PROCESSO
Nº: |
PCA-08/00093011 |
UNIDADE
GESTORA: |
Fundo Municipal de Saúde de Ipuaçu |
RESPONSÁVEL: |
Jose Adil Muller |
INTERESSADO: |
Denilso Casal |
ASSUNTO:
|
Prestação de Contas de Administrador referente
ao exercício de 2007 |
RELATÓRIO
E VOTO: |
GAC/WWD - 298/2011 |
1. INTRODUÇÃO
Tratam os autos das Contas de Administrador referentes ao
ano de 2007 do Fundo Municipal de Saúde de Ipuaçu, em cumprimento ao disposto
nos arts. 7º a 9º da Lei Complementar nº 202/00 e demais disposições
pertinentes à matéria.
Analisando preliminarmente os autos, a Diretoria de
Controle dos Municípios - DMU, desta Corte de Contas, através do Relatório nº 5316/2008
(fls. 21/28), apontou a existência de restrições, sugerindo a citação do Sr. José
Adil Muller, Gestor da Unidade à época, para apresentar alegações de defesa.
Por despacho às fls. 30, o Relator determinou que se
procedesse à citação do Responsável, para se manifestar quanto ao apontado no
referido Relatório, no prazo de 30 (trinta) dias.
O Responsável, devidamente cientificado, apresentou
alegações de defesa (fls. 33/36) e juntou documentos (fls. 37/46).
Reanalisando o processo, a Diretoria de Controle dos
Municípios emitiu o Relatório de n.º 3174/2011 (fls. 49/57), sugerindo:
1 -
JULGAR IRREGULARES,
na forma do artigo 18, inciso III, alínea “b”, c/c o artigo 21, parágrafo único
da Lei Complementar n.º 202/2000, as presentes contas, aplicando ao Sr. José
Adil Muller – Gestor da Unidade à época, CPF 522.307.249,91, residente na
Localidade de São João – Ipuaçu/SC, CEP 89832-000, multas previstas no artigo
70, inciso II da Lei Complementar n.º 202/2000, pelo cometimento das
irregularidades abaixo relacionadas, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias a contar
da publicação do acórdão no Diário Oficial do Estado para comprovar ao Tribunal
o recolhimento das multas ao Tesouro do Estado, sem o que fica desde logo
autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o
disposto nos artigos 43, II, e 71 da Lei Complementar n.º 202/2000:
1.1
- Contratações de terceiros para prestação de serviços na área da Saúde
(médicos) no total de R$ 179.981,54, cujas atribuições são de caráter não
eventual e inerente às funções típicas da administração, devendo estar
previstas em Quadro de Pessoal, traduzindo afronta às disposições do inciso II
do artigo 37 da Constituição Federal (item 1.1 deste Relatório);
1.2
- Contratação de entidades privadas para prestação de serviços na área da Saúde
(médicos) no montante de R$ 82.737,70, cujas atribuições são de caráter não
eventual e inerentes às funções típicas da administração, devendo estar
previstas em Quadro de Pessoal, traduzindo afronta às disposições do inciso II
do artigo 37, c/c o 199, § 1° da Constituição Federal. (item 1.2 deste
Relatório)
2 – DAR CIÊNCIA da decisão com remessa de cópia do
Relatório de Reinstrução n.º 3.174/2011 e do Voto que o fundamentam ao
responsável Sr. José Adil Muller – Gestor da Unidade à época e ao interessado
Sr. Denilso Casal – Prefeito Municipal.
O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas - MPTC,
através do Parecer nº MPTC/3102/2011 (fls. 59/61), manifestou no sentido de que
as contas sejam julgadas irregulares, aplicando-se multa ao Responsável, em
face as restrições apontadas nos itens 1.1 e 1.2 do relatório técnico.
