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ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO GABINETE DO CONSELHEIRO WILSON ROGÉRIO WAN-DALL |
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REC TC-637470290 |
UNIDADE GESTORA: | Secretaria de Estado dos Transportes e Obras |
Interessado: | Sr. Affonso Henrique de Paiva Estrella |
Assunto: | Recurso Pedido de Reconsideração do Processo APE-386404/72 |
Parecer n°: | GC/WRW/2006/ 542/ES |
1. RELATÓRIO
Versam os autos n. REC TC-637470290, acerca de Recurso de Reconsideração interposto pelo servidor Affonso Henrique de Paiva Estrella, em face da Decisão proferida nos autos do Processo n. APE TC-038640472, portadora do seguinte teor:
O TRIBUNAL DE CONTAS EM SESSãO DE 08/02/1999, DECIDIU dIANTE DAS RAZões APRESENTADAS PELO RELATOR E COM FULCRO NO ARTIGO 59 DA CONSTITUICãO ESTADUAL, NO ARTIGO 27 DA LEI COMPLEMENTAR NR.31/90 E NO ARTIGO 7º DO REGIMENTO INTERNO:
1) DENEGAR O REGISTRO, NOS TERMOS DO ARTIGO 27, INCISO III, DA LEI COMPLEMENTAR N. 31/90, DO ATO APOSENTATóRIO DE AFFONSO HENRIQUE DE PAIVA ESTRELLA, SERVIDOR DA SECRETARIA DE ESTADO DOS TRANSPORTES E OBRAS, OCUPANTE DO CARGO DE ASSISTENTE PESSOAL DO SECRETáRIO, CONSUBSTANCIADO NA PORTARIA N. 1644 DE 29/04/96, CONSIDERADO ILEGAL CONFORME PARECERES EMITIDOS NOS AUTOS, FACE à AUSêNCIA DE APRESENTAção DE EXAME DE SAúDE QUANDO DA ADMISSão NO CARGO EM PROVIMENTO DE COMISSãO, EM DESCUMPRIMENTO AO DISPOSTO NO ARTIGO 13 DA LEI N. 6.745/85.
2) DETERMINAR à DIRETORIA DE CONTROLE DA ADMINISTRAção ESTADUAL - DCE DESTE TRIBUNAL QUE, APóS TRANSITADA EM JULGADO A DECISão, INCLUA NA PROGRAMação DE AUDITORIA "IN LOCO" NA SECRETARIA DE ESTADO DOS TRANSPORTES E OBRAS, A AVERIGUAção DOS PROCEDIMENTOS ADOTADOS DECORRENTES DA DENEGAção DE REGISTRO DE QUE TRATA O ITEM 1 DESTA DECISão.
3) DAR CIêNCIA DESTA DECISão à SECRETARIA DE ESTADO DOS TRANSPORTES E OBRAS E à SECRETARIA DE ESTADO DA ADMINISTRAção.1
A peça recursal foi examinada pela Consultoria Geral deste Tribunal, a qual se manifestou, através do Parecer n. COG-377/99, posicionando-se pelo conhecimento do Recurso e, no mérito, pelo seu desprovimento.2
O Recorrente juntou aos autos diversos documentos, dentre os quais destaca-se a cópia da petição de mandado de segurança e da decisão proferida pelo Desembargador João Martins determinando que as autoridades impetradas restabelecessem o pagamento dos proventos do impetrante.3
No âmbito desta Corte de Contas, o processo foi levado à apreciação do Plenário.
