1. RELATÓRIO

Tratam os Autos nº PDI-06/00106810 de Processo Diverso, autuado a partir do Ofício nº 024/UGP/2006, da lavra do Exmo. Secretário Municipal de Obras de Florianópolis à época, Sr. Djalma Berger, dando conhecimento a este Tribunal sobre a substituição de um dos integrantes do Consórcio Carioca - Sulcatarinense, vencedor da Concorrência Pública Internacional nº 014/2004, para execução das obras de implantação da Via Marginal da Principal Coletora (PC 1) - Beira Mar Continental. Para tanto, acosta aos autos documentos de fls. 04-271.

Recebida e autuada a documentação, o processo foi encaminhado à Diretoria de Controle de Obras (DCO), que na oportunidade elaborou o Relatório nº 38/2006 - fls. 272-277 - sugerindo a remessa dos autos à Consultoria Geral, por envolver questões jurídicas relacionadas aos atos constitutivos e de alteração do consórcio e do contrato firmado.

Ato contínuo, a Consultoria Geral por meio do Parecer nº COG-154/2006 (fls. 278-289), após minucioso exame, pronunciou-se pela rescisão do contrato, nos termos do art. 78, VI, da Lei nº 8.666/93, haja vista a substancial mudança realizada na composição interna do consórcio vencedor do certame, com violação ao art. 50 da Lei nº 8.666/93.

O Ministério Público junto ao Tribunal (Parecer nº MPTC-2331/2006 - fls. 304-307 dos autos) posicionou-se pela legalidade da alteração do consórcio e, por conseguinte, do acordo assinado, eis que restaram íntegras as cláusulas relativas ao objeto, às capacidades técnica e financeira e ao preço.

Em seguida, vieram-me os autos, na forma regimental, para Voto e respectiva proposta de Decisão.

É o breve relatório.

2. DISCUSSÃO

Com fundamento no art. 224 da Resolução n.º TC-06/2001, nos Pareceres emitidos pela Douta Consultoria Geral e pelo Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, e após compulsar atentamente os autos, passo a expor e examinar as questões fáticas e jurídicas que corroboram o Voto por mim proferido.

Considerando a peculiaridade do assunto que ora me foi apresentado, julgo oportuno contextualizá-lo, relatando os principais fatos:

  1. Em 12 de janeiro de 2006, o Consórcio Carioca-Sulcatarinense, por meio de seus representantes legais, protocolizou requerimento na Prefeitura Municipal de Florianópolis almejando a exclusão da empresa Carioca Christiani Nielsen Engenharia S.A. do Contrato nº 491/2004, e a sua substituição pela empresa Ster Engenharia Ltda. Tal requerimento apresentava-se como alternativa a um pedido de rescisão contratual e tinha como justificativa a demora na liberação da obra, decorrente de problemas enfrentados pelo Município na aquisição das licenças ambientais.

  1. Autuado o pedido (Processo nº 2638/2006), o Exmo. Prefeito Municipal, Sr. Dário Elias Berger, determinou o seu encaminhamento à Procuradoria-Geral do Município para análise jurídica quanto à possibilidade ou não do seu deferimento.

  2. Por sua vez a Procuradoria, à vista do que lhe foi apresentado, entendeu que a questão era complexa e requisitou maiores informações e documentos visando à prolação de um parecer conclusivo.

  3. Prontamente atendida e com a posse da documentação complementar, a Procuradoria Geral lavrou o Parecer de nº 019/PGM/2006, posicionando-se favorável ao atendimento do pleito, uma vez adotadas as seguintes medidas administrativas:

A) - exigir o registro do novo "Termo de Compromisso de Consórcio", inclusive com prova de arquivamento do mesmo junto a JUNTA COMERCIAL DO ESTADO;

B) - elaborar, com base no novo documento, Termo Aditivo ao Contrato, alterando-se a parte contratada e mantendo-se íntegra todas as demais cláusulas;

C) - levar tal alteração ao conhecimento do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina e da Gerência do Programa - FONPLATA, por ter este participado da assinatura do contrato original.

