TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SANTA CATARINA

CORPO DE AUDITORES

 

Gabinete do Auditor Gerson dos Santos Sicca

 

 

PROCESSO Nº

REC 07/00593144

UNIDADE GESTORA:

Secretaria de Estado da Saúde

RECORRENTE:

Luiz Eduardo Cherem

ASSUNTO:

Recurso de Reconsideração no ARC 05/03963313

 

 

Recurso de Reconsideração. Auditoria de registro contábeis e execução orçamentária. Desrespeito à ordem cronológica dos pagamentos. Multa.

Os pagamentos a fornecedores devem obedecer a estrita ordem cronológica das exigibilidades, salvo quando presentes relevantes razões de interesse público justificadas pela autoridade competente e  devidamente publicadas.

 

RELATÓRIO

Tratam os autos de recurso de reconsideração interposto pelo secretário de Estado da Saúde, Sr. Luiz Eduardo Cherem, contra o Acórdão n. 1826/2007, exarado nos autos do Processo ARC n. 05/03963313 (fls. 131/132), que lhe aplicou multa no valor de R$ 1.000,00(mil reais) em razão do desrespeito à ordem cronológica de pagamentos estabelecida pelo art. 5º, da Lei nº 8.666/93. O Acórdão atacado tem o seguinte teor:

6.1. Conhecer do Relatório da Auditoria realizada na Secretaria de Estado da Saúde, com abrangência sobre registros contábeis e execução orçamentária relativos ao exercício de 2004, para considerar irregulares, com fundamento no art. 36, §2º, alínea "a", da Lei Complementar n. 202/2000, as Demonstrações Contábeis referentes aos Sistemas Orçamentário, Financeiro, Patrimonial e de Compensação analisadas.

 6.2. Aplicar ao Sr. Luiz Eduardo Cherem - Secretário de Estado da Saúde, CPF n. 507.193.009-91, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 109, II, do Regimento Interno, a multa no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), em face do desrespeito à ordem cronológica de pagamentos estabelecida pelo art. 5º da Lei (federal) n. 8666/93 (item 2.2 do Relatório da DMU), fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial do Estado, para comprovar ao Tribunal o recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000.

6.3. Determinar à Secretaria de Estado da Saúde que, doravante, mantenha durante o exercício o equilíbrio entre as cotas de despesas recebidas do Tesouro do Estado e a despesa realizada, de modo a reduzir ao mínimo eventuais insuficiências de tesouraria, consoante dispõe o art. 48, "b", da Lei (federal) n. 4.320/64.

Sustentou o recorrente que o volume de empenhos e ordens de pagamentos em certas ocasiões acarretam o atraso de dois ou três dias na quitação dos débitos e que tais atrasos não tem o condão de favorecer determinados fornecedores. Disse, também, que as divergências de data se devem ao fato de que as funções da Secretaria são específicas e não podem receber o mesmo tratamento que recebem os demais órgãos. Por último, sustenta que a constatação de que as restrições são constatadas desde 1998 ratificam as dificuldades vivenciadas pelos titulares da Secretaria.

Na forma regimental os autos seguiram à Consultoria Geral que, através do parecer COG-914/08 (fls. 05/10), entendeu pelo conhecimento do recurso e, no mérito, pela negativa de provimento.

O Ministério Público Especial, a sua vez e através do parecer 7502/2008 (fls. 11/12), acompanhou o entendimento exarado pela Consultoria Geral.

FUNDAMENTAÇÃO

Trata-se de recurso de reconsideração interposto com fundamento no art. 77, da LC nº 202/00, através do qual pugna o recorrente a reforma do Acórdão 1826/2007, exarado nos autos do Processo ARC 05/03963313, que lhe aplicou multa de R$ 1.000,00(mil reais) face à constatação de quebra da ordem cronológica de pagamento a que alude o art. 5º da Lei nº 8.666/93.

O recurso é adequado, tempestivo e foi interposto por parte legítima. Assim, entendo por vencidos os pressupostos de admissibilidade.

