Processo n°

REP 07/00670823

Unidade Gestora

Prefeitura Municipal de Leoberto Leal

Responsável

Ivo Scheidt Filho – Prefeito Municipal

Representante

Câmara Municipal de Vereadores de Leoberto Leal

Assunto

Representação contra Prefeitura Municipal de Leoberto Leal em face de utilização indevida de logomarca de gestão de governo.

Relatório n°

0111/2009

 

1. Relatório

 

Trata-se de representação deflagrada pela Câmara Municipal de Vereadores de Leoberto Leal noticiando supostas irregularidades praticadas no âmbito daquela Prefeitura Municipal relacionados à utilização de slogan/logomarca alusiva a gestão do Prefeito Municipal à época, Sr. Ivo Scheidt Filho com o slogan: Leoberto Leal – Novos Caminhos – Administração 2005-2008” em uniformes e crachás de funcionários, folhas e envelopes timbrados, veículos do município, camisetas de uniforme escolar e bolsas escolares, medalhas e troféus de campeonatos esportivos municipais, folders, cartilhas, etc.

 

A Diretoria de Controle dos Municípios – DMU emitiu Relatório de n° 0192/2008 considerando que estão presentes os requisitos de admissibilidade das representações constantes dos arts. 65, §1°, c/c 66, parágrafo único, da Lei Complementar n° 202/2000, sugerindo, portanto, o seu conhecimento.

 

O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, por meio do Parecer MPTC n° 1.181/2008 manifestou-se por acompanhar o posicionamento do Órgão de Controle.

 

 

2. Voto

 

                Trata-se de Representação da Câmara Municipal de Vereadores de Leoberto Leal noticiando a utilização pela Prefeitura Municipal de Leoberto Leal de slogan/logomarca que faziam menção à legislatura 2005-2008. (Leoberto Leal – Novos Caminhos – Administração 2005-2008), fixadas em diversos locais tais como: crachás e uniformes funcionais, carros oficiais e de transporte escolar, documentos, lancheiras, troféus de campeonato de futsal e vôlei, folders, cartilhas etc.; Caracterizando promoção pessoal, em afronta aos princípios da publicidade e impessoalidade estabelecidos no artigo 37, caput, e §1°, da Constituição Federal.

 

Em resposta à audiência determinada por este Relator, o Responsável, Sr. Ivo Scheidt Filho, alegou que tão logo tomou conhecimento do Ofício Circular TC/GAP n° 14/2006, em dezembro de 2006, determinou a adoção de providências no sentido de cessar a utilização de qualquer logomarca e slogan pela administração, retirando de circulação todos os expedientes alusivos à sua gestão municipal.

 

De fato, após analise dos documentos remetidos e as fotografias, verifica-se a adoção de providências para a regularização da situação. Não obstante, constata-se que durante determinado período, a Administração Municipal de Leoberto Leal utilizou-se de logomarca e slogan que faziam menção à legislatura 2005-2008, restando evidenciada a irregularidade, pois a substituição dos materiais com slogan e logomarca por outros com o brasão oficial gerou mais um ônus aos cofres públicos do Município, caracterizando também conduta típica de improbidade administrativa, como preceitua o art. 10 da Lei n° 8.429/92:

 

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei [...]

 

Cabe destacar que, em novembro de 2006, para reforçar a orientação sobre gastos com publicidade e uso de logomarca, o TCE alertou os prefeitos sobre o uso de logomarcas ou slogans que configurassem promoção pessoal. Foram encaminhados ofícios às 293 prefeituras informando que os princípios e regras constitucionais não admitem a utilização de símbolo não oficial do município, bem como toda e qualquer espécie de identificação da gestão do administrador, seja por logomarca ou slogan.

 

O art. 37 da Constituição Federal de 1988 explicita os princípios que a Administração Pública direta e indireta, autárquica e fundacional deve observar no desenvolvimento de suas atividades: da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, nestes termos:

 

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

 

[...]

 

§ 1º - A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.

 

Este Tribunal já se pronunciou sobre a matéria conforme se verifica no Prejulgado n° 1834:

 

[...]

 

2. Não pode ser utilizada logomarca de determinada gestão de governo - diversa da logomarca oficial permitida pela Lei Orgânica - nos papéis, na frota automotiva ou em obras realizadas pelo Município, sob pena de caracterizar promoção pessoal de autoridade, servidor ou partido político, ferindo o princípio da impessoalidade.