O Relator do feito, Auditor José Carlos Pacheco, proferiu o seu voto.4
O Recorrente apresentou memoriais, através de seu procurador.5
O Conselheiro Presidente manifestou-se através do voto de desempate.6
O Colendo Tribunal Pleno, então, prolatou a Decisão n. 2.474/99, com o seguinte teor:
O TRIBUNAL PLENO, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 35, § 1º, da Lei Complementar n. 31/90, decide:
6.1. Proceder em diligência os presentes autos à Junta Médica da Gerência de Saúde do Servidor - Secretaria de Estado da Administração -SEA, para que no prazo de 30 (trinta) dias, à contar da publicação desta decisão no Diário Oficial do Estado, se manifeste sobre o atestado médico de 28/12/94, fls. 101, e exames complementares constantes das fls. 99, 100 e 102 a 112 do Processo n. APE-0386404/72, informando se esses documentos seguiram a melhor técnica para atestar a capacidade de saúde em exame pré-admissional.7
A Gerência de Saúde do Servidor-GESAS respondeu à diligência deste Tribunal.8
Em seguida, o Relator encaminhou os autos à Consultoria Geral para apreciação desse órgão.9
A Consultoria se manifestou através do Parecer n. COG-268/00.10
O Relator do processo juntou aos autos o seu voto, mas o processo foi retirado de pauta.11
O processo foi remetido à Procuradoria-Geral junto a este Tribunal em 24/07/2000.12
Em 12/05/2005, o Procurador-Geral manifestou-se concordando com o voto do Relator, no sentido de que se proceda ao registro do ato de aposentadoria do Recorrente. 13
Em virtude de redistribuição do processo, os autos vieram a este Relator para apreciação e elaboração de novo voto.
É o breve relato dos fatos.
2. DISCUSSÃO
Compulsando os autos e examinando os diversos documentos que o integram, bem como as manifestações da Consultoria, do Relator anterior e da Procuradoria-Geral, entendo oportuno tecer algumas considerações acerca da questão discutida no presente processo, as quais servirão para melhor fundamentar o voto a ser por mim proferido.
Pretende o Recorrente a reforma da Decisão proferida pelo Colendo Plenário desta Corte, que denegou o registro do ato de sua aposentadoria, em virtude da AUSêNCIA DE APRESENTAção DE EXAME DE SAúDE QUANDO De sua ADMISSão NO CARGO EM PROVIMENTO DE COMISSãO, EM DESCUMPRIMENTO AO DISPOSTO NO ARTIGO 13 DA LEI N. 6.745/85.
Colhe-se dos assentamentos funcionais do Recorrente que, através do Ato n. 0601, de 02/01/95, foi nomeado para exercer o cargo de Assistente Pessoal do Secretário, da Secretaria de Estado dos Transportes e Obras.14
Através da Portaria n. 1.644, de 29/04/96, foi concedida aposentadoria por invalidez ao Recorrente.15
O cerne da discussão nos presentes autos reside no fato de se ter verificado que o Recorrente não apresentou os exames médicos admissionais, fato este que redundou na denegação do registro do seu ato de aposentadoria por este Tribunal.
A Gerência de Administração dos Benefícios-GEABE, ao analisar a situação do servidor aposentado, consignou o seguinte:
[...] - Quando de sua última admissão no serviço público, ficou evidente segundo todos os anexos (inclusive a C. I. 019/96, que apresenta o parecer da Dra. Maria Cristina Moritz - Perita Revisora da Gerência de Saúde do Servidor-GESAS, datado de 25 de junho de 1996) que sua nomeação não observou os pressupostos legais ("não houve uma avaliação médico-pericial e especializada do servidor naquela data e até mesmo os exames exigidos para tal ingresso não são todos datados daquela ocasião e outros nem foram realizados");
- a responsabilidade técnica na definição da aposentadoria por invalidez coube à Perícia Médica (GESAS) órgão da administração direta, composto por médicos de saber específico e com autoridade inquestionável na conclusão das condições de saúde do servidor;
- a aposentadoria ora negada ocorreu com base no artigo 40, parágrafo 1º, inciso I, da Constituição Federal de 1988 e sua definição partiu de uma situação adversa à vontade do servidor, ou seja, foi acometido de doença incurável (CID 414 0/8),
Diante dos fatos apresentados ficou caracterizado que:
1. a Administração Pública não poderia ter admitido o Senhor Estrella, em 03-01-95, sem o competente laudo pericial, pré-admissional;
2. a GESAS informou (CI 019/96) ao Diretor da DIRH que a Junta Médica não tinha condições de avaliar a capacidade física do servidor para fins de ingresso com data retroativa;
3. o servidor sofreu enfarte em 1993 e tomou posse no serviço público em 1995 indevidamente, em função de suas restrições de saúde;
4. Foi aposentado por invalidez em 29-04-96;
5. O Tribunal de Contas negou o registro do ato aposentatório em função das restrições já explanadas anteriormente [...] 16
Releva, neste momento, trazer à baila as razões apresentadas pelo Recorrente na peça recursal:
[...] Impende, desde logo, suscitar questão preliminar de relevo para reflexão e deslinde por essa Colenda Corte de Contas.
