ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO

 

 

PROCESSO:                        DEN 08/00435931

UG/CLIENTE:                       Prefeitura Municipal de Penha

RESPONSÁVEIS:     Evandro Eredes dos Navegantes – Prefeito Municipal

                                    Julcemar Alcir Coelho – ex-Prefeito Municipal

DENUNCIANTE:       Associação de Defesa do Contribuinte de Praia Grande e Penha

ASSUNTO:                Prestação de serviço de transporte coletivo municipal.

 

 

DENÚNCIA. PROCEDENTE. MULTA. DETERMINAÇÃO.

Transporte coletivo municipal. Licitação.

A concessão de serviço público de transporte coletivo municipal se submete ao devido processo licitatório, na modalidade concorrência.

 

I – RELATÓRIO

Trata-se de Denúncia apartada dos autos n. DEN 08/00435931, formulada pela Associação de Defesa do Contribuinte de Praia Grande e Penha, a respeito da ocorrência de irregularidades na prestação de serviço de transporte coletivo municipal da Prefeitura de Penha.

Os documentos seguiram para análise da Diretoria de Controle de Licitações e Contratações - DLC, que sugeriu a audiência dos Responsáveis, Sr. Julcemar Alcir Coelho, ex-Prefeito Municipal, e Sr. Evandro Eredes dos Navegantes, atual Prefeito Municipal (Relatório n. 46/2009, fls. 53-59).

No despacho de fls. 59, este Relator determinou a citação dos Responsáveis nominados no relatório de auditoria.

As razões de defesa foram apresentadas pelo Sr. Evandro Eredes dos Navegantes nas fls. 64-489 e 492-810, e pelo Sr. Julcemar Alcir Coelho nas fls. 812-1557.

A DLC examinou as justificativas, concluindo pela manutenção da irregularidade para sugerir ao Relator a aplicação de multa aos gestores e a assinatura de prazo para que a Prefeitura Municipal regularize a concessão do transporte público coletivo (Relatório n. 96/2010, fls. 1560-1570).

O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas se manifestou no Parecer nº MPTC/1.130/2011, acompanhando a análise procedida pela Equipe Técnica. Também opinou “pela imediata comunicação ao Ministério Público Estadual, para fins de subsidiar eventuais medidas em razão da possível tipificação de ato de improbidade administrativa, nos termos do art. art. 11, incisos I e II, da Lei nº 8.429/92; e do crime previsto no art. 92 da Lei 8.666/93” (fls. 1571-1581).

Vieram os autos conclusos.

É o relatório.

 

II – DISCUSSÃO

A partir do exame preliminar da matéria, a Equipe Técnica apontou a irregularidade na concessão de serviços públicos de transporte coletivo à empresa Coletivo Transpenha Ltda. em razão da não realização do devido processo licitatório e da ausência de lei autorizativa, caracterizando ofensa ao art. 175 da Constituição Federal, art. 2º, II, da Lei 8.987/95 e art. 2º da Lei 9.074/95. (Relatório n. 46/2009, fls. 53-59).

O Sr. Evandro Eredes dos Navegantes alegou que a concessão irregular dos serviços já vinha ocorrendo quando assumiu a gestão da prefeitura, destacando que a prorrogação da concessão à empresa Coletivo Transpenha Ltda., até 31/12/2009, “levou em consideração o princípio da continuidade do serviço público, uma vez que não poderia interromper um serviço essencial de transporte coletivo, até que fossem finalizados o levantamento técnico e a abertura do processo licitatório”. Por fim, comprometeu-se a realizar a licitação no segundo semestre de 2009 (fls. 64-68).

O Sr. Julcemar Alcir Coelho apresentou uma breve retrospectiva da concessão do serviço de transporte coletivo no município para informar que “não existe até o momento concessão a qualquer empresa, sendo três empresas intermunicipais que oferecem o serviço: Auto Viação Rainha Ltda, Coletivo Transpenha Ltda, Auto viação Catarinense Ltda, transportando os Munícipes diariamente”. Aduz, ainda, que essas empresas atuam no município por meio de uma “autorização precária” (fls. 812-819).

A Equipe Técnica rechaçou os argumentos de defesa, concluindo pela manutenção da restrição.

Preliminarmente, observo que os Responsáveis também se manifestaram sobre os contratos para aquisição de blocos de passe escolar. Contudo, essa questão não deve ser conhecida pela Corte, pois não foi objeto de análise no presente processo.

