PARECER nº:

MPTC/6981/2010

PROCESSO nº:

REP-10/00050987    

ORIGEM:

Prefeitura Municipal de Imbituba

INTERESSADO:

Maria Aparecida Ferreira Jerônimo

ASSUNTO:

Peças de Ação Trabalhista - contratação sem concurso público.

 

 

 

 

 

 

Trata-se de Representação subscrita pela Exma. Sra. Juíza da Vara do Trabalho de Imbituba, Dra. Maria Aparecida Ferreira Jerônimo, por meio do Ofício n° 31/10 de 15.1.2010 (fl. 2), para apreciação dessa Corte de Contas (fls. 2-14).

 Na peça é relatada a ocorrência de supostas irregularidades envolvendo a Prefeitura de Imbituba, relacionada à contratação da Sra. Vanessa Tavares, para exercer as funções de agente comunitária no período de 4.5.2006 a 1.1.2008, sem prévio concurso público e à margem das hipóteses que permitiriam a contratação temporária, em desconformidade com o disposto no art. 37, incisos II e IX, da Constituição Federal.

A Diretoria de Controle de Licitações e Contratações apresentou relatório técnico (fls. 15-18) propondo o conhecimento da Representação e em despacho posterior (fls. 22-23), a audiência do Sr. José Roberto Martins, Prefeito Municipal de Imbituba, para apresentação de justificativas relativas à suposta irregularidade na contratação da Sra. Vanessa Tavares, conforme exposto.

Esta Representante Ministerial manifestou-se nos autos (fls. 20-21) propondo o conhecimento da Representação e a adoção de providências consideradas necessárias pela Diretoria de Controle dos Atos de Pessoal, com vistas à apuração do fato apontado como irregular.

Na mesma linha, o despacho da Relatora (fls. 22-23).

Realizada a audiência, o Sr. José Roberto Martins apresentou os documentos e informações constantes nas fls. 28-55.

A Unidade Técnica apresentou novo relatório (fls. 57-63), concluindo pela procedência da representação, pela irregularidade da contratação da Sra. Vanessa Tavares para função de agente comunitária sem o devido concurso público ou excepcional interesse público e necessidade temporária, configurando afronta ao disposto no art. 37, incisos II e IX, da Constituição Federal, e pela aplicação de multa ao Sr. José Roberto Martins, Prefeito do Município de Imbituba à época dos fatos. 

Após análise de toda a documentação dos autos e consoante informa o relatório técnico, verifico que a irregularidade inicialmente identificada, relativa à contratação já mencionada, permanece inalterada, haja vista que as justificativas apresentadas nos autos não foram capazes de elidir os apontamentos feitos pela instrução.

Veja-se.

Nas suas justificativas, o Prefeito afirma que o objeto jurídico da presente Representação – contratação de servidor temporário sem prévia aprovação em concurso público – já foi tema de investigação por parte do Ministério Público do Trabalho, que resultou no Termo de Ajuste de Conduta n° 0015/2008 (fls. 30-55), sendo este corretamente seguido pelo Município até o momento.

Contudo, é firme a jurisprudência na Suprema Corte ao afirmar que a excepcionalidade à regra constitucional de que o provimento de cargos públicos deve se dar pela realização de concurso não ampara as contratações para atividades permanentes e previsíveis. Nesse sentido, os seguintes julgados:

Servidor público: contratação temporária excepcional (CF, art. 37, IX): inconstitucionalidade de sua aplicação para a admissão de servidores para funções burocráticas ordinárias e permanentes. (ADI 2.987, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 19-2-04, DJ de 2-4-04) [grifei].

