Processo nº PDI 06/00507211
Unidade Gestora Prefeitura Municipal de Lacerdópolis
Responsável Anita Dacas Rossa - Prefeita Municipal (Gestão 2005)
Assunto Restrição constante do Relatório de Contas Anuais do exercício de 2005, apartada em autos específicos por decisão do Tribunal Pleno
Relatório nº 059/07

1. Relatório

Tratam os presentes autos de restrição apartada das contas do exercício de 2005 da Prefeitura Municipal de Lacerdópolis, nos termos do Parecer Prévio nº 0030/2006, relativamente à "aplicação da Revisão Geral Anual concedida no Município, no mesmo percentual para os agentes políticos e servidores públicos municipais, contrariando o disposto nos artigos 39, § 4º e 37, X, da Constituição Federal, repercutindo em pagamentos a maior no montante de R$ 3.360,00, referente ao subsídio do Prefeito.1"

Após a formação dos autos, a Diretoria de Controle dos Municípios - DMU manifestou-se por meio do Relatório nº 242/20072, sugerindo a conversão dos presentes autos em tomada de contas especial e a citação da Sra. Anita Dacas Rossa - Prefeita Municipal de Lacerdópolis, para apresentar suas alegações de defesa.

Os autos vieram ao Gabinete deste Relator para despacho, que foi elaborado nos termos expostos às fls. 12 a 14.

Por meio do Parecer n. 4002/20007, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas manifestou-se pelo arquivamento dos autos.

Autos conclusos ao Relator.

A restrição apartada das contas anuais do exercício de 2005 da Prefeitura Municipal de Lacerdópolis diz respeito à aplicação da Revisão Geral Anual concedida no Município, no mesmo percentual para os agentes políticos e os servidores públicos, repercutindo em pagamento a maior no montante de R$ 3.360.00, referente ao subsídio do Prefeito Municipal, em desconformidade com o disposto nos arts. 39, § 4º, e 37, X, da Constituição Federal, e com o exposto no Prejulgado n. 1686, desta Corte de Contas.

O referido apontamento foi objeto de discussões posteriores à emissão do Parecer Prévio n. 0030/2006, cujo entendimento dos membros do Plenário avançou no sentido de se desconsiderar aquela restrição para fins de formação de autos apartados. Naquela oportunidade entendeu-se que, em relação ao Prefeito e ao Vice-Prefeito, não se poderia considerar como "pagamento indevido" o valor resultante da aplicação dos percentuais relativos ao período aquisitivo integral (12 meses) da revisão geral concedida, haja vista a possibilidade de se caracterizar aquele montante como reajuste. Tal hipótese, em relação àqueles agentes políticos é permitida, pois a majoração dos seus subsídios não está submetida ao princípio da anterioridade, nos termos em que dispõe o art. 111, incisos VI e VII da C.E3.

Nas contas do exercício de 2006 tal restrição foi mais uma vez objeto de discussões plenárias, pois, segundo entendimento do Órgão de Controle, ao se aplicar o entendimento antes citado há que se analisar a questão sob a ótica do vício de iniciativa, haja vista que o inciso V do art. 29 da Constituição Federal prevê a fixação dos subsídios do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Secretários Municipais por lei de iniciativa da Câmara Municipal.

Tal apontamento foi motivo de novos debates, que acabaram culminando na adoção pelo Plenário do entendimento abaixo transcrito, exarado nos autos do Processo n. PCP 07/00034323, que analisou as contas do exercício de 2005 do Município de Treze de Maio:

Com efeito, o mesmo entendimento deve ser aplicado aos presentes autos, sob pena de se afrontar princípio da isonomia.

Por oportuno, cumpre-me ressaltar que tais restrições estão sendo apontadas pelo Órgão de Controle em razão do que dispõe o Prejulgado n. 1686, em especial o seu item 3, adiante destacado:

O destacado item 3 do Prejulgado n. 1686 foi originado do Parecer COG n° 388/2005, exarado nos autos do Processo n. CON 05/01027459, apreciado pelo egrégio Plenário na Sessão Ordinária do dia 10/08/2005.

