Processo nº |
CON 06/00303993 |
Unidade Gestora |
Prefeitura Municipal de Joaçaba |
Interessado |
Armindo Haro Netto |
Assunto |
Consulta. Conhecer. Aquisição de terreno. Construção de prédio destinado ao funcionamento do Programa Saúde da Família. |
Relatório nº |
gcmb/2007/002 |
RELATÓRIO
Tratam os presentes autos de Consulta formulada pelo Senhor Armindo Haro Netto, Prefeito Municipal de Joaçaba, nos seguintes termos:
A Emenda Constitucional nº 29, em seu artigo 7º, que alterou o artigo 77 das Disposições Gerais e Transitórias, estabelece que todas as verbas e gastos com a saúde devem ser administrados pelo Fundo Municipal de Saúde.
Entretanto, os Fundos não podem ter bens lançados em sua contabilidade, pois não possuem personalidade jurídica.
Contudo, o Fundo Municipal de Joaçaba previu para 2007 a aquisição de terreno e a construção de prédio destinado ao funcionamento do Programa Saúde da Família.
Dessa forma, através da presente consulta, solicitamos seja dada a orientação de como proceder com tal situação, pois o gasto deve ocorrer pelo Fundo Municipal de Saúde e o bem (terreno a ser adquirido para melhoria do sistema de saúde - construção de prédio para funcionamento do Programa Saúde da Família), não podem ser lançados no mesmo, haja vista não possuir personalidade jurídica."
O processo foi à Consultoria Geral para exame e parecer.
A COG, analisando a matéria, emitiu o parecer nº 321/2006, de 22/06/2006 (fls.03/06), oportunidade em que se manifesta, preliminarmente, no sentido de que o consulente encontra legitimidade para a subscrição de consultas a este Tribunal de Contas, nos termos dispostos pelo artigo 103, II, da Resolução nº TC-06/2001, que instituiu o Regimento Interno.
No que concerne ao mérito, informa a Consultoria que esta Corte de Contas, em resposta a consultas sobre casos semelhantes, se manifestou através do prejulgado nº 712, nos seguintes termos:
"Desde que possua dotação orçamentária própria e o bem destine-se às suas finalidades específicas, o fundo de saúde do município poderá adquirir veículo em nome da municipalidade, para servir às atividades públicas e ao cumprimento dos objetivos que lhes são afetos e determinados no âmbito da saúde do município.
Ao fundo de saúde do município é permitido adquirir bem móvel, entre eles veículo, desde que para servir as atividades públicas de saúde do município, e, quando necessário, poderá manter o veículo adquirido, relativamente ao combustível, consertos de oficina, seguro e outros relacionados especificamente ao veículo.
Os fundos especiais, por não possuírem personalidade jurídica, não podem adquirir bens imóveis, que é atribuição da administração através de seus órgãos com a devida autorização legislativa. Aos fundos poderão ser destinados pela administração, bens imóveis para desincumbência de seus misteres, sem que com isso se esteja permitindo a formação de patrimônio imobilizado.
Os recursos do fundo de saúde podem ser destinados à aquisição de remédios a serem distribuídos para a população de baixa renda, bem como serem disponibilizados na farmácia básica, com a ressalva de que estejam previstos na lei que o institui, em orçamento e no plano de aplicação, de acordo com os arts. 196 e 195, parágrafos 1º e 2º, da CF/88, com o art. 18, IV, "c", e XII, c/c o art. 15, II, da Lei Federal nº 8.080/90, e com os arts. 71 e 24, II, da Lei Federal nº 4.320/64.
Os recursos do fundo de saúde podem ser destinados a adquirir cestas básicas para as famílias de baixa renda ou para atender a programas específicos de atendimento à criança e adolescentes ou programa de carências nutricionais de crianças de 06 a 23 meses, desde que previstos na lei que o instituiu, no plano de aplicação, e obedecidas as metas e prioridades estabelecidas na Lei de diretrizes orçamentárias, elaborada de forma integrada pelos órgãos responsáveis pela saúde e assistência social (art. 195, parágrafos 1º e 2º, CF/88, combinado com o art. 3º e art.18, IV, "c", e XII, da Lei Federal nº 8.080/90).
