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TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO Gabinete do Auditor Cleber Muniz Gavi Conselheiro em Substituição Portaria n.º TC 546/2006 | |||||
PROCESSO N. | PDI 06/00106810 | |||||
UNIDADE | PREFEITURA MUNICIPAL DE FLORIANÓPOLIS | |||||
RESPONSÁVEL | DJALMA BERGER | |||||
ASSUNTO |
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Vieram os autos com vistas a este signatário, na qualidade de Conselheiro em Substituição, a fim de que, a partir das considerações apresentadas na sessão do dia 30.10.2006, quando proferido o voto do Exmo. Conselheiro César Filomeno Fonte, Relator do processo, fossem adequadamente apresentadas as razões jurídicas e conclusão que consideramos pertinentes ao caso.
Inicialmente, cabe ressaltar tratar-se de manifestação destinada à complementação das questões já levantadas pelo Exmo. Conselheiro Relator, o qual através de percuciente análise dos fatos retratados nos autos, já concluíra que "(...) não há como deixar de reconhecer a ocorrência de uma grave infração à Lei n.º 8666/93 e aos princípios que norteiam o processo licitatório" e que "as manifestações jurídicas acostadas aos autos, elaboradas pela Procuradoria Geral do Município, limitaram-se a subsidiar o deferimento da alteração subjetiva do contrato, sugerida pelo Consórcio Carioca-Sulcatarinense, demonstrando pouca preocupação em salvaguardar os princípios que norteiam o processo licitatório da isonomia e da vinculação ao edital, e, principalmente, evitar que algum licitante viesse a promover uma ação judicial visando anular a cessão, alegando preterição".
O que se busca, então, é simplesmente oferecer uma alternativa jurídica para saneamento da ilegalidade cogitada nestes autos, que também se coadune com a viabilização da continuidade das obras de implantação da via marginal da principal coletora (Beira Mar Continental), após as necessárias medidas de correção a serem adotadas pela Prefeitura de Florianópolis. Isto tendo em vista as relevantes constatações de ordem fática já suscitadas pelo Eminente Relator, quais sejam: a) o já avançado estágio de execução do contrato, b) a existência de um contrato de financiamento internacional, que pode ser prejudicado em caso de paralisação do empreendimento, e, ainda, c) a preocupação em torno de questões ambientais relacionadas, não só ao impacto já causado pela construção em andamento, como também àquele que adviria de sua suspensão.
Analisando-se o teor das considerações proferidas pela Consultoria Geral (Parecer COG-154/2006, fls. 278/289), verifica-se que a preocupação maior que inclusive redundou na conclusão quanto à necessidade de rescisão do contrato girou em torno de uma possível extrapolação do limite para cessão contratual, quando modificada a constituição do consórcio inicialmente responsável pela execução da obra. E a partir disto, posteriores manifestações também apontaram para uma possível irregularidade decorrente da cessão do contrato acima dos limites permitidos pelo edital (20%).
No entanto, com as devidas escusas, na concepção deste signatário a possível restrição seria de outra natureza e adviria da ineficácia do ato de mudança da composição das empresas que originalmente compunham o consórcio, haja vista a inadmissibilidade de tal alteração conforme previsto no edital de concorrência do qual se originou tal contratação.
Portanto, em breve síntese, o que se pretende defender por meio desta manifestação que espera-se possa subsidiar a decisão a ser adotada por este Egrégio Plenário , é que o contrato firmado pela Prefeitura de Florianópolis para execução das obras de implantação da via marginal da principal coletora (Beira Mar Continental), deve manter-se em seus termos originais, permanecendo como empresas responsáveis para execução do empreendimento as mesmas que participaram da licitação integrando o Consórcio Carioca - Sulcatarinense, ou seja, as empresas CARIOCA CHRISTIANI NIELSEN ENGENHARIA S/A e SULCATARINENSE MINERAÇÃO, ARTEFATOS DE CIMENTO, BRITAGEM E CONSTRUÇÕES LTDA.
Colima-se, ademais, demonstrar que a anuência da Administração para alteração da composição do consórcio vencedor da licitação constitui ato ineficaz, eivado de nulidade, cabendo ao ente municipal, com a devida urgência, adotar as providências necessárias para declarar tal condição e tornar claro às empresas inicialmente contratadas que elas permanecem solidariamente responsáveis pela execução da obra.