Com efeito, é mister que se tenha presente o fato de que, analisando pedido de aposentadoria, esse egrégio Tribunal decidiu denegar seu registro em face de alegado vício formal na investidura do recorrente (inexistência de exame de saúde pré-admissional) e não na aposentadoria em si.
De notar, ainda, em prol do argumento ora sustentado, o aspecto temporal, já que a investidura ocorreu em janeiro de 1995, a aposentação deu-se em maio de 1996 e a denegação do registro veio a acontecer tão-só em abril de 1999.
Indaga-se em virtude disso: é correta a negativa de registro de aposentadoria que foi legalmente alcançada, sob o argumento de vício formal na investidura.
A resposta a tal indagação afigura-se negativa.
Mais ainda: e, se, como no caso concreto, para tal vício não concorreu o servidor, pode o mesmo ser penalizado?
Evidente que não, mormente porque é da Administração a responsabilidade pela exigência e até mesmo pela realização do exame focado, incumbência esta que não pode ser repassada ao servidor.
Aplica-se, destarte, ao caso em apreço o vetusto, mas sempre atual, preceito segundo o qual "ad impossibilia nemo tenetur", isto é: ninguém está obrigado ao impossível.
Se a Administração não zelou por seus cometimentos, investindo o servidor sem que o exame referenciado fosse feito, mas se este servidor prestou sua contraprestação laboral, não há dúvida de que, sobrevindo moléstia incapacitante no exercício do cargo, faz ele juz à aposentadoria nos termos da legislação de regência (Lei Complementar n. 133/94).
Afinal, a incúria da Administração não pode prestar-se a favorecê-la e a prejudicar quem agiu de boa-fé e não tinha responsabilidade pela omissão ocorrida. Repete-se: "ad impossibilia nemo tenetur".
[...]
De todo modo, para patentear ainda mais a boa-fé do recorrente, faz-se juntar, neste ensejo, alguns exames de saúde a que o mesmo submeteu-se dias antes da investidura no cargo comissionado, exames estes que foram postos à disposição do órgão em que atuou e que comprovam sua aptidão.
São exames laboratoriais, cardiológicos e radiológicos, feitos em dezembro de 1994 e nos primeiros dias de janeiro de 1995, exatamente para fins de ingresso no serviço público (que se deu em 03.01.95), além do "questionário para exame de saúde pré-admissional, cujas cópias seguem anexas (docs. ns. 7 a 10).17 Grifo nosso
Com efeito, consta do rol das competências constitucionais atribuídas aos Tribunais de Contas a apreciação, para fins de registro, da legalidade das concessões de aposentadorias.
No exercício desse mister, as Cortes de Contas se deparam com o enfrentamento de inúmeras questões, dentre as quais se destaca a que concerne aos efeitos gerados pelo decurso de tempo entre a publicação do ato concessório de aposentadoria e o seu exame pelos Tribunais de Contas, incluindo o julgamento de possíveis recursos.
Parece ser este o caso dos autos, haja vista que o servidor ingressou na inatividade em 29/04/96, teve o registro do ato de aposentadoria denegado neste Tribunal em 1999 e, já passados mais de dez anos de sua aposentação, ainda encontra-se o processo pendente de decisão em sede recursal.
De todo o modo, este Relator, ao examinar com mais acuidade as razões aduzidas pelo Recorrente, percebeu que não de todo improcedentes, merecendo, por certo, a devida consideração, porquanto a situação sob exame envolve não somente os efeitos do decurso de prazo na apreciação do ato por este Tribunal, como também a incidência dos princípios da legalidade, da segurança jurídica e da boa-fé.
