Processo n°

REC 08/00494008

Unidade Gestora

Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina

Recorrente

Sr. Ademar Koerich

Assunto

Recurso de Reexame (art. 80, LC n° 202/2000) do Processo n° SPE 05/04239325

Relatório n°

08/2010

 

 

1.   Relatório

                 

Trata-se de Recurso de Reexame interposto pelo Sr. Ademar Koerich, Consultor Legislativo da Procuradoria de Finanças da Assembleia Legislativa de Santa Catarina – ALESC -, em face da Decisão n° 1992/2008[1], exarada nos autos do Processo SPE 05/04239325, a qual denegou o registro do ato aposentatório do servidor Benjamin Lino da Silva Filho e determinou à Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina que adotasse providências no sentido da cessação do pagamento dos proventos ao referido servidor, nos seguintes termos:

 

O TRIBUNAL PLENO, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro nos arts. 59 da Constituição Estadual e 1° da Lei Complementar n. 202/2000, decide:

 

6.1. Denegar o registro, nos termos do art. 34, II, c/c o art. 36, §2º, "b", da Lei Complementar n. 202/2000, do ato aposentatório de Benjamin Lino da Silva Filho, servidor da Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina, matrícula n. 1035, no cargo de Assistente Legislativo, nível PL/ATM-09-J, CPF n. 341.854.299-91, PASEP n. 1007681638-6, consubstanciado no Ato da Mesa n. 669, de 15/06/2004, retificado pelo Ato da Mesa n. 118, de 1º/06/2007, considerado ilegal conforme pareceres emitidos nos autos, em face da concessão de aposentadoria por invalidez com proventos integrais quando o correto seria com proventos proporcionais, conforme art. 40, § 1°, I, da Constituição Federal com redação dada pelo art. 1° da Emenda Constitucional n. 41/2003 e decisão prolatada neste Tribunal no Processo COM-04/01320308.

 

6.2. Determinar ao Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina, que, no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação desta decisão no Diário Oficial Eletrônico deste Tribunal de Contas, adote providências visando à cessação do pagamento dos proventos, comprovando-as a este Tribunal, em função da denegação do registro da aposentadoria, considerada ilegal, nos termos do que dispõe o art. 41, § 1º, da Resolução n. TC-06/2001 (RI do TCE/SC), sob pena de responsabilidade da autoridade administrativa omissa, ou interponha recurso, conforme previsto no art. 79 da Lei Complementar n. 202/2000.

 

6.3. Determinar à Diretoria de Controle da Administração Estadual – DCE, deste Tribunal, que, após transitada em julgado a decisão, inclua na sua programação de auditorias a averiguação dos procedimentos adotados, pela Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina, decorrentes da denegação de registro de que trata o item 6.1 desta deliberação.

 

6.4. Dar ciência desta Decisão, do Relatório e Voto do Relator que a fundamentam, bem como do Relatório de Reinstrução DCE/Insp.4/Div.10 n. 369/2008, à Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina.

 

A Consultoria Geral – COG – através do Parecer n° 746/09 sugeriu o conhecimento e provimento do presente recurso, a fim de ordenar o registro do ato de aposentadoria do servidor, no que foi secundada pelo Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, nos termos do Parecer n° 7.061/2009.

 

2.   Voto

 

 

O recorrente, Sr. Ademar Koerich, Consultor Legislativo da Procuradoria de Finanças da Assembleia Legislativa de Santa Catarina – ALESC -, objetiva, com o presente recurso, a reforma da decisão que denegou o registro do ato de aposentadoria do servidor Benjamin Lino da Silva Filho por esta Corte de Contas, ao argumento central da legalidade do referido ato aposentatório com pagamento de proventos integrais, e não proporcionais.

 

A Consultoria Geral, por sua vez, sugeriu o registro do ato aposentatório, por ter operado a decadência do direito da Administração Pública de anular/rever o referido ato (art. 54 da Lei n° 9.794/99).

 

É de conhecimento geral dos membros deste Egrégio Plenário o grande número de processos referentes a aposentadorias de servidores públicos existentes nesta Corte de Contas em relação aos quais há Processos Judiciais em trâmite no Poder Judiciário Catarinense.