É o Relatório
2. DISCUSSÃO
Com
fulcro no art. 224 da Resolução n. TC-06/2001 (Regimento Interno), com base no
Relatório da Instrução, no Parecer do Ministério Público, nas alegações de
defesa apresentadas e nos documentos constantes no processo, após compulsar
atentamente os autos, me permito tecer alguns comentários a respeito dos
apontamentos levantados:
·
Contratação
de terceiros (item 1.1, folhas 50/52) e contratação de entidades privadas para prestação de serviços na área da Saúde (item 1.2, folhas
52/56)
No
que diz respeito ao apontado acima, a instrução constatou que o Fundo Municipal
de Saúde procedeu à contratação de terceiros para prestação de serviços na área
da Saúde, em afronta ao disposto no art. 37, II da Constituição Federal, bem
como a contratação de entidades privadas para prestação de serviços na área da
Saúde, em desacordo com o estabelecido no art. 37, II, c/c art. 199, § 1º da
Constituição Federal.
Sobre
a questão, o Responsável manifestou-se às fls. 34/36, alegando em síntese que:
-
as despesas referem-se à contratação de profissionais de saúde para prestarem
atendimento nas Unidades de Saúde;
-
a Lei 10.507/2002 possibilitava a contratação de Agente Comunitário de Saúde;
-
lançou o concurso público n. 0001/2005, para suprir a necessidade de fisioterapeuta,
enfermeiro e médico;
-
a contratação de médicos especialistas visava atender a população do município
e da reserva indígena;
-
algumas despesas referem-se a pagamentos relativos a atendimentos no Hospital
Regional de Chapecó;
O
Órgão Instrutivo rechaçou as alegações apresentadas, concluindo que as
contratações ocorreram em atividades cujas atribuições são de caráter não
eventual e inerente as funções típicas da administração e, portanto, deveriam
ser realizados através de servidores admitidos em concurso público, com o que
concordou o MPTC.
À
primeira vista, o registro da área técnica aponta para a irregularidade na
terceirização das atividades de saúde, seja pela contratação direta de
profissionais ou pela contratação de entidades privadas.
O
presente tema deve ser analisado com parcimônia, pois os administradores são
cobrados, diuturnamente, para uma boa prestação de serviços à sociedade.
Ademais, ao meu sentir, a saúde não é um serviço público que demanda a execução
direta do poder público, eis que a própria Constituição Federal previu a
colaboração das entidades filantrópicas, das entidades sem fins lucrativos e
também da iniciativa privada.
A
Constituição Federal em seu art. 199 assim preceitua:
Art. 199. A assistência à saúde é
livre à iniciativa privada.
§ 1º. As instituições privadas poderão
participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes
deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as
entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.
Do
mesmo modo, a Lei Federal nº 8080/90, que dispõe sobre as condições para a
promoção e recuperação da saúde, a organização e funcionamento dos serviços
correspondentes, em seus arts. 20 a 26 estabelece o funcionamento dos serviços
privados de assistência à saúde, como se observa abaixo:
Art. 20. Os serviços privados de
assistência à saúde caracterizam-se pela atuação, por iniciativa própria, de
profissionais liberais, legalmente habilitados, e de pessoas jurídicas de
direito privado na promoção, proteção e recuperação da saúde.
Art. 21. A assistência à saúde é livre
à iniciativa privada.
[...]
Art. 24. Quando as suas
disponibilidades forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à
população de uma determinada área, o Sistema Único de Saúde (SUS) poderá
recorrer aos serviços ofertados pela iniciativa privada.
Parágrafo único. A participação
complementar dos serviços privados será formalizada mediante contrato ou
convênio, observadas, a respeito, as normas de direito público.
Art. 25. Na hipótese do artigo
anterior, as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos terão preferência
para participar do Sistema Único de Saúde (SUS).
O
entendimento da norma em tela sinaliza que para a contratação de serviço de
saúde, a fim de suplementar o existente e assim conferir um melhor atendimento
a população – finalidade precípua da administração pública - poderá ser adotado
através da assinatura de convênio com entidade filantrópica ou sem fins
lucrativos, bem como com instituições privadas, que realizarão o atendimento à
população.
Evidentemente
que este procedimento deverá ser iniciado a partir da realização de um certame
licitatório, visando, assim, assegurar a publicidade desse ato e garantir,
assim, a oferta de inúmeras propostas ao poder público e, ser escolhida a mais
vantajosa.
Pelo
que atesta o Responsável pela Unidade, não há como certificar que os serviços
foram conveniados ou contratados com suporte no art. 199, § 1º da Constituição
Federal e Lei nº 8080/90.