3. A utilização indevida de logomarca de gestão de governo pode ensejar penalidades no âmbito civil, penal, administrativo, eleitoral, podendo, inclusive, configurar ato de improbidade administrativa, todavia, a aferição da aplicação da(s) pena(s) só será possível à luz do caso concreto.

 

A utilização de slogans de campanha em publicidades institucionais fere princípios básicos da Constituição Federal sob os quais se encontra jungida a Administração Pública (art. 37, caput), notadamente os da impessoalidade e publicidade, e configura ato de improbidade administrativa.

 

Sobre o principio da publicidade leciona o saudoso mestre Diógenes Gasparini:

 

Diga-se que o princípio da publicidade não deve ser desvirtuado. Com efeito, mesmo a pretexto de atendê-lo, é vedado mencionar nomes ou veicular símbolos ou imagens que possam caracterizar promoção pessoal de autoridade ou servidor público, ex vi do que prescreve o §1° do art., 37 da Constituição Federal, repisado nas Constituições estaduais, a exemplo da paulista (art. 115, §1°).

 

(GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 5ª ed., São Paulo: Saraiva, 2000, p. 12.)

 

Quanto ao princípio constitucional da impessoalidade, pertinente a lição do jurista Juarez Freitas:

 

Dizer de outro modo, o princípio da impessoalidade determina que o agente público proceda com desprendimento, atuando desinteressada e desapegadamente, com isenção, sem perseguir nem favorecer, jamais movido por interesses subalternos. Mais: postula-se o primado das idéias e dos projetos marcados pela solidariedade em substituição aos efêmeros cultivadores do poder como hipnose fácil e encantatória. Semelhante princípio guarda derivação frontal, inextirpável e, não raro, desafiadora com o princípio da igualdade de todos, sem distinção de qualquer natureza (CF, art. 5º, caput), salvo aquelas impostas pelo próprio sistema constitucional.

O princípio constitucional da impessoalidade aplicado à administração pública deve ser observado sob dois aspectos distintos: o primeiro sentido a ser dado à aplicação do princípio é o que ressalta da obrigatoriedade de que a administração proceda de modo que não cause privilégios ou restrições descabidas a ninguém, vez que o seu norte sempre haverá de ser o interesse público; o segundo sentido a ser extraído da vinculação do princípio à administração pública é o da abstração da pessoalidade dos atos administrativos, pois que a ação administrativa, em que pese ser exercida por intermédio de seus servidores, é resultado tão somente da vontade estatal.

(FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. 1ª ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 64-65)

 

Revela-se flagrante a existência de uma linha tênue entre o princípio da moralidade administrativa e os valores imateriais tuteláveis jurisdicionalmente e administrativamente contidos no caput do art. 37, da Constituição Federal: os demais princípios fundamentais que regem a Administração Pública (legalidade, impessoalidade, publicidade e eficiência). Em outras palavras, sempre que se extrapola o limite imposto por um princípio da Administração Pública se adentra na seara da moralidade administrativa, tais princípios se interligam entre si tal como círculos numa representação geométrica de circunferências secantes, com a moralidade sendo o círculo central sob o qual tangenciam todos os demais princípios.

 

Neste caso restou evidenciada a afronta aos princípios constitucionais da impessoalidade, publicidade, da legalidade (art. 37, §1°, da CF/88), e também o da moralidade, (como visto no parágrafo supra), posto que o Responsável, Sr. Ivo Scheidt Filho, afixou a logomarca com o nome do Município, o slogan de campanha eleitoral e o período de sua legislatura em diversos locais caracterizando, indubitavelmente, a chamada “promoção pessoal”.

 

Não obstante, deixo de acolher a proposta do Ministério Público de Contas pela comunicação ao Ministério Público Estadual dos fatos abordados nestes autos por dois motivos: primeiro porque o Responsável procedeu ao saneamento do ato inquinado retirando de circulação toda propaganda irregular; e segundo, por que sabiamente retirou-se da competência da justiça de primeiro grau o julgamento das Ações Civis Públicas propostas com fundamento na Lei n° 8.429, de 2 de junho de 1992, a Lei de Improbidade Administrativa,  quando os crimes ali previstos forem praticados por Prefeitos e Ex-Prefeitos Municipais, diante dos excessos cometidos. Sobre o excesso a que me refiro faço minhas as palavras do doutrinador e advogado Arnoldo Wald[1]:

 

     O combate à corrupção tem sido uma das maiores preocupações do povo brasileiro há muitos anos. É tema que ocupa posto central nos debates eleitorais há várias décadas. A Lei da Improbidade Administrativa é importante instrumento de defesa da moralidade pública, mas não é, e nem pode ser encarada como se fosse, a panacéia para solucionar todos os males. Os exageros na luta contra a improbidade administrativa podem gerar efeitos contrários aos pretendidos, desmoralizando aquilo que poderia ser bem empregado e ter resultados positivos.

