Processo nº | CON-06/00019250 - Anexo o Processo TCGAP-06/90028784, referente Reserva de Contingência |
Unidade Gestora | Prefeitura Municipal de Governador Celso Ramos |
Interessado | FECAM - Anísio Anatólio Soares, Prefeito Municipal e Presidente da FECAM à época |
Assunto | 1. Consulta, Reserva de Contingência: utilização em face ao art. 5º, III, letra b, da LRF. 2. Manifestações da DMU, da COG e do Ministério Público Especial. 3. Processo n. TCGAP-06/90028784. Oriundo de manifestação de Conselheiro sobre a Reserva de Contingência. Apreciação da Assessoria da Presidência. 4. Conhecer da Consulta e responder conforme o Voto. |
Relatório nº | GCMB/2007/00328 |
Ementa: Reserva de Contigência. Utilização.
A dotação orçamentária a título de Reserva de Contingência somente poderá ser utilizada para atendimento dos passivos contingentes e outros riscos e eventos fiscais imprevistos (art. 5º, III, b, da Lei Complementar n. 101, de 2000), visando cumprir as finalidades da LRF, de estimular o planejamento de receitas e despesas públicas e a execução de gestão fiscal responsável, equilibrada e transparente.
1. A questão pertinente à reserva de contingência prevista no art. 5º, inciso III, letra b, da LRF, tem sido objeto de discussão no âmbito deste Tribunal, tanto que se constata nos presentes autos que a DMU e o Ministério Público posicionam-se pela impossibilidade de se utilizar a dotação para fins diversos daqueles estabelecidos no art. 5º, III, b, da LRF, ou seja, restringem a possibilidade de sua aplicação ao atendimento de passivos contingentes e outros riscos e eventos fiscais imprevistos, enquanto que o entendimento da COG apresenta uma solução um pouco mais flexível, admitindo utilização de parte da dotação para outras finalidades, desde que mediante autorização legislativa específica.
2. Necessário acrescentar que sobre o assunto manifestou-se o Conselheiro César Filomeno Fontes, conforme Memorando n. 31/06 encaminhado em 24/10/2006 ao então Presidente deste Tribunal, originando o processo n. TCGAP-06/90028784, em que relata divergência de entendimento entre a DMU (Memorando n. 109/2006) e seu Gabinete, quanto à destinação dos recursos constantes da dotação Reserva de Contingência, em face às propostas de decisão apresentadas com relação aos processos PCP (Prestação de Contas anuais de Prefeito).
As considerações do Conselheiro César Fontes foram examinadas pela Assessoria da Presidência, através do Dr. Neimar Paludo, consoante a Informação n. APRE-030/2006, de 30/10/2006, que explicita:
"... A Diretoria de Controle dos Municípios tem seguido a posição deste Tribunal, declarada em prejulgados, no sentido de que a reserva de contingência só pode ser utilizada para abertura de créditos nos casos de despesas decorrentes de passivos contingentes e riscos fiscais imprevistos.
A posição deste Tribunal de Contas decorreu da análise inicial da Lei Complementar n. 101/00, (...), onde os Tribunais de Contas foram guindados ao patamar de fiscais do cumprimento da nova Lei.
O entendimento foi o de que a reserva de contingência, como sugere seu nome, só é admissível para eventos situações imprevistas ou não previsíveis. Considerando que um dos pilares da responsabilidade fiscal é o planejamento de receitas e despesas (explicitadas na LDO e na LOA), a reserva de contingência não mais se destinaria a suplementar dotações em razão de descuido na elaboração do orçamento.
A reserva de contingência pode ser utilizada para suplementação de dotações ou para abertura de créditos especiais, mas desde que o reforço orçamentário nas respectivas rubricas tenham por finalidade cobrir despesas decorrentes de passivos contingentes e riscos fiscais imprevistos." Grifou-se.
Na seqüência, o Dr. Neimar indica doutrina verificando-se que, em alguns casos, é admitido o abrandamento no uso da Reserva de Contingência nos últimos meses do exercício, para, constatada a existência de saldo orçamentário, usar tais recursos em qualquer outro tipo de despesa.