Quanto às demais razões de defesa, observo que os Responsáveis confirmaram a inexistência de licitação para concessão de serviços públicos, infringindo o art. 175 da Constituição Federal, bem como o disposto no art. 2º, II, da Lei n. 8.987/95.[1]

Por oportuno, transcrevo a evolução histórica dos fatos descrita pela Instrução nas fls. 1564 e 1565, revelando a ocorrência de sucessivas prorrogações, ao arrepio do que determinam as leis que regem a matéria:

 

- Existe lei municipal autorizativa outorgando a concessão para a exploração do serviço público de transporte coletivo de passageiros no Município de Penha, a primeira lei é data de 06 de maio de 1968 (fls. 72 a 74);

- Em 29 de janeiro de 1990 foi editada a Lei n. 1.059/90 criando o serviço de transporte coletivo de passageiros e autorizando a sua concessão (fls. 75 e 76) por 10 anos, sendo que em 31 de janeiro de 1990 foi editado o Decreto nº 006/90 regulamentando o serviço;

- Em 05 de março de 1990 foi editada a Lei 1.064/90 autorizando a celebração de convênio com a empresa de Transportes Coletivo Penha Ltda. para a concessão da exploração do serviço público de transporte coletivo pelo período de 10 anos;

- Em 07 de março de 1990 foi firmado o Convênio entre a empresa de Transportes Coletivo Penha Ltda. e o Município de Penha (fls. 78  e 79);

- Através da Lei 1.721/2001 (fls. 850) [mais corretamente: Lei 1.721/2000] ficou prorrogado o prazo de duração constante do art. 2º da Lei 1.064/90, prorrogado por mais 05 (cinco) anos a vigência da concessão da exploração do serviço de transporte coletivo, extinguindo, portanto em 2005. 

Após a Lei 1.721/2001 [mais corretamente: Lei 1.721/2000], ou seja, depois de 2005, a concessão passou a ser autorizada através de Decreto, inicialmente pelo prazo de 6 (seis) meses, sendo que os últimos permitiram a exploração por mais de anos. Segue abaixo todos os decretos editados pelo município de Penha que tinham por objeto a concessão da exploração do serviço de transporte coletivo em favor da empresa Coletivo Transpenha Ltda.

 

Decreto

Prazo

Evidência (fls)

[...]

[...]

[...]

053/01 – 31/01/01

06 meses

844

006/06 – 02/01/2006

Autorização até 31/12/2006, publicado em 02/01/2006

845

009/07 – 09/01/2007

Autorização até 31/12/2008, publicado em 09/01/2007

847

137/09 – 02/03/2009

Autorização até 31/12/2009, publicado em 09/01/2009

857


 

 

Analisando a responsabilidade individual dos gestores, aponta-se a omissão do Sr. Julcemar Alcir Coelho, que durante o exercício do mandato de Prefeito Municipal - entre 1º/01/2001 e 31/12/2008 - optou pela prorrogação da concessão através de decreto, em flagrante prejuízo à realização do devido processo licitatório.

Por seu turno, o Sr. Evandro Eredes dos Navegantes assumiu a prefeitura em 1º/01/2009. Em 02/03/2009, editou o Decreto n. 137/09 prorrogando a concessão até 31/12/2009 sob o argumento de que “não poderia interromper um serviço essencial de transporte coletivo, até que fossem finalizados o levantamento técnico e a abertura do processo licitatório” (fl. 66). Em sua petição de defesa, datada de 05/05/2009, o Responsável se comprometeu a efetuar a licitação no segundo semestre de 2009. Todavia, em consulta realizada no Sistema de Controle de Processos deste Tribunal, verifica-se que até o presente momento não foi registrado qualquer edital de concorrência referente a este objeto.[2]

Em relação à conclusão do Corpo Instrutivo acerca da ausência de lei autorizativa, exigida pelo art. 2º da Lei 9.074/95, acompanho o parecer exarado pelo Ministério Público Especial, para considerar que a matéria está amparada na Lei (municipal) n. 1.059/90 (fls. 75/76).

O Ministério Público também se manifestou no sentido de que este Eg. Plenário determine à Prefeitura Municipal a abertura de licitação pública para correção da irregularidade apontada. Nesse ponto, o parecer lavrado pelo Procurador Dr. Diogo Roberto Ringenberg considerou desnecessária a audiência da empresa que presta o serviço de transporte público no município, observando que:

 

[...] a relação existente entre a empresa concessionária e o Município, consoante as informações destes autos, já se escora sob o pálio da provisoriedade, para usar da expressão manejada por um dos Gestores, não encontrando respaldo em contrato algum, ou se, eventualmente algum tiver sido firmado, carece este do mais elementar substrato de validade, posto que totalmente desprovido de amparo legal.

 

Realmente, a ponderação colacionada pelo Ministério Público vem ao encontro da natureza precária do ato em que se fundamenta a relação do concessionário com a Administração Pública. Também não se deve perder de vista que o art. 43 da Lei n. 8.987/95 “condenou” à extinção todas as concessões de serviços públicos outorgadas sem licitação na vigência da Constituição de 1988.[3] Dessa forma, compartilho do entendimento da Douta Procuradoria, revelando-se impertinente a inclusão da concessionária nesse processo de fiscalização.

