Processo n°: PROCESSO nº PCP - 07/00070630
UNIDADE GESTORA: Município de Apiúna - SC.
Interessado: Sr. Jamir Marcelo Schmidt - Prefeito Municipal
RESPONSÁVEL: Sr. Jamir Marcelo Schmidt - Prefeito Municipal
Assunto: Prestação de Contas de Governo referente ao ano de 2006.
VOTO n°: 535/2007

COMPLEMENTAÇÃO AO PROJETO DE PARECER PRÉVIO - VOTO Nº 535/2007

A divergência de entendimento entre meus pares sobre as funções da conta reserva de contingência na Lei Orçamentária e uso dos recursos ali alocados a partir da edição da Lei de Responsabilidade, fez com que a apreciação deste Processo sobre as Contas de Governo de Apiúna fosse adiada em quatro oportunidades, justamente para possibilitar uma ampla discussão sobre o tema e, se for o caso, evoluir no entendimento.

A área técnica na instrução dos Processos de Prestação de Contas de Governos Municipais, tem anotado como restrição, a utilização dos recursos da conta reserva de contingência para abertura de créditos adicionais suplementares naquilo que entende não caracterizar passivos contingentes e outros riscos e eventos fiscais imprevistos, nos termos do artigo 4º e 5º da LRF.

E procede assim, alinhada com o Egrégio Tribunal Pleno, que ao responder consulta formulada pela AMMVI, baseado em estudo da Consultoria Geral, Parecer nº 417/2002, firmou entendimento através do Prejulgado nº 1235 de outubro de 2002 que: "desde o advento da Lei de Responsabilidade Fiscal a Reserva de Contingência somente poderá ser utilizada para suplementação de dotações orçamentárias visando pagamento de despesas inesperadas, decorrentes de situações imprevisíveis, como calamidades públicas, fatos que provoquem situações emergenciais, etc., ou para cobrir passivos contingentes e eventos fiscais imprevistos, vedada sua utilização para suplementação de dotações insuficientes por falta de previsão ou por gastos normais da atividade pública".

É sabido que a LRF, pela sua complexidade em alguns temas, continua até hoje como um dos principais assuntos na maioria dos eventos realizados pelo Brasil quando tratam de administração pública, razão pela qual, considero como normal a evolução do pensamento sobre determinadas questões quando o entendimento geral convergiu para outra direção como é o presente caso.

Em todas as oportunidades que me manifestei sobre o uso dos recursos alocados na conta Reserva de Contingência ao longo da execução orçamentária, inclusive quando atuava no Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, externei o entendimento que a LRF lhe atribuiu uma função adicional, qual seja, a de reservar uma parcela do orçamento da receita para riscos fiscais, sem, contudo, lhe tirar a função para a qual essa conta foi criada.

Apesar do esforço que tenho feito para aceitar que a LRF revogou o dispositivo que criou a conta Reserva de Contingência, não encontrei até agora nenhum argumento suficientemente forte para tanto, ao contrário, meu entendimento da sua função adicional atribuida pela LRF se solidifica a cada momento que avanço nos estudos e nas discussões do tema.

Complementarmente ao pensamento já esposado em minha proposta de voto constante deste processo, destaco ainda os seguintes pontos a favor do meu entendimento:

1. A conta reserva de contingência foi introduzida no mundo do orçamento público pelo Decreto-Lei nº 200/67 em seu artigo 91, com a função de abrigar uma pequena parcela do orçamento da receita de forma a preservar o princípio do planejamento das ações governamentais, destinada a abertura de créditos adicionais. Quando suplementares, por ato do Chefe do Poder Excutivo, com base em autorização contida na Lei Orçamentária, nos termos do artigo 7º da Lei 4.320/64; Quando especiais, caracterizados pela inclusão de ação nova na Lei Orçamentária, mediante lei específica, nos termos do artigo 42 da Lei 4.320/64; Quando extraordinários, caracterizados por situações de emergência ou estado de calamidade pública, por ato do Chefe do Poder Executivo com imediato conhecimento ao Poder Legislativo, nos termos do artigo 41, III e 44 da Lei 4.320/64.

2. A possibilidade de uso da conta Reserva de Contingência nos Orçamentos municipais, foi dada através da Portaria do Ministério do Planejamento e Coordenação Geral nº 09/74 e ratificada na Portaria MOG nº 42/99. Destaca-se que até a edição da LRF a sua inclusão na Lei Orçamentária não era obirgatória.

