ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
GABINETE DO CONSELHEIRO WILSON ROGÉRIO WAN-DALL

 

Processo nº:

REC-06/00445003

Unidade Gestora:

Prefeitura Municipal de Bom Jesus

Responsável:

Sr. Clóvis Fernandes de Souza

Assunto:

Recurso de Reexame (art. 80 da LC 202/2000) – RPA-05/00606196

Parecer nº:

GC/WRW/2009/266/ES

 

 

Compras. Liquidação da despesa.

A liquidação da despesa ocorre quando o fornecedor ou o prestador de serviço efetivamente entrega a mercadoria adquirida ou presta o serviço contratado. Noutras palavras:

“nos casos de aquisição de materiais, após a emissão do empenho, o processo é encaminhado ao almoxarifado para aguardar a devida entrega.

O fornecedor ao efetuar a entrega do material deve, juntamente com o material adquirido, apresentar a documentação correspondente, ou seja, a nota fiscal, na qual deve-se verificar: o nome ou a razão social da empresa, que deve coincidir com o credor da nota de empenho e do contrato ou ajuste respectivo; o material constante da nota fiscal deve obedecer ao objeto do contrato ou ajuste, bem como a importância deve ser adequada.

O encarregado do almoxarifado, feitas as verificações necessárias, deve juntar a nota fiscal - na qual deve colocar uma declaração de que recebeu o material nela constante, o qual se encontra em ordem - ao processo, encaminhando-o para o devido processamento do pagamento.

O pagamento é o último estágio da despesa e consiste no ato onde o poder público faz entrega do numerário correspondente, recebendo a devida quitação.” (Heilio Kohama. Contabilidade Pública. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2000, p.165 e169)

 

 

1.   RELATÓRIO

 

 

Cuidam os autos acerca de recurso interposto pelo Sr. Clóvis Fernandes de Souza, ex-Prefeito do Município de Bom Jesus, em face do Acórdão n. 1.254/2006, proferido nos autos n. RPA-05/00606196.

 

A Consultoria-Geral examinou a peça recursal, concluindo, através do Parecer n. COG-913/08, que a mesma pode ser conhecida. No que tange à matéria de mérito propôs que fosse negado provimento ao apelo.[1]

 

O Ministério Público acompanhou o entendimento do órgão consultivo.[2]

 

Este o sucinto relatório.

 

 

2.   DISCUSSÃO

 

Com efeito, os autos principais demonstram que a decisão recorrida foi lavrada nos seguintes moldes:

 

6.1. Conhecer do Relatório de Auditoria realizada na Prefeitura Municipal de Bom Jesus, com abrangência ao exercício de 2004, para considerar irregular a ausência de fiscalização e controle sobre a recepção e alocação de pneus adquiridos, com o devido registro em inventário físico-financeiro.

 

6.2. Aplicar ao Sr. Clóvis Fernandes de Souza - ex-Prefeito Municipal de Bom Jesus, CPF n. 194.868.129-34, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 109, II, do Regimento Interno, a multa no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), em face da ausência de fiscalização e controle sobre a recepção e alocação de pneus adquiridos, com o devido registro em inventário físico-financeiro, contrariando os arts. 94 a 96 da Lei Federal n. 4.320/64, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial do Estado, para comprovar ao Tribunal o recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000.

 

6.3. Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam, bem como do Parecer DDR n. 16/06, à Representante, à Prefeitura Municipal de Bom Jesus e ao Sr. Clóvis Fernandes de Souza - ex-Prefeito daquele Município.

 

O Recorrente foi sancionado em razão da ausência de fiscalização e controle sobre a recepção e alocação de pneus adquiridos, sendo constatada em auditoria in loco a ausência de registro, em inventário físico-financeiro, acerca da entrada dos mencionados bens no almoxarifado da Prefeitura.

