunda razão que mostra a impertinência da prorrogação é de extrema gravidade, isso porque caracteriza injustificável utilização do poder estatal para a satisfação de interesse privado.

O Sr. Oscar Bruno Schaly, então Prefeito Municipal, era um dos proprietários da empresa beneficiada com as prorrogações, o que torna inaceitável o segundo ato praticado, já que o Chefe do Executivo utilizou do seu poder para beneficiar empresa de sua propriedade. A prorrogação, além de não se compactuar com a melhor interpretação decorrente dos termos da Lei Municipal n° 1.697/90, foi concedida pelo próprio beneficiário, em total afronta aos mais comezinhos princípios orientadores da função administrativa.

Entretanto, como o Sr. Oscar Bruno Schaly é falecido e o ato não representa prejuízo pecuniário ao Erário Público, encontra-se obstaculizada qualquer possibilidade de aplicação de sanção.

Quanto a eventuais providências adotadas pelo Poder Executivo, dois Projetos de Lei tramitaram na Câmara de Vereadores com o intuito de determinar a reversão do terreno de 121.000m² ao Município.

O primeiro foi o Projeto de Lei do Legislativo n° 002/2000, de 28 de março de 2000, aprovado por 8 votos a 2 pelos Srs.Vereadores da Câmara Municipal de Campos Novos na sessão do dia 25 de abril do mesmo ano(conforme ata n° 018/2000, fl.413).

No dia 26 de abril de 2000 o Sr. Idernei Antônio Titon, à época Presidente da Câmara Municipal de Campos Novos, enviou ao Prefeito, Oscar Bruno Schaly, o ofício n° 069/2000, com cópia do Projeto Legislativo n° 02/2000 e informando sua aprovação(fl.416).

Conforme informação do Sr. Nelson Cruz, Prefeito Municipal de Campos Novos no exercício de 2008, dirigida ao Presidente da Câmara em 28 de novembro de 2008, o ofício n° 069/2000 chegou ao Executivo. Todavia, esclarece o seguinte:

Há grave evidência de desrespeito frontal às obrigações reservadas aos Poderes Executivo e Legislativo. Enviado o Projeto de Lei ao Chefe do Executivo, e ausente manifestação de aquiescência no prazo disposto na Lei Orgânica, irrompia para o Presidente da Câmara de Vereadores o dever de promulgar o Projeto aprovado. De forma inconcebível, o Projeto persite até hoje sem promulgação,mesmo aprovado pela Câmara e decorrido o prazo conferido ao Chefe do Executivo para vetá-lo ou sancioná-lo.

Posteriormente, em 12 de dezembro de 2002 o Prefeito Municipal de Campos Novos naquele exercício, Sr. Alexandre Alvadi Di Domenico, submeteu à Camara Municipal o Projeto de Lei n° 2.447/2002. Transcrevo a justificativa(fl.420):

Entretanto, na sessão do dia 17 de dezembro de 2002 a Câmara Municipal arquivou o Projeto de Lei n°2.447/02(fl.424).

Em 24 de março de 2003 foi promulgada a Lei n° 2.771/03(fl.51) que concedeu um novo prazo de dois anos para que a empresa Indústria de Máquinas Bruno Ltda. implantasse o empreendimento previsto na Lei n° 1.697/90. Com isso, o termo final do prazo passou para março de 2005.

Após, em 12 de dezembro de 2003, foi promulgada a Lei n° 2.840/03(fls.52-53), com a seguinte redação:

Pelo histórico da legislação, vê-se que a Lei n° 1.697/90 autorizou a doação do terreno de 121.000 m² localizado no entroncamento da BR-470 com a BR-282 à empresa Indústria de Máquinas Bruno Ltda. A doação era para a instalação de "INDÚSTRIA DE PAPEL, CARTOLINA E PAPELÃO, usando como matéria prima, pasta mecânica, papel velho, aparas e eventualmente celulose, com uma produção inicial de 15(quinze toneladas) dia, e produção ao final da implantação de 60(sessenta toneladas) dia", o que deveria ter ocorrido no prazo de três anos, sendo proibida a alienação do imóvel antes de 10 anos da doação.