A fim de subsidiar tal inferência, toma-se por pressuposto a disposição contida na cláusula 4.8, item "C.2" do Edital de Concorrência n. 014/STMO/04, da Prefeitura de Florianópolis, que expressamente consignava ser vedado às empresas que participariam na qualidade de consorciadas alterarem sua composição. Vejamos:
"4.8. Será permitida a participação de empresas em consórcio desde que constituído por no máximo (2) duas empresas, e deverá atender as seguintes formalidades:
(...)
C.2. Os constituintes de consórcio deverão declarar que todos os sócios serão responsáveis de forma conjunta e solidária nos atos derivados da Licitação/Contratação e da execução da obra. Sob pena de desqualificação deverá ser declarado que a composição do consórcio se manterá inalterada durante a licitação e durante a execução da obra, caso seja vencedor.
(...)
e) O consórcio, sendo vencedor, fica obrigado a promover antes da celebração do contrato a constituição e o registro do consórcio nos termos do compromisso referido na aliena "a" do subitem acima aludido."
(Fl. 147 dos autos).
A clareza da disposição mencionada dispensa maior esforço interpretativo, restando claro que as empresas integrantes do consórcio Carioca-Sulcatarinente não poderiam promover alterações quanto ao grupo empresarial que o constituía.
E referida disposição, é importante salientar, não se trata de mera extravagância regulamentar ou simples capricho da Administração. Antes, surge como conseqüência natural das disposições da Lei de Licitações, que, embora permitindo tal espécie de associação empresarial, criou mecanismos através dos quais se procura garantir a estabilidade do consórcio eventualmente vencedor da licitação. Trata-se de impedir possíveis práticas fraudulentas de empresas que poderiam figurar entre as consorciadas apenas com o fito de simular a capacidade operacional e financeira do grupo para, após vitória no certame, alijarem-se da responsabilidade da execução do contrato, transferindo-a para empresas de menor porte e até mesmo estranhas ao processo de licitação. Para melhor esclarecimento, cumpre reportamo-nos a alguns dos dispositivos da Lei n. 8.666/93, os quais consideramos pertinentes ao tema, sendo eles:
Diante de tais diretrizes normativas, emerge que as empresas que integravam o grupo empresarial do Consórcio Carioca-Sulcatarinense não poderiam promover alterações internas destinadas a mudar tal composição, mesmo porque, conforme lição de Marçal Justen Filho, "(...) os consorciados comparecem perante a Administração como unidade, logo [...] devem manter essa unidade relativamente aos atos que possam gerar sua responsabilidade" ("Comentários à Lei de Licitações e Contratos", p. 372). Ademais, conforme também prescreve o indigitado administrativista em comentário ao art. 33 da Lei n. 8.666/93,
A própria COG, em sua manifestação de fls. 278/289 já havia suscitado a impossibilidade de alteração da composição do consórcio, tendo mencionado o seguinte:
Ainda no que diz respeito ao teor da cláusula 4.8, item "C.2" do edital de concorrência sob análise, também merece registro o conteúdo de umas das diretrizes mais basilares das licitações, que estatui que o edital constitui o documento fundamental do certame, valendo como lei interna, a teor das seguintes prescrições emanadas da Lei n. º 8.666/93:
Neste ponto, cabe mais uma vez nos valermos da lição de Marçal Justen Filho, para quem,
Também é importante salientar que a operação realizada pelas empresas e que redundou na alteração do consórcio (vedada pela cláusula 4.8, item C.2, do edital fl. 146), não deve ser confundida com uma eventual cessão de contrato, esta autorizada pelo edital no limite de até 20% da obra (item 8.1 do edital, fl. 169 destes autos). Assim, exemplificando, caso as empresas que compunham o consórcio vencedor da licitação se limitassem a ceder 20% da execução da obra para uma terceira empresa, com autorização da Administração, a operação seria totalmente regular. Mas não foi isto que ocorreu, pois o negócio jurídico realizado importou na alteração do grupo consorcial, afetando, assim, a integridade de todo o contrato originalmente firmado entre a Prefeitura de Florianópolis e as empresas CARIOCA CHRISTIANI NIELSEN ENGENHARIA S/A e SULCATARINENSE MINERAÇÃO, ARTEFATOS DE CIMENTO, BRITAGEM E CONSTRUÇÕES LTDA.
A partir destas vertentes legais e também com apoio na posição doutrinária citada, afigura-se que a anuência da administração quanto à mudança da composição consorcial constitui ato destituído de fundamento legal ou regulamentar. Afronta a legislação pertinente à matéria, bem como os termos do edital ao qual deveria se adscrever, merecendo, portanto, a mácula de nulidade em face das claras dissonâncias discriminadas.