D) - que seja, após, refeita a "Ordem de Serviço", dando-se início a obra.

    5. Ato contínuo foi providenciada a alteração do consórcio nos seguintes termos:

1) A empresa CARIOCA Christiani Nielsen Engenharia S.A. cedeu e transferiu à SULCATARINENSE - Mineração, Artefatos de Cimento, Britagem e Construções Ltda. 2/5 (20%) e à Ster Engenharia Ltda. 3/5 (30%) das parcelas retiradas dos 50% do direito que possuía na composição do consórcio;

2) A empresa SULCATARINENSE passou a deter 70% e a STER Engenharia 30% do direito na composição do consórcio;

3) O consórcio passou a denominar-se SULCATARINENSE-STER;

4) A empresa SULCATARINENSE passou a exercer a liderança do consórcio cabendo-lhe a representação legal perante a Prefeitura Municipal de Florianópolis durante a integral execução do contrato.

6. Em 23 de fevereiro de 2005, a Prefeitura Municipal de Florianópolis e as empresas integrantes do novo Consórcio, denominado Sulcatarinense-Ster, assinaram um aditivo ao Contrato nº 491/2004, já nos termos das alterações sobreditas.

Com efeito, apesar das mudanças terem sido devidamente registradas em cartório e delas tendo concordado o Município de Florianópolis, não se pode ignorar que surgiram sérias implicações jurídicas concernentes às regras editalícias e às disposições da Lei nº 8.666/93.

Extrai-se das cláusulas constantes no Edital nº 014/2004, relativas à participação de empresas na forma de consórcio, que:

4.8 - Será permitida a participação de empresas em consórcio desde que constituído por no máximo 2 (duas) empresas, e deverá atender as seguintes formalidades:

a) comprovação de existência do compromisso público ou particular de constituição de consórcio subscrito pelos consorciados;

b) indicação da empresa líder e responsável pelo consórcio, bem como especificar o percentual de participação de cada empresa na composição do consórcio;

c) Apresentação dos documentos de habilitação exigidos no Edital por parte de cada consorciado. No caso da guia de recolhimento da compra do edital e o da comprovação do recolhimento da Garantia de Proposta poderá ser feito por qualquer consorciado. Admitir-se-á para efeito de qualificação técnica o somatório dos quantitativos de cada consorciado. Sendo ainda obrigatório, o atendimento por cada consorciado no mínimo 07 (sete) quantitativos mesmo que parcialmente. Também para o consórcio o número de atestados e/ou certidões comprobatórios, está limitada, no máximo 2 (dois) contratos simultâneos ou não para cada alínea do item 11.1.4 - "C2". Os constituintes de consórcio deverão declarar que todos os sócios serão responsáveis de forma conjunta e solidária nos atos derivados da Licitação/Contratação e da execução da obra. Sob pena de desqualificação deverá ser declarado que a composição do consórcio se manterá inalterada durante a licitação e durante a execução da obra, caso seja vencedor

d) Impedimento de participação de empresa consorciada na mesma licitação através de mais de um consórcio ou isoladamente;

e) O consórcio, sendo vencedor, fica obrigado a promover antes da celebração do contrato a constituição e o registro do consórcio nos termos do compromisso referido na alínea "a" do subitem acima aludido;

Como se pode observar, o instrumento convocatório da Concorrência Pública Internacional nº 04/2004, com fundamento no art. 33 da Lei nº 8.666/93 e considerando a complexidade da obra, permitiu a participação de empresas sob a forma de consórcio. No entanto, visando resguardar os princípios administrativos, em especial inibir a burla ao procedimento licitatório, deixou assente que eventuais alterações na composição do consórcio durante o certame ou execução do contrato conduziriam à desqualificação do mesmo, caso fosse vencedor. Em outras palavras, o consórcio passaria a ser considerado inabilitado, devolver-se-ia a proposta apresentada e se chamaria o consórcio detentor da segunda melhor oferta.