A Administração Pública direta e indireta. Admissão de pessoal. Obediência cogente à regra geral de concurso público para admissão de pessoal, excetuadas as hipóteses de investidura em cargos em comissão e contratação destinada a atender necessidade temporária e excepcional. Interpretação restritiva do artigo 37, IX, da Carta Federal. Precedentes. Atividades permanentes. Concurso Público. As atividades relacionadas no artigo 2º da norma impugnada, com exceção daquelas previstas nos incisos II e VII, são permanentes ou previsíveis. Atribuições passíveis de serem exercidas somente por servidores públicos admitidos pela via do concurso público. (ADI 890, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 11-9-03, DJ de 6-2-04) [grifei].

As modificações introduzidas no artigo 37 da Constituição Federal pela EC 19/98 mantiveram inalterada a redação do inciso IX, que cuida de contratação de pessoal por tempo determinado na Administração Pública.

Inconstitucionalidade formal inexistente. Ato legislativo consubstanciado em medida provisória pode, em princípio, regulamentá-lo, desde que não tenha sofrido essa disposição nenhuma alteração por emenda constitucional a partir de 1995 (CF, artigo 246). A regulamentação, contudo, não pode autorizar contratação por tempo determinado, de forma genérica e abrangente de servidores, sem o devido concurso público (CF, artigo 37, II), para cargos típicos de carreira, tais como aqueles relativos à área jurídica. (ADI 2.125-MC, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 6-4-00, DJ de 29-9-00) [grifei].

Portanto, do cotejo entre o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, as disposições contidas na Lei Maior e a questão em análise, parece que se trata de flagrante irregularidade na contratação em apreço.

É oportuno mencionar, nesse sentido, o entendimento expresso pelo Prejulgado 2003, dessa Corte de Contas:

Prejulgado 2003

1. O art. 37, IX, da Constituição Federal autoriza contratações de pessoal de curto prazo, sem concurso público, desde que indispensáveis ao atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público, quer para o desempenho das atividades de caráter eventual, temporário ou excepcional, quer para o desempenho das atividades de caráter regular e permanente.
2. A contratação temporária de pessoal por excepcional interesse público deverá ser regulamentada através de lei de iniciativa do Poder Executivo, a ser aplicada no âmbito dos Poderes e órgãos do ente federado, devendo o instrumento legal estabelecer as condições em que serão realizadas as admissões temporárias de pessoal.

E ainda, o Prejulgado 1664:

Prejulgado 1664

1. O art. 37, inciso IX, da Constituição da República deve ser regulamentado por lei municipal, que indicará os casos de contratação temporária por excepcional interesse público. Tal contratação será obrigatoriamente por prazo determinado, não sendo necessária criação de vagas.

2. É tecnicamente adequado editar uma única lei municipal que preveja situações de excepcional interesse público referidas na Constituição, como por exemplo, a ocorrência de surtos epidêmicos, calamidade pública, execução de serviços essencialmente transitórios, manutenção de serviços que possam ser sensivelmente prejudicados em decorrência de demissão, exoneração ou falecimento de seus executantes, entre outros;

Em cada um desses casos deve a Lei estabelecer prazos máximos de contratação, salários, direitos e deveres, proibição ou possibilidade de prorrogação de contrato e a nova contratação da mesma pessoa, ainda que para outra função, além da responsabilidade a que está sujeita a autoridade administrativa por contratações consideradas irregulares, a teor dos §§ 2º e 4º do art. 37 do Texto Constitucional.

3. É admissível que o Município, num lapso de tempo determinado, até a criação ou provimento definitivo do cargo, utilize-se de pessoal contratado temporariamente para a execução de atividades consideradas essenciais ou mesmo para execução dos serviços cuja natureza seja permanente, vez que, pela justificada premência, não podem ser satisfeitos tão só com a utilização dos recursos humanos de que dispõe a Administração.

Ainda sobre o tema, preleciona José dos Santos Carvalho Filho[1]:

Por fim, tem-se admitido que o concurso público também é inexigível para o recrutamento de servidores temporários. Aqui a dispensa se baseia em razões lógicas, sobretudo as que levam em conta a determinabilidade do prazo de contratação, a temporariedade da carência e a excepcionalidade da situação de interesse público, pressupostos, aliás, expressos no art. 37, inciso IX, da Constituição Federal.