Cita o Sr Assessor a Portaria Interministerial nº 163/2001, da Secretaria do Tesouro Nacional (STN), reportando, ainda, procedimentos definidos no Manual de Elaboração do Anexo de Metas Fiscais e Relatório Resumido da Execução Orçamentária, aprovado pela Portaria n. 633, de 30/08/2006, da STN, aplicada a partir do exercício de 2007, que, ao tratar do Demonstrativo da Execução das Despesas por Função/Subfunção- Anexo II (p. 119 do Manual), expõe que:
"A Reserva de Contingência é constituída sob a forma de dotação global, não especificamente destinada a determinado órgão, unidade orçamentária, programa ou categoria econômica, sendo destinada ao atendimento de passivos contingentes e outros riscos e eventos fiscais imprevistos. Estes últimos incluem as alterações e adequações orçamentárias que se identificam com o disposto no inciso III do § 1º do art. 43 da Lei n. 4.320/64, que permite a abertura de créditos adicionais com o cancelamento de dotações orçamentárias, inclusive da reserva de contingência incluída na Lei Orçamentária Anual. A forma de utilização e o montante dessa reserva serão definidos na Lei de Diretrizes Orçamentárias (...) de acordo com sua receita corrente líquida".
Salienta o Dr. Neimar que,
... A questão é se a lei orçamentária pode conter reserva de contingência para outras finalidades (ou mesmo utilizar a reserva de contingência específica para passivos contingentes e riscos fiscais imprevistos quando estes não ocorram).
Assim, por exemplo, poderia a lei orçamentária estabelecer uma reserva de contingência de 4% da receita corrente líquida, sendo previsto que 2% será utilizada para passivos contingentes e riscos fiscais imprevistos.
Esta solução encontra resistências, tendo em vista a possibilidade de desvirtuamento do orçamento, abandonando-se o planejamento, ademais, porque não existe um limite legal para essa reserva de contingência.
Nos encontros entre os Tribunais de Contas depois do advento da LRF, muitos promovidos pelo Ministério da Fazenda e com a participação deste, houve consenso de que a reserva de contingência deveria ser utilizada exclusivamente para a finalidade de atender o disposto no art. 5º daquela Lei.
Anota que o assunto comporta três diferentes posicionamentos, quais sejam:
a) restritiva, em que a Reserva de Contingência só pode ser utilizada para o atendimento de passivos contingentes e riscos fiscais e outros eventos imprevistos;
b) flexibilizada, permite a adoção da reserva de contingência para outras finalidades quando no final do exercício houver saldo na dotação, depois de atendidos os passivos contingentes e riscos fiscais relativos ao exercício;
c) extensiva, a utilização da reserva de contingência pode dar-se para atender os passivos contingentes e riscos fiscais, bem como para a abertura de créditos adicionais não vinculados à finalidade prevista no art. 5º da LRF.
Por fim, o Sr. Assessor refere a existência do presente processo de Consulta "em razão do qual o Tribunal Pleno terá oportunidade de novamente se manifestar sobre a matéria, e, se for o caso, até mesmo modificar o posicionamento atual do Tribunal de Contas", sugerindo, em conseqüência, o exame do processo n. TCGAP-06/90028784 (anexo) em conjunto com os presentes autos.
Por meio de despacho proferido em 01/11/2006 o então Conselheiro Presidente acolheu a manifestação de sua Assessoria, sendo dito processo reunido a estes autos.
3. Às respeitáveis citações, argumentos e entendimentos que instruem o presente processo, acrescento acerca da reserva de contingência algumas considerações visando subsidiar a avaliação e o deslinde da matéria.
Com esse propósito recorro à obra "Glossário - Termos técnicos mais comuns utilizados por Tribunais de Contas", editado em 2005 pelo Instituto Ruy Barbosa e o Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, em conjunto com a Portaria n. 632, de 2006, da STN, Anexo de Riscos Fiscais, pág. 16 do Manual, que permitem entender o significado das expressões utilizadas pela LRF e que motivam a discussão, quais sejam:
- Passivo contingente: 1- É a ocorrência de obrigação incerta, eventual, que sobrevém ao longo da execução orçamentária, tal como uma futura condenação em ação judicial que poderá elevar a despesa do próximo exercício financeiro. (...); 2- É uma obrigação provável cuja exigência depende de condições futuras relativas a espectos legais. (...).
- Riscos Fiscais. São a possibilidade da ocorrência de eventos que venham a impactar negativamente nas contas públicas. Os Riscos Fiscais são classificados em dois grupos, que são os Riscos Orçamentários e os Riscos da Dívida. (...).
