Processo n°

PDI 07/00008837

Unidade Gestora

Prefeitura Municipal de Chapecó

Interessado

João Rodrigues – Ex-Prefeito Municipal

Responsável

João Rodrigues – Ex-Prefeito Municipal

Assunto

Restrições constantes do Relatório de Contas Anuais do exercício 2005, apartadas em autos específicos por decisão do Tribunal Pleno

Relatório n°

901/2008

 

 

1. Relatório

 

               

      Tratam os presentes autos de exame de irregularidade constatada por ocasião da emissão do Parecer Prévio n° 188/2006 (Processo n° PCP 06/00215431), que julgou as contas anuais da Prefeitura Municipal de Chapecó referente ao ano de 2005.

 

      No item 6.3 da aludida decisão este Relator determinou à Secretaria Geral deste Tribunal que procedesse à formação de autos apartados para fins de análise da ausência de previsão na Lei de Diretrizes Orçamentárias das Metas Fiscais de Receita e Despesa, e da Meta Fiscal de Resultado Nominal e Meta Fiscal de Resultado Primário, bem como, da utilização de recursos da reserva de contingência sem evidenciar o atendimento a passivos contingentes, riscos ou eventos fiscais imprevistos.

 

      A Diretoria de Controle dos Municípios procedeu ao exame da irregularidade por meio do Relatório n° 199/2007 e concluiu por sugerir a audiência do Responsável, Sr. João Rodrigues, para apresentação de justificativas relativamente à:

 

 

1.1.1 - Utilização dos recursos da Reserva de Contingência, no montante de R$ 438.000,00, sem evidenciar o atendimento de passivos contingentes, riscos ou eventos fiscais imprevistos, em desacordo com a Lei Complementar n.º 101/2000, artigo 5º, III, "b" (item 1 deste Relatório);

 

1.1.2 - Ausência de previsão na LDO da Meta Fiscal da Receita para o exercício de 2005, em desacordo com a L.C. nº 101/2000, art. 4º, § 1º e art. 9, sujeitando à multa prevista na Lei nº 10.028/2000, art. 5º, inciso II (item 2);

 

1.1.3 - Ausência de previsão na LDO da Meta Fiscal da Despesa para o exercício de 2005, em desacordo com a L.C. nº 101/2000, art. 4º, § 1º e art. 9, sujeitando à multa prevista na Lei nº 10.028/2000, art. 5º, inciso II (Item 3);

 

1.1.4 - Ausência de previsão na LDO da Meta Fiscal de Resultado Nominal até o 2º, 4º e 6º bimestres de 2005, em desacordo com a L.C. nº 101/2000, art. 4º, § 1º e art. 9, sujeitando à multa prevista na Lei nº 10.028/2000, art. 5º, inciso II (Item 4);

 

1.1.5 - Ausência de previsão na LDO da Meta Fiscal de Resultado Primário até o 2º, 4º e 6º bimestres de 2005, em desacordo com a L.C. nº 101/2000, art. 4º, § 1º e art. 9, sujeitando à multa prevista na Lei nº 10.028/2000, art. 5º, inciso II (Item 5).

 

      Procedida à audiência ao Responsável, este deixou transcorrer in albis o prazo para resposta. Diante disso a DMU emitiu o Relatório DMU n° 3.794/2007, no qual concluiu por considerar irregulares os referidos atos, sugerindo, portanto a aplicação da multa de 30% dos vencimentos anuais do Responsável prevista no art. 5°, inciso II, §1° da Lei n° 10.028/2001 e art. 111, inciso II, do Regimento Interno do Tribunal pela ausência de publicação das metas fiscais de receita, despesa, resultado primário e resultado nominal, bem como, pela aplicação da multa constante do art. 70, II, da Lei Complementar n° 202/2000.

