ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO

Gabinete do Auditor Gerson dos Santos Sicca

PROCESSO Nº

RPA - 06/00431053

UNIDADE

 Prefeitura Municipal de Guaramirim

INTERESSADO

Marcos Mannes

RESPONSÁVEL

Mário Sergio Peixer – Prefeito Municipal a época

ASSUNTO

Representação – Agente Público

 

 

Representação. Cessão. Jazida. Inexigibilidade.

É irregular a aquisição pelo Município de direito minerário por meio de inexigibilidade de licitação quando haja na região outras jazidas capazes de fornecer o mesmo material.

Cessão. Direito Minerário. Jazida. Propriedade. União. Autorização legislativa. Desnecessidade.

As jazidas constantes do subsolo são propriedade da União, conforme a Constituição da República. No caso concreto, como a cessão dos direitos de exploração não envolve a transferência de propriedade é desnecessária a autorização legislativa para que o Município pudesse formalizar a avença.

Inexigibilidade. Justificativa. Preço.

Ainda que irregular a inexigibilidade de licitação, a ausência de justificativa do preço mantém-se como irregularidade autônoma.

Controle. Extração. Saibro. Controle Interno. Deficiência.

Na situação em análise, não se justifica a aplicação de sanção por irregularidade atinente a suposto mau funcionamento do controle interno quando o descontrole na extração de cargas de saibro decorre das próprias cláusulas do contrato.

 

 

I – RELATÓRIO

 

Tratam os autos de representação encaminhada a esta Corte de Contas pelo Sr. Marcos Mannes – Presidente da Câmara Municipal de Guaramirim (fl. 02), versando sobre supostas irregularidades ocorridas naquele Município, referente ao material retirado na saibreira de propriedade da empresa Winter Comércio de Material de Construção Ltda., para utilização pela Administração Municipal, em desacordo com a legislação pertinente, em especial a Lei de Licitações.

Conhecida a representação (fl. 180), determinou-se à extinta Diretoria de Denúncias e Representaçções- DDR que adotasse as providências necessárias para a apuração dos fatos.

Realizada diligência e audiência do Responsável, vieram aos autos os documentos de fls. 187-235 e 265-267 respectivamente, sendo produzido ao final o Relatório nº 4067/2008 pela Diretoria de Controle dos Municípios – DMU, que concluiu por sugerir o que segue:

1 - CONSIDERAR IRREGULARES, na forma do artigo 36, § 2º, “a” da Lei Complementar n.º 202/2000, os atos abaixo relacionados, aplicando ao Sr. Mario Sérgio Peixer - Prefeito Municipal em 2006, CPF 294.149.209-78, residente à Rua Vereador João Pereira Lima, s/n, Centro, Guaramirim, CEP 89.270-000, multas previstas no artigo 70, inciso II, da Lei Complementar n.º 202/2000, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias a contar da publicação do acórdão no Diário Oficial do Estado para comprovar ao Tribunal o recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, sem o que fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos artigos 43, II, e 71 da Lei Complementar n.º 202/2000:

1.1 - Realização de despesas da ordem de R$ 48.000,00 sem processo licitatório, em desacordo ao disposto no art. 81, XXI, da Lei Orgânica de Guaramirim, art. 2º da Lei n. 8.666/93 e art. 37, XXI, da Constituição Federal/88 (item 3.2);

1.2 - Ausência de controles da extração e distribuição dos minérios relativos ao contrato de cessão de direitos minerais, revelando deficiência do Sistema de Controle Interno do setor, em afronta aos artigos 31, 70 e 74 da Constituição Federal; 58, 62 e 113 da Constituição Estadual; 53 e 54 da Lei Orgânica de Guaramirim;  60 a 64 da Lei Complementar n. 202/2000; e 1º da Lei Complementar Municipal n. 02/03 (item 3.3);

1.3 - Ausência de justificativa do preço e sua compatibilidade com os preços de mercado, em desacordo ao disposto no art. 26, III, da Lei Federal nº 8.666/93 (item 3.4).

2 - FIXAR PRAZO de 30 (trinta) dias para que a Prefeitura Municipal de Guaramirim regularize a situação, com a rescisão do contrato irregular e realização dos procedimentos nos moldes da Lei nº 8.666/93, e comunique ao Tribunal de Contas sobre o cumprimento, conforme art. 29, §3º, da Lei Orgânica do Tribunal de Contas de Santa Catarina.