3. Em maio de 2000, com a edição da Lei de Responsabilidade Fiscal, nos termos do artigo 4º e 5º, a alocação de recursos na conta Contingência passou a ser obrigatória com o objetivo de constituir fonte de recursos orçamentários e financeiros para fazer frente também a eventual concretização dos riscos previstos no anexo da LDO sem provocar desequilíbrio de caixa. Essa exigência da LRF não anulou a função original da conta reserva de contingência, mas determinou que uma parcela suficiente dos recursos da reserva de contingência fosse destinada ao atendimento de passivos contingentes e outros riscos e eventos fiscais imprevistos constantes do Anexo de Riscos da LDO. E este tem sido o entedimento dominante que tenho econtrado nos estudos e pesquisas que tenho dedicado:

3.1. A Portaria Interministerial nº 163/2001 (Ministério da Fazenda/STN e MPOG/SO), que dispõe sobre normas gerais de consolidação das contas públicas, editada com base no artigo 50, § 2º da LRF que atribuiu à STN competência para ditar normas sobre consolidação das contas públicas, reconhece em seu artigo 8º a dupla função da conta reserva de contingência por duas razões: Faz referência ao artigo 91 do DL 200/67 e com isso não o considera revogado pela LRF; e indica textualmente que a dotação global denominada reserva de contingência será utilizada como fonte de recursos para abertura de créditos adicionais (função original) e para o atendimento ao disposto no artigo 5º, inciso III da LRF. Com toda a certeza o Ministério da Fazenda em conjunto com o Ministério do Planejamento e Orçamento não editariam uma Portaria invocando dispostivo revogado.

3.2. Ainda no desempenho de suas atribuições de normatizar procedimentos contábeis, a STN ao responder consulta formulada pela FECAM, editou a Nota Técnica nº 152/2006, afirmando entre outras coisas que:

3.2.1. "Em síntese, o conceito subjacente à criação de um instrumento de planejamento orçamentário - na forma de dotação global, genérica, intutulada "Reserva de Contingência, cujos recursos seriam, ao longo do exercício, gradualmente anulados e revertidos para outras dotações - é o artigo 43 da Lei 4.320/64, autorizando o uso de recursos proveniente da anulação parcial ou total de dotações orçamentárias para abertura de créditos especiais e suplementares". Volto a destacar que para essa função, não há obrigação de alocar recursos na conta reserva de contingência.

3.2.2. "Com o advento da LRF, a reserva de contingência passou a ser item obrigatório do orçamento das três esferas de governo, destinada ao atendimento de passivos contingentes e outros riscos e eventos fiscais imprevistos." Pontanto, alocação de recursos na conta reserva de contignência para essa função, é obrigatória, nos termos do artigo 4º e 5º da LRF.

3.2.3. "A LRF, entretanto, não revogou a disposição do DL 200/67. Com efeito a Portaria STN/SOF nº 163/2001 contemplou os dispositivos dessas duas normas, explicando que é permitido o uso da reserva de contingência para, além do atendimento ao disposto na LRF, servir como fonte de recursos para abertura de créditos adicionais".

3.2.4. "Diante do exposto, conclui-se que, de fato, é permitido o uso, por parte dos entes da federação, da Reserva de Contingência, como fonte de recursos para a abertura de créditos adicionais. Tal uso, vale dizer, é plenamente compatível com o objetivo da LRF - segundo a qual a citada reserva deve ser destinada ao atendimento de passivos contingentes e outros riscos e eventos fiscais imprevistos, incluindo-se nesses as alterações e adequações decorrentes de falha de previsão orçamentária".

Ou seja, o Anexo de riscos fiscais, obrigatório na LDO, pode contemplar entre os eventos de riscos (intempéries, epidemias, reclamações administrativas ou judiciais de pequeno valor, frustração de arrecadação de uma receita, etc) uma parecela de recursos para adequações decorrentes de falha de previsão orçamentária.

4. Bibliografias editadas, inclusive a partir da Lei de Responsabilidade Fiscal, seus autores assim registram seus entendimentos sobre a conta orçamentária Reserva de Contingência:

4.1. Livro: Lei de Responsabilidade Fiscal Comentada Artigo por Artigo. Flavio C. de Toledo Jr. E Sérgio Ciqueira Rossi. Técnicos do TCE/SP. Editora NDJ. Pág. 55:

4.2. Livro: Gestão Fiscal Responsável – Simples Municipal: Dúvidas e Soluções da LRF – João Carlos Macruz, José Carlos Macruz e Marcos José de Castro.