Os fundos especiais não possuem competência para realizar contratação ou admissão de pessoal, e não possuem quadro de pessoal próprio, devendo utilizar-se da cessão de servidores vinculados à administração municipal. O pagamento de folha de pessoal poderá ficar a cargo do fundo, com os recursos para tanto alocados, desde que previsto em orçamento e especificados no plano de aplicação.
Os planos de saúde serão a base das atividades e programações da direção municipal do Sistema Único de Saúde (SUS), seu financiamento será previsto na respectiva Lei Orçamentária, e a receita efetivamente arrecadada transferida automaticamente ao fundo de saúde, sendo a contrapartida do município repassada a este, no valor correspondente às necessidades da política de saúde adotada, com a disponibilidade de recursos em planos de saúde no âmbito do município, conforme art. 36, § 1º, da Lei Federal nº 8080/90 e § 10, do art. 195 da CF/88, acrescentado pela Emenda Constitucional nº 20/98.
Os recursos do fundo de saúde devem ser destinados ao atendimento da população, exclusivamente na área da saúde. Os recursos disponíveis não podem custear despesas operacionais e de manutenção da Secretaria, uma vez que é vedada a transferência de recursos para o financiamento de ações não previstas nos planos de saúde, exceto em situações emergenciais ou de calamidade pública, na área de saúde(art. 36, § 2º, da Lei Federal 8080/90) e por fugir, assim, dos objetivos a que se destinam." (Processo: CON-TC0295303/93 Parecer: COG-221/99 Origem: Prefeitura Municipal de Gaspar Relator: Conselheiro Antero Nercolini Data da Sessão: 14/07/1999)
Informa, ainda, a Consultoria Geral, que de acordo com a previsão contida no artigo 59, inciso XII, e, também, no artigo 1º, inciso XV da Lei Complementar nº 202/2000, compete ao Tribunal de Contas responder a consultas sobre interpretação de lei ou questão formulada em tese, relativas a matéria sujeita a sua fiscalização.
Entende a COG que a questão trazida à discussão pelo Consulente envolve o dispêndio de recursos públicos pelo Fundo Municipal de Saúde de Joaçaba, o que caracteriza a pertinência da matéria.
Contudo, considera aquele órgão consultivo que a matéria apresentada caracteriza-se como um caso concreto, fato que impederia o conhecimento da consulta.
Concluindo seu parecer, e considerando que a consulta trata de caso concreto, desatendendo o disposto no artigo 104 da Resolução nº TC-06/2001, a Consultoria Geral sugere o não conhecimento da consulta, nos termos estatuídos pelo artigo 105, § 1º do diploma regimental.
MINISTÉRIO PÚBLICO JUNTO AO TRIBUNAL
O Ministério Público emitiu o parecer MPTC nº 2275/2006 (fls. 07/09), oportunidade em que acompanha o entendimento esposado pela Consultoria Geral.
Em que pese as manifestações expendidas pela Consultoria Geral e pelo Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, o Relator do processo entende que a questão trazida à discussão pelo Prefeito Municipal de Joaçaba é de destacada importância para a boa administração dos Municípios catarinenses, e pode ser examinada em tese, à luz da legislação concernente à matéria.
Além disso, no presente caso não está sendo efetuado o exame prévio de um ato praticado pelo Município de Joaçaba, mas sim, discutida a possibilidade de execução de um ato futuro por aquele Executivo Municipal.
Diante dos pontos expostos, e, ainda, considerando o caráter de orientação enfatizado por esta Corte de Contas, o Relator dos autos promoveu o encaminhamento dos presentes autos à Diretoria de Controle dos Municípios, a fim de que se manifestasse acerca do questionamento apresentado pelo Consulente.
Assim, a DMU elaborou a Informação nº 338/2006 (fls.11/13), da qual aproveita-se a manifestação de mérito, expressa nos seguintes termos:
"Com relação ao mérito do questionamento formulado pelo Prefeito Municipal de Joaçaba, e a despeito de o Tribunal já ter entendimento firmado em prejulgado - como bem lembrou a Consultoria Geral, modestamente opinamos no sentido da necessidade de reavaliar-se o posicionamento em face das mudanças que foram e vem sendo promovidas na legislação, notadamente com relação à consolidação das contas públicas, e em especial a partir da edição da Lei de Responsabilidade Fiscal, em 04/05/2000, e da Portaria Interministerial nº 163, em 04/05/2001.
Rememore-se que os prejulgados deste Tribunal que tratam da aquisição de bens imóveis por fundos municipais são todos anteriores à edição da LRF, e remontam, no máximo, ao final da década de 90 (nº 207, 532, e 712).
Atualmente, com a prevalência da visão consolidada das contas públicas, todos os bens municipais devem estar contabilmente registrados em balanço consolidado, o que reforça nossa idéia da possibilidade da aquisição e do registro de todos os bens imóveis eventualmente adquiridos com recursos alocados nos orçamentos dos fundos municipais, em seus próprios balanços, posto tratarem-se de unidades integrantes da Administração Direta, descentralizada.
A Lei nº 4.320/64, que estatui normas gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios, e do Distrito Federal, em seu artigo 2º, dispõe que a Lei de Orçamento deve obedecer ao Princípio da Universilidade, incorporando todas as receitas e despesas sem excluir qualquer instituição pública do orçamento.
Os fundos são considerados entidades que compõem o orçamento dos entes públicos e, portanto, devem ser contemplados com dotações próprias suportadas pelos seus recursos próprios, de acordo com o disposto nos art. 71 e 72 da Lei nº 4320/64, in verbis :
Art. 71 Constitui fundo especial o produto de receitas especificadas que por lei se vinculam à realização de determinados objetivos ou serviços, facultada a adoção de normas peculiares de adoção.
Art. 72 A aplicação das receitas orçamentárias vinculadas a fundos especiais far-se-á através de dotação consignada na Lei de Orçamento ou em créditos adicionais.
O referido dispositivo visa evitar o arbítrio na aplicação indiscriminada dos recursos financeiros destinados à constituição dos fundos especiais, provenientes de receitas a eles vinculadas por lei, obrigando que tais aplicações se façam, sempre, através de dotação consignada na lei de orçamento ou em créditos adicionais em favor do órgão ao qual se vincula.
Ressalte-se, ainda, que os fundos especiais deverão ter os seus próprios planos de aplicação em que se demonstrem as respectivas origens e aplicações dos recursos financeiros que acompanharão o orçamento geral da entidade, segundo o disposto no § 2º do art. 2º da citada lei.
Fundo, portanto, é uma prévia destinação, parcial ou total, de receitas orçamentárias para assegurar a realização de determinadas despesas orçamentárias, para obtenção de benefícios específicos futuros. A operacionalização dos fundos é realizada de acordo com as características peculiares descritas em cada regulamentação, prevalecendo, em nosso Estado, os caracterizados pela gestão de ativos e passivos e os respectivos resultados.
Os fundos com estas caracterísitcas devem ter tratamento contábil distinto, como entidade, com balancetes, balanços e demais demonstrativos contábeis próprios independente de ter personalidade jurídica ou não.
A propósito, a despeito de não ser detentor de personalidade jurídica, pela Instrução Normativa RFB nº 568, de 08/09/2005, da Secretaria-Geral da Receita Federal no Brasil. os fundos municipais são também obrigados a se inscrever no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ). Vejamos:
Art. 11 São Também obrigados a se inscrever no CNPJ:
[....]
1 - órgãos públicos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Poderes Executivo e Legislativo dos Municípios, desde que se constituam em unidades gestoras de orçamento;
[....]
XI - fundos públicos de natureza meramente contábil;
[....]
§1º para os fins do disposto no inciso I, considera-se unidade gestora de orçamento aquela autorizada a executar parcela do orçamento da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Não se pode olvidar, também, que a partir da Emenda Constitucional nº 29, de 13/09/2000, houve a modificação do artigo 77 do ADCT, cujo § 3º passou a disciplinar:
Art. 77 [....]
[....]
§ 3º Os recursos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios destinados às ações e serviços públicos de saúde e os transferidos pela União para a mesma finalidade serão aplicados por meio de Fundo de Saúde que será acompanhado e fiscalizado por Conselho de Saúde, sem prejuízo do disposto no art. 74 da Constituição Federal.
Esta mesma Diretoria, por seu corpo instrutivo, tem reiteradamente anotado restrição quando verifica situação divergente da prevista no dispositivo acima, quando da análise das Contas das Prefeituras Municipais.
Diante do exposto, Senhor Diretor, manifestamos entendimento de que as despesas orçamentárias para aquisição de bens imóveis com recursos arrecadados pelos Fundos Municipais que gerem ativos e passivos, como o são os Fundos Municipais de Saúde, por exemplo, bem como os registros contábeis interentes a tais dispêndios, devem ser alocadas em seus respectivos demonstrativos e balanços. A titularidade desses bens, não há dizer-se em contrário, é do respectivo município, e o atributo da inexistência de personalidade jurídica dos fundos parece-nos, neste caso, irrelevante.
[....]."(grifos do original)
Considerando que nos termos da Informação nº 338/2006, elaborada pela Diretoria de Controle de Municípios - DMU, encontra-se evidenciada a necessidade de uma reavaliação do posicionamento deste Tribunal no que concerne à matéria questionada, em face das mudanças que foram e vêm sendo promovidas na legislação, notadamente, com relação à consolidação das contas públicas, e, em especial, a partir da edição da Lei de Responsabilidade Fiscal, em 04/05/2000, e da Portaria Interministerial nº 163, em 04/05/2001.
Considerando que de acordo com os esclarecimentos da área técnica desta Corte de Contas, os prejulgados deste Tribunal que tratam da aquisição de bens imóveis por fundos municipais são todos anteriores à edição da LRF, e remontam, no máximo, ao final da década de 90 (nº 207, 532, e 712).
Considerando os termos no disposto nos artigos 71 a 74 da Lei Federal nº 4320/64, que tratam da constituição de fundos especiais;
Considerando que apesar de os fundos especiais não serem detentores de personalidade jurídica, em face do disposto no artigo 11, inciso XI da Instrução Normativa RFB nº 568, de 08/09/2005, da Secretaria-Geral da Receita Federal, os mesmos são também obrigados a inscreverem-se no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica - CNPJ;
Considerando que o § 3º do artigo 77 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias prevê que os recursos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios destinados às ações e serviços públicos de saúde e os transferidos pela União para a mesma finalidade serão aplicados por meio de Fundo de Saúde que será acompanhado e fiscalizado por Conselho de Saúde;
Considerando que este Tribunal exerce papel pedagógico com a finalidade de aprimorar a qualidade das ações administrativas, em especial, no tocante à execução das despesas públicas, proponho ao Plenário a seguinte decisão:
O TRIBUNAL PLENO, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro nos arts. 59 da Constituição Estadual e 1°, XV, da Lei Complementar n. 202/2000, decide:
6.1. Conhecer da Consulta formulada por atender aos requisitos de admissibilidade deste Tribunal de Contas.
6.2. No mérito, responder à Consulta nos seguintes termos:
6.2.1. As despesas para aquisição de bens imóveis com recursos orçamentários próprios dos Fundos Municipais que gerem ativos e passivos, como o são os Fundos Municipais de Saúde, por exemplo, bem como os registros contábeis inerentes a tais dispêndios, devem ser alocadas em seus respectivos demonstrativos e balanços.
6.2.2. A titularidade desses bens é do respectivo Município.
6.3. Remeter cópia desta Decisão à Consultoria Geral.
6.4. Dar ciência desta Decisão, do Relatório e Voto do Relator que a fundamentam, ao Prefeito Municipal de Joaçaba, Sr. Armindo Haro Netto.
Florianópolis, 08 de março de 2007.