 

      O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas manifestou-se por meio do Parecer MPjTC n° 7.538/2007, da lavra do Exmo. Procurador Carlos Humberto Prola Júnior, no qual discorda do entendimento instrutório no tocante ao valor da multa prevista no art. 5°, inciso II, c/c §1° da Lei n° 10.028/2000. Sugere o douto Procurador que seja considerado o percentual de 30% dos vencimentos anuais previsto na norma retro citada como valor máximo da penalidade aplicável.

 

2 - Voto

 

                   Trata-se de exame de irregularidades constatadas na análise da Prestação de Contas da Prefeitura Municipal de Chapecó, referente ao exercício de 2005, e apartadas por determinação deste Relator nos autos do Processo n° PCP 06/00215431, (Parecer Prévio n° 188/2006).

 

                As aludidas irregularidades dizem respeito à ausência de previsão na Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO – do Município de Chapecó para o exercício 2005 das Metas Fiscais de Resultado Nominal e de Resultado Primário e Metas Fiscais de Receita e Despesa, em desacordo com a Lei Complementar n° 101/2000 (LRF), art. 4°, §1° e 9°. Tal descumprimento enseja a cominação de multa de 30% dos vencimentos anuais do Responsável prevista no art. 5°, inciso II, §1°, da Lei n° 10.028/2000. E também, à utilização dos recursos da Reserva de Contingência no montante de R$ 438.000,00, sem evidenciar o atendimento de passivos contingentes, riscos ou eventos fiscais imprevistos, em desacordo com a Lei Complementar n° 101/2000, art. 5°, III, “b”.

 

                A Diretoria de Controle dos Municípios – DMU – diante da ausência de apresentação de justificativas pelo Responsável manteve na íntegra as restrições evidenciadas no Relatório de Reinstrução n° DMU 3.794/2008, sugerindo a este Relator a seguinte decisão:

 

1 – CONSIDERAR IRREGULARES, na forma do artigo 36, § 2º, “a” da Lei Complementar n.º 202/2000, os atos a seguir relacionados, aplicando ao Sr. João Rodrigues - Prefeito Municipal, CPF 232.789.513-87, residente à Rua Rui Barbosa, 398 - D, Centro, Chapecó, CEP 89801-042:

1.1 - Multa prevista no artigo 70, inciso II, da Lei Complementar n.º 202/2000, pelo cometimento da irregularidade a seguir relacionada, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias a contar da publicação do acórdão no Diário Oficial do Estado para comprovar ao Tribunal o recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, sem o que fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos artigos 43, II, e 71 da Lei Complementar n.º 202/2000:

1.1.1 - Utilização dos recursos da Reserva de Contingência, no montante de R$ 438.000,00, sem evidenciar o atendimento de passivos contingentes, riscos ou eventos fiscais imprevistos, em desacordo com a Lei Complementar n.º 101/2000, artigo 5º, III, "b" (item 1 deste Relatório);

1.2 - Multa no montante de R$ 46.767,79, conforme previsto no art. 5º, II, da Lei n.º 10.028/2000 c/c art. 111 da Res. n.º TC 06/2001, pelo cometimento das irregularidades a seguir relacionadas, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias a contar da publicação do acórdão no Diário Oficial do Estado para comprovar ao Tribunal o recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, sem o que fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos artigos 43, II, e 71 da Lei Complementar n.º 202/2000:

1.2.1 - Ausência de previsão na LDO da Meta Fiscal da Receita para o exercício de 2005, em desacordo com a L.C. nº 101/2000, art. 4º, § 1º e art. 9, sujeitando à multa prevista na Lei nº 10.028/2000, art. 5º, inciso II (item 2);

 

1.2.2 - Ausência de previsão na LDO da Meta Fiscal da Despesa para o exercício de 2005, em desacordo com a L.C. nº 101/2000, art. 4º, § 1º e art. 9, sujeitando à multa prevista na Lei nº 10.028/2000, art. 5º, inciso II (Item 3);

 

1.2.3 - Ausência de previsão na LDO da Meta Fiscal de Resultado Nominal até o 2º, 4º e 6º bimestres de 2005, em desacordo com a L.C. nº 101/2000, art. 4º, § 1º e art. 9, sujeitando à multa prevista na Lei nº 10.028/2000, art. 5º, inciso II (Item 4);

 

1.2.4 - Ausência de previsão na LDO da Meta Fiscal de Resultado Primário até o 2º, 4º e 6º bimestres de 2005, em desacordo com a L.C. nº 101/2000, art. 4º, § 1º e art. 9, sujeitando à multa prevista na Lei nº 10.028/2000, art. 5º, inciso II (Item 5).