4.3. Livro: Gestão Fiscal Responsável. Caderno IBAM 7. O Papel da Câmara Municipal na Gestão Fiscal. Fls. 19.

4.4. Dicionário de Orçamento, Planejamento e Áreas Afins. Osvaldo Maldonado Sanches. Editora Prima. 1997. Pág. 233.

4.5. A Reserva de Contingência. Artigo produzido pelo Professor do IBAM e da UFRJ Heraldo da Costa Reis e Autor da Lei 4.320/64 Comentada.

Portanto, a doutrina parece clara quanto a alguns aspectos:

a) Está em pleno vigor o art. 91 do DL 200/67 que criou a conta Reserva de Contingência com a função de abrigar recursos para abertura de créditos adicionais durante a execução do orçamento, seja ele suplementar, especial ou extraordinário. Suplementar, quando relacionado a elevar a dotação de ações aprovadas na LOA; especial, quando relacionado a incluir ações novas na LOA; e extraordinário, quando relacionado ao atendimento de situação de emergência ou estado de calamidade pública;

b) Com a edição da LRF ela passou a ter uma função adicional, qual seja, a de abrigar uma parcela de recursos para riscos fiscais;

c) É a LDO o instrumento legal para dizer do montante de recursos para a conta Reserva de Contingência e sua destinação;

d) A conta Reserva de Contingência é consoante ao princípio da flexibilidade no planejamento, em que a única certeza que temos quando o praticamos, é que vamos errar.

5. Conforme disposto no Manual de Elaboração do Anexo de Riscos Fiscais editado pela STN, "os riscos fiscais são classificados em dois grupos: os Riscos Orçamentários e os Riscos da Dívida. Os riscos orçamentários referem-se à possibilidade de as receitas e despesas previstas não se realizarem durante a execução do orçamento. Como Riscos Orçamentários podemos citar: Arrecadação de tributos menor do que a prevista no Orçamento".

Exemplificando, é o caso de se prever no orçamento da receita arrecadação de dívida ativa e seus encargos, de valor acima da média dos últimos anos em razão de decisão da adoção de programa de recuperação de créditos.

Observado o princípio da prudência em não programar despesas por conta de recursos que não tem certeza que irá arrecadar, decide alocar 30% da receita prevista para dívida ativa e seus encargos, na conta reserva de contingência.

Na execução orçamentária, confirmada a arrecadação do total previsto, não tem sentido lógico esses recursos figurarem no caixa sem possibilidade de utilização por impossibilidade de utilização da reserva de contingência para abertura de créditos adicionais.

Outra indicação clara da possibilidade de utilização dos recursos da reserva de contingência para abertura de créditos adicionais, inclusive no caso dos riscos fiscais não ocorrerem, é extraída do manual de elaboração do anexo de riscos fiscais editado pela STN quanto a metodologia de cálculo da Meta Fiscal de Resultado Primário. Nela, o valor da Reserva de Contingência é considerado como despesa não financeira. Logo, a sua impossibilidade de utilização caso os riscos não ocorram, implica em apuração de um resultado primário acima da meta prevista.

6. Também o Governo Federal se vale da conta Reserva de Contingência para alocar recursos destinados a abertura de créditos adicionais suplementares e para riscos fiscais, conforme se pode extrair da redação constante do Anexo VI - Riscos Fiscais da LDO para 2007, item III.2, página 5 e art. 4º da Lei 11.451/2007 que dispõe sobre a LOA para 2007:

6.1. Anexo VI - Riscos Fiscais da LDO para 2007 - "III.2. Riscos decorrentes da programação da despesa - As variações não previstas na despesa programada na LOA são oriundas de modificações no arcabouço legal que criam ou ampliam as obrigações para o Estado, bem como de decisões de políticas públicas que o Governo necessita tomar posteriormente a aprovação daquela lei. Ademais, despesas como as relacionadas às ações e serviços públicos de saúde, benefícios previdenciários não-indexados ao salário mínimo, seguro-desemprego e outras são dependentes de parâmetros macroeconômicos. Mudanças no cenários podem afetar positiva ou negativamente o montante dessas despesas, alterando, portanto, a programação original da Lei Orçamentária".