3 - DAR CIÊNCIA da decisão ao Representado, Sr. Mario Sérgio Peixer - Prefeito Municipal em 2006, e ao Presidente da Câmara de Vereadores de Guaramirim.

 

O Ministério Público Especial, por meio do parecer n. 1.885/2009, de 18/05/2009 (fls. 280/289), opinou pelo acolhimento das conclusões do Relatório da DMU e pela imediata comunicação ao Ministério Público Estadual e representação à OAB/SC para providências cabíveis.

Vieram os autos conclusos.

É o relatório.

 

II - FUNDAMENTAÇÃO

 

1) Aquisição de direito minerário no valor de R$48.000,00(quarenta e oito mil reais), caracterizado como bem imóvel, de acordo com o Código de Minas(Decreto-Lei nº 227/67), sem autorização legislativa, contrariando o art. 34, X, da Lei Orgânica de Guaramirim(item 3.1 do relatório nº 4067/2008);

A cessão de direito minerário em questão não pode ser tratada como aquisição de bem imóvel, isso porque as jazidas constituem propriedade da União, nos exatos termos do art. 176, caput, da Constituição da República. Portanto, o disposto no art. 34, X da Lei Orgânica Municipal não pode ser aplicado aos fatos sob análise, motivo pelo qual acolho a manifestação da Área Técnica no sentido de elidir o apontamento de contrariedade ao referido dispositivo legal.

 

2) Realização de despesas da ordem de R$48.000,00(quarenta e oito mil reais) sem processo licitatório, em desacordo com o disposto no art. 81, XXI, da Lei Orgânica de Guaramirim, art.2º da Lei nº 8.666/93 e art. 37, XXI, da Constituição Federal de 1988(item 3.2 do Relatório nº 4067/2008);

Consoante emerge dos autos, houve a realização de despesas no montante de R$ 48.000,00 sem processo licitatório, conforme contrato de cessão de direito minerário n. 15/2006 entre o Município de Guaramirim e a empresa Winter Comércio de Material de Construção Ltda. (fls. 194-196), firmado após conclusão do processo de inexigibilidade de licitação nº 02/2006 (fl. 205).

Em resposta à diligência o Responsável manifestou-se à fl. 187 aduzindo que “o contrato foi celebrado sem a realização de processo licitatório, porquanto dita empresa, por ser a única a deter os direitos de lavra e pesquisa mineral perante o Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM tornou inexigível a realização de licitação.”

Também o próprio contrato de cessão de direito minerário, em seus itens 3 e 4, identifica a cedente como única empresa a deter os direitos de lavra e pesquisa mineral perante o DNPM. No entanto, esta afirmação diverge do que foi apurado pela Área Técnica, que à fl. 272 relata a existência de inúmeras autorizações para pesquisa e lavra de saibro em cada uma das 70 relações publicadas referentes à Santa Catarina.

Igualmente, em resposta a solicitação efetuada, o Ministério Público recebeu o ofício n. 1685/2009 do próprio DNPM (fls. 291-294) informando a existência de 34 titulares de direitos minerários autorizados a exercer a extração de saibro no ano de 2006[1], sendo nove no município de Guaramirim e as demais nas cidades vizinhas[2].

Destaque-se que, embora constem nos autos referências[3] à qualidade do material extraido da referida pedreira, não há qualquer justificativa fundamentada e/ou análise técnica nesse sentido, sendo que a única justificativa para a inexigibilidade era que a empresa era a única a deter os direitos de lavra e pesquisa do mineral em questão perante o DNPM.

Com base no exposto e nos documentos constantes nos autos, fica comprovada a viabilidade de competição na época, o que torna a inexigibilidade em questão procedimento irregular grave, em desconformidade com o art. 2º da Lei de Licitações e com o inciso XXI do art. 37 da Constituição Federal. Em vista disso, considero que há justificativas suficientes para que a multa seja estipulada no percentual de 30% (trinta por cento) do valor constante do caput do art. 70, da Lei Complementar nº 202/2000, ficando observados os limites do inciso II do artigo 109 do Regimento Interno deste Tribunal de Contas.