- Riscos da Dívida (Riscos Orçamentários decorrentes da Gestão da Dívida). Referem-se a possíveis ocorrências, externas à Administração, que, em se efetivando, resultarão em aumento do estoque da dívida pública no ano de referência. São verificados, principalmente, a partir de dois tipos de eventos. Um deles é relacionado com a administração da dívida, ou seja, decorrem de fatos como a variação das taxas de juros e de câmbio em títulos vincendos. O segundo tipo são os passivos contingentes que representam dívidas cuja existência depende de fatores imprevisíveis, tais como resultados dos julgamentos de processos judiciais. Por se tratarem de passivos 'efetivos' e não de passivos contingentes, os precatórios não se enquadram no conceito de Risco Fiscal (...).
- Riscos Orçamentários. Referem-se à possibilidade de as receitas e despesas previstas não se realizarem durante a execução do Orçamento. Como casos de Riscos Orçamentários podemos citar: a) Arrecadação de Tributos a menor do que a prevista no Orçamento - frustração na arrecadação, devido a fatos ocorridos posteriormente à elaboração da peça orçamentária e/ou restituição de determinado tributo não previsto constituem exemplos de riscos orçamentários relevantes. b) Restituição de tributos a maior do que a prevista no Orçamento. c) Nível de Atividade Econômica, Taxa de Inflação e Taxa de Câmbio - são variáveis que também podem influenciar o montante dos recursos arrecadados (sempre que houver discrepância entre as projeções dessas variáveis quando da elaboração do orçamento, os valores observados durante a execução orçamentária, e os coeficientes que relacionam os parâmetros aos valores estimados). d) Ocorrência de epidemias, enchentes, abalos sísmicos e outras situações de calamidade pública que demandem do Estado ações emergenciais. (...).
Acerca da Portaria nº 586, de 29/08/2005, da Secretaria do Tesouro Nacional-STN, citada pela COG às fls. 51 a 54, deve-se registrar que foi revogada pela Portaria n. 632, de 30/08/2006, com vigência para o exercício financeiro de 2007, e tem por objetivo a aprovação do Manual de Elaboração do Anexo de Riscos Fiscais e do Relatório de Gestão Fiscal, em sua 6ª edição, mantidas as mesmas diretrizes para a elaboração do Anexo de Riscos Fiscais, que decorre do art. 4º, § 3º da LRF, que estabelece:
Art. 4º A lei de diretrizes orçamentárias atenderá o disposto no § 2º do art. 165 da Constituição e:
...................................
§ 3º A lei de diretrizes orçamentárias conterá Anexo de Riscos Fiscais, onde serão avaliados os passivos contingentes e outros riscos capazes de afetar as contas públicas, informando as providências a serem tomadas, caso se concretizem.
A esse dispositivo segue-se o art. 5º, inciso III, letra b, da LRF, que define que a LOA-Lei Orçamentária Anual,
Art. 5º O projeto de lei orçamentária anual, elaborado de forma compatível com o plano plurianual, com a lei de diretrizes orçamentárias e com as normas desta Lei Complementar:
......................................
III - conterá reserva de contingência, cuja forma de utilização e montante, definido com base na receita corrente líquida, serão estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, destinada ao:
a) (vetado)
b) atendimento de passivos contingentes e outros riscos e eventos fiscais imprevistos.
Como se vê a pretensão de alargar o campo de utilização da reserva de contingência esbarra em norma explícita da LRF; ao mesmo tempo, deixa de cumprir as finalidades da Lei Complementar (Federal) n. 101, de 04/05/2000, que visa a gestão responsável, eficiente e equilibrada do orçamento público.
Como afirma o Ministério Público:
"... a existência dessa reserva de contingência (cujo valor pode ser expressivo, pela inexistência de qualquer limite expresso no Decreto-lei), com dotação não especificamente destinada a determinado órgão, unidade orçamentária, programa ou categoria econômica, conflita com o regramento das finanças públicas traçado pelo constituinte de 1988, que conferiu clara importância ao planejamento na ação governamental, do que são exemplos claros os dispositivos relativos ao plano plurianual e à lei de diretrizes orçamentárias. Impossível conciliar a existência de uma dotação que não se sabe onde será gasta com o planejamento das finanças públicas exigido pela Constituição" (fls. 66).