Especificamente acerca do cargo de Agente Comunitário, a obrigatoriedade para a realização de processo seletivo advém, como dito pela instrução, do comando da Emenda Constitucional n. 51/2006. A única ressalva cabível seria àqueles agentes que se encontravam em atividade na data de promulgação da referida emenda (14.2.2006), o que não abrange a presente hipótese, uma vez que a contratação em questão iniciou em 4.5.2006.

Tal entendimento é expressamente consignado por essa Corte de Contas no Prejulgado 1867, in verbis:

Prejulgado 1867

[...]

3. Para a admissão dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) devem ser atendidas as disposições da Emenda Constitucional n. 51, de 14 de fevereiro de 2006, e da Lei Federal n. 11.350, de 05 de outubro de 2006, e, no que couber, o estabelecido no item 2, observado que:

I - efetiva-se através de prévia aprovação em processo seletivo público;

II - ficam dispensados da realização do processo seletivo público os Agentes Comunitários de Saúde que se encontravam em atividade na data da promulgação da EC n. 51 (14/02/2006), desde que tenham sido contratados mediante anterior seleção pública realizada por órgão da administração direta ou indireta do Estado, Distrito Federal ou do Município, ou se por outras instituições, mediante supervisão e autorização da administração direta dos entes da federação (União, Estado, DF ou Município, art. 2º, parágrafo único, da EC n. 51);

III - o enquadramento de situação concreta no art. 2º, parágrafo único, da EC n. 51, de 2006 (realização de anterior processo seletivo público), é condicionado à certificação por órgão ou ente da administração direta dos Estados, DF ou dos Municípios, sobre a existência de anterior processo de seleção pública;

IV - é vedada a admissão e/ou prestação de serviços por Agentes Comunitários de Saúde que não tenham sido submetidos previamente a processo seletivo público, observado o art. 17 da Lei n. 11.350, de 2006, que prevê a possibilidade de permanência dos Agentes Comunitários de Saúde em exercício na data da publicação da Lei (06/10/2006), até a conclusão de processo seletivo público pelo ente federativo (Estado, DF ou Município).

4. A lei municipal de iniciativa do Chefe do Poder Executivo deve estabelecer a forma e condições de realização do concurso público para os profissionais da saúde (médico, enfermeira, técnico ou auxiliar de enfermagem, entre outros), e do processo seletivo público para os Agentes Comunitários de Saúde, definindo os meios e veículos de divulgação a serem utilizados para a ampla publicidade dos editais/avisos de convocação dos interessados e todos os atos subseqüentes.

 

A exceção prevista na Lei n. 11.350/2006 fala da permanência desses mesmos agentes não submetidos previamente à seleção pública, todavia, somente até a conclusão do devido processo seletivo, o que pressupõe um pequeno lapso temporal, apenas o necessário para se concluir os procedimentos necessários à referida seleção.

Tais circunstâncias também não se verificam no presente caso, haja vista que a contratação se estendeu por quase dois anos, mesmo após a promulgação da Emenda Constitucional n. 51/2006.

Ante o exposto, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso II, da Lei Complementar n. 202/2000, manifesta-se pela PROCEDÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO, pela IRREGULARIDADE da contratação da Sra. Vanessa Tavares para o cargo de agente comunitária no período de 4.5.2006 a 1.1.2008, na forma do art. 36, § 2º, alínea “a”, da Lei Complementar nº. 202/2000, e pela APLICAÇÃO DE MULTA ao Sr. José Roberto Martins, Prefeito de Imbituba, na forma prevista no art. 70, inciso II, da referida Lei, em face da irregularidade apontada no item 1 da conclusão do relatório de instrução.

Florianópolis, 8 de novembro de 2010.

 

 

 

 

 

Cibelly Farias

Procuradora do Ministério Público

junto ao Tribunal de Contas

 



[1] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 529.