PARECER nº:

MPTC/7706/2010

PROCESSO nº:

REP-10/00057728    

ORIGEM:

Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa do Cidadão

INTERESSADO:

Marcelo J. Ferlin DAmbroso

ASSUNTO:

Irregularidades nas contratações de pessoal para lotação nos Centros de Atendimento ao Menor Infrator.

 

 

 

 

 

 

Trata-se de Representação subscrita pelo Sr. Marcelo J. Ferlin D’Ambroso, Procurador do Trabalho da Procuradoria Regional do Trabalho da 12ª Região - Florianópolis, para apreciação dessa Corte de Contas.

Na peça é relatada a ocorrência de suposta irregularidade envolvendo a Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa do Cidadão, relacionada à contratação de pessoal temporário (Sr. Dirceu Silvestre Stertz) sem caracterização de excepcional interesse público e sem o prévio concurso público, com possível burla ao art. 37, inciso II, da Constituição Federal. O referido Procurador requisitou, ainda, fiscalização do Tribunal de Contas quanto à contratação e lotação de pessoal nos Centros de Atendimento ao Menor Infrator do Estado (Florianópolis, Lages e Chapecó).

A Diretoria de Controle de Atos de Pessoal apresentou relatório técnico (fls. 105-111) propondo o conhecimento da Representação e a determinação para realização de audiência do responsável, Sr. Paulo Cezar Ramos de Oliveira – Secretário de Estado da Segurança Pública e Defesa do Cidadão de 16.6.1999 a 31.12.2002 com vistas à apuração do fato apontado como irregular.


Na mesma trilha parecer deste Órgão Ministerial (fls.114-116), que manifestou-se, ainda, pela requisição de informações referente a contratações temporárias para os Centros de Atendimento do Menor Infrator do Estado nos Municípios de Florianópolis, Lages e Chapecó.

O Relator em seu despacho (fls. 14-15) determinou a realização de audiência do responsável, requisitou documentos relativos à contratação de Dirceu Silvestre Stertz, e determinou à Diretoria Geral de Controle Externo, que, na elaboração do Plano de Ação do Controle Externo considere os fatos relativos às contratações temporárias nos centros de Atendimento do Menor Infrator do Estado, nos Municípios de Florianópolis, Lages e Chapecó.

Realizada a citação, o responsável encaminhou documentos e informações (fls. 137-150).

A Diretoria de Controle de Atos de Pessoal emitiu relatório técnico conclusivo (fls. 152-163), opinando pela irregularidade da contratação do Sr. Dirceu Silvestre Stertz em caráter temporário para a função de motorista, sem a caracterização de situação de necessidade e excepcional interesse público e ausência de processo seletivo, e pela aplicação de multa ao Sr. Paulo Cesar Ramos de Oliveira, ex-Secretário de Estado da Segurança Pública e Defesa do Cidadão.

A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da entidade em questão está inserida entre as atribuições desta Corte de Contas, consoante os dispositivos constitucionais, legais e normativos vigentes (70 e 71, inciso II da Constituição Federal, arts. 58 e 59, inciso II, da Constituição Estadual, art.


 


1º, incisos III e XI, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, art. 17 da Resolução TCE/SC n. 16/1994 e art. 8° c/c art. 6° da Resolução TCE/SC n. 6/2001).

Da análise do relatório técnico e de toda a documentação que consta nos autos, verifica-se que permanece intacta a irregularidade objeto de audiência, qual seja, contratação temporária do Sr. Dirceu Silvestre Stertz para o cargo de motorista, no período de 1º.1.2000 a 10.8.2001(fl. 144) e de 11.8.2001 a 10.8.2003 (fl. 53), em desacordo com o art. 37, inciso IX, da Constituição Federal.

No presente caso, não se verifica nenhuma hipótese extraordinária que pudesse justificar tal contratação.

À primeira vista, depreende-se que não há como se falar em excepcional interesse público quando a contratação se estendeu por mais de 3 anos, o que por si só já afasta, no meu entender, o critério de temporariedade previsto expressamente no art. 37, inciso IX, da Constituição Federal.

