ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO

 

PROCESSO:             REC 08/00200381

UG/CLIENTE:           Prefeitura Municipal de Ilhota

RECORRENTE:       Ademar Felisky

ASSUNTO:                Recurso de Reexame em processo de atos de pessoal – aposentadoria de Valdir Becker.

 

Registro de Aposentadoria. Decadência. Ressalvas

Pacificado no âmbito do Tribunal de Contas de Santa Catarina a adoção do prazo decadencial para análise dos atos de registro de aposentadoria e pensão, deve tal parâmetro ser adotado para uniformidade de tratamento entre situações semelhantes.

Circunstância, entretanto, que não impede a anteposição de ressalvas do Relator quanto ao entendimento sufragado na Corte, tendo em vista: não se tratar de matéria pacificada no âmbito dos Tribunais Superiores; a divergência de tratamento frente às aposentadorias do Regime Geral de Previdência Social, as conseqüências fáticas da adoção desta tese e a incompatibilidade com a teoria dos atos complexos.                                           

 

I - RELATÓRIO

Tratam os autos de Recurso de Reexame interposto pelo Exmo. Sr. Prefeito do Município de Ilhota, com supedâneo no art. 80, da Lei Complementar nº 202/00, contra a Decisão nº 4.210/2007, exarada no Processo n. SPE 07/00325484, que, em síntese, denegou o registro do ato aposentatório do servidor Valdir Becker, em face das irregularidades listadas nos itens 6.1.1 a 6.1.3, fazendo determinações à Administração Municipal.

Na forma regulamentar, os autos seguiram à Consultoria Geral que exarou parecer no sentido de conhecer do recurso e, no mérito, que lhe fosse dado provimento, modificando a decisão recorrida, sugerindo o registro do ato de aposentadoria.

O Ministério Público Especial, a sua vez, opinou por acompanhar a manifestação da Consultoria Geral (fls. 77).

É o breve relatório.

 

II – DISCUSSÃO

O Recurso de Reexame interposto pelo interessado Ademar Felisky preenche os requisitos de cabimento e tempestividade.

A denegação do registro do ato de aposentadoria do servidor municipal de Ilhota, Decreto nº 004, datado de 07 de janeiro de 1998, deu-se em face da ausência de laudo médico oficial expedido pela junta médica do município e de certidão de averbação de tempo de serviço expedida pelo INSS, bem como pela utilização de tempo especial “convertido” para comum, para fins de contagem de tempo de serviço.

O recorrente manifestou-se somente quanto à última irregularidade, sob os argumentos, em apertada síntese, de que a ausência legislativa que permitisse tal conversão, tão somente, não poderia vedar a concessão da aposentadoria em questão.

O Órgão Consultivo (COG) procedeu à instrução do presente processo e através do parecer n. 01/2010 (fls. 45 a 75) sugeriu que o recurso fosse conhecido e, no mérito, que lhe fosse dado provimento, modificando a decisão recorrida para registrar o ato de aposentadoria, por haver transcorrido mais de 05 (cinco) anos da expedição do ato analisado nestes autos e a decadência do direito da Administração de anulá-los e/ou revê-los.

A conclusão final emitida pela Consultoria Geral, possibilitando o registro do ato sob análise, toma por substrato o entendimento que, originariamente emanadas de decisões do Poder Judiciário Catarinense e de posicionamento adotado em outros Tribunais de Contas, acabou sendo acolhido em precedentes desta própria Corte, que passou a admitir o registro de atos de inativação ou pensão pelo decurso do cogitado prazo decadencial, não obstante a existência de restrições que pudessem impedir a declaração de legitimidade do ato (Processos REC 07/00328319, APE 08/00395964, APE 09/00662867, APE 09/00393513, PPA 09/00036249, APE 09/00389915).

Ao que tudo indica – considerando as discussões que antecederam a adoção deste posicionamento – trata-se de questão já pacificada no egrégio Plenário desta Corte, restando a este signatário conferir identidade de tratamento aos processos sob sua relatoria, não obstante as ressalvas pessoais que mantenho relativamente ao posicionamento assumido pela Colenda Corte, pelos seguintes fundamentos de fato e de direito, expostos apenas a título de argumentação.

Primeiramente, considero imprópria qualquer alusão a uma suposta aceitação pacífica desta interpretação no Supremo Tribunal Federal, havendo no âmbito do pretório Excelso jurisprudência que: i) ainda considera a natureza complexa do ato de aposentadoria, o que impediria a incidência do prazo decadencial do art. 54 da Lei n. 9.784/99 enquanto não perpectibizado o ato (MS 26.619/DF, DJe. 092, Pub. 23.05.2008, Tribunal pleno, Rel. Ministro Marco Aurélio; MS 25.552-8/DF, DFe. 097, Pub. 30.05.2008, Tribunal Pleno, Rel. Ministra Carmén Lúcia; MS 26.085/DF, DJe. 107, Pub. 13.06.2008, Tribunal Pleno, Rel. Ministra Carmén Lúcia; MS 25.072/DF, Dje. 0047, Pub. 27.04.2007, Tribunal Pleno, Ministro Marco Aurélio); e, ii) que considera que o transcurso do prazo de cinco anos, entre a concessão da aposentadoria e a eventual denegação do registro faz surgir para o beneficiário, não o direito ao imediato registro, mas sim o direito a participação no processo, em nome do princípio da segurança jurídica, conjugado ao do contraditório e da ampla defesa (MS 24.448/DF, DJe. 142, Pub. 14.11.2007, Tribunal Pleno, Ministro Carlos Ayres de Brito; MS 26.353, Dje. 041, Pub. 07.03.2008, Tribunal Pleno, Ministro Marco Aurélio; MS 25.116, Rel. Ministro Carlos Ayres de Brito, decisão ainda pendente de conclusão). Ou seja, não há nenhum entendimento pacífico que assegure a possibilidade de imediato e automático registro do ato pelo mero decurso de tempo.