Ocorre que o Município de Florianópolis, inobservando este comando, acordou com a alteração interna do Consórcio Carioca-Sulcatarinense, firmando um termo aditivo ao contrato original e repassando a execução da obra a um novo Consórcio, nominado Sulcatarinense-Ster.

Não tenho dúvidas que se trata de uma cessão do Contrato nº 491/2004, e esta certeza extraio dos estudos desenvolvidos pela própria Procuradoria-Geral do Município (fls. 136-137 e 292-297 dos autos) e da análise feita pela Consultoria Geral deste Tribunal (fls.278-289 dos autos). Motivo pelo qual me apoio nas cláusulas editalícias para afirmar que a cessão do contrato só poderia ocorrer até o limite de 20% da obra.

13.4 - DA SUB-CONTRATAÇÃO E CESSÃO:

A CONTRATADA poderá subcontratar e ceder ou transferir até 20% das obras, com a permissão do Organismo Executor, mas não pode assinar o Contrato sem que haja aprovação, por escrito, do CONTRATANTE. A subcontratação não altera as obrigações contratuais do CONTRATADO.

O Parecer nº COG-154/2006 da Consultoria Geral é contundente ao concluir que " a cessão por parte da empresa Carioca Christiani-Nielsen Engenharia S/A às empresas Sulcatarinense e Ster extrapolou o limite permitido pela Administração, além de implicar na constituição de um outro consórcio, o Consórcio Sulcatarinense-Ster"; ocasionou "o transpasse de parte da execução do contrato originalmente afeto à empresa Carioca Christiani-Nielsen Engenharia S/A para a empresa Ster", trazendo para o "consórcio empresa que não participou do processo licitatório" e, ainda, que "as práticas acima, conforme disposição contratual, são motivos que dão ensejo à rescisão contratual". Para fins de ilustração, transcrevo as disposições da Lei de Licitações invocadas pela COG para sustentar, respectivamente, a tese da ofensa ao princípio da isonomia e a sugestão de que seja determinado o rompimento do contrato:

Art. 50 - A Administração não pode celebrar o contrato com preterição da ordem de classificação das propostas ou com terceiros estranhos ao procedimento licitatório, sob pena de nulidade.

Art. 78. Constituem motivo para rescisão do contrato:

[...]

VI - a subcontratação total ou parcial do seu objeto, a associação do contratado com outrem, a cessão ou transferência, total ou parcial, bem como a fusão, cisão ou incorporação, não admitidas no edital e no contrato;

Em defesa do Município o Exmo. Procurador-Geral, Dr. Jaime de Souza, apresentou Memorial - fls. 292-301 -, contrapondo-se às considerações feitas pela COG. Aduziu, em síntese, que a Administração Municipal em nenhum momento ofendera o art. 50 da Lei nº 8.666/93, pois a presente situação não se tratou de "preterição da ordem de classificação dos licitantes, posto que o Município adjudicou a obra ao primeiro classificado, como de direito", e que as alterações feitas em nada prejudicaram o contrato. Sustentou, ainda, que a nova empresa é suficientemente capacitada técnica e financeiramente para, integrada com a remanescente, executar a obra; e que o interesse público exige o início dos trabalhos, quer pela sua importância para o sistema viário da cidade, quer pelos recursos financeiros disponíveis, que a cada mês estavam custeando aos cofres públicos elevada "taxa de permanência" pela sua não aplicação. Por fim, citou os ensinamentos de Marçal Justen Filho, no tocante à interpretação do art. 78, VI, da Lei nº 8.666/93, para sustentar a viabilidade jurídica da mudança interna do consórcio e a cessão do contrato.

"1) Primeiro requisito: supremacia do interesse público

O primeiro princípio aplicável é o da supremacia do interesse público. Selecionada uma determinada proposta através de licitação, ficou ela definida como a mais vantajosa para o interesse público. Isso não significa imutabilidade das condições contratadas. Veja-se que a realização prévia da licitação não impede alteração destinada a satisfazer o interesse público. Trata-se de peculiaridade essencial do contrato administrativo, consagrado nos arts. 58, inc. I, e 65, incs. I e II, da Lei nº 8666.