 

A Consultoria examinou as razões do Recorrente e rechaçou os seus argumentos, conforme se depreende do excerto, a seguir, transcrito:

 

O Recorrente visa ao cancelamento da multa a ele imposta no item 6.2 do Acórdão nº 1254/2006 pelo cometimento da seguinte irregularidade:

 

ausência de fiscalização e controle sobre a recepção e alocação de pneus adquiridos, com o devido registro em inventário físico-financeiro, contrariando os arts. 94 a 96 da Lei Federal n. 4.320/64

 

Com esse intuito, alega, em síntese:

 

1º) que não é possível classificar pneus como bens de caráter permanente e sim como material de consumo (Anexo II da Portaria Interministerial STN nº 163), levando-se em consideração o disposto no Prejulgado nº 490 desta Corte;

2º) que, seguindo essa linha de raciocínio, os referidos bens não são incorporados ao patrimônio público e, portanto, não se faz necessário o inventário físico-financeiro, mas somente o registro da data da troca, quilometragem do veículo e outros dados na ficha de controle do almoxarifado;

3º) que o controle interno do município fiscalizava o fluxo de materiais do almoxarifado e de substituição direta e, em seus relatórios mensais, nunca apontou problemas desse gênero;

4°) que o setor contábil do município efetuou os registros pelo fluxo extra-orçamentário, seguindo as determinações da Secretaria de Desenvolvimento Regional e da Resolução nº TC-16/94 (art. 40);

5º) que, como o lançamento da despesa extra-orçamentária depende 100% do ingresso das receitas extra-orçamentárias, o município só poderia contabilizá-las após a contabilização da receita;

6º) por fim, alega que a Polícia Civil de Bom Jesus investigou os fatos representados e não os confirmou.

Ressalta-se, primeiramente, que “pneu” deve ser classificado como material de consumo, tendo em vista o desgaste sofrido pelo uso e a conseqüente necessidade de trocas periódicas, levando-se em conta, inclusive, a segurança dos motoristas e passageiros que utilizam os veículos. É o que se depreende pela leitura do § 2º do art. 15 da Lei Federal nº 4.320/64, que conceitua material permanente aquele cuja duração seja superior a dois anos.

 

Nesse sentido, a capitulação da sanção em comento no art. 94 da Lei nº 4.320/64 certamente não foi a mais adequada, mas, por outro lado, a ausência de fiscalização e controle sobre a recepção e alocação de bens adquiridos, sejam de consumo ou permanentes, configura sim irregularidade e, salvo melhor juízo, de natureza grave, posto que compromete a liquidação da despesa.

 

A própria Lei nº 4.320/64, em seu art. 63, determina:

 

Art. 63 - A liquidação da despesa consiste na verificação do direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito.

§ 1° Essa verificação tem por fim apurar:

I - a origem e o objeto do que se deve pagar;

II - a importância exata a pagar;

III - a quem se deve pagar a importância, para extinguir a obrigação.

§ 2º A liquidação da despesa por fornecimentos feitos ou serviços prestados terá por base:

I - o contrato, ajuste ou acôrdo respectivo;

II - a nota de empenho;

III - os comprovantes da entrega de material ou da prestação efetiva do serviço.

  

      As lições de Heilio Kohama elucidam:

 

O empenhamento é o ato emanado de autoridade competente que cria para o Estado obrigação de pagamento pendente ou não implemento de condição.

(...)

A liquidação consiste na verificação do direito adquirido pelo credor, tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito. Essa verificação  tem por fim apurar: I - a origem e o objeto do que se deve pagar; II - a importância exata a pagar; e III - a quem se deve pagar a importância para extinguir a obrigação.

(...)

Nos casos de aquisição de materiais, após a emissão do empenho, o processo é encaminhado ao almoxarifado para aguardar a devida entrega.

O fornecedor ao efetuar a entrega do material deve, juntamente com o material adquirido, apresentar a documentação correspondente, ou seja, a nota fiscal, na qual deve-se verificar: o nome ou a razão social da empresa, que deve coincidir com o credor da nota de empenho e do contrato ou ajuste respectivo; o material constante da nota fiscal deve obedecer ao objeto do contrato ou ajuste, bem como a importância deve ser adequada.

O encarregado do almoxarifado, feitas as verificações necessárias, deve juntar a nota fiscal - na qual deve colocar uma declaração de que recebeu o material nela constante, o qual se encontra em ordem - ao processo, encaminhando-o para o devido processamento do pagamento.