Na
análise das presentes contas, verifica-se que, das despesas totais da unidade, 6,61%
se refere à contratação de entidades privadas, e 11,72% com serviços de
terceiros (médicos).
Entretanto,
como afirmado anteriormente, a lei faculta que quando as disponibilidades de
serviços são insuficientes, poderão ser contratados aqueles ofertados pela
iniciativa privada, mediante contrato ou convênio. Não há nos autos análise do
órgão instrutivo, quanto ao esgotamento da capacidade de prestação de serviços
pela administração municipal.
Em
consulta ao sistema de processos desta Corte de Contas, não foram encontradas
decisões, acórdãos ou pareceres em consultas formuladas pelas Unidades sobre o
tema.
Há,
contudo, um artigo na publicação da apostila do VI Ciclo de Estudos de Controle
Público da Administração Estadual, em que os autores do artigo “Terceirização
no Serviço Público”, auditores de controle externo Sr. Paulo César Salum e Sr.
Mauro André Flores Pedroso, tratam do tema, nos seguintes termos:
A Lei nº 8080, de 19/09/90, que
disciplina o Sistema de Saúde, prevê nos arts. 24 a 26, a participação
complementar de empresas privadas, só admitindo-a quando as disponibilidades
dos SUS “forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à população
de uma determinada área”, hipótese em que participação complementar “será
formalizada mediante contrato ou convênio, observadas, a respeito, as normas de
direito público”
O
Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul proferiu decisões que tratam da
matéria. Vejamos:
Processo nº 6652-02.00/99-6 – TCE/RS
“... somente após esgotada a
capacidade de prestação de ações e de serviços pelos órgãos e entidades da
Administração Pública direta, indireta e fundacional, é que a direção do
Sistema Único de Saúde em cada esfera de governo dará preferência para
participação complementar no sistema às entidades filantrópicas e às entidades
sem fins lucrativos, com as quais celebrará convênio”
PROCESSO Nº 1.259-02.00/02-3 – TCE/RS
“... nos termos do disposto no art.
197 c/c § 1º do art. 199, ambos da Lei Maior, o atendimento às ações e serviços
de saúde pode ser executado diretamente pelo poder público, ou por terceiros,
pessoas físicas ou jurídicas de direito privado, sendo que ‘as instituições
privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde,
segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio,
tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos, estando
tal participação regulada pelo disposto nos artigos 20 a 26, da Lei Federal
8.080/90”
O
Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, através do Parecer da lavra do
eminente Procurador Aderson Flores, no Processo nº PCA-07/00188630, manifestou-se
no seguinte sentido:
Em outros processos, manifestei-me
pela irregularidade da contratação de terceiros e de entidades privadas para
prestação de serviços na área da saúde, por constituírem atribuições típicas da
administração.
Ocorre que as decisões do Egrégio
Tribunal Pleno sobre o assunto têm sido de regularidade com ressalva das
contas, uma vez que ausentes nos processos efetiva caracterização de burla ao
concurso público.
Ou seja, seria necessária a
especificação das atividades contratadas, com a correspondente configuração
como de natureza permanente, de forma a permitir a conclusão de obrigatoriedade
de realização de concurso público.
Acresça-se que o art. 199, § 1º, da
Constituição permite a complementação dos serviços do Sistema Único de Saúde
pela iniciativa privada.
Esta
Corte de Contas, no mesmo sentido, tem julgado com ressalvas as contas e, como
exemplo, destaco os processos PCA-07/00221433 e PCA-07/00188630.
Diante
do exposto e do que consta dos autos, entendo, excepcionalmente para os
presentes autos, por considerar regulares as despesas com contratação de
terceiros e de entidades privadas para prestação de serviços na área da Saúde
realizadas pelo Fundo Municipal de Saúde de Ipuaçu, pois entendo que para se
caracterizar burla a regra constitucional do concurso público, as funções
consideradas de natureza permanente deveriam ter sido discriminadas nos autos, o
que não é possível apenas com o detalhamento das notas de empenho.