Tal questão foi analisada por Luísa Cristina Pinto e Netto, a qual consignou em minudente estudo o seguinte:
[...] Na análise da legalidade de atos praticados há longos anos, se o TC se depara com ato em conformidade com as normas legais pertinentes, maiores problemas não se colocam para o registro. A situação é distinta no caso de ato que apresenta vício de legalidade, especialmente na hipótese de tal vício gerar efeitos benéficos na esfera juridicamente protegida do interessado. Coloca-se, então, o problema da viabilidade jurídica da negativa de seu registro pelo TC. [...]
A situação que se propõe analisar coloca, de um lado, segundo entendimento do Tribunal de Contas, ato concessório de aposentadoria praticado em discordância com previsões legais específicas e, de outro, longo lapso de tempo transcorrido desde a prática deste ato. Neste contexto, se o TC denega o registro do ato, a Administração Pública, o órgão de origem, teria, em face desta decisão, que sanear - se possível - ou invalidar o ato originário de concessão de aposentadoria, praticando ato conforme ao entendimento do TC. Considerando a hipótese de ato benéfico ao interessado, ao proceder dessa maneira, a Administração estaria, no uso de sua autotutela, defazendo ato ampliativo.
A questão a ser enfrentada insere-se no que a doutrina vem chamando de colisão de princípios, isto é, coloca frente a frente os princípios da legalidade (estrita) e da segurança jurídica (qualificada pela presença da boa-fé), reclamando, para sua solução, a necessária ponderação axiológica.[...]
Não há como negar que a atividade administrativa encontra na legalidade seu princípio basilar, que deve reger toda e qualquer atuação da Administração Pública. Não há como negar, outrossim, que o princípio da legalidade é um dentre outros princípios que formam, juntos, o arranjo principiológico da atividade administrativa; certamente não se pode considerar o princípio da legalidade - como de resto se passa com os outros princípios jurídicos - absoluto. [...]
A legalidade (estrita) pode estar em colisão com outros princípios reitores da atividade administrativa; o dever-poder de invalidação dos atos administrativos viciados - a autotutela - encontra limites na segurança jurídica, na necessidade de estabilização das relações sociais, na proteção da confiança e na boa-fé dos envolvidos.
Observa-se que as circunstâncias do caso concreto autorizam, segundo uma ponderação razoável dos valores envolvidos, a hierarquização axiológica dos princípios em colisão, determinando peso maior para um ou alguns deles em detrimento de outro ou outros, que não são extirpados do sistema jurídico, cedem na solução daquele caso concreto. [...]
Com base nestas lições, possível sustentar que o princípio da legalidade (estrita) deve ceder, em determinados casos, diante de outros princípios, como o da segurança jurídica e da proteção da boa-fé.18
In casu, a denegação do registro do ato de aposentadoria do Recorrente foi embasada no descumprimento do art. 13 da Lei n. 6.745/85, que prevê a apresentação de exame de saúde quando da admissão de cargo de provimento em comissão.
Como os exames de saúde do servidor não foram avaliados clinicamente por Junta Médica Oficial do Estado, previamente à sua admissão no serviço público, restou caracterizado a inobservância do mencionado preceito legal e, via de conseqüência, do princípio da legalidade.
De outro vértice, não se pode deixar de mencionar que a responsabilidade pela exigência da apresentação do exame médico, quando da admissão do servidor, é incontestavelmente da Administração, porquanto lhe compete averigüar se o servidor atende aos requisitos legais que autorizam a sua admissão.
Ora, se tal providência não foi devidamente tomada pelo órgão administrativo, no momento oportuno, não se pode penalizar o servidor pela omissão ocorrida, na concessão de sua aposentadoria.
A par disso, há que se considerar que o servidor, a princípio, estava de boa-fé, pois não há nada nos autos que indique que o mesmo agiu culposamente, até porque, como dito antes, a exigência da apresentação do exame cabia à Administração, a qual detinha condições para impedir a sua admissão.