Quanto ao mérito, sustenta o recorrente, após ratificar as informações prestadas pelo superintendente administrativo e financeiro, Sr. Ramon Silva, que tendo em vista o volume de empenhos e ordens de pagamento, em certas ocasiões, pode ocorrer pagamentos com um, dois ou até três dias de atraso.

Sobre o art. 5º, da Lei nº 8.666/93 tive a oportunidade de me manifestar ao relatar o RPL 07/00179305, da Prefeitura Municipal de Florianópolis (DOE 18218, de 01/10/2007):

[...]

Pode-se dizer que o artigo em tela tem por objetivo último salvaguardar determinados princípios, dentre os quais se destacam o da isonomia, da segurança jurídica e da economicidade. Pelo primeiro, o artigo evita que a Administração dê um tratamento diferenciado entre seus vários fornecedores. Pelo segundo, o fornecedor poderá lançar sua proposta com a consciência de que irá receber a contraprestação pactuada. Pelo terceiro e último, a obediência ao artigo dá credibilidade e confiança ao contratante, o qual, sabedor do recebimento da contraprestação, não incluirá no custo dos produtos ou serviços prestados os valores decorrentes da demora do pagamento.

Pode-se dizer, também, que o artigo tem por objetivo atrair um maior número de licitantes, propiciando verdadeiras propostas vantajosas à Administração e expungindo de vez a fama de má pagadora, vícios esses há anos incorporados na prática administrativa.

É nessa linha o entendimento de Joel de Menezes Niebuhr, ao discorrer sobre o direito subjetivo dos contratados pela Administração:

É de toda a evidência que a Administração paga mais caro porque ela paga em atraso. Então, para inverter esse processo, é preciso que ela tome ciência de que é ela mesma a principal culpada por esse estado de coisas.

A Administração sofre em razão de estridente falta de credibilidade, tudo em vista de práxis irresponsável, ao sabor de ingerências políticas estranhas ao interesse público. É essencial, para toda atividade administrativa, em especial no tocante à licitação pública e ao contrato administrativo, que o Poder Público recupere sua credibilidade. Sem a confiança de terceiros, será muito difícil que a Administração passe a celebrar contratos efetivamente vantajosos ou, quiçá, com preços compatíveis com os do mercado.[1]

Laís de Almeida Mourão, ao comentar o artigo em questão, assim refere:

Com efeito, a questão que se coloca – e que o art. 5º da Lei nº 8.666/93 visa assegurar – é a de ter o contratante um direito público subjetivo de não ser imotivadamente preterido pelo seu contratante, o Poder Público, no momento de receber aquilo a que faz jus em razão de um determinado contrato.

Tal direito do contratante decorre, à evidência, dos princípios constitucionais insertos no caput do art. 37 da Constituição Federal, em especial o da impessoalidade e o da moralidade, que precipuamente, respaldam o direito dos contratantes particulares, impondo ao agente público o dever de não favorecer quem quer que seja na efetivação dos pagamentos.[2]

Diante da norma constante no art. 5º da Lei nº 8.666/93 não resta dúvida que ao Administrador foi imposto um dever de conduta séria e imparcial, independentemente de quem seja o credor, de observar a ordem cronológica de pagamento sob pena, inclusive, de restar incurso nas penalidades que prevê o art. 92, da Lei nº 8.666/93[3].

Portanto, ao mesmo tempo em que o artigo constitui uma garantia ao contratado de não ver seu crédito preterido, impõe à Administração, através de seus agentes, uma conduta dirigida à observância da ordem de pagamentos, de modo a preservar os princípios insculpidos no art. 37, da Constituição Federal.

Registre-se, ademais, que o art. 5º da Lei de Licitações guarda estreita conexão com os princípios da moralidade e da impessoalidade, ao procurar evitar práticas discriminatórias por parte de agentes públicos cujo intento seja o de beneficiar amigos e prejudicar inimigos.