O que se constata é que não havia possibilidade legal de a Administração do município de Florianópolis anuir e conferir validade ao acordo firmado pelas empresas participantes do consórcio, na medida em que o edital proibia tal alteração (e é mesmo contestável que pudesse fazê-lo diante das normas da Lei de Licitações que tratam do assunto).
A fim de afastar eventual discussão que ainda possa ser travada quanto ao tema, é importante destacar, também, que a justificativa apresentada pelas empresas a fim de respaldarem a mudança da composição consorcial (fls. 05/09) é totalmente impertinente. Não há autorização na lei e não há autorização no edital, e isto é o que basta para exaurimento do assunto.
Pela análise dos autos, verifica-se que as empresas, quando postularam perante a Administração a anuência para mudança da composição do consórcio, fundamentaram o pleito, não com base em uma disposição da lei ou do edital. Fizeram-no a partir de uma mera previsão integrante do "Termo de Compromisso de Constituição de Consórcio", documento este por elas mesmas confeccionado e apresentado na fase de habilitação (fls. 118/122), e que afrontaria o disposto no edital se contivesse alguma previsão permitindo a modificação do consórcio.
Primeiramente, é certo não existir lógica alguma em se pressupor que um documento elaborado unilateralmente pelas próprias empresas possa suplantar a disciplina decorrente das disposições editalícias e da própria lei ("A administração não pode descumprir as normas e condições do edital, ao qual se acha estritamente vinculado" art. 41, caput, da Lei 8.666/93). Além disso, também é importante trazer à baila que a COG em sua manifestação suscita que nem mesmo o "Termo de Compromisso de Constituição do Consórcio" cujas prescrições consideramos sem eficácia quando dissonantes do edital licitatório alenta qualquer pretensão destinada a subsidiar juridicamente a operação realizada pelas empresas. Confira-se:
Assim, pelo que demonstra a Consultoria Geral desta Corte, sequer o documento produzido unilateralmente pelas empresas poderia subsidiar o ato jurídico que pretenderam consolidar, pois ele não resguardava a possibilidade de alteração das empresas integrantes do consórcio. De mais a mais, se efetivamente existisse alguma previsão no "Termo de Compromisso de Constituição de Consórcio" contrária aos termos do edital, seria mesmo de se questionar a regularidade da habilitação das empresas consorciadas para participar da licitação, cujas regras, é importante frisar, expressamente aludiam à necessidade de a composição do consórcio se manter inalterada durante a licitação e a execução da obra.
Reitere-se, então, que a alteração promovida pelas empresas na composição consorcial é totalmente ineficaz, eis que não autorizada pelo edital e respectivo contrato. Já a possível anuência da administração quanto à mudança da composição, constitui ato inválido, porquanto contrário à lei e ao edital.
Cabe lembrar o conteúdo do art. 2º da Lei n. 4.717/65 (Lei de Ação Popular), segundo o qual:
Por conseguinte, em face da ineficácia da alteração na composição consorcial efetuada pelas empresas CARIOCA CHRISTIANI NIELSEN ENGENHARIA S/A e SULCATARINENSE MINERAÇÃO, ARTEFATOS DE CIMENTO, BRITAGEM E CONSTRUÇÕES LTDA., bem como por força da invalidade do ato administrativo que irregularmente reconheceu tal modificação, o contrato firmado deve continuar vigorando de acordo com os seus termos originais, ou seja, com prevalência da responsabilidade solidária das empresas que venceram a licitação e assumiram contratualmente a execução da obra.
Quadra salientar que, a despeito das providências que devam ser imediatamente adotadas pela Prefeitura Municipal de Florianópolis a fim de proceder aos ajustamentos destinados ao restabelecimento da situação juridicamente válida, não haverá comprometimento imediato para prosseguimento das obras. Isto porque uma das empresas consorciadas na origem, a firma SULCATARINENSE MINERAÇÃO, ARTEFATOS DE CIMENTO, BRITAGEM E CONSTRUÇÕES LTDA., permanece de fato na condução do empreendimento, sem prejuízo da responsabilidade solidária da empresa CARIOCA CHRISTIANI NIELSEN ENGENHARIA S/A (esta última irregularmente excluída do grupo consorcial).
A partir do que fora afirmado, poderia ser questionado a necessidade prática da correção do ato, se uma das empresas que originalmente compunha o consórcio poderá permanecer responsável pela execução de toda obra. No entanto, cabe lembrar que o procedimento licitatório não pode ser transmudado em mero elemento figurativo, com descaracterização do seu caráter intuitu personae. Ademais, também é importante definir com total segurança quais são as empresas responsáveis pela execução e garantia da obra, resguardando não só as situações presentes relacionadas à condução do empreendimento, quanto futuras garantias referentes a sua integridade, solidez, qualidade e segurança.