A Lei n° 2.771/03 concedeu novo prazo para a Indústria de Máquinas Bruno, o que equivale a uma nova doação, notadamente porque no prazo anterior não havia sido cumprido o encargo. O benefício, em seguida, foi transferido para as empresa "Bruno Industrial Ltda-indústria de máquinas e equipamentos para trituração de pneus e resíduos em geral", e "Bruno Papéis Especiais S.A.-fabricação e industrialização de papel", de modo que essas empresas deveriam ter cumprido o encargo até março de 2005.

No tocante a esse novo prazo, concedido pela Lei n° 2.771/03, ainda que cause espécie a tolerância do Município, já que decorridos mais de dez anos do advento do termo previsto pela Lei n° 1.697/90, entendo que não se deve afastar de pronto a legitimidade da "prorrogação", em verdade uma nova doação, principalmente porque concedida pela mesma forma que a anterior, a saber, com a devida autorização legislativa.

De todo modo, não obstante se considere a inexistência de obstáculo ao estabelecimento de um novo prazo pelo Legislador, mesmo quando expirado o prazo anterior, dois pontos subsistem e são dignos de ponderação. O primeiro, atinente à viabilidade jurídica da doação de bens públicos a particulares. O segundo, caso admitida a doação, referente à verificação do cumprimento do encargo fixado à empresa.

O ponto de partida da controvérsia é o art.17, I, letra "b", da Lei Federal n° 8.666/93, verbis:

As letras "f", "h" e "i" do inciso I do do art.17 possuem a seguinte redação:

Pela redação do art. 17, a doação com dispensa de licitação somente seria viável apenas quando o bem fosse destinado a outras esferas de governo ou, então, nas hipóteses excepcionais dispostas nas letras "f", "h" e "i", nelas não estando incluídas a doação de imóveis a particulares para a implantação de atividades econômicas.

Todavia, o Supremo Tribunal Federal deferiu Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 927, para suspender quanto aos Estados, Distrito Federal e Municípios, a eficácia da expressão "permitida exclusivamente para outro órgão ou entidade da administração pública, de qualquer esfera de governo", contida no art. 17, I, "b", da Lei Federal n° 8.666/93.

O deferimento da Medida Cautelar ocorreu em 03 de novembro de 1993, que continua em vigor, mesmo após quase 16 anos de tramitação do processo, isso porque a Ação Direta de Inconstitucionalidade ainda não foi julgada.

Assim, a limitação da doação de bens imóveis apenas para outro órgão ou entidade da administração pública, de qualquer esfera de governo, é dirigida apenas à União, que pode realizar doações a particulares somente nas hipóteses das letras "f", "h" e "i" do inciso I do art. 17 da Lei n° 8.666/93. Para Estados e Municípios a matéria foi reservada ao âmbito de autonomia de cada ente federativo, que fixará em lei local os pressupostos a serem observados para a doação, incluindo a admissibilidade, ou não, da doação de bens imóveis para particulares.

Dito isso, importa saber se a legislação do Município de Campos Novos autorizava a doação de bens públicos imóveis a particulares.

A matéria é tratada pelo artigo 12 da Lei Orgânica do Município de Campos Novos, verbis:

Pelos termos do art. 12, §1°, a administração, preferentemente a venda ou doação de bens imóveis deve utilizar-se da concessão de direito real de uso, mediante concorrência, dispensada quando o uso destinar-se à concessionária de serviço público e a entidades assistenciais. Nesse sentido, o aludido preceito encontra-se em harmonia com os Prejulgados desta Corte de Contas, segundo os quais a concessão de direito real de uso é o instrumento adequado para a entrega de bem imóvel a particular interessado em instalar empreendimento destinado a atividade econômica. Eis o que dispõem os Prejulgados atinentes à matéria:

Contudo, embora esta E. Corte tenha considere adequada a adoção da concessão de direito real de uso e não da doação, há Prejulgado que, não obstante entenda recomendável a primeira forma jurídica, não vê óbice jurídico à utilização da segunda, como se vê abaixo:

Prejulgado n° 1596

No tocante à legislação de Campos Novos, conquanto o art. 12, §1°, da Lei Orgânica preferencial a adoção da concessão de direito real de uso, não se pode extrair daí a vedação de doação. A Lei Orgânica estabelece uma preferência e não uma obrigação. Logo, embora seja correto que deve o legislador municipal estabelecer mecanismos que tornem efetiva essa preferência, isso não significa a proibição da doação em qualquer hipótese, pois é plenamente possível que, diante de determinadas circunstâncias, a doação seja considerada a solução que melhor garanta a realização das finalidades perseguidas.