Além disso, é firme a jurisprudência da Suprema Corte ao afirmar que· a excepcionalidade à regra constitucional de que o provimento de cargos públicos devem se dar pela realização de concurso não ampara as contratações para atividades permanentes e previsíveis (como, in casu, motorista).

Nesse sentido, os seguintes julgados:

Servidor público: contratação temporária excepcional (CF. art. 37. IX): inconstitucionalidade de sua aplicação para a admissão de servidores para funções burocráticas ordinárias e permanentes. (ADI 2.987, ReI. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 19-2-04, DJ de 2-4-04) [grifei].

 

 

A Administração Pública direta e indireta. Admissão de pessoal. Obediência cogente à regra geral de concurso público para admissão de pessoal, excetuadas as hipóteses de investidura em cargos em comissão e contratação destinada a atender necessidade temporária e excepcional. Interpretação restritiva do artigo 37, IX, da Carta Federal. Precedentes. Atividades permanentes. Concurso Público. As atividades relacionadas no artigo 2° da norma impugnada, com exceção daquelas previstas nos incisos li e VII, são permanentes ou previsíveis.: Atribuições passíveis de serem exercidas somente por servidores públicos admitidos pela via do concurso público. (AOI 890, ReI. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 11-9­03, DJ de 6-2-04) [grifei].

As modificações introduzidas no artigo 37 da Constituição 'Federal pela EC 19/98 mantiveram inalterada a redação do inciso IX, que cuida de contratação de pessoal por tempo determinado na Administração Pública.

Inconstitucionalidade formal inexistente. Ato legislativo consubstanciado em medida provisória: pode, em princípio, regulamentá-Io, desde que não tenha sofrido essa disposição nenhuma alteração por emenda constitucional a partir de 1995 (CF, artigo 246). A regulamentação. contudo. não pode autorizar contratação por tempo determinado, de forma genérica e abrangente de servidores, sem o devido concurso público (CF. artigo 37, m. para cargos típicos de carreira, tais como aqueles relativos à área jurídica. (ADI 2.125-MC, ReI. Min. Mauricio Corrêa, julgamento em 6-4-00, DJ de 29-9-00) [grifei].

Trago, ainda, por pertinente o comentário de Alexandre de Moraes[1]  em sua obra "Direito Constitucional Administrativo", que apresenta o posicionamento do Supremo Tribunal Federal no sentido de que a norma constitucional que estabelece o concurso público como uma regra para todas as admissões da Administração Pública é um princípio a ser seguido em todas as hipóteses, restringindo-se somente nos casos de exceções expressas na própria Constituição Federal:

Analisando a obrigatoriedade de concurso público para ingresso na Administração Pública, o Supremo Tribunal . Federal afirmou ser intransigente em relação à imposição à efetividade do princípio constitucional do concurso público (STF - Suspensão de Segurança nº. 1.081-6/ES, Diário da Justiça, Seção I, 3 set. 1996, p. 31.187;

 

Suspensão de Segurança nº. 1.082-4/ES, Diário

da Justiça, Seção I, 3 set. 1996, p. 31.189; Suspensão de Segurança nº. 1.085-9/ES, Diário da Justiça, Seção I, 3 set. 1996, p. 31.193, em todos relato r o Ministro-presidente Sepúlveda Pertence), pois a Constituição Federal não permite o ingresso em cargo público ­sem concurso.

 

As exceções ao princípio somente existirão com expressa previsão na própria Constituição. sob pena de nulidade, pois, como acentua Sérgio de Andréa Ferreira, o concurso é "um instrumento de autocontrole preventivo da atuação administrativa, com vistas à consecução do binômio de metas­síntese da administração pública; a legalidade-legitimidade (Iicitude e moralidade) e eficiência [grifei].