 

3) Ausência de controles da extração e distribuição dos minérios relativos ao contrato de cessão de direitos minerais, revelando deficiência do Sistema de Controle Interno do setor, em afronta aos artigos 31,70, e 74 da Constituição Federal; 58, 62 e 113 da Constituição Estadual; 53 e 54 da Lei Orgânica de Guaramirim; 60 a 64 da Lei Complementar n.202/2000; e 1º da Lei Complementar n.02/03(item 3.3 do relatório nº 4067/2008);

A ausência de controles da extração e distribuição dos minérios relativos ao contrato de cessão de direitos minerais, apontada pela Área Técnica deste Tribunal de Contas como deficiência do Sistema de Controle Interno do setor, é falha procedimental da Administração e não pode ser atribuida ao Sistema de Controle Interno o qual tem suas finalidades definidas nos incisos I, II, III e IV do art. 74 da Constituição Federal.

De toda forma, os fatos já eram de conhecimento da Câmara Municipal que deu conhecimento ao Tribunal de Contas, de maneira que não havia outro procedimento a ser adotado pelo Controle Interno.

Por outro lado, observo que a irregularidade está no próprio contrato, pois este não apresenta as cláusulas necessárias estabelecidas no art. 55 da Lei nº 8.666/93. O Município deve estipular o quanto precisa de material e adquiri-lo na quantia, preço e prazo certos. Nas condições estipuladas no contrato (cessão de direito), o Município ficou sujeito a sofrer algum dano ou até mesmo locupletar-se, vez que não havia garantias da quantidade de mineral que poderia ser extraída da pedreira. Também pelas condições estipuladas, o controle da extração tornou-se necessário apenas para o planejamento administrativo de onde seriam utilizadas as cargas de macadame, já que o pagamento não dependeria de tal controle. Em suma, a liquidação da despesa deu-se com a cessão e não com a quantidade de mineral retirado da pedreira.

Pelo exposto, a deficiência no controle da extração e distribuição dos minérios relativos ao contrato de cessão de direitos minerais não se subsumem aos dispositivos considerados afrontados, motivo pelo qual deixo de aplicar a multa sugerida pela DMU.

 

4) Ausência de justificativa do preço e sua compatibilidade com os preços de mercado, em desacordo ao disposto no art.26, III, da Lei Federal nº 8.666/93(item 3.4 do relatório nº 4067/2008);

Não obstante a oportuna comunicação para o exercício do contraditório e da ampla defesa acerca da ausência de justificativa do preço, o responsável deixou de manifestar-se e/ou trazer aos autos documento que comprovasse o atendimento à norma legal.

Quando a administração segue o caminho da inexigibilidade de licitação (que no presente caso foi procedimento irregular) a justificativa do preço é elemento indispensável, conforme exigência do inciso III do artigo 26 da Lei de Licitações. Deve-se considerar ainda a peculiaridade da situação apresentada nos autos, que exige no mínimo uma prospecção técnica para embasar documentalmente a justificativa de preço.

Assim, não havendo qualquer elemento apto a elidir a irregularidade apontada fica caracterizada a ausência de justificativa do preço para o objeto do processo de inexigibilidade de licitação nº 02/2006, irregularidade de natureza grave que justifica a gradação de multa no percentual de 20% (vinte por cento) do valor constante do caput do art. 70, da Lei Complementar nº 202/2000, estando dentre os limites máximo e mínimo prescritos pelo inciso II do artigo 109 do Regimento Interno desta Corte de Contas.

 

5) Da Comunicação ao Ministério Público Estadual e Representação à OAB/SC;

Razão assiste a Douta Procuradoria quanto à comunicação dos fatos ao Ministério Público Estadual. No tocante à comunicação à Ordem dos Advogados do Brasil, em razão do parecer de fls.206-207, não vislumbro nos autos elementos que indiquem grave violação de conduta por parte dos advogados, não obstante discorde dos fundamentos do parecer.