 

               

                   Da ausência de previsão na LDO das Metas Fiscais de Receita e da Despesa, de Resultado Nominal e Resultado Primário

             

                        Tal irregularidade já foi objeto de deliberação por este Relator nos autos do Processo LRF 05/04182544, da Prefeitura Municipal de São Bento do Sul, no qual propus o afastamento da referida multa, voto este que foi acatado pelo Egrégio Plenário gerando o Acórdão n° 435/2007.

 

                Naquela oportunidade ponderei que a Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei Complementar Federal n° 101/2000, é uma lei de difícil cumprimento, draconiana até para o administrador público, mas que seu rigorismo era proposital e necessário, diante da cena política que o País apresentava à época – 2000 -, e, convenhamos, continua a apresentar.

 

                Com efeito, para reforçar o seu cumprimento e apenar as digressões foi editada a Lei n° 10.028, de 19 de outubro de 2000 (que alterou o Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, a Lei no 1.079, de 10 de abril de 1950, e o Decreto-Lei n° 201, de 27 de fevereiro de 1967), chamada de “nova Lei dos Crimes contra as Finanças Públicas” (a “antiga” Lei de Crimes de Responsabilidade era a Lei n° 1.079, de 10 de abril de 1950), ou “Lei de Crimes de Responsabilidade Fiscal”.

               

                Além de criar sanções administrativas (art. 5°), a Lei de Crimes de Responsabilidade Fiscal criou também novos tipos penais prevendo (art. 2° e 3°), inclusive, pena de reclusão e detenção que podem chegar até 4 (quatro) anos para gestores que incorram nos crime ali capitulados.

 

O art. 5° da referida lei deixou especificamente a cargo dos Tribunais de Contas a competência para aplicar as sanções administrativas dispostas nos incisos I a IV.

 

Preceitua o dispositivo em apreço:

 

Art. 5o Constitui infração administrativa contra as leis de finanças públicas:

 

I – deixar de divulgar ou de enviar ao Poder Legislativo e ao Tribunal de Contas o relatório de gestão fiscal, nos prazos e condições estabelecidos em lei;

II – propor lei de diretrizes orçamentárias anual que não contenha as metas fiscais na forma da lei;

III – deixar de expedir ato determinando limitação de empenho e movimentação financeira, nos casos e condições estabelecidos em lei;

IV – deixar de ordenar ou de promover, na forma e nos prazos da lei, a execução de medida para a redução do montante da despesa total com pessoal que houver excedido a repartição por Poder do limite máximo.

 § 1o A infração prevista neste artigo é punida com multa de trinta por cento dos vencimentos anuais do agente que lhe der causa, sendo o pagamento da multa de sua responsabilidade pessoal.

§ 2o A infração a que se refere este artigo será processada e julgada pelo Tribunal de Contas a que competir a fiscalização contábil, financeira e orçamentária da pessoa jurídica de direito público envolvida.

 

Dentre estas, a irregularidade objeto dos presentes autos: “propor lei de diretrizes orçamentárias anual que não contenha as metas fiscais na forma da lei”, em afronta o disposto no art. 4°, § 1° e 9°, da Lei de Responsabilidade Fiscal, que dispõe:

 

Da Lei de Diretrizes Orçamentárias

 

Art. 4º A lei de diretrizes orçamentárias atenderá o disposto no § 2º do art. 165 da Constituição e:

 

§ 1º Integrará o projeto de lei de diretrizes orçamentárias Anexo de Metas Fiscais, em que serão estabelecidas metas

anuais, em valores correntes e constantes, relativas a receitas, despesas, resultados nominal e primário e montante da dívida pública, para o exercício a que se referirem e para os dois seguintes.