[...]

Em que pese os argumentos dispensados pelo recorrente, ficou devidamente demonstrado nos autos, especificamente pela tabela de fls. 58/59, que houve quebra na ordem cronológica de alguns pagamentos, o que afronta o disposto no art. 5º, da Lei nº 8.666/93. Observo que não houve contestação sobre o referido fato. Apenas sustenta o recorrente que os pagamentos se deram com um, dois ou três dias de atraso, portanto, o que,de certa forma, ratifica a constatação feita pela equipe de auditoria.

Ademais, não demonstrou o recorrente a ocorrência da excludente de ilicitude a que refere a parte final do art. 5º, da Lei nº 8.666/93, ou seja, razões relevantes de interesse público justificadas pela autoridade competente e devidamente publicadas.

Por outro lado, embora caracterizada a quebra da ordem, não vejo nos autos elementos suficientes para que se dê ciência ao Ministério Público Estadual, a fim de que o mesmo perquira sobre a existência ou não de crime a que alude o art. 92, da Lei nº 8.666/93. Com efeito, ainda que tenha havido a quebra na ordem de pagamento, não houve por parte do recorrente qualquer elemento volitivo imbuído com propósitos de favorecer ou prejudicar determinados fornecedores. Tenho que a quebra da ordem se deu por questões operacionais que, embora transgressivas ao art. 5º, da Lei nº 8.666/93, não possuem o condão de desencadear processo criminal.

Portanto, uma vez caracterizada a quebra da ordem de pagamento, não demonstrando que a mesma não tenha ocorrido ou que tenha havido a excludente de ilicitude a que refere a parte final do referido dispositivo, não merecem acolhidas as razões apresentadas. Ressalto que o fato da área da saúde ser complexa não isenta, à partida, a responsabilidade, isso porque o gestor público deve adotar medidas gerenciais capazes de racionalizar o sistema de pagamentos da Secretaria, havendo quebra da ordem cronológica apenas quando demonstrado que em determinada situação concreta isso mostrou-se exigível.

PROPOSTA DE VOTO

Estando os autos instruídos na forma regimental, submeto a presente matéria ao Egrégio Plenário, propugnando pela adoção da seguinte proposta de voto:

1. Conhecer do Recurso de Reconsideração, nos termos do art. 77, da LC nº 202/00, interposto, contra o Acórdão nº 1826/2007, proferido nos autos do Processo nº ARC 05/03963313 para, no mérito, negar-lhe provimento.

2. Dar ciência desta Decisão, do Relatório e Voto do Relator que a fundamentam, bem como do parecer COG-914/08 (fls. 05/10) e do parecer de fl. 11/12, ao recorrente.

Gabinete, em 16 de fevereiro de 2009.

 

Gerson dos Santos Sicca

Auditor

Relator



[1] NIEBUHR, Joel de Menezes. O direito subjetivo dos contratados pela Administração Pública de que os pagamentos sejam realizados em observância à ordem cronológica de suas exigibilidades. Artigo Científico disponível no endereço eletrônico: http://www.zenite.com.br/jsp/site/item/Text1Text2AutorDet.jsp?PagAtual=1&Modo=2&IntPrdcId=1&IntScId=105&IntItemId=44&IntDocId=19317, acessado em 27/07/2007.

[2] MOURÃO, Laís de Almeida. Boletim de licitações e contratos. São Paulo: Nova Dimensão Jurídica, p. 614, outubro de 2001.

[3] Lei Federal nº 8.666/93. Art. 92. Admitir, possibilitar ou dar causa a qualquer modificação ou vantagem, inclusive prorrogação contratual, em favor do adjudicatário, durante a execução dos contratos celebrados com o Poder Público, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação ou nos respectivos instrumentos contratuais, ou, ainda, pagar fatura com preterição da ordem cronológica de sua exigibilidade, observado o disposto no artigo 121 desta Lei: (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 08.06.1994)

Pena - detenção de dois a quatro anos, e multa.