 

Ciente desta importante questão, este Relator entendeu fundamental requerer um estudo aprofundado junto à Diretoria Geral de Controle Externo – DGCE – desta Casa, na pessoa do Diretor Geral, Sr. Carlos Tramontin, e à Diretoria de Controle de Atos de Pessoal – DAP -, na pessoa do Diretor Sr. Reinaldo Gomes Ferreira, acerca da possibilidade de adoção do mesmo procedimento utilizado pelo Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, que determinou o registro de todos os atos aposentatórios com mais de 5 (cinco) anos, motivado pelas decisões majoritárias dos Tribunais Superiores.

 

O entendimento do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais restou assim sumulado:

 

SÚMULA 105 TCE/MG

Nas aposentadorias, reformas e pensões concedidas há mais de cinco anos, bem como nas admissões ocorridas em igual prazo, contado a partir da entrada do servidor em exercício, o Tribunal de Contas determinará o registro dos atos que a Administração já não puder anular, salvo comprovada má-fé.

 

Vale ressaltar que a apreciação, para fins de registro, da legalidade das concessões de aposentadorias, reformas e pensões de servidores públicos é competência constitucional do Tribunal de Contas do Estado, conforme preceitua o art. 59, inciso III, da Constituição do Estado de Santa Catarina, in verbis:

 

Art. 59. O controle externo, a cargo da Assembléia Legislativa, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas do Estado, ao qual compete:

III - apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório; (grifou-se)

 

O Exmo. Auditor das Contas Públicas do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco, Sr. Flávio Germano de Sena Teixeira, em sua obra “O Controle das Aposentadorias pelos Tribunais de Contas”, assim destaca acerca dessa função constitucional atribuída aos Tribunais de Contas[2]:

Em síntese, os Tribunais de Contas exercem funções variadas, sempre com plena independência e autonomia, ora, porém, atuando em auxílio das Casas Legislativas, ora agindo sem a elas se reportar, como lhe concede a Constituição, nessa segunda hipótese, decidindo terminantemente sobre os assuntos submetidos ao seu controle. O controle das aposentadorias insere-se nesta última categoria. (grifou-se).

 

Para o Exmo. Auditor Flávio Germano de Sena Teixeira[3], o registro das aposentadorias pelos Tribunais de Contas tem os seguintes efeitos:

6. O registro das aposentadorias pelas Cortes de Contas é ato declaratório-constitutivo. Não só reconhece o direito já existente à aposentadoria, mas modifica a situação jurídica do seu beneficiário, conferindo-lhe estabilidade, no âmbito da Administração. São efeitos do registro: a intangibilidade do ato pelo órgão emitente e pela Administração; a definitividade da eficácia do ato de aposentação, na esfera administrativa, salvo decisão judicial em contrário, e a regularidade da despesa dele defluente. (grifou-se).

 

Considerando a necessidade desta Corte de Contas zelar pela competência constitucional que lhe é conferida e atenta ao interesse social abrangido na matéria, a Diretoria de Controle de Atos de Pessoal elaborou o estudo requerido, cuja conclusão foi no sentido de ordenar o registro dos atos de aposentadoria e pensões expedidos há mais de 5 (cinco) anos, sendo abordadas as seguintes questões no Relatório n° 2.710/2009, emitido nos autos do Processo APE 08/00395964, de minha Relatoria:

- apenas a partir do ano de 2001 o Tribunal de Contas passou a analisar para fins de registro todos os atos de aposentadorias e pensões dos municípios com regime próprio de previdência;

 

- em muitos processos nos quais o Tribunal de Contas identificou irregularidades, fazendo determinações às Unidades para que as sanassem, já havia decorrido mais de 5 (cinco) anos da concessão da aposentadoria e/ou pensão, o que levou os aposentados e pensionistas a ingressarem com ações judiciais visando assegurar seus direitos, tornando inócuas as determinações desta Casa;

 

- o problema social gerado pela modificação de situações de fato consolidadas, tais como alterações na situação financeira ou retorno à ativa de servidores já aposentados, muitos em idade avançada ou com problemas de saúde, gerando insatisfação e descrédito no Poder Público;

 

- a adoção de posicionamento neste mesmo sentido no âmbito dos Tribunais de Contas dos Estados do Paraná, Minas Gerais e Amazonas;

 

- a ponderação de princípios constitucionais, devendo, no caso, o princípio da segurança jurídica, bem como os princípios da boa-fé, da razoabilidade e da dignidade da pessoa humana, ter supremacia em relação ao princípio da legalidade;

 