 

        Indisponibilidade de bens, afastamento do cargo, dentre outras, são todas medidas que, quando aplicadas com parcimônia e responsabilidade, se transformam em fundamentais alicerces da proteção ao patrimônio público e do respeito aos princípios constitucionais da moralidade, da impessoalidade e da legalidade. O que não se pode admitir é o uso desvirtuado da ação de improbidade administrativa, como ocorre muitas vezes, como veículo de exibicionismo na mídia, de luta exclusivamente política ou de arma meramente vingativa ou oposicionista e eleitoreira. Acusar um agente público de ter praticado ato de improbidade, e ainda pretender indisponibilizar o seu patrimônio pessoal na pendência de uma ação que pode demorar anos, é coisa muito séria, que não pode ser levada adiante de maneira irresponsável ou leviana.

 

[...]

 

Para manter o seu prestígio e aceitação, não só na comunidade jurídica como em toda a sociedade brasileira, a ação de improbidade administrativa deve ser utilizada com rigor, mas dentro dos conceitos de razoabilidade e proporcionalidade, evitando-se quaisquer abusos. Observados estes princípios, e respeitado sempre o devido processo legal, sem sensacionalismos, muito se avançará no combate à corrupção e na preservação da moralidade administrativa.

 

   Diante do exposto, proponho ao egrégio Plenário a seguinte decisão:

 

        2.1. CONSIDERAR IRREGULAR, na forma do artigo 36, § 2º, “a” da Lei Complementar n° 202/2000, o ato abaixo relacionado, aplicando ao Sr. Ivo Scheidt Filho – Ex-Prefeito Municipal - Gestão 2005/2008, CPF 898.310.129-68, residente à Rua Jorge Lacerda, 16, CEP 88445-000 - Leoberto Leal/SC, multa no valor de R$ 1.000,00 (mil reais) prevista no artigo 70, da Lei Complementar n° 202/2000, em face da “utilização de slogan/logomarca alusiva à gestão do Prefeito Municipal, em uniformes e crachás de funcionários, folhas e envelopes timbrados, veículos do município (ônibus escolar, ambulância, caminhão e outros), camisetas de uniforme escolar e bolsas escolares, medalhas referentes ao “Oitavo Campeonato Municipal de Futsal”, à “Primeira Copa Municipal das Comunidades” e ao “Nono Campeonato Municipal de Futsal”, folders intitulados “Hábitos saudáveis de higiene bucal” e “Saúde bucal para a mamãe e bebê”, Cartilhas intituladas “Zé-escovinha” com escovinha e fio dental, caracterizando promoção pessoal, em descumprimento aos princípios da publicidade e impessoalidade estabelecidos no artigo 37, caput e § 1º da Constituição Federal (item 1 do Relatório DMU n° 1.959/2008)”, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias a contar da publicação do acórdão no Diário Oficial Eletrônico do Tribunal de Contas para comprovar ao Tribunal o recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, sem o que fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos artigos 43, II, e 71 da Lei Complementar n° 202/2000:

 

                2.3. Dar ciência desta Decisão, do Relatório e Voto do Relator que a fundamentam ao Sr. Ivo Scheidt Filho, à Câmara Municipal de Vereadores de Leoberto Leal, e à Prefeitura daquele Município.

                         

Florianópolis, 03 de março de 2009.

 

 

 

Conselheiro Salomão Ribas Junior

Relator



[1] A ação de improbidade administrativa Arnoldo Wald Professor Catedrático de Direito Civil da UERJ. Advogado Rodrigo Garcia da Fonseca. Advogado.

Disponível em: www.camara.rj.gov.br/setores/proc/revistaproc/revproc2002/arti_arnold_rodrigo.pdf