Diz, ainda, o Órgão Ministerial que,
"... a possibilidade de existência de uma dotação sem qualquer definição de sua destinação, podendo ser utilizada para a abertura de quaisquer créditos adicionais, confronta claramente com o próprio espírito da Lei Complementar 101/2000, que estabelece no art. 1º, § 1º que 'a responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente" (grifos do original).
Para ilustrar o tratamento que vem sendo dado ao assunto, pesquisa realizada pelo meu Gabinete em meados de maio/2007 junto a alguns Tribunais de Contas resultou, resumidamente, nos seguintes dados:
Do levantamento efetivado em leis orçamentárias da União, dos Estados de São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, para o exercício de 2007), constata-se que os entes incluem na LDO - Anexo de Riscos Fiscais, dotação para fins de reserva de contingência, algumas apresentando valores irrisórios, como no caso do Estado de SP (R$ 5 milhões para um orçamento de R$ 84 bilhões); e do Estado de SC (R$ 1 milhão, equivalente a 0,01% do orçamento).
No âmbito deste Tribunal merece destaque o Guia da Lei de Responsabilidade Fiscal - 2ª edição (editado por este Tribunal de Contas em 2002), cujo item 7.2.2 (pp. 27 e 28), aborda o Anexo de Riscos Fiscais e, quanto à Reserva de Contingência, expõe:
A par disso, este Tribunal de Contas ao manifestar-se sobre o assunto em consulta formulada pela Prefeitura Municipal de Governador Celso Ramos (processo n. CON-01/01621515), proferiu na Sessão Plenária de 24/02/2002 a Decisão n. 711/2002, com o seguinte teor:
Com o advento da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n. 101/00) a Reserva de Contingência somente poderá ser utilizada para suplementação de dotações orçamentárias visando a pagamentos de despesas inesperadas, decorrentes de situações imprevisíveis, como calamidades públicas, fatos que provoquem situações emergenciais, etc., ou para cobrir passivos contingentes e eventos fiscais imprevistos, vedada sua utilização para suplementação de dotações insuficientes por falha de previsão ou por gastos normais da atividade pública.
Naquela oportunidade, o questionamento foi analisado pela COG segundo o Parecer n. 095/2002 (anexado por cópia), do qual se extrai:
"... Era comum a utilização da Reserva de Contingência para suplementação de qualquer outra verba orçamentária. Agora, há uma destinação específica. Uma dotação pode ser suplementada quando a falta de créditos decorra de eventos fiscais imprevistos. (...)
Os passivos contingentes decorrem de uma previsão já realizada, porém, que tenha extrapolado as previsões iniciais. Por isso mesmo, a lei fala em passivos. Sendo passivo, tem-se a noção clara de uma dívida já conhecida, ou pelo menos a viva expectativa de que um débito irá se formar a partir de certo momento, embora ainda não se conheça com precisão o seu montante. (...). Enfim, é quando não se tem certeza quanto ao exato momento da ocorrência e/ou o montante final do passivo.
Já o 'evento fiscal imprevisto' ocorre quando o fato gerador de despesas sequer havia sido previsto, porque ordinariamente imprevisível no momento da elaboração do orçamento. É caso de um evento de natureza (catástrofe, enchente, vendaval etc.) ou uma decisão judicial para o ente arcar com certa atividade de competência municipal (trânsito, educação, meio ambiente etc.).
Enfim, passivos contingentes e eventos fiscais imprevistos não poderão ser aqui listados, e sua constatação ocorrerá de forma casuística. Importante é reiterar que a partir da LRF não mais cabe utilizar a Reserva de Contingência para suplementação de dotação por qualquer motivo, mas apenas para fazer frente a pagamentos de despesas inesperadas (passivos contingentes e eventos fiscais imprevistos).
... O que a LRF pretende é fortalecer o processo orçamentário como peça de planejamento, prevenindo desequilíbrios indesejáveis. Além disso, a Lei pretende ser um instrumento de representação do compromisso dos governantes com a sociedade'. (...).
... o entendimento é de que a reserva de contingência tem um fim específico, qual seja, a de socorrer o orçamento para pagamento de despesas novas, não previstas, decorrentes de situações imprevisíveis (calamidades, situações de emergência etc.), ou riscos e passivos contingentes (contingenciados - passível de ocorrência, embora ainda não totalmente definido ou mensurável). Dessa forma, a reserva de contingência não pode ser utilizada para suplementação de qualquer espécie de despesa, como se fazia no passado, mas apenas para situações imprevistas. (...)". Grifou-se.