Conclui-se, portanto, que: a) o consórcio, constituído pelas empresas que participaram da licitação, permanece responsável pela execução da obra; b) edital não admitia a mudança da composição do consórcio, apenas a cessão de parte da execução do contrato; c) não poderá produzir efeitos frente à Administração o termo de cessão da posição no consórcio (que não se confunde com a possibilidade de sub-contratação, cessão ou transferência de até 20% da obra item 8.1 do edital, fl. 169); e d) revela-se ineficaz qualquer ato da Prefeitura de Florianópolis destinado a conferir validade àquele negócio jurídico.
Assim, diante de todo exposto, as seguintes providências deverão ser imediatamente adotadas pela Prefeitura de Florianópolis, com vistas a assegurar a continuidade das obras de implantação da via marginal da principal coletora (Beira Mar Continental).
1) Adoção de providências destinadas à declaração de nulidade do ato de anuência para alteração do consórcio;
2) notificação das empresas CARIOCA CHRISTIANI NIELSEN ENGENHARIA S/A e SULCATARINENSE MINERAÇÃO, ARTEFATOS DE CIMENTO, BRITAGEM E CONSTRUÇÕES LTDA., integrantes do consórcio vencedor da licitação, a fim de dar-lhes ciência de que permanecem responsáveis pela execução do contrato conforme originalmente estabelecido, sendo facultado apenas a cessão de execução de até 20% da obra, hipótese que não se confunde com alterações internas no grupo formador do consórcio.
Caso apenas uma das empresas se recuse a continuar executando a obra, cabe menção o fato de que, por se tratar de responsabilidade solidária, poderia a Administração aferir a possibilidade de apenas uma delas continuar na execução da obra (se detiver capacidade operacional para tanto), sem que isto prejudicasse a concomitante ou futura responsabilização da outra empresa que se furtar às suas obrigações, inclusive com aplicação das penalidades previstas no edital (item 25 do edital fl. 173).
Referida possibilidade merece ser cuidadosamente avaliada, pois, em virtude da magnitude da obra e do interesse social na sua conclusão, presume-se que deva a Prefeitura de Florianópolis envidar todos os esforços necessários à manutenção do contrato, fazendo-o sem descurar das providências necessárias para sua imediata regularização e com a fiel observância de todos os parâmetros legais pertinentes ao caso. Considerando o avançado estágio em que se encontram as obras e a fim de evitar-se prejuízos decorrentes de sua paralisação (inclusive de natureza ambiental), não há dúvidas de que deverão ser exploradas todas as possibilidades jurídicas para solução do problema acima ventilado, até que se conclua pela inarredável impossibilidade de manutenção do contrato.
Entretanto, cogitando-se da hipótese de o próprio consórcio Carioca-Sulcatarinense (constituído pelas duas empresas) se recusar a permanecer na condução do empreendimento conforme contratação original, não restará outra alternativa senão promover-se à rescisão do contrato, com aplicação das penalidades cabíveis àquelas empresas originalmente contratadas. Neste caso, a fim de não prejudicar o andamento das obras, é razoável que a rescisão ocorra apenas quando nova licitação estiver concluída, hipótese em que se tornam necessárias as seguintes providências:
1) Abertura imediata de licitação após comunicação do consórcio à Prefeitura de Florianópolis acerca da impossibilidade de permanecer executando a obra;
2) Pagamento dos serviços prestados pelas empresas atualmente responsáveis pela execução do empreendimento, até contratação de nova empresa ou consórcio de empresas, mediante avaliação pericial, a fim de se evitar o enriquecimento sem causa pela Administração.
Por final, considerando a dimensão dos fatos analisados nestes autos, que inclusive aludem à possível nulidade de ato administrativo levado a efeito pela Prefeitura de Florianópolis, entende-se que devam ser imediatamente encaminhadas cópias dos autos ao Ministério Público Estadual para acompanhamento e adoção de providências que entender pertinentes ao caso.
Diante das razões acima expendidas, submete-se à apreciação Deste Egrégio Plenário a seguinte proposta de voto, que, além das considerações e determinações já suscitadas pelo Exmo. Conselheiro Relator na sessão do dia 30.10.2006, inclui outras destinadas à imediata regularização do contrato firmado entre a Prefeitura de Florianópolis e o Consórcio Carioca-Sulcatarinense:
Gabinete, em 10 de novembro de 2006.
Conselheiro Substituto