Em razão do exposto, não afasto a legitimidade da doação, notadamente porque o recurso a essa forma de transferência de propriedade não é vedado pela Lei Orgânica. Entretanto, a fim de aprimorar a legislação municipal, considero pertinente que se recomende ao Poder Executivo Municipal de Campos novos a adoção de critérios legais que definam com objetividade e transparência a utilização da concessão de direito real de uso e as hipóteses em que a doação possa ser utilizada, não obstante a preferência pela primeira modalidade.

Ademais, saliento que a Lei Municipal n° 2644, de 30/05/2001(fls.396-397) que altera o programa de desenvolvimento industrial e comercial de Campos Novos e estabelece normas gerais de incentivo não atende de forma perfeita à Lei Orgânica, eis que sequer trata da concessão de direito real de uso.

Admitida a possibilidade jurídica de doação de imóvel público do Município, mediante dispensa de licitação, contanto que reconhecida pela legislação municipal, resta saber se houve o cumprimento dos encargos previstos nas Leis 1.697/90 e 2771/2003.

Inicialmente, ressalto que a controvérsia não envolve os terrenos doados pelas Leis 1.302, de 28 de janeiro de 1983, e 1.589, de 28 de dezembro de 1988. O primeiro diploma legal trata de um imóvel de 105.260m2, no qual a empresa Bruno Indústria de Máquinas e Equipamentos instalou-se plenamente, conforme apurado pela Área Técnica(fls.942-946). A segunda Lei refere-se a um terreno de 12.760 m², em relação ao qual a Instrução também aponta o cumprimento do encargo(fls.947-949).

Portanto, a questão cinge-se ao terreno de 121.000 m² doado pela Municipalidade à empresa Indústria de Máquinas Bruno Ltda para a instalação de um empreendimento industrial.

Pelo art. 3° da Lei n° 1.697/90 a empresa citada ficava obrigada a construir no terreno doado uma indústria de papel, cartolina e papelão, usando como matéria-prima pasta mecânica, papel velho, aparas e eventualmente celulose, com uma produção inicial de quinze toneladas diárias e, ao final da implantação, produção de 60 toneladas diárias.

Não houve o cumprimento do encargo. Em 1994, por intermédio do Decreto n° 3.267, de 29 de novembro de 1994, foram concedidos mais dois anos para a empresa. Em 2000, mediante ato assinado pelo Prefeito à época(fl.07), Oscar Bruno Schaly, também um dos sócios da empresa donatária, caracterizando verdadeira utilização da função pública para a obtenção de benefício privado, em afronta gravíssima à moralidade administrativa, foi deferido outro prazo de dois anos à empresa.

Mais uma vez inocorreu a implantação do empreendimento para o qual se destinava o terreno doado. Ainda assim, o Município concedeu nova chance à donatária.

A Lei n° 2.771, de 24 de março de 2003 ofereceu um quarto prazo à empresa, de mais dois anos(fl.385).Contudo, em 12 de dezembro de 2003 os benefícios da Lei n° 1.697/90 foram transferidos para as empresas BRUNO INDUSTRIAL LTDA., CNPJ 05.145.957/0001-40, e BRUNO PAPÉIS ESPECIAIS S/A, CNPJ 06.007.501/0001-86, o que se deu mediante a aprovação da Lei n° 2.840/03(fl.385).

Pelo art. 2° da Lei n° 2.840/2003, a empresa Bruno Industrial Ltda. deveria fabricar no local máquinas e equipamentos para trituração de pneus e resíduos em geral, enquanto que a empresa Bruno Papéis Especiais S.A. incumbir-se-ia da fabricação e industrialização de papel. De acordo com o art. 5° da mesma Lei, as empresas beneficiadas pela Lei teriam o prazo de noventa dias para formalizar com o Município o contrato de concessão de estímulos e incentivos(fl.53).

Os contratos de concessão de estímulos econômicos foram firmados no dia 24 de março de 2004(fls.78-79 e 87-88), poucos dias após o termino do prazo previsto na Lei n° 2.840/2003, o que, de qualquer forma, não os invalida, por tratar-se de irregularidade de cunho formal destituída de maior gravidade.