No entanto, da leitura do item 3.3 do citado Parecer, percebe-se que o entendimento acerca da matéria é no sentido de que a incidência do instituto da revisão geral anual, no caso de agentes políticos, seria interrompida a cada nova legislatura, por força da fixação dos novos subsídios, os quais, pressupõe-se, estariam também corrigindo a perda do poder aquisitivo da moeda ocorrida desde a data da última revisão até a edição daquela lei fixadora. Somente esta interpretação justifica a seguinte afirmação contida naquele Parecer:

Como fundamento da afirmativa acima transcrita, consta naquele Parecer o seguinte Acórdão do Supremo Tribunal Federal - STF:

      EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO. ART. 37, X, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL (REDAÇÃO DA EC N.º 19, DE 4 DE JUNHO DE 1998). DISTRITO FEDERAL.
      Norma constitucional que impõe ao Governador do Distrito Federal o dever de desencadear o processo de elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração dos servidores distritais, prevista no dispositivo constitucional em destaque, na qualidade de titular exclusivo da competência para iniciativa da espécie, na forma prevista no art. 61, § 1.º, II, a, da CF.
      Mora que, no caso, se tem por verificada, quanto à observância do preceito constitucional, desde junho de 1999, quando transcorridos os primeiros doze meses da data da edição da referida EC n.º 19/98.
      Não se compreende, a providência, nas atribuições de natureza administrativa do Chefe do Poder Executivo, não havendo cogitar, por isso, da aplicação, no caso, da norma do art. 103, § 2.º, in fine, que prevê a fixação de prazo para o mister. Procedência parcial da ação. (grifo no Parecer COG)

Com a devida vênia, a matéria versada no citado Acórdão não serve de suporte à afirmativa que criou o item 3 do Prejulgado n. 1686, pois, conforme se depreende da leitura da ementa acima transcrita, tem-se ali a procedência da ação direta de inconstitucionalidade por omissão interposta contra o Chefe do Poder Executivo do Distrito Federal que deixou de iniciar projeto de lei visando a revisão geral anual, mesmo após o transcurso do período de 12 meses. Com efeito, reconheceu-se a mora do Governador do Distrito Federal, sem, no entanto, ter-lhe ordenado a feitura da referida lei de revisão geral anual.

Ademais, aquela decisão é idêntica a inúmeras outras proferidas pelo STF, todas exaradas em ações impetradas pelo Partido Social Liberal - PSL contra os Chefes do Poderes Executivos dos respectivos Estados Federados omissos na iniciativa de projeto de lei visando a concessão de revisão geral anual, após o transcurso de 12 meses da data da publicação da Emenda Constitucional n. 19, de 04/06/1998, que conferiu nova redação ao inciso X do art. 37 da CF/88. Cita-se as seguintes ações diretas de inconstitucionalidade por omissão julgadas pelo STF: ADI 2504 - Minas Gerais, ADI 2506 - Ceará, ADI 2507 - Alagoas, ADI 2519 - Roraima, ADI 2497 - Rio Grande do Norte, ADI 2503 - Maranhão, ADI 2491 - Goiás, ADI 2509 - Amazonas, ADI 2516 - Acre, ADI 2524 - Tocantins, ADI 2496 - Mato Grasso do Sul, ADI 2511 - Paraíba, ADI 2498 - Espírito Santo, ADI 2520 - Piauí, ADI 2517 - Sergipe, ADI 2492, São Paulo, ADI 2510 - Amapá, ADI 2486 - Rio de Janeiro, ADI 2508 - Pará, ADI 2493 - Paraná, ADI 2481 - Rio Grande do Sul, ADI 2490 - Pernambuco, ADI 2518 - Rondônia e ADI 2512 - Mato Grosso.

Diante do exposto, cumpre-me alertar que a premissa utilizada para a construção da redação do item 3 do Prejulgado n. 1686, que, repita-se, está servindo de fundamento teórico aos apontamentos relativos à revisão geral anual dos exercícios de 2005 e 2006 (legislatura 2005/2008), parece frágil (muito embora tenha sido aprovada pelo egrégio Plenário quando da apreciação do Processo n. CON 05/01027459, do qual inclusive fui Relator), pois, não está calcada em entendimentos doutrinários ou jurisprudenciais, merecendo uma reanálise pela Consultoria Geral.

Ademais, é de se pensar que: 1) os subsídios dos vereadores somente podem ser reajustados a cada quatro anos, em respeito ao princípio da anterioridade; 2) essa nova fixação serve para corrigir distorções em relação ao cargo, é o chamado reajuste setorial; 3) busca-se através dele (reajuste) a adequação do subsídio em relação às peculiaridades locais e às atribuições daquela função. Nessa perspectiva, é compreensível a hipótese de manutenção ou até mesmo de redução dos valores dos subsídios, o que de forma não tão rara pode acontecer nos casos concretos a serem analisados por este Tribunal.

Sendo assim, quer parecer que o instituto da fixação dos subsídios dos agentes políticos tem natureza de reajuste, não podendo por isso ser confundido com a revisão geral anual, que pretende garantir a manutenção do poder aquisitivo daquela remuneração, defasada pela inflação, que, segundo o STF, "é linear, apanhando vencimentos e subsídios5".