Por fim, assinale-se que o princípio da segurança jurídica milita, na situação em tela, favoravelmente ao Recorrente, posto que o mesmo já se encontra na inatividade desde de 1996, tendo o registro do seu ato de aposentadoria sido denegado por este Tribunal em decisão proferida em 1999, a qual se encontra pendente de julgamento do presente recurso.
Ao tratar do princípio da segurança jurídica, a obra de Hely Lopes Meirelles consigna que:
[...] Ao tratar desse princípio, Almiro do Couto e Silva [...] quando trata do ato nulo frene ao princípio da segurança jurídica, ensina que, "no Direito Público, não constitui excrescência ou uma aberração admitir-se a sanatória ou o convalescimento do nulo. Ao contrário, em muitas hipóteses o interesse público prevalecente estará precisamente na conservação do ato que nasceu viciado mas que, após, pela omissão do Poder Público em invalidá-lo, por prolongado período de tempo, consolidou nos destinatários a crença firme na legitimidade do ato. Alterar esse estado de coisas, sob o pretexto de restabelecer a legalidade, causará mal maior do que preservar o status quo. Ou seja, em tais circunstâncias, no cotejo dos dois subprincípios do Estado de Direito, o da legalidade e o da segurança jurídica, este último prevalece sobre o outro, como imposição da justiça material. Pode-se dizer que esta é a solução que tem sido dada em todo mundo, com pequenas modificações de país para país.19
No escólio de Celso Antônio Bandeira de Mello:
I - sempre que a Administração esteja perante ato suscetível de convalidação e que não haja sido impugnado pelo interessado, estará na obrigação de convalidá-lo, ressalvando-se, como dito, a hipótese de vício de competência em ato de conteúdo discricionário;
II - sempre que esteja perante ato insuscetível de convalidação, terá a obrigação de invalidá-lo, a menos, evidentemente, que a situação gerada pelo ato viciado já esteja estabilizada pelo Direito. Em tal caso, já não mais haverá situação jurídica inválida ante o sistema normativo, e, portanto, simplesmente não se põe o problema.
Esta estabilização ocorre em duas hipóteses: a) quando já se escoou o prazo, dito "prescricional", para a Administração invalidar o ato; b) quando, embora não vencido tal prazo, o ato viciado se categoriza como ampliativo da esfera jurídica dos administrados e dele decorrem sucessivas relações jurídicas que criaram, para sujeitos de boa-fé, situação que encontra amparo em norma protetora de interesses hierarquicamente superiores ou mais amplos que os residentes na norma violada, de tal sorte que a desconstituição do ato geraria agravos maiores aos interesses protegidos na ordem jurídica do que os resultantes do ato censurável.
Exemplificaria tal hipótese o loteamento irregularmente licenciado cujo vício só viesse a ser descoberto depois de inúmeras famílias de baixa renda, que adquiriram os lotes, haverem nele edificado suas moradias.
As asserções feitas estribam-se nos seguintes fundamentos. Dado o princípio da legalidade, fundamentalíssimo para o Direito Administrativo, a Administração não pode conviver com relações jurídicas formadas ilicitamente. Donde, é dever seu recompor a legalidade ferida. Ora, tanto se recompõe a legalidade fulminando um ato viciado, quando convalidando-o. É de notar que esta última providência tem, ainda, em seu abono o princípio da segurança jurídica, cujo relevo é desnecessário encarecer. A decadência e a prescrição demonstram a importância que o Direito lhe atribui. Acresce que também o princípio da boa-fé - sobreposse ante atos administrativos que já gozam de presunção de legitimidade - concorre em prol da convalidação, para evitar gravames aos administrado de boa-fé.20
Igualmente, o Supremo Tribunal Federal tem enfrentado o confronto do princípios da legalidade e da segurança jurídica nos casos concretos levados à sua apreciação, dando cada vez mais relevo a este último, conforme o lapidar voto do Ministro Gilmar Mendes, no Mandado de Segurança n. 25.259-6-DF (DJU 28/03/2005), no qual figura como impetrado o Tribunal de Contas da União:
[...] A pensão foi concedida em julho de 1990. A decisão do TCU, considerando indevida a concessão do benefício de pensão é de 9 de 10 de [sic] novembro de 2004. [...]