Pelo contrato firmado com a empresa BRUNO PAPÉIS ESPECIAIS S.A. e seus anexos(fls.78-86), na primeira fase do processo produtivo haveria a conversão de bobinas de papel jumbo em papel higiênico, papel-toalha e folhas de papel-seda. Na segunda fase a produção teria como base a sucata de papel, transformando-a em bobinas de papel jumbo. A indústria geraria, na sua primeira fase, 30 empregos diretos, e na segunda 50 postos de trabalho. A previsão de faturamento para a segunda fase era de R$1.202.320,00(um milhão, duzentos e dois mil, trezentos e vinte reais).

Já o contrato formalizado com a empresa BRUNO INDUSTRIAL LTDA. (fls.87-95) previu a implantação de uma "fábrica de trituradores de pneus e resíduos em geral com novas tecnologias alemã e italiana, bem como a fabricação de peças de reposição para as mesmas, produzindo também equipamentos e peças para a indústria papeleira". A previsão era de gerar inicialmente 25 empregos diretos. A previsão de faturamento para o segundo ano era de R$306.660,00(trezentos e seis mil, seiscentos e sessenta reais).

A Área Técnica inspecionou o terreno de 121.000 m² doados às empresas Bruno Industrial Ltda. E Bruno Papéis Especiais S.A., tendo afirmado o que segue(fl.957):

Da parte do Poder Executivo Municipal há informações contraditórias sobre a impantação dos projetos. Conforme informações apresentadas pelo Sr. Nelson Cruz, então Prefeito Municipal, em 18/06/2007(fls.39-40), "o projeto da Bruno Industrial, nunca foi implantado na área de 121.000m². Temos conhecimento que também funcionou precariamente entre 04/2004 a 04/2005 em um pavilhão da Indústria de Máquinas Bruno Ltda, empresa líder do grupo, localizada em outro imóvel"(fl.40). Afirmou, também, que "a empresa Bruno Papéis Especiais S.A. Funcionou em caráter precário de abril de 2004 a abril de 2005"(fl.40).

Todavia, anteriormente, em 22 de março de 2005, os Srs. Diógenes Zoldan, Secretário de Planejamento e Coordenação Geral, e Rui Jorge Tomazzoni, Secretário da Agricultura, Indústria e Comércio de Campos Novos, declaram o seguinte(fl.65).

As empresas do grupo "Bruno" juntaram documentos ao processo, com relatórios sobre o cumprimento dos encargos. Quanto à Lei n° 1697/90 foi informado o que segue(fls.789-790):

Do que consta nos autos depreende-se que (1) a indústria Bruno Papéis Especiai teve duração efêmera; (2) A empresa Bruno Industrial Ltda. continuou suas atividades, principalmente com a utilização de outros terrenos; (3) mais de 80% do terreno doado não está sendo utilizado, sendo que há no local apenas uma edificação com atividades, na qual trabalham cerca de vinte funcionários.

A questão fulcral é delimitar a extensão do encargo fixado por Lei e se, diante dos fatos apurados, pode o mesmo ser considerado cumprido.

A Lei n° 1.697/90 estatuiu em seu artigo 4° que o terreno doado não poderia ser vendido, alienado ou hipotecado durante o prazo de dez anos. Além disso, não poderia "mudar o ramo de atividade sem expresso concentimento(sic) do Poder Público Municipal"(fl.4)

Ora, embora a Lei n° 1.697/90 não dispusesse expressamente que a donatária obrigava-se a manter as atividades prometidas durante determinado prazo, isso não significa um total da liberdade da empresa para decidir pela interrupção das atividades a qualquer momento, sem que isso tenha qualquer repercussão no ato de doação.

O terreno foi doado para a empresa Indústria de Máquinas Bruno Ltda, que se comprometeu a instalar um empreendimento cuja produção de papel atingiria 60 toneladas/dia(art.3°, da Lei n° 1.697/90).Posteriormente, foram transferidos às empresas Bruno Industrial Ltda. e Bruno Papéis Especiais S.A. os benefícios da Lei n° 1.697/90, disso decorrendo que as condições gerais do encargo ficaram mantidas.

A condição de que o terreno não pode ser alienado antes do prazo de dez anos denota a expectativa do Município de que a atividade econômica prometida desenvolva-se no terreno doado por pelo menos esse prazo. Não fosse assim, inexistiria razão para essa limitação à transferência de domínio.