Com feito, convém ainda expor o entendimento do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, ao qual me filio, exarado no Parecer n. 4002/2007, anexo a estes autos, que diverge da interpretação dada à questão posta pelo item 3 do Prejulgado n. 1686. Assim expôs o Exmo. Sr. Procurador, Dr. Carlos Prola Júnior:

      A fixação de novos patamares, seja para a remuneração de determinados cargos no âmbito do serviço público, seja para os subsídios de agentes políticos, se dá segundo o padrão remuneratório então vigente no âmbito da Administração, não envolvendo qualquer avaliação quanto à manutenção do poder aquisitivo do servidor, que ocorrerá justamente no momento da revisão geral anual, nos termos do art. 37, X, da Constituição. Nessas situações, a reestruturação nos valores de remuneração de determinadas carreiras ou cargos isolados decorre de avaliações quanto à importância e à complexidade das funções exercidas, eventuais defasagens com relação a atividades similares na iniciativa privada, necessidade de atrair quadros qualificados para a Administração etc. Sendo seus objetivos absolutamente distintos, não há, então, razão para eventuais "compensações" entre elas. (grifo nosso)

Colacionou ainda em seu Parecer o seguinte ensinamento de José dos Santos Carvalho Filho:

      No que concerne ao realinhamento da remuneração dos servidores, cumpre distinguir a revisão geral da revisão específica. Aquela retrata um reajustamento genérico, calcado fundamentalmente na perda do poder aquisitivo do servidor em decorrência do processo inflacionário; esta atinge apenas determinados cargos e carreiras, considerando-se a remuneração paga às respectivas funções no mercado comum de trabalho, para o fim de ser evitada a defasagem mais profunda entre remunerações do servidor público e do empregado privado. São, portanto, formas diversas de revisão e apoiada em fundamentos diversos e inconfundíveis. (grifo do autor)

Por fim, colaciona-se entendimentos do Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul em relação à matéria, exarados na Informação n. 029/2006 e no Parecer 11/2005, todos em anexo.

Por meio da Informação n. 029/2006, da Consultoria Técnica do TCE-RS, que foi acolhido pelo Tribunal Pleno na Sessão de 29/11/2006, constata-se que por meio da Lei municipal n. 5.158/2005, de iniciativa legislativa do Presidente da Câmara Municipal, foi concedida a revisão geral anual aos servidores do Poder Legislativo de Pelotas, no percentual de 6,61%, correspondente à variação do INPC do IBGE verificada entre no período de maio de 2004 a abril de 2005. Na mesma Lei n. 5.158/2005, tal revisão foi estendida aos vereadores, no mesmo índice e na mesma data, ou seja, 6,61% a contar de 1°/05/2005.

No âmbito do Poder Executivo daquele mesmo Município, por motivos não esclarecidos na citada Informação, o percentual aplicado foi de 2,68%, correspondente à variação do INPC do IBGE verificada no período de janeiro a abril de 2005, nos termos da Lei n. 5.139/2005, de iniciativa legislativa do Prefeito Municipal.

Diante dessa última situação, o Consulente, à época Presidente em exercício da Câmara Municipal de Pelotas, por cautela, decidiu, conceder somente o percentual de 2,68% para reajustar os subsídios dos vereadores, aguardando manifestação daquela Corte para o cumprimento integral do disposto na Lei n. 5.158/2005.

Após fundamentações acerca da incidência da revisão geral anual sobre os subsídios dos agentes políticos, foi analisada naquela Informação a questão do percentual a ser aplicado, assim dispondo a Consultoria Técnica do TCE-RS:

      Frente a todo o exposto, calcados nas estritas decisões desta Corte, em especial, no Parecer Coletivo n. 3/2002 da Auditoria, os Vereadores de Pelotas teriam direito à percepção, desde 1°/05/2005 da diferença entre o percentual de 2,68%, efetivamente aplicado em 2005, e aquele previsto pela Lei n. 5.158/2005 (6,61%), na exata conformidade dos limites legais aplicáveis, em cada época ou oportunidade. (grifo nosso)

Com efeito, percebe-se que o egrégio Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul reconhece o direito à incidência sobre os subsídios dos vereadores dos percentuais (de determinado índice) correspondentes ao período de 12 meses anteriores à data-base para a concessão da revisão geral anual, não obstante ter havido nova fixação dos referidos subsídios no início da legislatura.