O pagamento é o último estágio da despesa e consiste no ato onde o poder público faz entrega do numerário correspondente, recebendo a devida quitação.[3]  (grifamos)

 

No caso em epígrafe, a Diretoria de Denúncias e Representações - DDR, deste Tribunal, ao reexaminar os autos principais após o contraditório do Recorrente, teceu as seguintes considerações  (fls. 172 a 174):

 

[...]

Ocorre que inexiste qualquer referência possível junto à Prefeitura de Bom Jesus, que comprove a efetiva aquisição dos bens supra-elencados e dos serviços prestados.

[...]

Como as aquisições ora em questão foram processadas em dezembro de 2004, conclui-se que os bens supostamente adquiridos não deram entrada nem foram utilizados em equipamentos do poder público municipal.

Por outro lado, observou esta inspeção a absoluta ausência de fiscalização e controle sobre a recepção e alocação dos bens adquiridos, impossibilitando a confirmação da efetiva aquisição dos mesmos e da realização dos serviços de recapagem em pneus, supostamente efetivados em finais de 2004.

[...]

A esse respeito, registre-se inicialmente a dificuldade em saber-se com um mínimo de segurança, a real recepção dos bens comprados, seja, via almoxarifado central da Prefeitura ou em decorrência da inexistência de relação própria de bens patrimoniais da municipalidade à época da aquisição em tela especificando-os e numerando-os por ordem, decorrendo dessa inexistência de registro documental a impossibilidade de um acompanhamento que permita o exercício da fiscalização e do controle da municipalidade sobre a efetividade da incorporação dos bens adquiridos ao patrimônio público.

De fato, os bens em questão não foram cadastrados, nem foram descritos, identificados ou receberam numeração de registro, nem tampouco identificou-se o(s) órgão(s) aos quais foram distribuídos, nem a data de inclusão no cadastro ou seus valores, limitando-se as informações a respeito dos mesmos a descrição contábil no Razão Analítico referente ao ano de 2004.

Em outras palavras e como já dito, o ingresso dos bens em foco não foi fiscalizada nem sua distribuição foi controlada.

 

Além disso, a Lei 4.320, referida estabelece, ainda, a propósito do tema, o que segue:

 

Art. 95 - A contabilidade manterá registros sintéticos dos bens móveis e imóveis.

Art. 96. O levantamento geral dos bens móveis e imóveis terá por base o inventário analítico de cada unidade administrativa e os elementos da escrituração sintética na contabilidade.

Em outras palavras, é necessário que ao menos uma vez por ano haja o inventário físico-financeiro de todos os bens móveis e imóveis, em uso ou estocados em almoxarifado, de modo que o balanço patrimonial reflita a realidade e permita o controle de cada bem em uso ou em estoque.

[...]  

 

Não devemos olvidar que, in casu, o posicionamento da DDR foi pela conversão dos autos em tomada de contas especial por concluir que havia indícios suficientes para caracterizar o dano ao erário.  

 

O fato é que a falta de controle da entrada e saída de materiais dos setores de almoxarifado pode acarretar em desperdício, desvio ou extravio dos bens, dando margem à ocorrência de prejuízo aos cofres públicos. Daí, portanto, a gravidade da situação apurada na Prefeitura de Bom Jesus.

 

Os Prejulgados nsº 1147 e 1164, desta Corte, lecionam:

 

PREJULGADO Nº 1147:

[...]
As despesas do município com serviços e materiais de consumo ou permanentes, decorrentes de convênio com a Secretaria de Estado da Segurança Pública e Polícia Militar no âmbito do Código Brasileiro de Trânsito, serão registradas (contabilizadas) de acordo com as regras da Portaria Interministerial STN/SOF nº 163, de 04 de maio de 2001, e seus anexos, podendo os elementos de despesas ser desdobrados para melhor representação, administração e controle das despesas.

As despesas com vale-transporte, quando adquiridos tickets de empresas, serão classificadas no item "3.3.90.39.00 - Outros Serviços de Terceiros - Pessoa Jurídica".