 

[...]

 

Art. 9o Se verificado, ao final de um bimestre, que a realização da receita poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais, os Poderes e o Ministério Público promoverão, por ato próprio e nos montantes necessários, nos trinta dias subseqüentes, limitação de empenho e movimentação financeira, segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias.

 

Mantendo entendimento similar ao adotado por este Conselheiro quando do julgamento do Processo LRF 05/04182544, e de que se valeram também outros Conselheiros desta Casa, considero que o referido artigo não deve ser aplicado em sua total extensão, mas sim, interpretado conforme a Constituição Federal.

 

 Trata-se de um artigo que fere o princípio constitucional da individualização das penas, e ainda, inviabiliza a aplicação do princípio da proporcionalidade. Proporcionalidade esta que é dever constitucional dos Tribunais de Contas na aplicação de suas multas, uma vez que o art. 71, inciso VIII, da Constituição da República expressamente prevê como competência destes: "aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário".

 

As multas aplicadas pelos Tribunais de Contas, portanto, devem ser proporcionais, porém, em face da redação do §1° do art. 5° da Lei n° 10.028/2000 torna-se, a rigor, impossível o seu fracionamento de forma a atingir qualquer proporção uma vez que o mesmo assim determina: “A infração prevista neste artigo é punida com multa de trinta por cento dos vencimentos anuais do agente que lhe der causa”. Ou seja, o legislador tornou o valor da multa estanque, rígido, em dissonância com a melhor técnica legislativa.

 

 Afirmo isso citando exemplos: na hipótese da irregularidade do inciso I que diz: “deixar de divulgar ou de enviar ao Poder Legislativo e ao Tribunal de Contas o relatório de gestão fiscal, nos prazos e condições estabelecidos em lei”, verifico que pouco importa o grau de descumprimento do dispositivo, ou seja, se um gestor atrasar em um dia o envio do relatório de gestão fiscal ao Tribunal de Contas, de acordo com a redação do §1°, do art. 5° da Lei n° 10.028/2000, a multa seria exatamente a mesma daquela aplicada ao gestor que tivesse atrasado o envio do relatório ao TCE em centenas de dias. Ou, ainda, na hipótese do caso em tela, um administrador que não publique a metas fiscais de resultado Nominal na LDO, receberá a mesma multa do que aquele que não publicou nenhuma das metas fiscais (de resultado primário, resultado nominal, e de receita e despesas)!

 

Imputar a mesma multa às hipóteses exemplificadas é ferir de morte a proporção entre a infração e o grau de seu descumprimento, ou seja, o princípio da proporcionalidade. Trata-se de aplicar uma sanção objetiva a condutas eminentemente subjetivas.

 

Sobre o assunto, extraio de artigo publicado pelos juristas gaúchos Cezar Miola e Geraldo Costa da Camino, respectivamente, Conselheiro e Procurador-Geral (do MPTC) do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, intitulado “Infrações Administrativas à Legislação Fiscal”:

 