No âmbito da cautelar, a matéria evoca, inevitavelmente, o princípio da segurança jurídica. O impetrante invoca, no caso, a prescrição que é, sem dúvida alguma, uma expressão do princípio da segurança jurídica.[...]
A propósito do direito comparado, vale a pena ainda trazer à colação clássico estudo de Almiro do Couto e Silva sobre a aplicação do princípio da segurança jurídica: "É interessante seguir os passos dessa evolução. O ponto inicial da trajetória está na opinião amplamente divulgada na literatura jurídica de expressão alemã do início do século de que, embora inexistente, na órbita da Administração Pública, o principio da res judicata, a faculdade que tem o Poder Público de anular seus próprios atos tem limite não apenas nos direitos subjetivos regularmente gerados, mas também no interesse em proteger a boa fé e a confiança (Treue und Glauben) dos administrados. (...)
Esclarece OTTO BACHOF que nenhum outro tema despertou maior interesse do que este, nos anos 50 na doutrina e na jurisprudência, para concluir que o princípio da possibilidade de anulamento foi substituído pelo da impossibilidade de anulamento, em homenagem à boa fé e à segurança jurídica.
Informa ainda que a prevalência do princípio da legalidade sobre o da proteção da confiança só se dá quando a vantagem é obtida pelo destinatário por meios ilícitos por ele utilizados, com culpa sua, ou resulta de procedimento que gera sua responsabilidade. Nesses casos não se pode falar em proteção à confiança do favorecido. (Verfassungsrecht, Verwaltungsrecht, Verfahrensrecht in der Rechtssprechung des Bundesverwaltungsgerichts, Tübingen 1966, 3. Auflage, vol. I, p. 257 e segs.; vol. II, 1967, p. 339 e segs.).
Embora do confronto entre os princípios da legalidade da Administração Pública e o da segurança jurídica resulte que, fora dos casos de dolo, culpa etc., o anulamento com eficácia ex tunc é sempre inaceitável e o com eficácia ex nunc é admitido quando predominante o interesse público no restabelecimento da ordem jurídica ferida, é absolutamente defeso o anulamento quando se trate de atos administrativos que concedam prestações em dinheiro, que se exauram de uma só vez ou que apresentem caráter duradouro, como os de índole social, subvenções, pensões ou proventos de aposentadoria." (SILVA, Almiro do Couto e. Os princípios da legalidade da administração pública e da segurança jurídica no estado de direito contemporâneo. Revista da Procuradoria-Geral do Estado. Publicação do Instituto de Informática Jurídica do Estado do Rio Grande do Sul, V. 18, No 46, 1988, p. 11-29). [...]
Como se vê, em verdade, a segurança jurídica, como subprincípio do Estado de Direito, assume valor ímpar no sistema jurídico, cabendo-lhe papel diferenciado na realização da própria idéia de justiça material. Nesse sentido, vale trazer passagem de estudo do professor Miguel Reale sobre a revisão dos atos administrativos: "Não é admissível, por exemplo, que, nomeado irregularmente um servidor público, visto carecer, na época, de um dos requisitos complementares exigidos por lei, possa a Administração anular seu ato, anos e anos volvidos, quando já constituída uma situação merecedora de amparo e, mais do que isso, quando a prática e a experiência podem ter compensado a lacuna originária. Não me refiro, é claro, a requisitos essenciais, que o tempo não logra por si só convalescer, como seria, por exemplo, a falta de diploma para ocupar cargo reservado a médico, mas a exigências outras que, tomadas no seu rigorismo formal, determinariam a nulidade do ato. Escreve com acerto José Frederico Marques que a subordinação do exercício do poder anulatório a um prazo razoável pode ser considerado requisito implícito no princípio do due process of law. Tal princípio, em verdade, não é válido apenas no sistema do direito norte-americano, do qual é uma das peças basilares, mas é extensível a todos os ordenamentos jurídicos, visto como corresponde a uma tripla exigência, de regularidade normativa, de economia de meios e forma e de adequação à tipicidade fática. [...] Grifo nosso
Destarte, forçoso concluir que, neste caso concreto, no cotejo dos princípios da legalidade, da segurança jurídica e da boa-fé, devem prevalecer estes últimos, motivo pelo qual entendo deva a peça recursal sob exame ser conhecida, para o fim de lhe dar provimento, com a conseqüente modificação da decisão recorrida, para que se proceda ao registro do ato de aposentadoria do Recorrente.