6.2. Lei 11.451 - LOA 2007 - "Art. 4º. Fica autorizada a abertura de créditos suplementares, restritos aos valores constantes desta Lei (.....), desde que as alterações promovidas na programação orçamentária sejam compatíveis com a obtenção da meta de resultado primário estabelecida no Anexo de Metas Fiscais da LDO 2007, respeitados os limites e condições estabelecidos neste artigo, para suplementação de dotação consignadas:

I - a cada subtítulo, até o limite de 10% do respectivo valor, mediante a utilização de recursos provenientes de:

A) (...)

B) Reserva de Contingência, inclusive à conta de recursos próprios e vinculados, observado o disposto no artigo 5º, inciso III, da LRF;

XVI - ao atendimento de despesas de acordo com as finalidades e os montantes previstos na unidade orçamentária "Reserva de Contingência";

XVII - ao atendimento de despesas no âmbito das agências reguladoras, (....), mediante a utilização dos respectivos:

A) (...)

C) Reservas de Contingências à conta de recursos próprios e vinculados constantes desta Lei".

7. Por último, o Parecer da Consultoria Geral deste Tribunal de Contas de nº 343/2006, ao manifestar-se sobre consulta formulada pela FECAM , assim concluiu:

"A reserva de contingência, prevista no Decreto-Lei nº 200/67 e na Lei Complementar nº 101/2000, pode ser utilizada para suplementação de dotação orçamentária ou para abertura de créditos especiais, devendo obrigatoriamente cumprir sua função primordial que é o atendimento de passivos contingentes e outros riscos e eventos fiscais imprevistos".

"A utilização para a suplementação de dotação orçamentária ou para a abertura de créditos especiais, sem pretender acorrer ao atendimento de passivos contingentes e outros riscos e eventos fiscais imprevistos, não poderá gerar o esgotamento da reserva de contingência, mantendo-se alocação suficiente de recursos para cumprir o fim previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal, devendo, ainda, ser precedida de autorização legislativa específica".

"O seu préstimo para os fins consignados na Lei de responsabilidade fiscal, atendimento de passivos contingentes e outros riscos e eventos fiscais imprevistos, permite a seu manejo de forma direta pelo Poder Executivo, dispensando a prévia autorização legislativa".

"Cabe ao Chefe do Poder Executivo agir com responsabilidade quando da utilização direta da reserva de contingência sem autorização legislativa específica, certificando-se de que o caso no qual empregará os recursos alocados na reserva de contingência visa atender passivos contingentes e outros riscos e eventos fiscais imprevistos, pois se assim não for, estará infringindo a Constituição Federal, a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei nº 4.320/64, maculando, destarte, as suas contas perante este Tribunal".

De todo o exposto, reafirmo o entendimento que tenho apresentado em minhas propostas de voto, no sentido de que:

A) A conta Reserva de Contingência deve abrigar recursos para passivos contingentes e outros riscos e eventos fiscais imprevistos, como forma de preservar o equilíbrio de caixa, nos termos do artigo 1º, § 1º c/c 4º, § 3º e 5º, III, "b" da LC 101/2000;

B) Pode a conta Reserva de Contingência abrigar recursos para abertura de créditos adicionais durante a execução orçamentária, em atendimento ao princípio da flexibilidade do planejamento e celeridade administrativa;

C) O valor dos recursos alocados na conta reserva de contingência para abertura de créditos adicionais deve se situar nos limites do bom senso, não superior a 2% da receita prevista, de forma a não atentar contra o princípio do planejamento das ações governamentais;

D) Se os riscos fiscais não se concretizarem até o final do exercício, os recursos poderão ser utilizados para abertura de créditos adicionais, vez que não faz sentido ficar com disponibilidade de caixa e estar impedido de utilizá-lo para atender as demandas sociais, num momento em que já tem o orçamento para o exercício seguinte aprovado e nele constando nova previsão para riscos fiscais.

F) A análise da utilização dos recursos da conta reserva de contingência deve ser a cada caso, de forma que quando caracterizado o descumrpimento do disposto nos artigos 1º, § 1º, 4º, § 3º e 5º, III, "b" da LC 101/2000 - princípios do equilíbrio de caixa, do planejamento e da prudência, deve ser objeto de formação de processo apartado para punição do responsável, como tenho proposto a aceito pelo Egrégio Plenário em diversos processos apreciados tanto nas contas de governo de 2005 como de 2006.

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CÉSAR FILOMENO FONTES

Conselheiro Relator