Por fim, acolho a manifestação do Ministério Público Especial no sentido de remeter cópia dos autos ao Ministério Público Estadual “em razão da possível tipificação de ato de improbidade administrativa, nos termos do art. art. 11, incisos I e II, da Lei nº 8.429/92; e do crime previsto no art. 92 da Lei 8.666/93”, a quem caberá a análise valorativa da matéria.

Ante o exposto, e considerando o período de gestão dos Responsáveis, condeno o Sr. Julcemar Alcir Coelho ao pagamento de multa no valor de R$ 1.000, e o Sr. Evandro Eredes dos Navegantes em multa no valor de R$ 500.     

 

III - VOTO

Estando os autos instruídos na forma Regimental, considerando o parecer do Ministério Público Especial e o relatório da instrução dos quais adoto, em parte, os fundamentos, proponho a este egrégio Plenário o seguinte VOTO:

1. Considerar irregular, com fundamento no art. 36, § 2º, alínea “a”, da Lei Complementar nº 202/2000, a concessão da prestação de serviços públicos de transporte coletivo do Município de Penha à empresa Coletivo Transpenha Ltda., em desacordo com o art. 175 da Constituição Federal e art. 2º, II, da Lei 8.987/95 (item 2.2 do Relatório n. 96/2010).

2. Aplicar ao Sr. Julcemar Alcir Coelho, Prefeito Municipal entre 1º/01/2001 e 31/12/2008, CPF 451.071.069-00, endereço Rua José Inácio Souza, 150, Praça Quilombo, Centro, CEP 88.385-000, Penha/SC e ao Sr. Evandro Eredes dos Navegantes, atual Prefeito Municipal, CPF 004.832.339-00, endereço Rua Antônio João Martins, 100, Centro, CEP 88.385-000, Penha/SC, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar nº 202/00 c/c o art. 109, II do Regimento Interno, as multas a seguir especificadas, fixando-lhes o prazo de 30 dias a contar da publicação do Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovar ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos artigos 43, II, e 71 da Lei Complementar nº 202/2000:

2.1 Sr. Julcemar Alcir Coelho: R$ 1.000,00 (mil reais) pela a concessão irregular da prestação de serviços públicos de transporte coletivo do Município de Penha à empresa Coletivo Transpenha Ltda., em desacordo com o art. 175 da Constituição Federal e art. 2º, II, da Lei 8.987/95 (item 2.2 do Relatório n. 96/2010). 

2.2 Sr. Evandro Eredes dos Navegantes: R$ 500,00 (quinhentos reais) pela concessão irregular da prestação de serviços públicos de transporte coletivo do Município de Penha à empresa Coletivo Transpenha Ltda., em desacordo com o art. 175 da Constituição Federal e art. 2º, II, da Lei 8.987/95 (item 2.2 do Relatório n. 96/2010).

3. Determinar à Prefeitura Municipal de Penha com fundamento no art. 1º, XII, da Lei Complementar n. 202/2000, e sob pena de possível sujeição à sanção prevista no art. 70, inciso III, da Lei Complementar n. 202/2000:

3.1 a doção de providências no sentido da abertura de licitação pública, na modalidade concorrência, para a escolha da nova concessionária de serviços de transporte municipal, fazendo prova à Corte no prazo de 90 dias;

3.2 após a homologação do certame licitatório, a anulação da prorrogação irregular da prestação do serviço público de transporte coletivo.

4. Representar ao Ministério Público Estadual, com fundamento no art. 59, XI, da Constituição Estadual, e nos arts. 1º, XIV, e 65 da Lei Complementar n. 202/2000, para fins de subsidiar eventuais medidas em razão da aparente tipificação de ato de improbidade administrativa, nos termos do art. art. 11, incisos I e II, da Lei nº 8.429/92, e do crime previsto no art. 92 da Lei 8.666/93.

5. Determinar à Secretaria Geral deste Tribunal, que acompanhe a deliberação constante do item 3 e comunique à Diretoria Geral de Controle Externo - DGCE, após o trânsito em julgado, acerca do cumprimento da determinação para fins de registro no banco de dados e encaminhamento à Diretoria de Controle competente para juntada ao processo de contas do gestor.

6. Dar ciência da decisão com remessa de cópia do Relatório nº 96/2010 e do Voto que a fundamentam aos Responsáveis e a seus Advogados (fl. 69), ao Poder Legislativo de Penha, ao responsável pelo controle interno municipal, à Prefeitura Municipal de Penha e ao Denunciante.

Gabinete, em 16 de maio de 2011.

 

Cleber Muniz Gavi

Auditor Substituto de Conselheiro

Relator



[1] CF. Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Lei n. 8.987/95. Art. 2o Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se: [...] II - concessão de serviço público: a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado; [...]

[2] Em 16/05/2011.

[3] Art. 43. Ficam extintas todas as concessões de serviços públicos outorgadas sem licitação na vigência da Constituição de 1988.