Chama-nos ainda mais a atenção, porém, um aspecto até aqui pouco abordado. Trata-se das infringências, declaradas pelo artigo 5° da Lei 10.028 como "administrativas", processadas e julgadas pelas Casas de Contas. Diferentemente do que em regra se verifica em regulações do gênero, no caso do mencionado artigo 5°, o mesmo preceitua que "Constitui infração administrativa contra as leis de finanças públicas" um conjunto de quatro possíveis comportamentos do gestor (incisos I a IV). E nos parágrafos 1° e 2°, ainda do artigo 5°, de forma induvidosa, volta-se a referir que "A infração prevista neste artigo é punida com multa de trinta por cento dos vencimentos anuais..." e "A infração a que se refere este artigo será processada e julgada pelo Tribunal de Contas..." (todos os excertos transcritos estão sem grifo no original). O texto não chega a homenagear a melhor técnica e inequivocamente (ou seria fruto de algum "equívoco"?) está vazado no singular, quando se reporta às ações ali pontuadas. Poder-se-ia interpretar, assim, que todas as quatro condutas compõem, em conjunto, uma única infração; um único "tipo"? Ou, melhor: que para se configurar a infração seria necessária a junção, a ocorrência conjunta das quatro ações/omissões mencionadas? Mesmo que a literalidade do texto assim permita concluir, não é razoável supor fosse esse o desiderato do legislador. Ainda porque, muito da força preventiva e coercitiva que o dispositivo tem em mira ficaria esmaecida, haja vista o improvável enfeixamento, a verificação "simultânea" de todas essas situações num determinado período. A formatação dessa norma, contudo, em reverência aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade (sobretudo) poderia ter sua leitura compreendendo que a pena em referência seria de até trinta por cento da remuneração anual (para cada infração). Proporcionalidade que, na dicção do Prof. Juarez Freitas, "quer significar que o Estado não deve agir com demasia, tampouco de modo insuficiente na consecução dos seus objetivos". Trata-se, pois, de uma tentativa de se encontrar, para o enunciado legal, uma interpretação conforme à Lei Básica[1].

 

 

Iniludível, destarte, que a redação do §1° do art. 5° da Lei n° 10.028/2000 deveria ter consignado que a infrações constantes dos incisos I a IV são punidas: “com multa de ATÉ trinta por cento dos vencimentos anuais do agente que lhe der causa”.

 

O princípio da individualização das penas também foi desconsiderado pelo legislador da Lei n° 10.028/2000. Segundo este princípio, a pena deve ser individualizada, evitando-se a padronização a sanção penal. Para cada crime tem-se uma pena que varia de acordo com a personalidade do agente, o meio de execução, a motivação, enfim, todas as circunstâncias verificadas no caso concreto. Assim dispõe o inciso XLVI, do art. 5º, da Constituição Federal:

 

XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:

a) privação ou restrição da liberdade;

b) perda de bens;

c) multa;

d) prestação social alternativa;

e) suspensão ou interdição de direitos;

 

 

O douto Procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, Carlos Humberto Prola Júnior, analisou com muita propriedade o problema nos autos do Processo n° LRF 06/00197948, do município de Macieira, cujo parecer passo a transcrever:

 

Por outro lado, na hipótese dessa Corte vir a aplicar a multa por infração ao art. 5°, II da Lei 10.028/2000, este órgão ministerial considera que o montante da penalidade sugerida pelo órgão técnico é exorbitante.

É certo que uma interpretação literal do disposto no § 1° do art. 5° da Lei 10.028/2000 poderia levar à conclusão de que a multa deve ser aplicada no valor de trinta por cento dos vencimentos anuais do agente que lhe der causa. Entretanto, uma interpretação constitucional desse dispositivo conduz a outros resultados.

Conforme leciona Luis Flávio Gomes:[2]

O princípio da individualização da pena (CF, art. 5°, inciso XLVI), nos seus três níveis: no momento da cominação, da aplicação ou da execução, faz parte do princípio da proporcionalidade e é, aliás, expressão dele.

Está proibida, dessa forma, a pena exemplar. O fundamento constitucional desse princípio está no art. 5°, inciso LIV, da CF, que cuida do devido processo legal bem como da proporcionalidade. O aspecto substantivo do devido processo legal coincide justamente com o princípio da proporcionalidade.

Tanto o legislador como o juiz acha-se limitado pelo princípio da proporcionalidade. E sempre que o legislador não cumpre referido princípio, deve o juiz fazer os devidos ajustes.[3]

 

E aduz o eminente Procurador:

Nesse sentido, quando se compara o quantum da penalidade por infração de qualquer dos incisos do art. 5° da Lei 10.028/2000 com as multas previstas na Lei Orgânica e demais normas regulamentares do Tribunal de Contas, identifica-se uma grande e injustificada desproporcionalidade.