 

III – PROPOSTA DE VOTO

 

Estando os autos instruídos na forma regimental, submeto a presente matéria ao Egrégio Plenário, propugnando, com fundamento nas considerações ora expostas e no que mais nos autos constam, nos termos da Instrução Normativa nº TC-01/2002, a seguinte proposta de voto:

1. Conhecer do Relatório n. 4067/2008 da Diretoria de Controle dos Municípios - DMU, referente à apuração dos fatos representados pela Câmara Municipal de Guaramirim, com abrangência ao exercício de 2006, para Considerar Irregulares, na forma do artigo 36, § 2º, “a” da Lei Complementar n.º 202/2000, o Processo de Inexigibilidade de Licitação n. 02/2006 e os consequentes Contrato de Cessão de Direito Minerário n. 15/2006, no valor de R$ 48.000,00(quarenta e oito mil reais) e Contrato de Locação n. 16/2006, no valor de R$ 525,00(quinhentos e vinte e cinco reais) ao mês.

2. Aplicar ao Sr. Mário Sergio Peixer – Prefeito Municipal de Guaramirim no ano de 2006, CPF 294.149.209-78, residente à Rua Vereador João Pereira Lima, s/nº, Bairro Centro, CEP 89.270-000, Guaramirim/SC, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 109, II do Regimento Interno, as multas a seguir especificadas, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico - DOTC-e, para comprovar a este Tribunal o recolhimento das referidas multas ao Tesouro do Estado, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos artigos 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000:

2.1. R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais), em face da realização de despesas da ordem de R$ 48.000,00(quarenta e oito mil reais) sem processo licitatório, em desacordo ao disposto no art. 81, XXI, da Lei Orgânica de Guaramirim, art. 2º da Lei n. 8.666/93 e art. 37, XXI, da Constituição Federal/88 (item 3.2 do Relatório n. 4067/2008);

2.2. R$ 1.000,00 (um mil reais), em face da ausência de justificativa do preço no processo de Inexigibilidade de Licitação, em desacordo ao disposto no art. 26, III, da Lei Federal nº 8.666/93 (item 3.4 do Relatório n. 4067/2008).

3. Assinar o prazo de 30 dias, com fulcro no art. 1º, XII, e 29, §3º, da Lei Complementar nº 202/2000, para que a Unidade Gestora adote as providências necessárias à anulação(mantendo-se os efeitos até então produzidos) do Contrato de Cessão de Direito Minerário n. 15/2006 e do Contrato de Locação n. 16/2006 em face das irregularidades constantes no processo de Inexigibilidade de Licitação n. 02/2006 .

4. Comunicar a Câmara Municipal de Guaramirim, com fundamento no art.30 da Lei Complementar nº 202/2000, da necessidade da adoção de providências, caso não cumprido o item anterior, para a sustação(mantendo-se os efeitos até então produzidos) do Contrato de Cessão de Direito Minerário n. 15/2006 e do Contrato de Locação n. 16/2006 em face das irregularidades constantes no processo de Inexigibilidade de Licitação n. 02/2006 da Prefeitura Municipal de Guaramirim.

5. Comunicar após o trânsito em julgado, o Ministério Público Estadual sobre os fatos constantes nos autos, com cópia das fls. 02-12, 183-235, 249-257, 265-294, deste Relatório e Voto, bem como do respectivo Acórdão, para que adote as medidas que entender cabíveis.

6. Dar ciência da Decisão, deste Relatório e Voto do Relator que a fundamentam, bem como do Relatório n. 4067/2008, ao Responsável, à Câmara Municipal, ao atual Prefeito Municipal, Sr. Nilson Bylaardt, e ao responsável pelo Controle Interno do Município de Guaramirim.

 

Gabinete, em 14 de agosto de 2009.

 

Gerson dos Santos Sicca

Auditor Relator



[1] Ano em que foi celebrado o contrato de cessão e realizado o processo de inexigibilidade.

[2] Pesquisou-se também nas cidades vizinhas pois em que pese o cessionário seja o Município de Guaramirim, o cedente é a empresa Winter Comércio de Material de Construção Ltda. de Jaraguá do Sul e a pedreira está localizada no Município de Massaranduba.

[3] a) reprodução da manifestação do Vereador George Felder na sessão legislativa de 25/06/2006 da Câmara Municipal de Guaramirim (faixa 25-2040, a partir de 2’10”); b) os itens 3 e 4 do contrato de cessão e c) o parecer jurídico (fl. 206).