As despesas com manutenção de veículos, ainda que cedidos a outras entidades públicas em decorrência de convênio em que o município se comprometa com a manutenção, serão registradas da seguinte forma - "3.3.90.30.00 - Material de Consumo" e as eventuais despesas com serviços para troca de peças serão classificadas em "3.3.90.39.00 - Outros Serviços de Terceiros - Pessoa Jurídica".[4]


PREJULGADO Nº 1164:

[...]

As entidades da Administração Pública deverão manter procedimentos institucionalizados (regulamentado) para apuração de danos, desaparecimento ou extravio de bens, mediante processo administrativo devidamente instruído com boletim de ocorrência, resultados de investigações policiais, depoimentos de autores e testemunhas, outros documentos e elementos pertinentes para elucidação das circunstâncias da ocorrência e eventual identificação dos responsáveis e participação de servidores da entidade por ação ou omissão, bem como as conclusões da Comissão de Sindicância. Resultando infrutíferas as ações para recuperação de bens desaparecidos, poderá ser promovida a baixa do ativo mediante autorização da diretoria da entidade ou da autoridade competente, com os correspondentes registros, observada a legislação contábil a que estiver sujeita a entidade.[5]

 

[...]

 

No compasso das considerações acima, a manutenção da multa é medida que se impõe. O único retoque no decisum que propomos é a exclusão do art. 94 da Lei 4.320/64 na capitulação da penalidade.[6]

 

Conforme realçado pelo órgão consultivo, deve classificar-se o “pneu” como material de consumo, em virtude do desgaste sofrido pelo uso e conseqüente necessidade de troca.

 

Outra questão que merece relevo é a necessidade de controle sobre a alocação de bens adquiridos, sejam eles classificados como materiais permanentes ou de consumo.

 

Tal controle favorece a fiscalização acerca da aquisição, uso e guarda dos bens públicos, evitando, assim, a ocorrência de dano ao erário.

 

Acompanho, portanto, o entendimento do órgão consultivo para manter a sanção sob comento, fazendo a necessária retificação no dispositivo legal tido por violado.

 

 

3.   PROPOSTA DE DECISÃO

 

CONSIDERANDO o que mais dos autos consta, em conformidade com os pareceres da Consultoria-Geral e do Ministério Público submeto à apreciação deste Tribunal a seguinte proposta de decisão:

 

6.1. Conhecer do Recurso de Reexame, nos termos do art. 80 da Lei Complementar n. 202/2000, interposto contra o Acórdão n. 1.254/2006 exarado na Sessão Ordinária de 26/06/2006 nos autos do Processo n. RPA-05/00606196 e, no mérito, negar-lhe provimento.

 

6.1.1. conferir ao item 6.2 da decisão recorrida a seguinte redação:

 

“6.2. Aplicar ao Sr. Clóvis Fernandes de Souza - ex-Prefeito Municipal de Bom Jesus, CPF n. 194.868.129-34, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 109, II, do Regimento Interno, a multa no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), em face da ausência de fiscalização e controle sobre a recepção e alocação de pneus adquiridos, com o devido registro em inventário físico-financeiro, contrariando os arts. 95 e 96 da Lei Federal n. 4.320/64, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial do Estado, para comprovar ao Tribunal o recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000.”

 

6.2. Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam, bem como do Parecer COG n. 913/08 à Prefeitura Municipal de Bom Jesus e ao Sr. Clóvis Fernandes de Souza – ex-Prefeito do citado Município.

 

 

              Gabinete do Conselheiro, em 02 de junho de 2009.

 

 

 

WILSON ROGÉRIO  WAN-DALL

Conselheiro Relator

 

 



[1] Fls. 09/18.

[2] Fls.19/20.

[3](in Contabilidade Pública, 6ª ed. p. 153/169)

[4]Processo: CON-01/01621515 Parecer: COG-095/02 Decisão: 711/2002 Origem: Prefeitura Municipal de Governador Celso Ramos Relator: Relator Evângelo Spyros Diamantaras Data da Sessão: 24/04/2002 Data do Diário Oficial: 02/07/2002

[5]Processo: CON-01/01882157 Parecer: COG-243/02 Decisão: 1068/2002 Origem: Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina Relator: Auditor José Carlos Pacheco Data da Sessão: 17/06/2002 Data do Diário Oficial: 05/08/2002

[6] Fls. 12/17.