Portanto, a alteração subjetiva deve ser admitida quando não importar sacrifício das condições originalmente pactuadas acerca da execução do contrato. Se as condições objetivas da proposta forem mantidas, a alteração subjetiva não representará qualquer infringência ao postulado da prevalência do interesse público.

Também é óbvio que não atenderá ao interesse público alteração que beneficie sujeito destituído dos requisitos de habilitação exigidos por ocasião da licitação. Reconhece-se que nem se pode considerar proposta formulada por sujeito inidôneo. Presume-se desvantajosa a proposta apresentada por quem não reúne condições de habilitação. Portanto, somente poderá admitir-se alteração subjetiva na condição de contratado em favor de particular que seja absolutamente idôneo.

De todo o modo, a Administração deverá acautelar-se para evitar a liberação do cedente, exigindo a manutenção da responsabilidade dele pelos eventos relacionados com a execução do contrato pelo cessionário.

2) Segundo requisito: tratamento isonômico

Em segundo lugar, a alteração subjetiva não pode ser instrumento de infringência ao princípio da isonomia. Significa que todos os que pretendiam disputar a contratação tiveram oportunidade de fazê-lo, através da licitação. Não se pode conceber que o sujeito que não poderia participar da licitação obtenha a condição de contratado através de expedientes indiretos. Ou, então, haveria a possibilidade de frustração ao cumprimento de requisitos exigidos para participação na licitação. O cessionário poderia ser destituído dos requisitos necessários a participar da licitação, por exemplo. Outra hipótese seria justamente o oposto. A cessão funcionaria como instrumento de desconstituição das garantias necessárias á satisfação do interesse público.

3) Terceiro requisito: moralidade

Em terceiro lugar, aplica-se o princípio da moralidade. Exige-se que a alteração do contratado não envolva operação eticamente reprovável. Não é possível que a transferência seja uma operação obscura. Deverá tratar-se situação transparente, sem margem para questionamento acerca de desvios ou dúvidas.

4) Impossibilidade de rejeição imotivada

A manifestação de concordância ou discordância do Estado acerca da alteração do particular depende do atendimento a esses princípios fundamentais. Somente caberá a discordância do estado mediante decisão motivada, em que se demonstre que a alteração põe em risco a integridade dos princípios jurídicos norteadores da atividade administrativa. Não cabe opor-se á modificação através da mera invocação á natureza personalíssima do contrato, pois isso retardaria decisão subjetiva, incompatível coma ordem constitucional vigente.

5) Ressalva: contratações efetivamente personalíssimas

Apenas deve ressalvar-se as hipóteses de contratação efetivamente personalíssimas, as quais podem ocorrer no âmbito administrativo, ainda que com cunho de excepcionalidade. Essas hipóteses se verificam quando o objeto do contrato pressupuser atuação pessoal de um sujeito determinado e específico. São os casos onde a execução do contrato consiste em manifestação direta da personalidade do contratado. Isso se passa nas contratações de artistas, de atividades predominantemente intelectuais e em casos de serviços técnicos profissionais especializados de natureza singular. São supostos onde o subjetivismo da contratação é inevitável, a ponto de admitir-se inclusive a ausência de licitação. No máximo, produz licitação na modalidade de concurso. Em tais situações, dá-se vinculação subjetiva do contratado, tornando inviável sua substituição, tal como acima já apontado.

6) A irrelevância da ausência de autorização prévia expressa

Não se afasta a aplicação do raciocínio antes desenvolvido em virtude da ausência de autorização expressa. A fórmula verbal consagrada na parte final do inc. VI do art. 78 deve ser bem interpretada. Quando a Lei se refere a modificação "não admitidas no edital e no contrato", isso não significa exigência da prévia e explícita autorização para substituição do sujeito. Interpretação dessa ordem conduziria, aliás, a sério problema prático. É que nenhum edital prevê, de antemão, a livre possibilidade de cessão de posição contratual. Nem teria sentido promover licitação e, concomitantemente estabelecer que o vencedor pudesse transferir, como e quando bem o entendesse, os direitos provenientes da contratação. Essa não é a regra norteadora da contratação administrativa.