Percebe-se que a manifestação então expedida pela Consultoria Geral e que fundamenta a Decisão nº 711/2002, não demanda retoques. Os objetivos da LRF não foram alterados. Os propósitos continuam sendo os mesmos.
Nota-se, ainda, que por ocasião da 2ª edição do Guia da Lei de Responsabilidade Fiscal (2002) deste Tribunal, assim como, quando da Decisão nº 711/2002 exarada pelo Plenário, já vigia a Portaria Interministerial nº STN/SOF-163, de 04/05/2001.
Portanto, esse texto normativo não constitui fato novo que implique em reapreciação do tema, ainda que, conforme salientado pelo Dr. Neimar Paludo na Informação n. APRE-030/06 (Processo n. TCGAP-06/90028784), procedeu-se na época análise inicial da matéria frente à Lei recém surgida (LRF), que resulta (ou pode resultar), num primeiro momento, em rigidez na sua aplicação.
Nesta oportunidade pode-se afirmar que o suposto rigor do posicionamento deste Tribunal atende o objetivo da LRF, qual seja: evitar o "desvirtuamento do orçamento, abandonando-se o planejamento, ademais, porque não existe um limite legal para essa reserva de contingência", e também, porque representa posição de consenso dos Tribunais de Contas segundo encontros realizados e que debateram a aplicação da LRF (Informação n. APRE-030/06).
A par disso revela-se de difícil concretização a proposta da COG, que, ao sugerir a flexibilização da aplicação da Reserva de Contingência, argumenta que essa utilização "não pode ser concebida como uma autorização para o esgotamento da reserva de contingência" a qual deve "manter-se provida de um valor suficiente a cumprir o fim estabelecido" na LRF (fls. 54), ante a ausência de limites legais que permitam estabelecer critérios objetivos para garantir o cumprimento do art. 5º, III, b, da LRF.
Observa-se que o assunto ressurgiu, de fato, em razão da expedição da Nota Técnica nº 152/2006, de 01/02/2006, por Órgão da STN, a qual se constitui de resposta à consulta provocada pela FECAM junto ao Órgão Central do Sistema de Contabilidade Federal, da Secretaria do Tesouro Nacional (STN), e que veio a fundamentar consulta endereçada a este Tribunal, somando-se, posteriormente, a interpretação dada à matéria pelo Gabinete do Ilustre Conselheiro César Fontes (origem do Processo n. TCGAP-06/90028784 antes citado).
A Nota Técnica nº 152/2006 interpreta o art. 8º da Portaria Interministerial STN/SOF n. 163/2001, que faz alusão ao art. 91, do Decreto-lei n. 200, de 1967, cuja vigência é, no mínimo, duvidosa, frente à CF e a LRF, consoante manifestação do Ministério Público às fls. 66 e da DMU às fls. 23, considerando, ainda, que o citado art. 91 é dirigido exclusivamente à União (a quem faculta previsão orçamentária de dotação global, sem destinação específica, denominada de Reserva de Contingência, e admite a anulação dessa dotação para abertura de créditos adicionais - art. 43, da Lei Federal n. 4.320, e 1964).
Apesar de destinado especificamente à União e sua vigência ser discutível, ainda assim, o Órgão da STN embasa seu entendimento no art. 91 do DL 200/67 c/c o art 8º da Portaria Interministerial n. 163/2001, ao incluir entre as hipóteses de utilização dos recursos da Reserva de Contingência, a "falha de previsão orçamentária", para efeitos nos demais entes, no caso concreto, nos Municípios.
Como salienta a DMU (fls. 23), o Órgão da STN ao emitir a Nota Técnica (cópia às fls. 15 a 19), excedeu as atribuições estabelecidas no art. 50, § 2º, da LRF, que prevê:
Art. 50. Além de obedecer às demais normas de contabilidade pública, a escrituração das contas públicas observará as seguintes:
..........................
§ 2º A edição de normas gerais para consolidação das contas públicas caberá ao órgão central de contabilidade da União, enquanto não implantado o conselho de que trata o art. 67.