Por exemplo, para o fato extremamente grave de burla ao concurso público, com violação de importante norma de estatura constitucional, têm sido aplicadas multas de R$ 400,00 (Processos TCE 04/01382320, APE-04/05921381, PDI 01/05256960). Por outro lado, nestes autos, em que teria sido proposta lei de diretrizes orçamentárias sem o estabelecimento de metas fiscais, sugere-se a aplicação de multa de R$ 13.139,04, correspondente a 30% da remuneração anual do responsável. A desproporção é gritante, e a impropriedade da solução proposta pelo órgão técnico parece clara.

Por outro lado, identifica-se, a princípio, um conflito entre a norma do art. 5°, § 1° da Lei 10.028/2000 e o disposto art. 5°, XLVI da Constituição Federal. Como individualizar uma pena definida em um montante fixo?”[4].

 

No caso em tela, a multa de 30% dos vencimentos anuais do Responsável, se fosse aplicada, seria da monta de R$ 46.767,79, (quarenta e seis mil, setecentos e sessenta e sete reais e setenta e nove centavos), o que é absolutamente desproporcional, no meu entender, a gravidade da irregularidade cometida pelo mesmo. E também desproporcional as demais multas aplicadas pelo Plenário, uma vez que, como bem colocou o ínclito Procurador Carlos Humberto Prola Júnior à fl. 28, irregularidades muito mais nocivas ao erário público, tal como à burla à obrigatoriedade do concurso público, não raro são objeto de aplicação de multas bem inferiores a esta da Lei n° 10.028, por este Tribunal de Contas (de R$ 400,00 (quatrocentos reais)).

 

Este conselheiro filia-se, portanto, à corrente que considera os trinta por cento dos vencimentos anuais estabelecidos no §1° do art. 5°, do referido diploma legal, como limite máximo para aplicação do dispositivo. Há que se proceder aos devidos “ajustes”, conforme ensina Luiz Flávio Gomes.

 

Neste diapasão, modifico meu entendimento anterior que propunha afastamento integral da multa - Processo n° LRF 05/04182544 - a exemplo do voto já consignado nos autos do Processo PDI 07/00012516 - para aplicar ao Sr. João Rodrigues, a multa no valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais) para cada irregularidade referente a não publicação das referidas metas fiscais, com fulcro no inciso II, §1°, do art. 5°, da Lei n° 10.028 e art. 111, II da Resolução TC-06/2001 – Regimento Interno desta Casa.

 

Da utilização dos recursos da Reserva de Contingência sem evidenciar o atendimento de passivos contingentes, riscos ou eventos fiscais imprevistos

 

Com relação ao descumprimento do art. 5°, inciso III, “b” da Lei Complementar n.º 101/2000, razão assiste à Diretoria de Controle de Municípios, uma vez que compulsando o Relatório n° 4.808/2006 que instrui o Parecer Prévio n° 188/2006, verifico que foi utilizada quase que a totalidade dos recursos destinados à reserva de contingência (foram destinados R$ 438.415,00 e utilizados R$ 438.000,00).

 

Preceitua o dispositivo da LRF:

     Art. 5o O projeto de lei orçamentária anual, elaborado de forma compatível com o plano plurianual, com a lei de diretrizes orçamentárias e com as normas desta Lei Complementar:

       I – [...]

       II – [...]

       III - conterá reserva de contingência, cuja forma de utilização e montante, definido com base na receita corrente líquida, serão estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, destinada ao:

a) (VETADO)

b) atendimento de passivos contingentes e outros riscos e eventos fiscais imprevistos.

 

 

Em comentário ao dispositivo, Flávio C. de Toledo Jr. ensina:

 

O inciso III quer que todos os orçamentos disponham, no campo da despesa, de uma reserva para atender a riscos fiscais antes quantificados na LDO, no Anexo de Riscos Fiscais (§3° do art. 4°). A reserva de contingência foi sempre utilizada como fonte de cobertura de créditos adicionais. É uma reserva orçamentária técnica, assim como previsto no art. 91, do Decreto-lei n° 200, de 1967.