Tem de reputar-se que a cessão de posição não seria admitida, de modo algum, quando a contratação tiver sido avençada em virtude de condições específicas e peculiares do contrato, de modo que a modificação subjetiva importaria alteração radical na qualidade do objeto contratado.

Ou seja, o disposto no inc. VI tem de ser interpretado de modo consentâneo com a exigência contida no inc. XI: configura-se obstáculo insuperável à modificação subjetiva o risco de prejuízo à execução do contrato, tal como originalmente pactuado.

7) A impossibilidade de cessão deriva de vedação expressa e absoluta

Em suma, não se exige a previsão de autorização expressa, mas a lei alude à existência de vedação explícita, de cunho absoluto e intransponível.

Não se configurará essa vedação mesmo quando o edital determinar que o contratado deverá executar pessoalmente o contrato, sendo proibida a transferência da sua posição contratual a terceiros. Essa cláusula contempla implicitamente, a ressalva: a não ser quando previamente autorizada a cessão por parte da Administração Pública, a qual dependerá do preenchimento de determinados requisitos.

O fundamento dessa interpretação reside no descabimento de vedações desvinculadas das circunstâncias ou do interesse público. Em princípio, pretende-se que o contrato, tal como derivou da licitação, seja fielmente executado. Mas isso não afasta a possibilidade de alterações supervenientes, objetivas e subjetivas, especialmente quando o interesse público não seja afetado."

Entretanto, em que pese os argumentos trazidos pela Douta Procuradoria Geral do Município, entendo que a cessão do Contrato Administrativo nº 491/2004 foi ilegal à luz das disposições editalícias e contratuais, pois tais comandos autorizavam a Administração Municipal a ceder, tão-só, 20% das obras, não mais que isso. À vista disso, compartilho integralmente com a análise feita pela Consultoria Geral, em especial, quando afirma que houve desrespeito ao princípio da isonomia. Saliento, também, que o art. 50 da Lei nº 8.666/93 é claro ao proibir que a Administração celebre contrato com terceiros estranhos ao procedimento licitatório. Portanto, se a empresa Ster Engenharia Ltda não participou da licitação não poderia ter ingressado no Contrato Administrativo nº 014/2004, além dos limites dispostos pela própria Administração no edital e no contrato.

Conforme leciona Leon Fredja Szklarowsky acerca da subcontratação e cessão do contrato administrativo:

O contrato com a Administração Pública centra-se primacialmente na lei nº 8666, de 1993 e suas alterações posteriores, aplicando-se-lhe, supletivamente, as disposições de direito privado (Código Civil, Código Comercial, lei das Sociedades por Ações, lei de Locação de Imóveis urbanos etc.) E a teoria geral dos contratos, rege-se, basicamente, pelas suas cláusulas e pelas normas de direito público. O contrato, essencialmente formal, vincula-se obrigatoriamente ao edital ou ao instrumento convocatório e deverá espelhar com precisão as condições, direitos e obrigações das partes contratantes. É escrito e submete-se ás rígidas regras desta lei, permitindo-se excepcionalmente o contrato verbal, se de pequenas compras, de pronto pagamento, feitas em regime de adiantamento, e que não ultrapasse o limite previsto no artigo 23, II, a, desse diploma.

O contrato com a Administração Pública é, em regra, pessoal, não obstante, a lei comentada permite, que, na execução do contrato, a contratada subcontrate ou ceda (transfira) partes da obra, serviços ou fornecimento, até o limite admitido, em cada caso.

[...]

A contratada, apesar da subcontratação consentida, legal e contratualmente, até os limites previstos, continua com total responsabilidade legal e contratual.

A cessão e a sub-rogação não foram rejeitadas, porque encontram sustentação no direito positivo.

Interpretando a lei vigente, a doutrina não se tem furtado de marcar sua posição, com relação a este tema, que não é novo. A lei anterior, o Decreto-lei nº 2300, de 1986, continha normas idênticas.