Por outro lado, a Lei Municipal n° 2644/2001, de 30 de maio de 2001, que alterou o Programa de Desenvolvimento Industrial e Comercial de Campos Novos, reforça essa compreensão, ao dispor que após dez anos os terrenos concedidos a empresa privadas serão definitivamente transferidos para estas:

O prazo de 10 anos, ao que parece, não é recente na legislação de Campos Novos, como se depreende de relatório firmado pela Dra. Melzi Cavazzola(fls.58-59), Assessora Jurídica do Poder Executivo daquele Município, no qual se faz referência ao art. 10 da Lei n°733, de 24 de agosto de 1973, que previa a imediata devolução de área repassada a particular quando houvesse destinação diversa daquela prevista no projeto de incentivo.

A inspeção empreendida pela DMU demonstrou de forma inequívoca que apenas uma parte do terreno doado está sendo utilizado, e em atividade que sequer foi prevista nos contratos de benefícios. Embora as empresas Bruno Industrial Ltda. e Bruno Papéis Especiais S/A tenham apresentado aos autos documentos demonstrando que a primeira empregava 79 funcionários em 2005(fl.174) e 78 em 2006(fl.176), é fato evidente que a maior parte da atividade da empresa não se desenvolve no terreno doado.

Resta patente que o propósito com a doação não foi atingido, sendo que as donatárias tem à sua disposição uma área pública que poderia ser destinada a outro empreendimento, gerando empregos e renda para o Município de Campos Novos.Não se pode admitir que um terreno com 121.000m² seja doado a empresa privada que posteriormente, alegando razões de mercado, deixa de aproveitá-lo conforme o prometido. Nessa situação, é impositivo retorno do terreno ao Município, eis que não atendido o interesse público perseguido.

Quanto à empresa Bruno Papéis Especiais S/A, os Relatórios Anuais de Informações Sociais juntados aos autos demonstram que sua atividade em nenhum momento gerou os empregos projetados. Foram declarados 9 vínculos em 2004(fl.797), 6 vínculos em 2005(fl.798) e 2 vínculos em 2006(fl.799). Ademais, é fato reconhecido pelas empresas Bruno que o empreendimento não obteve êxito.

No que se refere à empresa Bruno Industrial Ltda., embora admitido que seu faturamento cresceu desde 2003, restou demonstrado pela Área Técnica que o terreno doado está praticamente ocioso, de maneira que o crescimento da empresa, que também utiliza outras áreas, em nenhum momento pode comprovar o cumprimento do encargo.

Dessa maneira, a escassa utilização do terreno doado, mesmo após praticamente duas décadas do ato de doação, demonstram que as empresas Bruno não cumpriram os encargos estabelecidos. Além dos mais, grande parte da área encontra-se à disposição das empresas sem qualquer utilidade, terreno que poderia destinar-se a outras empresas interessadas em instalar-se no Município. Por via de consequência, não resta alternativa senão determinar à Unidade que adote providências para a reversão do terreno ao Patrimônio Público.

De todo modo, a determinação para a reversão não impede que o Município, por meio de legislação, procure equacionar a questão quanto à pequena área que está sendo ocupada, a fim de firmar concessão de direito real de uso com a empresa, garantindo a exploração da parte aproveitada do terreno. Havendo o interesse na preservação da atividade econômica existente no local justifica-se nova Lei que trate adequadamente da matéria.

Por fim, quanto à sugestão de aplicação de multa ao Sr. Nelson Cruz, ex-Prefeito Municipal de Campos Novos, em razão da doação de um imóvel público para particulares, os argumentos anteriormente expostos, quanto à possibilidade jurídica da adoção dessa modalidade de transferência de imóvel público, afastam a irregularidade apontada.

Quanto à comunicação ao Ministério Público Estadual, diante da ausência de comprovação da ilegitimidade da doação é adequado que a matéria seja remetida apenas na hipótese da omissão quanto a adoção de providências para a reversão do imóvel ao Patrimônio Público.

III-PROPOSTA DE VOTO

Diante do exposto, e considerando que tanto o Responsável quanto as empresas interessadas apresentaram plenamente suas razões e provas no processo, submeto ao Plenário a seguinte proposta de voto: