ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
GABINETE DO CONSELHEIRO WILSON ROGÉRIO WAN-DALL

 

Processo nº:

REC-06/00353826

Unidade Gestora:

Câmara Municipal de Quilombo

Responsável:

Sr. Rildo José Beber

Assunto:

Recurso de Reconsideração – art. 77 da LC 202/2000 – PCA-04/01661040

Parecer nº:

GC/WRW/2008/91/ES

 

 

Contratação. Escritório de contabilidade.

 “É vedada a contratação de escritórios de contabilidade, pessoa jurídica, para a realização dos serviços contábeis da Prefeitura ou da Câmara Municipal, ante o caráter personalíssimo dos atos de contabilidade pública.”

 

 

 

1.   RELATÓRIO

 

Versam os autos acerca de Recurso de Reconsideração interposto pelo Sr. Rildo José Beber, à época Presidente da Câmara Municipal de Quilombo, em face do Acórdão n. 0923/2006, proferido nos autos n. PCA-04/01661040, cominando-lhe multa, em virtude da contratação de serviços de contabilidade de forma terceirizada, tida por irregular.

 

Seguindo os trâmites regimentais, o recurso foi encaminhado à Consultoria-Geral, a qual, através do Parecer n. COG-703/07, entendeu satisfeitos os pressupostos que autorizam o seu conhecimento e, no mérito, propôs que lhe fosse negado provimento, mantendo incólume a decisão atacada. [1]

 

O Ministério Público, através de parecer da lavra de seu Procurador-Geral, Dr. Márcio de Souza Rosa, perfilhou o mesmo entendimento do órgão consultivo.[2]

 

Este o sucinto relatório.

 

Com efeito, o acórdão recorrido possui a seguinte dicção:

 

“[...] ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição Estadual e 1º da Lei Complementar n. 202/2000, em:

 

6.1. Julgar irregulares, sem imputação de débito, na forma do art. 18, III, alínea "b", c/c o art. 21, parágrafo único, da Lei Complementar n. 202/2000, as contas anuais de 2003 referentes a atos de gestão da Câmara Municipal de Quilombo, no que concerne ao Balanço Geral composto das Demonstrações de Resultados Gerais, na forma dos anexos e demonstrativos estabelecidos no art. 101 da Lei Federal n. 4.320/64, de acordo com os pareceres emitidos nos autos.

 

6.2. Aplicar ao Sr. Rildo José Beber - Presidente da Câmara de Vereadores de Quilombo em 2003, CPF n. 846.175.949-49, multa prevista no art. 69 da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 108, parágrafo único, do Regimento Interno, no valor de R$ 1.000,00 (hum mil reais), em face da contratação de serviços de contabilidade, de forma terceirizada, no montante de R$ 13.200,00, para execução de atividades inerentes às funções de ocupante de cargo público, provido mediante prévia seleção por concurso público, caracterizando descumprimento ao disposto no art. 37, II, da Constituição Federal (item B.1.1 do Relatório DMU), fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial do Estado, para comprovar ao Tribunal o recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000. [...]”

 

Nas razões recursais, o Recorrente se insurgiu contra a sanção aplicada, bem como quanto ao seu valor, o qual considerou desproporcional:

 

“De pronto, deve ficar esclarecido que à época a Câmara de Vereadores procurou por todos os meios contratar pessoa física para realizar serviços de contabilidade da Câmara de Vereadores, o que não teve êxito. Diante dessa situação, apresentamos a seguinte justificativa a este Tribunal [...]:

‘Quanto à contratação de serviços de contabilidade acima descrito, justificamos o procedimento adotado na época, por ter sido uma contratação temporária, de urgência, não permanente e única solução encontrada para a realização dos serviços necessários. Remetemos cópia do processo licitatório realizado em 2003, por não ter acudido interessados, pessoas físicas a participarem do processo licitatório.’

Assim sendo, justificamos o procedimento adotado, por não haver outra alternativa que pudesse ser realizada de acordo com  o previsto na CF.

Outro aspecto relevante que deverá ser reformado por este Egrégio Tribunal de Contas é o de que a multa aplicada ao administrador é absolutamente desproprocional, se comparado a outros casos análogos, já decididos, visto que o equívoco ocorrido, ainda que seja impingido ao Administrador, não merece tão grave penalização de R$ 1.000,00.

Os parâmetros utilizados pelo TCE/SC e, segundo o que se extrai do artigo 70 da Lei Complementar 202 (LO-TCE), é no mínimo R$ 100,00 e no máximo R$ 5.000,00, os valores das multas, dependendo da gravidade e complexidade da infração.

Todavia, ainda que hipoteticamente se impute erro ao administrador há que se considerar que não houve ato de improbidade, assim como não houve má-fé, nem tampouco desvio de dinheiro público [...]”[3]

Ao examinar os argumentos defendidos pelo Recorrente, o órgão consultivo reforçou a plausibilidade da aplicação da multa nos seguintes moldes:

“[...] A instrução apurou que durante todo o ano de 2003 a Câmara Municipal de Quilombo procedeu à contratação de serviços de contabilidade terceirizados junto à empresa Orcontábil - Organização e Serviços Contábeis Ltda. (fl. 82).

A contratação de escritório contábil ou profissional autônomo estranho ao quadro de servidores para a elaboração da contabilidade da Câmara mostra-se indevida, tendo em vista que a função deve ser exercida por contador próprio daquele Poder. Esse cargo é tipicamente de provimento efetivo, considerando que tem caráter permanente e corresponde a serviço técnico profissional, o qual só pode ser executado por profissional legalmente habilitado.

Com efeito, o serviço contábil é imprescindível para a Administração Pública, não apenas pelo caráter permanente que possui, como também pela conseqüência que gera: a emissão de atos administrativos. É por meio dessa atividade que são emitidas informações indispensáveis ao gerenciamento da coisa pública e também dos controles internos, auxiliando no controle externo exercido por este Tribunal de Contas. Assim, a contabilidade exige qualificação adequada do profissional e, principalmente, a sua continuidade, a fim de conferir segurança aos trabalhos.

Daí ser a contratação temporária inadequada para esses fins. Somente lançando mão da efetividade do provimento dos cargos públicos, com a realização de processo seletivo mediante concurso, é que aquelas condições poderão ser atendidas.

Como bem observou o Auditor Fiscal de Controle Externo Clóvis Coelho Machado, às fls. 66-80 do PCA nº 03/01010188,

A efetividade do provimento dos cargos públicos é que direciona e estabiliza a Administração Pública e dota de alguma seqüência as políticas públicas, que não podem ser passageiras como os dirigentes dos órgãos estatais. A efetividade dota, ainda, de segurança funcional o servidor público, por garantir a ele a continuidade de sua condição profissional. Nesse sentido, não é qualquer cargo que pode ser definido legalmente como sendo de prestação de serviço. Por exemplo, o cargo de Contador possui atribuições que lhe são típicas em caráter definitivo, por isso consta na estrutura da Unidade Administrativa como permanente.

 

Foi desconsiderado, pois, o comando constitucional que exige a realização de concurso público:

 

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

 

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração. [...]”[4]

 

A Consultoria mencionou os prejulgados n. 1501, 1277 e 0996, os quais, por tratar do tema, poderiam ter sido consultados e observados pelo gestor antes da realização da contratação irregular.

 

Desta feita, o órgão consultivo concluiu a sua manifestação da seguinte maneira:

 

“[...] Como se vê, quando ainda não foi criado o cargo de contador no quadro efetivo da Câmara, excepcionalmente se admite editar lei específica ou promover licitação para contratá-lo por determinado tempo, até que se tomem as devidas providências no sentido de inserir o cargo no quadro de pessoal. Também se permite atribuir gratificação ao Contador da Prefeitura para exercer a função, observado o caráter excepcional, justificado e temporário.

No caso, o recorrente diz que em 2003 foi aberto o processo licitatório para tal fim, mas não apareceram interessados.

Contudo, depreende-se dos autos que a alegação não serve para caracterizar a situação como sendo excepcional.

Primeiro, porque o edital nº 8/2003, na modalidade convite, foi aberto com o objetivo de contratar serviços contábeis para a Câmara no período de setembro e outubro de 2003. Daí já é possível concluir que não se presta para justificar as contratações realizadas no período anterior - de janeiro a agosto daquele ano.

Segundo, porque como bem ponderou a DMU no relatório de reinstrução, “todos os convites para o processo licitatório em questão foram enviados a pessoas jurídicas, não participando do certame nenhuma pessoa física” (fl. 84). Com efeito, foram convidadas as empresas 1) Orcontábil Organização e Serviços Contábeis S/C Ltda. (vencedora do licitação e prestadora do serviço antes mesmo da conclusão do certame); 2) Escritório Contábil Guaporé Ltda.; e 3) Escritório Contábil União Ltda (fl. 41).

O Prejulgado 1277 é claro ao dispor que, em situação de excepcionalidade, é admitida a “realização de licitação para a contratação de pessoa física para prestar serviço de contabilidade, conforme as diretrizes estabelecidas na Lei Federal nº 8.666/93” (grifei).

É inviável a contratação de pessoa jurídica, ou seja, escritório de contabilidade, para realizar o serviço contábil da Câmara, ante o caráter personalíssimo dos atos de contabilidade pública. [...]”[5]

Informo, por oportuno, que, após longos debates, este Tribunal editou novo pronunciamento acerca da contratação de contador, consubstanciado no Prejulgado n. 1939, portador do seguinte teor:

“1. É de competência da Câmara Municipal decidir qual a estrutura necessária para execução dos seus serviços de contabilidade, considerando entre outros aspectos, a demanda dos serviços se eventual ou permanente; o quantitativo estimado de horas necessárias para sua execução; o quantitativo e qualificação dos servidores necessários para realização dos serviços; e a estimativa das despesas com pessoal.


2. De acordo com o ordenamento legal vigente, a execução das funções típicas e permanentes da Administração Pública, das quais decorram atos administrativos, deve ser efetivada, em regra, por servidores de seu quadro de pessoal, ocupantes de cargos de provimento efetivo ou comissionado, estes destinados exclusivamente ao desempenho de funções de direção, chefia ou assessoramento, conforme as disposições do art. 37, II e V, da Constituição Federal.


3. Nas Câmaras de Vereadores cuja demanda de serviços contábeis é reduzida, os serviços poderão ser executados:


3.1. por servidor com habilitação de contabilista, nomeado para exercer cargo de provimento efetivo, cuja carga horária, atribuições e outras especificações devem ser definidas pela Resolução que criar o cargo, através de prévio concurso público (art. 37, II, da Constituição Federal);


3.2. com atribuição da responsabilidade pelos serviços contábeis ao Contador da Prefeitura ou outro servidor efetivo do quadro de pessoal dos Poderes Executivo, Legislativo, ou da administração indireta com formação em contabilidade, devidamente inscrito no Conselho Regional de Contabilidade e regular com suas obrigações, mediante a concessão de gratificação criada por lei municipal, a ser paga pelo órgão que utilizar os serviços do servidor.

4. Sempre que a demanda de serviços contábeis for permanente e exigir estrutura de pessoal especializado com mais de um servidor, é recomendável a criação de quadro de cargos efetivos para execução desses serviços, com provimento mediante concurso público (art. 37, II, da Constituição Federal), podendo ser criado cargo em comissão (art. 37, II e V, da Constituição Federal) para chefia da correspondente unidade da estrutura organizacional (Contadoria, Departamento de Contabilidade ou denominação equivalente).


5. Os cargos de provimento efetivo ou em comissão devem ser criados mediante Resolução aprovada em Plenário, limitados à quantidade necessária ao atendimento dos serviços e do interesse público, a qual deve estabelecer as especificações e atribuições dos cargos e a carga horária a ser cumprida, devendo a remuneração ser fixada mediante lei de iniciativa da Câmara (art. 37, X, da Constituição Federal), proporcional à respectiva carga horária, observados a disponibilidade orçamentária e financeira, bem como os limites de gastos previstos pela Constituição Federal (art. 29-A) e pela Lei Complementar (federal) nº 101, de 2000, e os princípios da economicidade, da eficiência, da legalidade e da razoabilidade.

6. Compete à Câmara Municipal definir a carga horária necessária para execução dos seus serviços contábeis, podendo ser estabelecida em 10, 20, 30 ou 40 horas semanais, para melhor atender ao interesse público, devendo a remuneração ser fixada proporcionalmente à carga horária efetivamente cumprida.”

Desta feita, considerando o entendimento deste Tribunal esboçado nos prejulgados vigentes à época da celebração da contratação irregular, acompanho o posicionamento da Consultoria e do Ministério Público para manter a sanção aplicada ao Recorrente.

No que tange ao quantum da multa aplicada (R$ 1.000,00), esclareço que o seu valor observa o balizamento do parágrafo único do art. 108 do Regimento Interno deste Tribunal, o qual prevê o montante entre 8 e 100% de R$ 5.000,00, que é o máximo permitido.

Considerando que, na análise do presente recurso, a irregularidade foi mantida, ante a violação de norma constitucional, não há razão para alterar o valor da sanção proposto no voto do Relator, Conselheiro Salomão Ribas Júnior, o qual foi acolhido pelo Plenário deste Tribunal por unanimidade.

 

2.   VOTO

CONSIDERANDO o que mais dos autos consta, VOTO em conformidade com os pareceres da Consultoria e do Ministério Público, no sentido de que o Tribunal adote a decisão que ora submeto à sua apreciação:

 

6.1. Conhecer do Recurso de Reconsideração, nos termos do art. 77 da Lei Complementar n. 202/2000, interposto contra o Acórdão n. 0923/2006, exarado na Sessão Ordinária de 10/05/2006, nos autos do Processo n. PCA-04/01661040, e, no mérito, negar-lhe provimento, ratificando na íntegra os termos da decisão recorrida.

 

6.2. Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam, bem como do Parecer n. COG-703/07 ao Sr. Rildo José Beber – à época Presidente da Câmara Municipal de Quilombo.

 

 

                Gabinete do Conselheiro, em 18 de março de 2008.

 
 
 
 
                             Gerson dos Santos Sicca

                           Relator (art. 86 da LC 202/00)

 

 

 

 



[1] Fls. 6/14 dos autos do Processo n. REC-06/00353826.

[2] Fl. 15 dos autos do Processo n. REC-06/00353826.

[3] Fls. 03/04 dos autos do Processo n. REC-06/00353826.

[4] Fls. 09/10 dos autos do Processo n. REC-06/00353826.

[5] Fls. 13 dos autos do Processo n. REC-06/00353826.