O Presidente da República vetou a inusitada pretensão de conferir caráter financeiro à reserva de contingência, isto é, se prevalecesse o autógrafo aprovado pelo Congresso Nacional, esse mecanismo ampararia Restos a Pagar sem cobertura financeira (alínea a do inciso III). Explica-se melhor: tal reserva, por si só, diminui o tamanho da despesa a ser executada (empenhada) e, disso resultante, o superávit orçamentário financiaria despesas provenientes do exercício anterior, os tais Restos a Pagar.

Diante do veto, a reserva de contingência volta a desempenhar sua função original, reforçando, caso necessário, os corriqueiros créditos adicionais e, especialmente agora, dotações relacionadas a passivos contingentes e outros riscos fiscais (art. 8° da Portaria Interministerial n° 163, de 2001)[1].

 

 

O Prejulgado n° 1235, (Parecer COG 417/2002), assim dispõe em seu item 5:

 

Desde o advento da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/00) a Reserva de Contingência somente poderá ser utilizada para suplementação de dotações orçamentárias visando pagamento de despesas inesperadas, decorrentes de situações imprevisíveis, como calamidades públicas, fatos que provoquem situações emergenciais, etc., ou para cobrir passivos contingentes e eventos fiscais imprevistos, vedada sua utilização para suplementação de dotações insuficientes por falta de previsão ou por gastos normais da atividade pública.

 

Este Relator já possui decisão na qual foi imputada multa de R$ 800,00 (oitocentos reais) pela utilização integral dos recursos oriundos da reserva de contingência em desatenção à alínea “b”, do inciso III, do art. 5° da Lei Complementar Federal n° 101/2000, Processo PDI 07/00016260, da Prefeitura Municipal de Apiúna.

 

Considerando que não houve dano ao erário pela ausência de publicação na Lei de Diretrizes Orçamentárias de Chapecó para o ano de 2004 das metas fiscais de resultado nominal e primário;

 

Considerando que o objetivo maior da Lei de Responsabilidade Fiscal é o “equilíbrio fiscal”, o que foi observado pela Administração Municipal de Chapecó, haja vista que, no ano em tela, 2005, as contas daquele município foram aprovadas por este Relator[5]; 

 

Considerando que o Responsável, no caso, deixou de publicar com relação ao anexo de metas fiscais constante de sua Lei de Diretrizes Orçamentárias aquelas referentes à Receita, Despesa, de Resultado Primário e de Resultado Nominal;

 

Considerando que o Responsável, no caso, utilizou praticamente a totalidade dos recursos destinados à reserva de contingência sem evidenciar o atendimento de passivos contingentes e outros riscos e eventos fiscais imprevistos, em descumprimento à alínea “b”, do inciso III, do art. 5° da Lei Complementar Federal n° 101/2000.

 

Considerando que este Tribunal já se manifestou pela não aplicação integral da multa prevista no art. 5°, inciso II, c/c §1°, da Lei n° 10.028, de 19.10.00, no julgamento dos Processos PDI 06/00551032 e LRF 05/04184598, proponho ao egrégio plenário o seguinte voto:

 

2.1 Conhecer do Relatório de Instrução n° DMU 3.794/2007 que trata da análise de Restrições constantes do Relatório de Contas Anuais do exercício 2005, apartadas em autos específicos por decisão do Tribunal Pleno, Parecer Prévio n° 188/2006.