Na situação concreta o Órgão da STN não está a editar normas gerais de contabilidade, e sim interpreta a letra b do inciso III do art. 5º da LRF, quanto à destinação a ser dada aos recursos objeto de dotação a título de Reserva de Contingência.
Tratando-se de interpretação de norma legal em que se observa desatenção às diretrizes da LRF -- que têm por finalidade estimular os Administradores Públicos a adotar o planejamento das receitas e das despesas e a executar gestão fiscal equilibrada, responsável e transparente --, conclui-se que inexiste fato novo que justifique revisar o entendimento já firmado por este Tribunal.
Finalmente, não posso deixar de observar que com o surgimento da Lei Complementar Federal n. 101, de 04 de maio de 2000 (a LRF), espalhou-se por todos os recantos deste País a consciência de que as contas públicas têm que ser administradas como o orçamento doméstico, em que não se pode gastar mais do que se recebe; as despesas tem que ser planejadas, considerando que os recursos são limitados.
Também, atualmente, vive-se tempos de economia estável, com baixa inflação, o que afasta modificações significativas e freqüentes no comportamento de receitas e despesas.
Então, não se justifica que se crie uma dotação orçamentária global para ser utilizada genericamente, a critério do Gestor Público. Com esse procedimento retornaria-se a uma situação de desordem orçamentária e, por conseqüência, administrativa. A reserva de contingência, conforme prevista pelo art. 5º, inciso III, letra b, da LRF, tem o propósito de assegurar ao Administrador responsável, que, ocorrendo situações imprevistas ou imprevisíveis, contará com dotação orçamentária própria para fazer frente à situação anormal, superando uma situação de desequilíbrio orçamentário.
Se os demais entes não cumprem disposições da LRF, trata-se de um exemplo que deve ser rejeitado. A Administração Municipal tem o dever de demonstrar para a população local que sua gestão é responsável, mediante a execução de um orçamento planejado e equilibrado; deve existir a garantia de que os compromissos serão cumpridos; que os fornecedores poderão participar de licitações e contratações com a certeza de que, cumpridas suas obrigações, o gestor público cumprirá a sua parte.
Peço vênia, pois, ao digno Conselheiro César Filomeno Fontes, em face ao Processo n. TCGAP-06/90028784, para acompanhar o entendimento da DMU, do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, da Assessoria da Presidência, e, parcialmente, o entendimento da COG (não acolhendo a hipótese de uso de parte da dotação em outras finalidades, mediante lei específica), em defesa da aplicação dos recursos da dotação Reserva de Contingência, exclusivamente, para fins de atender passivos contingentes e outros riscos e eventos fiscais imprevistos, em cumprimento da letra b do inciso III do art. 5º da Lei Complementar Federal n. 101, de 04/05/2000 (LRF); e VOTO por submeter à deliberação Plenária a seguinte proposta de DECISÃO:
6.1. Conhecer da Consulta formulada pelo Prefeito Municipal de Governador Celso Ramos, de interesse da FECAM-Federação Catarinense dos Municípios, por preencher os requisitos e formalidades preconizados no Regimento Interno deste Tribunal.
6.2. Responder a consulta nos seguintes termos:
6.2.1. A dotação prevista na Lei Orçamentária Anual (LOA), a título de Reserva de Contingência, somente pode ser utilizada para o atendimento de passivos contingentes e outros riscos e eventos fiscais imprevistos, de acordo com o art. 5º, inciso III, letra b, da LRF, observada a forma de utilização e o valor definido com base na receita corrente líquida (RCL), determinados na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), não se admitindo sua utilização para a suplementação ou abertura de créditos adicionais para cobrir dotações insuficientes por falha de previsão orçamentária ou para atender despesas comuns à atividade pública.
6.3. Determinar à Consulente que, em futuras consultas, encaminhe o parecer de sua assessoria jurídica, nos termos do que dispõe o artigo 104, inciso V, do Regimento Interno do Tribunal de Contas (Resolução n. TC-06/2001).
6.4. Encaminhar cópia da Decisão à COG.
6.5. Dar ciência desta Decisão, do Relatório e Voto do Relator, dos Pareceres nºs. COG-343/2006 e MPTC-4564/2006, e da Informação nº APRE-030/2006 (processo TCGAP- 06/90028784), que a fundamentam, à Prefeitura Municipal de Governador Celso Ramos e à FECAM.
Florianópolis, 30 de julho de 2007.
Moacir Bertoli
Relator