Também a lei que rege as concessões e permissões, de obras e serviços públicos - Lei 8987, de 13 de fevereiro de 1995, consagra o mesmo princípio.

Alguns autores admitem, a subcontratação total, sem qualquer restrição, conquanto exijam esteja, expressamente, prevista esta faculdade no edital e no contrato. A aquiescência da contratada é, pois, condição sine qua non.

Entretanto, predomina o entendimento doutrinário, de que a subcontratação pode fazer-se, mas apenas de partes do objeto (não a totalidade, somente até o quantitativo descrito no edital e no contrato), desde que admitida, no edital e no contrato.

As outras modalidades também, são autorizadas, mas sempre com vistas ao edital e ao contrato.1

No tocante as lições do respeitável jurista Marçal Justen Filho, entendo que a alteração subjetiva do contrato, por ser providência excepcional, só se reveste de legalidade e harmonia com os princípios da isonomia, da vinculação ao edital e do interesse público, quando não expressamente vedada pelo ato convocatório da licitação e pelo contrato e, principalmente, quando são chamados para se manifestarem os demais licitantes classificados, e estes silenciarem diante da convocação da Administração. In casu, a documentação que ora foi apresentada a este Tribunal não demonstrou nenhuma providência neste sentido.

As manifestações jurídicas acostadas aos autos, elaboradas pela Procuradoria Geral do Município, limitaram-se a subsidiar o deferimento da alteração subjetiva do contrato, sugerida pelo Consórcio Carioca-Sulcatarinense, demonstrando pouca preocupação em salvaguardar os princípios que norteiam o processo licitatório da isonomia e da vinculação ao edital e, principalmente, evitar que algum licitante viesse a promover uma ação judicial visando anular a cessão, alegando preterição.

Diante desses fatos, não há como deixar de reconhecer a ocorrência de uma grave infração à Lei nº 8666/93 e aos princípios que norteiam o processo licitatório.

Como decorrência desta ilegalidade, o art. 78, VI, da Lei de Licitações dispõe que constitui motivo para a rescisão do contrato a cessão ou transferência, total ou parcial, do objeto contratado, quando não admitida no edital e no próprio contrato. In casu, verifica-se que a solução apresentada pela Consultoria Geral seria a rescisão do acordo. Assim sendo, nos termos da Lei Complementar nº 202/00, arts. 30 e 31, o Tribunal Pleno fixaria um prazo para que o responsável adotasse providências para o exato cumprimento da lei, e em caso de inércia comunicaria o fato ao Poder Legislativo Municipal para sustar o contrato e solicitar de imediato ao Poder Executivo as medidas cabíveis.

Entretanto, ao verificar in loco o andamento das obras, na tarde do dia 03 de julho do corrente ano, acompanhado pelo Corpo Técnico deste Tribunal, o Diretor da DCO, Sr. Pedro Jorge de Oliveira e o Diretor da DMU, Sr. Geraldo Gomes, pelos Procuradores junto ao Tribunal de Contas, Dr. Mauro Pedrozo e Dr. Carlos H. Prola Júnior, e pela assessoria do meu gabinete, constatamos quais os trabalhos de engenharia já empregados, e o que significaria a paralisação destes serviços tanto para o Município como para o meio ambiente, já que a construção em si representa um significativo impacto.

Neste contexto, a despeito da inobservância dos princípios da isonomia e da vinculação ao edital, há que se considerar e sopesar algumas questões, a fim de que seja alcançada a melhor solução para o caso. Assim, destaco que:

1º) o Contrato de Empréstimo nº BR-8/2004, firmado entre o Município de Florianópolis e o Fundo de Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata, denominado FONPLATA, dispõe no art. 16 que, sobre o saldo não desembolsado do financiamento, o Município de Florianópolis pagará uma Comissão de Compromisso (entenda-se por Taxa de Permanência) de 0,75% por ano (setenta e cinco centésimos por cento), calculado aos 180 (cento e oitenta) dias-calendário desde a data da assinatura do contrato. Portanto, uma vez se optando pela rescisão do contrato e ocorrendo a suspensão dos trabalhos, o Município de Florianópolis, além da obrigação de pagar o empréstimo, juros e eventual mora, arcará, também, com a taxa anual de 0,75% sobre o valor não desembolsado para a continuidade da obra.