 

2.2 Considerar IRREGULARES, na forma do art. 36, §2°, “a” da Lei Complementar n° 202/2000, os atos abaixo relacionados e aplicar ao Sr. João Rodrigues, as multas abaixo relacionadas, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico – DOTC-e, para comprovar ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, ou interpor recurso na forma da lei, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos artigos 43, II, e 71 da Lei Complementar n° 202/2000:

 

               2.2.1 R$ 800,00 (oitocentos reais), em face da utilização dos recursos da Reserva de Contingência, no montante de R$ 438.000,00, sem evidenciar o atendimento de passivos contingentes, riscos ou eventos fiscais imprevistos, em desacordo com a Lei Complementar n.º 101/2000, artigo 5º, III, "b", com fulcro no art. 70, II, da Lei Complementar n° 202/2000 (item 1 do Relatório DMU n° 3.794/2007);

 

               2.2.2 R$ 400,00 (quatrocentos reais), equivalente a 0,25% de seus vencimentos anuais, em face da ausência de previsão na LDO da Meta Fiscal da Receita, em desacordo com a L. C. n° 101/2000, art. 4°, § 1° e 9°, com fulcro no art. 5º, inciso II, da Lei nº 10.128/2000 c/c §1º, e art. 111, II, da Resolução n° TC-06/2001. (item 2 do Relatório DMU n° 3.794/2007);

 

        2.2.3 R$ 400,00 (quatrocentos reais), equivalente a 0,25% de seus vencimentos anuais, em face da ausência de previsão na LDO da Meta Fiscal da Despesa, em desacordo com a L. C. n° 101/2000, art. 4°, § 1° e 9°, com fulcro no  art. 5°, inciso II,  c/c §1°, da Lei nº 10.028/2000 e art. 111, II, da Resolução n° TC-06/2001. (item 3 do Relatório DMU n° 3.794/2007);

 

               2.2.4 R$ 400,00 (quatrocentos reais), equivalente a 0,25% de seus vencimentos anuais, em face da ausência de previsão na LDO da Meta Fiscal de Resultado Nominal, em desacordo com a L. C. n° 101/2000, art. 4°, § 1° e 9°, com fulcro no art. 5°, inciso II,  c/c §1°, da Lei nº 10.028/2000 e art. 111, II, da Resolução n° TC-06/2001.(item 4 do Relatório DMU n° 3.794/2007);

 

               2.2.5 R$ 400,00 (quatrocentos reais), equivalente a 0,25% de seus vencimentos anuais, em face da ausência de previsão na LDO da Meta Fiscal de Resultado Primário, em desacordo com a L. C. n° 101/2000, art. 4°, § 1° e 9°, com fulcro no  art. 5°, inciso II,  c/c §1°, da Lei nº 10.028/2000 e art. 111, II, da Resolução n° TC-06/2001.( item 5 do Relatório DMU n° 3.794/2007);

 

               2.3 Dar ciência desta Decisão, do Relatório e Voto do Relator que a fundamentam, bem como do Relatório de Instrução DMU n° 3.794/2007 ao Sr. João Rodrigues, atual Prefeito Municipal de Chapecó.

 

 Florianópolis, 12 de dezembro de 2008.

 

 

 

 

 

Conselheiro Salomão Ribas Junior

Relator



[1] In Revista Interesse Público n° 11 e Informativo da Associação dos MPE's junto aos TC's de 01 de julho de 2001, disponível em: http://www.tce.rs.gov.br/MPE/Artigos/artigo5.php.

[2] GOMES, Luis Flávio. Os Princípios Constitucionais Reitores do Direito Penal e da Política Criminal. Material de leitura da disciplina Princípios Constitucionais Penais e Teoria Constitucionalista do Delito, do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais – LFG/UVB/UNAMA, 2005. p. 05.

[3]Parecer MPTC n° 5.011/2006, Processo LRF 06/00197948, Prefeitura Municipal de Macieira.

[4] Parecer MPTC n° 5.011/2006, Processo LRF 06/00197948, Prefeitura Municipal de Macieira.

[5]Processo  PCP 06/00025578, Parecer Prévio n° 242/2006.



[1] TOLEDO JUNIOR, Flavio C. de. Lei de responsabilidade fiscal: comentada artigo por artigo/Flavio C. de Toledo Jr., Sérgio Ciqueira Rossi. 3ª. Ed. São Paulo: Editora NJD, 2005, pág. 76.