A mesma divergência também pode ser encontrada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, não havendo sólida orientação jurisprudencial (apenas decisões isoladas) consagrando a possibilidade de imediato registro do ato, pelos Tribunais de Contas, após o transcurso do prazo de cinco anos.

A par dito, também convém destacar que a adoção por analogia do prazo da Lei nº 9.784/1999 desconsidera a existência no ordenamento de outro dispositivo cuja aplicabilidade se revela muito mais pertinente em face da similitude de situações, qual seja, o disposto no art. 103-A da Lei n. 8.213/1991, que dispõe:

Art. 103-A. O direito da Previdência Social de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os seus beneficiários decai em dez anos, contados da data em que forem praticados, salvo comprovada má fé.

§ 1º No caso dos efeitos patrimoniais contínuos, o prazo decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.

§ 2º Considerar-se-á exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.

(Artigo com redação dada pela Lei n. 10839, de 05.02.2004)

A vingar o prazo decadencial de 05 (cinco) anos para as aposentadorias do regime próprio e o de 10 (dez) anos para o regime geral de previdência social, consolidar-se-á mais uma indesejada forma de diferenciação de tratamento entre as aposentadorias do regime próprio e do regime geral, que poderá ser encarado como injustificável forma de privilégio aos beneficiários do primeiro regime.

Destaque-se, ademais, que o circunstancial afluxo de inúmeros processos de concessão de aposentadorias ou pensões, com datas relativamente antigas, não é decorrência de um inesperado arroubo de moralidade e legitimidade dos diversos entes jurisdicionados ou um cortejo à competência desta Corte de Contas. O interesse subjacente limita-se ao preenchimento das condições para compensação financeira com o Regime Geral de Previdência Social, servindo o Tribunal de Contas como simples etapa formal para atendimento das exigências do órgão previdenciário federal. A simplificação de julgamento, neste cenário, antes de contribuir para a diminuição do estoque processual, poderá fomentar o encaminhamento de outros tantos antigos atos de aposentadoria e pensão que serão “garimpados” diante da perspectiva de contrapartida financeira através de mecanismos de compensação entre os regimes de previdência.

E no núcleo de toda esta discussão, não se poderia olvidar quão preocupante se revela a gradual simpatia que, mesmo interna corporis, tem merecido as doutrinas que negam a natureza complexa dos atos submetidos a registro do Tribunal de Contas. Tal postura, sem os cuidados investigativos necessários à compreensão das razões históricas e institucionais que fizeram vicejar tão tradicional teoria, representa mera renúncia a mais eficaz forma de controle franqueada aos Tribunais de Contas, que apenas nesta hipótese detém a prerrogativa de interferir, direta e indiretamente, na relação jurídica inicialmente constituída pela Administração Pública (pois sem o registro o ato não se perfectibiliza).

Em que pesem as razões acima expostas, reitero que diante de posição legitimamente já consolidada no âmbito desta Corte, através de fundamentadas razões levadas à deliberação do Plenário, inclino-me a adoção do entendimento majoritário, tendo em vista a necessidade de que seja resguardada a uniformidade de tratamento e em respeito ao entendimento, em inúmeros processos, já endossado pela área técnica, pelo Ministério Público e pelos membros deste Tribunal.

 

III - VOTO

Considerando o mais que dos autos consta, não obstante as ressalvas deste Relator, acolho o parecer técnico exarado pela Consultoria-Geral, assim como a manifestação do Ministério Público Especial, propugnando a este Egrégio Tribunal Pleno a decisão que ora submeto a sua apreciação:

6.1 – Conhecer do Recurso de Reexame, nos termos do art. 80 da Lei Complementar n. 202/2000, interposto contra a Decisão n. 4210/2007, exarada na sessão ordinária de19/12/2007, nos autos do Processo n. SPE 07/00325484 e, no mérito, dar-lhe provimento, para:

6.1.1.  Modificar a redação do item 6.1 da decisão recorrida, conferindo-lhe a seguinte redação:

“6.1 – Ordenar o registro, nos termos do art. 34, II, c/c o art. 36, § 2º, “b”, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, do ato de aposentadoria de Valdir Becker, da Prefeitura Municipal de Ilhota, matrícula n. 172, no cargo de Operário Braçal, nível I, Grupo V, CPF n. 624.563.699-04, PASEP n. 10233586560, consubstanciado no Decreto n. 004/1998”.

6.1.2. Desconsiderar as determinações contidas nos itens 6.2 e 6.3 da decisão recorrida.

6.2 – Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam, bem como do Parecer COG n. 01/2010, ao Sr. Ademar Felisky - Prefeito Municipal de Ilhota no exercício de 2008 e à Prefeitura Municipal de Ilhota.

 

Gabinete, em 05 de abril de 2010.

 

 

 

Cleber Muniz Gavi

Auditor Substituto de Conselheiro

Relator