Só para se ter uma idéia, às fls. 346-351 dos autos foram acostadas as Notas de Empenhos ns. 10078/05 e 2140/05, emitidas por força desta Taxa de Permanência, e que consignam que o Município, desde a assinatura do Contrato nº 491/2004 até o efetivo início das obras, já desembolsou aproximadamente R$ 250.000,00 (duzentos e cinqüenta mil reais), tendo em vista a demora na liberação das licenças ambientais.

2º) a rescisão contratual, nos termos propostos pela Consultoria Geral, poderá gerar para o Consórcio Sulcatarinense-Ster e em desfavor do Município, direito à indenização pelos trabalhos já executados e porventura ainda não pagos, por força da proibição do enriquecimento ilícito da Administração. Com maestria leciona Hely Lopes Meirelles que:

[...]o ato nulo não produz efeitos jurídicos válidos, também o contrato administrativo nulo não gera direitos e obrigações entre as partes, pois a nulidade original impede a formação de qualquer vínculo contratual eficaz entre os pretensos contratantes, só deixando subsistir suas conseqüências em relação a terceiros de boa-fé. Mas mesmo no caso de contrato nulo pode tornar-se devido o pagamento dos trabalhos realizados ou dos fornecimentos feitos à Administração, uma vez que tal pagamento não se funda em obrigação contratual, e sim no dever moral de indenizar toda obra, serviço ou material recebido e auferido pelo Poder Público, ainda que sem contrato ou com contrato nulo, porque o Estado não pode tirar proveito da atividade do particular sem a correspondente indenização.2

3º) a contratação de um novo Consórcio, seja ele fruto de um novo processo licitatório ou convocação dos demais licitantes pela ordem de classificação, não garante que o preço fixado seja igual ao consignado no Contrato nº 491/2004, considerando as condições em que as obras se encontram e a responsabilidade que o Consórcio assumirá quanto à sua solidez e segurança.

À vista disso, valho-me dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade3, que devem nortear a função de julgar, para afastar, neste momento, a proposta de rescisão contratual. De antemão já esclareço que esta opção não inibe a aplicação de sanções ao(s) responsável(eis) pela cessão ilegal, na forma da Lei Complementar nº 202/00. Todavia, deixo de cominá-las imediatamente por entender que o presente processo não contemplou o exercício do direito ao contraditório e à ampla defesa, assim garantido pelas Constituições federal e estadual e pela LC nº 202/00 - art. 35, parágrafo único, e ao que faz jus o Exmo. Prefeito Municipal de Florianópolis.

Na proposta de decisão apresento algumas determinações que permitirão, indubitavelmente, o exame e julgamento da restrição ora constatada, bem como outras que porventura venham a ser encontradas pela Instrução, a fim de receberem a correspondente e proporcional resposta deste Tribunal.

3. PROPOSTA DE DECISÃO

Ante o exposto e com base nos pareceres da Douta Consultoria Geral e do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, bem como nos documentos ora apresentados a esta Corte pela Prefeitura Municipal de Florianópolis, e considerando que:

1º) O Consórcio Carioca-Sulcatarinese na condição de vencedor da licitação deveria manter-se íntegro para a execução da obra;

2º) O ingresso da empresa Ster Engenharia Ltda no Contrato Administrativo nº 491/2004, no lugar da empresa Carioca Christiani-Nielsem Engenharia S/A, deu origem ao Consórcio Sulcatarinense-Ster, não participante do processo licitatório;

3º) A cessão feita extrapolou os limites definidos pela própria Administração no Edital da Concorrência Pública nº 014/2004 e no Contrato Administrativo nº 491/2004;

4º) A cessão ilegal do citado Contrato Administrativo, conforme comando do art. 78, VI, da Lei nº 8.666/93, enseja a rescisão do contrato;