Em relação ao Parecer n. 11/2005, elaborado por Auditora Substituta de Conselheiro do TCE-RS, o qual foi acolhido pelo Plenário daquele Tribunal de Contas na Sessão de 21/09/2005, destaca-se as seguintes transcrições:

      [...]
      O que a Autoridade Consulente coloca em dúvida é o legítimo momento da concessão da revisão - com repercussão financeira a partir da mesma data - com relação aos agentes políticos - vale dizer, Prefeito e Vice, Secretários Municipais e Vereadores. Pergunta, então, se seria possível a concessão do reajuste anual a partir do primeiro ano da legislatura aos agentes políticos e agrega aspecto particular que ocorre no Município, qual seja, o de que ali os subsídios foram fixados (a) em valores idênticos à legislatura anterior no tocante aos Prefeito, Secretários Municipais e Vereadores e (b) em valores inferiores no tocante aos subsídios do Vice-Prefeito.
      [...], sinale o Supremo Tribunal para a iniciativa de cada Chefe de Poder, quando a competência será do Presidente da Câmara de Vereadores para a lei que alcançará servidores e agentes políticos daquele Poder, as leis locais que vierem a conceder a revisão dos subsídios dos agentes políticos deverão ter aplicação a partir do primeiro ano da legislatura.
      Isto porque, há que se fazer necessária distinção entre os atos normativos de fixação de remuneração e de subsídios e aqueles que concedem o reajuste geral anual dos servidores e agentes políticos, determinando a data da sua concessão e fixando o índice a ser aplicado.
      Tocante aos primeiros, não precisam conter previsão acerca do reajuste anual, seja porque a matéria que diz com o direito à correção dos subsídios dada a perda do poder aquisitivo da moeda refoge ao objeto do próprio ato normativo de fixação, seja em face da dispensabilidade desta previsão, vez que o direito à revisão geral anual decorre diretamente do texto constitucional, pois nele está previsto (CF, art. 37, inc. X).
      Ainda na linha da necessária diferenciação, enquanto os atos normativos fixadores dos subsídios dos agentes políticos se submetem ao princípio da anterioridade, nos termos do inciso VI do art. 29 da Constituição Federal e [...], aqueles que concedem o reajuste geral anual podem ser editados para vigorarem no mesmo exercício e na mesma legislatura.
      E a lógica desta distinção está no aspecto de que, para a fixação dos subsídios dos agentes políticos, os parâmetros a serem observador - e sobre os quais incidem os limitadores estabelecidos pela Constituição, em seu art. 29, incisos VI e VII -, se expressam em valores e montantes de certo modo já corroídos pela perda inflacionária, razão por que a revisão geral anual pode e deve corrigir os subsídios desde o primeiro exercício da legislatura.
      [...]
      Inexiste, por conseguinte, dúvida acerca da aplicabilidade da lei concessória da revisão geral a partir do primeiro ano da legislatura; se a Constituição garante a reposição da inflação anual, o que se dirá da reposição monetária de perdas acumuladas em quatro exercícios como é o caso singular objeto da Consulta, o qual se repete como se vê em vários outros municípios.

Diante do exposto, e considerando a grande influência do item 3 do Prejulgado n. 1686 na ação de controle desta Corte de Contas;

Considerando a existência de inúmeros apartados que tratam da matéria, proponho ao egrégio Plenário:

2.1 Determinar o arquivamento dos autos.

2.2 Determinar à Consultoria Geral a revisão do item 3 do Prejulgado n. 1686, desta Corte de Contas, visando a análise daquele apontamento sob a ótica dos posicionamentos expostos no presente voto e no Parecer MPTC n. 4002/2007.

2.3 Dar ciência deste Acórdão, bem como do relatório e voto do Relator que o fundamentam, a Sra. Anita Dacas Rossa, Prefeita Municipal de Lacerdópolis, e à Câmara de Vereadores.

Florianópolis, 20 de julho de 2007.

Conselheiro Salomão Ribas Junior

Relator


1 À fl. 07.

2 Às fls. 04 a 10.

3 Art. 111. [...]

VI - subsídios do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Secretários Municipais, fixados por lei de iniciativa da Câmara Municipal, observado o disposto no art. 29, V, da Constituição Federal;

VII - subsídio dos Vereadores será fixado pelas respectivas Câmaras Municipais, em cada legislatura para a subseqüente, com antecedência de seis meses, observados os critérios estabelecidos nas respectivas leis orgânicas e os limites máximos dispostos na Constituição Federal;

4 À fl. 22 dos autos do Processo n. CON 05/01027459.

5 RE 419075 - Pernambuco - DJ 18.11.2005 - Relator: Ministro Marco Aurélio. Vencido: Ministro Eros Grau.