Anote-se que, tendo em vista o advento da Lei Complementar n. 202/2000, o presente recurso será recepcionado como Recurso de Reexame, pois o seu manejo se mostra adequado para atacar decisão proferida em processos de fiscalização de atos sujeitos a registro, a teor dos arts. 79 e 80 da mencionada legislação.
3. VOTO
De acordo com o que dos autos consta, VOTO em conformidade com o parecer do Ministério Público, no sentido de que o Tribunal adote a decisão que ora submeto a sua apreciação:
Gabinete do Conselheiro, em 13 de setembro de 2006.
WILSON ROGÉRIO WAN-DALL
Conselheiro Relator
2
Fls. 31 a 40 dos autos do Processo n. REC-TC637470290. 3
Fls. 46 a 84 dos autos do Processo n. REC-TC637470290. 4
Fls. 92 a 96 dos autos do Processo n. REC-TC637470290. 5
Fls. 97 a 98 dos autos do Processo n. REC-TC637470290. 6
Fls. 99 a 104 dos autos do Processo n. REC-TC637470290. 7
Fls. 106 dos autos do Processo n. REC-TC637470290. 8
Fls. 109 dos autos do Processo n. REC-TC637470290. 9
Fls. 117 dos autos do Processo n. REC-TC637470290. 10
Fls. 118 a 120 dos autos do Processo n. REC-TC637470290. 11
Fls. 121 a 126 dos autos do Processo n. REC-TC637470290. 12
Fls. 127 dos autos do Processo n. REC-TC637470290. 13
Fls. 128 dos autos do Processo n. REC-TC637470290. 14
Fls. 46 a 47 dos autos do Processo n. APE-TC038640472. 15
Fls. 40 dos autos do Processo n. APE-TC038640472. 16
Fls. 88 a 89 dos autos do Processo n. APE-TC038640472. 17
Fls. 03 a 05 dos autos do Processo n. REC TC637470290. 18
NETTO, Luísa Cristina Pinto e. Ato de aposentadoria - natureza jurídica, registro pelo Tribunal de Contas e decadência. In: Revista Brasileira de Direito Público-RBDP, Belo Horizonte, ano 4, n. 3, p. 119-127. 19
MERELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32 ed. São Paulo: Malheiros, p. 98. 20
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, p. 432-433, 2003..
6.1. Conhecer do Recurso de Reexame, nos termos do art. 80 da Lei Complementar n. 202/2000, interposto contra a Decisão exarada na Sessão Ordinária de 08/02/1999 nos autos do Processo n. APE-0386404/72 e, no mérito, dar-lhe provimento para modificar a decisão recorrida, a qual passa a ter a seguinte redação:
6.1. Ordenar o registro, nos termos do art. 34, inciso II, c/c o art. 36, § 2º, "b", da Lei Complementar n. 202/2000, do ato de aposentadoria por invalidez, fundamentado no art. 1º, item III, da Lei Complementar n. 133/94 c/c o art. 107 da Lei n. 6.745/85 , do servidor Affonso Henrique de Paiva Estrella, da Secretaria de Estado de Transportes e Obras, matrícula n. 213.915-4-01, no cargo de Assistente Pessoal do Secretário, nível AD-DGS-2, consubstanciado na Portaria n. 1.644, de 29/04/96.
6.2. Dar ciência desta decisão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam ao Sr. Constâncio Alberto Salles Maciel - Secretário de Estado da Administração e ao Sr. Affonso Henrique de Paiva Estrella.
1
Fls. 30 dos autos do Processo n. APE TC038640472.