5º) A rescisão contratual na atual fase pode levar a graves prejuízos ao erário, uma vez que o Contrato de Financiamento Internacional prevê o pagamento de Comissão de Compromisso (Taxa de Permanência) de 0,75% por ano sobre o saldo não desembolsado;

6º) A paralisação da obra e início de um novo processo licitatório pode causar ainda sérios danos ao meio ambiente, além do impacto já causado pela construção;

7º) As obras encontram-se em pleno andamento e, segundo Relatório nº DCO-167/06 (fl. 371 dos autos), o cronograma físico que foi estabelecido é uma meta possível de ser atingida, caso seja mantido o atual ritmo das obras.

8º) Os preceitos administrativos encontram-se em "pé de igualdade" com os princípios ora violados - isonomia e vinculação com o edital -, uma vez que não há uma hierarquia pré-estabelecida, devendo tanto o Administrador Público como este Tribunal de Contas, à luz do caso concreto e visando sempre a proteção do erário, escolher qual o princípio que irá prevalecer para melhor salvaguardar o interesse público.

VOTO no sentido de que o Tribunal adote a decisão que ora submeto à sua apreciação:

6.1. Conhecer dos Pareceres Instrutivos que tratam sobre a substituição de um dos integrantes do consórcio vencedor da Concorrência Pública Internacional nº 014/2004, para execução das obras de implantação da Via Marginal da Principal Coletora (PC 1) - Beira Mar Continental.

6.2. Determinar à Prefeitura Municipal de Florianópolis que no prazo de 30 (trinta) dias encaminhe cópia do Contrato nº 491/2004 e Termos Aditivos firmados, caso existentes, relacionados à Concorrência Pública Internacional nº 014/04 a este Tribunal, visando à formação de autos específicos e análise pelas Diretorias de Controle dos Municípios e Controle de Obras.

6.3. Determinar à Prefeitura Municipal de Florianópolis que em atenção à Instrução Normativa nº TC-01/2003, promova o cadastramento de todas as obras que estão sendo executadas, em especial, as obras de implantação da Beira-Mar Continental, encaminhando mensalmente as informações exigidas pelo Sistema, sob pena de aplicação de multa nos termos da LC nº 202/00.

6.4. Determinar à Diretoria de Controle de Obras (DCO) que promova o acompanhamento das obras de implantação da Beira Mar Continental "pari passu", a exemplo do que foi feito na Via Expressa Sul, com destacada atuação, reconhecida, inclusive, pelo Tribunal de Contas da União.

6.5. Encaminhar os presentes autos à Diretoria de Controle dos Municípios para considerar quando da análise dos autos que serão formados a partir dos documentos mencionados no item 6.2.

6.6. Dar ciência desta Decisão, do Relatório e Voto do Relator que a fundamenta, bem como do Parecer nº COG-154/2006 e Relatório nº DCO-167/06, ao Exmo. Prefeito Municipal de Florianópolis, Sr. Dário Elias Berger.

Gabinete de Conselheiro, 16 de outubro de 2006.

CÉSAR FILOMENO FONTES

Conselheiro Relator


1 . SZKLAROWSKY, Leon Fredja. Subcontratação e Cessão de Contrato Administrativo. In: Revista do Tribunal de Contas da União, abril/Junho de 1998, n. 76, p. 47-60.

2 . MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e Contrato Administrativo. 13 ed. atual. Malheiros Editores: São Paulo, 2002. p. 231.

3 . MELLO, Shirlei Silmara de Freitas. Tutela cautelar no processo administrativo. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. p. 105-106. Segundo a autora: "[...] é a razoabilidade que vai guiar a necessária ponderação que se deve fazer na aplicação simultânea de princípios na solução de questões de direito. Quando estão em jogo dois ou mais valores consagrados no ordenamento, há que se estabelecer qual ou quais deles deverá(ão) preponderar diante de determinadas circunstâncias, considerando-se que os princípios são relativos, posto que, se aplicados de modo absoluto, estar-se-á criando aberrações jurídicas."