Ainda,
como asseverado anteriormente, verifico ser possível a contratação de entidade
privada para prestação de serviços de saúde, de forma complementar aos
prestados pelos SUS. Do mesmo modo, certifico que a Unidade fez esforço para
regularizar a situação, realizando concurso público e buscando suprir a
necessidade de profissionais médicos, com o fito de atender a população, embora
não atingindo, na totalidade, o propósito de complementar o seu quadro de
servidores.
Entretanto,
cabe ressalvar que a entidade deverá observar o disposto na Lei (federal) nº
8080/90, especialmente para o disposto nos arts. 24 a 26. Nesse sentido, deve avaliar
quais os segmentos atendidos pelas entidades privadas cujas atividades deveriam
estar sendo prestadas pela própria Administração Pública, adotando as devidas
providências, inclusive concurso público, se for o caso, e somente admitindo a participação
complementar de empresas privadas, quando comprovadamente as disponibilidades
dos SUS “forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à população
de uma determinada área”, hipótese em que participação complementar “será
formalizada mediante contrato ou convênio, observadas, a respeito, as normas de
direito público”.
Nesse
sentido, e como norte para as decisões da Unidade, estabelece o Prejulgado
2055, desta Corte de Contas:
...
2. A contratação de serviços
complementares de saúde pode ocorrer para:
2.1. atividades-meio, desde que não
inseridas por lei no Sistema Único de Saúde.
2.2. atividades finalísticas em razão
do volume, quando a demanda ultrapassar a capacidade instalada da rede pública,
tanto própria quanto à vinculada a outro nível de governo.
a) neste caso, a dimensão do serviço
público deve ser reavaliada periodicamente, tendo em conta variáveis como a
evolução populacional, evolução da demanda, evolução científica etc., de forma
que o volume físico e/ou financeiro dessas contratações não descaracterize o
caráter subsidiário em relação às atividades estatais.
2.3. atividades finalísticas, em razão
da urgência.
a) neste caso, a Administração deve,
quando for o caso, promover as medidas necessárias para restabelecer o sistema
público potencial existente antes da situação de urgência que implicou a
diminuição de sua capacidade potencial;
b) a contratação junto à iniciativa
privada ocorrerá somente durante o período necessário para que sejam adotadas
as medidas para o restabelecimento do serviço público.
3. A contratação de serviços
complementares de saúde deve atender ainda aos seguintes requisitos:
3.1. Preferência às entidades
filantrópicas e às sem fins lucrativos;
3.2. Celebração de convênio ou
contrato conforme as normas de direito administrativo, prevalecendo o interesse
público sobre o particular;
3.3. Integração dos serviços privados
às diretrizes organizativas do SUS;
3.4. Prevalência dos princípios da
universalidade, equidade, integralidade, etc.
4. Deve o poder público utilizar o
sistema de credenciamento a todos os interessados, que se vincula ao manifesto
interesse da administração em colocar à disposição da comunidade uma rede de
profissionais da área da saúde, incluindo o preço a ser pago, previamente
definidas e amplamente difundidas, às quais os interessados possam aderir.
3. VOTO
Diante do exposto, proponho ao Egrégio Tribunal Pleno a adoção da seguinte deliberação:
3.1. Julgar
regulares com ressalva, com fundamento no art. 18, II, c/c o art. 20 da Lei
Complementar nº 202, de 15 de dezembro de 2000, as contas anuais do exercício
de 2007, referentes a atos de gestão do Fundo Municipal de Saúde de Ipuaçu, no
que concerne ao Balanço Geral composto das Demonstrações de Resultados Gerais,
na forma dos anexos e demonstrativos estabelecidos no art. 101 da Lei nº
4.320, de 17 de março de 1964 e dar quitação ao Sr. Jose Adil Muller.
3.2. Recomendar ao Fundo Municipal de Saúde de Ipuaçu que,
quando da contratação de terceiros e de entidades privadas para a prestação de
serviços na área da saúde, atente para o disposto no art. 37, II c/c o art.
199, § 1º da Constituição Federal, bem como para o estabelecido na Lei
(federal) 8080/90.
3.3. Dar
ciência da Decisão, ao Sr. Jose Adil Muller e ao Fundo Municipal de Saúde de
Ipuaçu.
Florianópolis, em 25 de julho de 2011.
WILSON ROGÉRIO WAN-DALL
CONSELHEIRO
RELATOR