- a existência de vasta gama de recentes decisões, do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e de Tribunais Pátrios, determinando a aplicação do prazo de cinco anos em processos que tenham por objeto o exame de legalidade dos atos concessivos de aposentadorias, reformas e pensões, em atenção à estabilidade das relações jurídicas preconizada no art. 54 da Lei n° 9.784/1999;

- os recentes entendimentos de juristas acerca de o ato de aposentadoria não ser um ato complexo, ou seja, que se aperfeiçoaria somente após o exame de legalidade pelas Cortes de Contas;

 

Coaduno com o entendimento e a conclusão a que chegou a Diretoria de Controle de Atos de Pessoal – DAP - desta Casa, bem como a Consultoria Geral – COG -, já que não se pode olvidar o impacto social que a matéria envolve (aposentadorias e pensões concedidas há mais de cinco anos), ainda que em certos casos em detrimento ao princípio da legalidade.

 

O art. 54 da Lei n° 9.784/1999 assim prevê:

 

Art. 54 – O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em 5 (cinco) anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.

 

Em comentários ao artigo supracitado, Cristiana Fortini[4], na obra “Processo Administrativo – Comentários à Lei n° 9.784/1999”, destaca acerca do princípio da segurança jurídica, da prescrição e decadência administrativas:

 

O dispositivo em apreço cuida do tema da segurança jurídica, ao fixar prazo para que a anulação tenha lugar.

Não se discute que a segurança jurídica é princípio fulcral do Estado de Direito, tendo em vista a premência de solidificar as relações jurídicas, tornando-as perenes.

Almiro do Couto e Silva, cuja obra consegue a façanha de ser o ponto de partida e de chegada sobre o tema da segurança jurídica, teceu ao longo dos anos duras críticas ao apego excessivo ao princípio da legalidade em detrimento do princípio da segurança jurídica. (grifou-se).

 

Complementando a jurisprudência já colacionada pela área técnica, cito ainda outras decisões, extraídas da obra mencionada acima[5]:

Administrativo – Mandado de segurança – Servidor público – Processo administrativo disciplinar – Aposentadoria – Cassação – Impossibilidade – Decadência – Lei n. 9.784/99, art. 54, § 1°. No caso sub judice, tendo a impetrante se aposentado em 10.10.1992 e o benefício sido cassado após a conclusão do processo administrativo disciplinar n. 35.301.010672/97-56, instaurado em 09.07.1998, verifica-se a extrapolação do prazo de cinco anos entre a concessão da aposentação e a instauração do procedimento. Desta forma, nula é a Portaria n. 6.637/2000, já que a Administração Pública não poderia revisar tal ato em razão da prescritibilidade dos seus atos (MS n. 7.226-0 – DF. Relator Ministro Jorge Scartezzini. Terceira Seção. Unânime. DJA 28.10.2002. RSTJ 164/423). (grifou-se).

 

Administrativo. Servidor público. Aposentadoria. Retificação. Decadência do direito de seu exercício. Autocontrole administrativo. Procedimento administrativo. Ausência. Impossibilidade da retificação. – O poder-dever da Administração Pública de rever seus atos administrativos acoimados de erro esbarra no instituto da decadência administrativa que garante a segurança da coisa julgada no âmbito da própria administração. – A supressão de vantagens funcionais operada pela Administração Pública, a par de sujeitar à preclusão máxima administrativa, submete-se também à exigência do devido processo legal.  – Consumado o prazo decadencial previsto na LE n° 14.184/02 e na Lei Federal n° 9.794/99, a Administração não pode revisar a aposentadoria da apelada (Apelação cível/Reexame necessário n° 1.0024.04.516345-8/004 – Comarca de Belo Horizonte – Relator: Des. Belizário de Lacerda). (grifou-se).

 

 

Administrativo. Mandado de Segurança. Poder de autotutela. Revogação de ato administrativo. Ausência do devido processo legal. Decadência. O Estado utilizando-se do seu poder de autotutela pode anular ou revogar seus próprios atos, quando eivados de nulidades, mas deve respeitar o devido processo legal e a segurança jurídica das relações, observando o lapso temporal máximo de 05 anos da realização do ato, para que seja possível sua revisão. Confirmada a sentença, em reexame necessário. Prejudicado o apelo voluntário (Ap. Cível n° 1.0024.03.087.956-3/001, Rel. Des. Lamberto Sant’Anna, DJ 17.06.2004). (grifou-se).

 

 

Ementa: Servidor público – Proventos de aposentadoria – Redução sumária – Omissão administrativa – Decurso do prazo legal – Decadência consumada – Leis 9.774/99 e 14.184/2002 – Nulidade do ato redutório impugnado – “Mandamus” – Sua concessão. Nada impede que a Administração proceda à revisão do ato de aposentadoria do servidor, desde que o faça com observância do devido processo legal, a ele (servidor) assegurado o exercício do direito à ampla defesa. Todavia, se a Administração se omite e só adota as medidas conducentes à revisão (e, mesmo assim, unilateralmente) após o decurso do prazo de cinco anos, consuma-se, inexoravelmente, a decadência. E consuma-se, porque o direito do Poder Público de nulificar os atos administrativos dos quais resultem efeitos favoráveis aos respectivos benefícios sujeita-se à decadência, ou seja, decai, irremediavelmente, em cinco anos, contados da data em que tiverem sido praticados, salvo a ocorrência de má-fé comprovada “salienter tantum”, a teor do art. 54 da Lei 9.784/1999 e do art. 65 da Lei (estadual) 14.184/2002 (Apelação cível n° 1.0000.00.341715-1/000 – Comarca de Belo Horizonte). (grifou-se).

 

Assim, revendo posicionamento anteriormente adotado, esta Corte de Contas sinaliza a necessidade de, em respeito ao princípio da segurança jurídica, da decadência do poder de autotutela da Administração, do príncípio da razoável duração do processo, da proteção da boa fé do servidor público, da razoabilidade, da dignidade da pessoa humana e por questão de justiça, ordenar o registro dos atos de aposentadoria praticados há mais de 5 (cinco) anos.

 

Nesse sentido este Relator proferiu Voto, nos autos do Processo APE  08/00395964[6], acolhendo os termos do Relatório DAP n° 2710/2009, originando a Decisão Plenária n° 0139/2010, que ordenou o registro do ato aposentatório de Vivaldino Pavelski.

 

Considerando os termos do Parecer COG n° 746/2009 e Parecer MPTC n° 7.061/2009, e com fulcro no art. 224 do Regimento Interno desta Corte de Contas (Resolução n° TC-06/2001), VOTO no sentido de que o Egrégio Plenário acolha a seguinte proposta de decisão:

 

2.1. Conhecer do presente Recurso de Reexame interposto contra a Decisão n° 1992/2008 nos autos do Processo SPE 05/04239325 para, no mérito, dar-lhe provimento, conferindo ao item 6.1 da Decisão n° 1992/2008 a seguinte redação:

 

6.1. Ordenar o registro, nos termos do art. 34, II, c/c o art. 36, § 2°, "b", da Lei Complementar n° 202/2000, do ato aposentatório de Benjamin Lino da Silva Filho, servidor da Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina, matrícula n° 1035, no cargo de Assistente Legislativo, nível PL/ATM-09-J, CPF n° 341.854.299-91, PASEP n° 1007681638-6, consubstanciado no Ato da Mesa n° 669, de 15/06/2004, retificado pelo Ato da Mesa n° 118, de 1°/06/2007, por ter operado a decadência do direito da Administração Pública anular referido ato (art. 54 da Lei n° 9.784/99).

 

2.2 Tornar sem efeito os itens 6.2 e 6.3 da Decisão n° 1992/2008.

 

2.3 Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam, bem como do Parecer COG n° 746/2009, ao recorrente, Sr. Ademar Koerich, Consultor Legislativo da Procuradoria de Finanças da Assembleia Legislativa de Santa Catarina – ALESC.

 

                 Florianópolis, 11 de fevereiro de 2010.

 

 

 

Conselheiro Salomão Ribas Junior

Relator

 

 



[1] Sessão Ordinária de 25.06.2008. Conselheiro Relator César Filomeno Fontes. Publicado no DOTC-e n° 50, de 15.07.2008.

[2] TEIXEIRA, Flávio Germano de Sena. O controle das aposentadorias pelos Tribunais de Contas. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 50.

[3] TEIXEIRA, Flávio Germano de Sena. op. cit., p. 293.

[4] FORTINI, Cristiana. Processo Administrativo: comentários à Lei n° 9.784/1999/Cristina Fortini, Maria Fernanda Pires de Carvalho Pereira, Tatiana Martins da Costa Camarão; Prefácio Clovis Beznos. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 192.

[5] FORTINI, Cristiana. op. cit., p. 190 e 191.

[6] Sessão Ordinária de 08.02.2010. Conselheiro Relator Salomão Ribas Junior. Publicado no DOTC-e n° 437, de 11.02.2010.