Na mesma linha o Procurador-Geral do Tribunal de Contas da União, Lucas Rocha Furtado[2], em sua obra "Curso de Direito Administrativo":

Ao adotar o concurso público como o critério básico para o ingresso no serviço público, a Constituição Federal busca observar, em termos materiais, o sistema do mérito, em que será escolhido para ocupar o cargo público aquele que obtiver a melhor qualificação em seleção objetiva aberta a todos os que preencham os requisitos legais.

Em termos formais ou jurídicos, a adoção do sistema do concurso público para prover os cargos públicos realiza. em primeiro Iugar. o princípio constitucional da impessoalidade. ou isonomia. Ademais, ao impedir a utilização dos cargos públicos para na nomeação a partir de critérios de indicação política, ou de parentes, a regra constitucional do concurso público igualmente dá efetividade à moralidade administrativa [grifei].

E também o jurista José dos Santos Carvalho Filho[3], que destaca os princípios: que fundamentam a obrigatoriedade do concurso público:

O concurso público é o instrumento que melhor representa o sistema de mérito, porque traduz um certame de que todos podem participar nas mesmas condições, permitindo que sejam escolhidos realmente os melhores candidatos.:

Baseia-se o concurso em três postulados fundamentais. O primeiro é o princípio da igualdade, pelo qual se permite que todos os interessados em ingressar no serviço público disputem a vaga em condições idênticas para todos, Depois, o princípio da moralidade administrativa, indicativo de Que o concurso veda


 

favorecimentos e perseguições pessoais. bem como situações de nepotismo. em ordem a demonstrar Que o real escopo da Administração é o de selecionar os melhores candidatos. Por fim, o princípio da competição, que significa que os candidatos participam de um certame, procurando alçar-se a classificação que os coloque em condições de ingressar no serviço público [grifei].

Portanto, do cotejo entre o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, as disposições contidas na Lei Maior e a contratação em análise, entendo que houve flagrante irregularidade na contratação em apreço, a qual não poderia abranger o desempenho de atividade contínua e permanente.

Nas informações prestadas, o responsável alega o desconhecimento da prorrogação da contratação, no entanto, não apresentou nenhuma justificativa específica referente à irregularidade.

Com relação à ausência de um processo seletivo, ainda que simplificado, para a contratação de servidores em caráter temporário, cumpre registrar que tal procedimento fere frontalmente os princípios da impessoalidade e da transparência que deve revestir toda a atividade administrativa.

Nesse sentido, colho das palavras de Maria Sylvia Zanella di Pietro[4] o seguinte comentário:

É preciso que a lei, ao disciplinar esse tipo de contratação, estabeleça regras que assegurem a excepcionalidade da medida, evitando que se transforme em regra geral, a exemplo do que ocorreu na vigência da Constituição anterior, e determine as hipóteses em que a seleção pública é exigível.

 

 

 

 

 

Assim, resta caracterizada e mantida a irregularidade inicialmente identificada pela Unidade Técnica, a qual enseja aplicação de multa, consoante os comandos da Lei Complementar n. 202/2000.

Ante o exposto, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso II, da Lei Complementar n. 202/2000, manifesta-se pela IRREGULARIDADE da contratação temporária do Sr. Dirceu Silvestre Stertz para o cargo de motorista, durante o período de 1º.1.2000 a 10.8.2001 e de 11.8.2001 a 10.8.2003 sem o prévio concurso público, em afronta ao disposto no art. 37, inciso IX da Constituição Federal, e pela APLICAÇÃO DE MULTA ao Sr. Paulo Cesar Ramos de Oliveira, ex-Secretário de Estado da Segurança Pública e Defesa do cidadão, na forma prevista no art. 70, inciso II, da referida Lei.

Florianópolis, 16 de dezembro de 2010.

 

 

Cibelly Farias

Procuradora do Ministério Público de Contas

 

 

 



[1] Direito Constitucional Administrativo. Alexandre de Moraes. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2006.p. 133.

 

[2] Curso de Direito Administrativo. Lucas Rocha Furtado. Belo Horizonte: Fórum, 2007. p. 900.

[3] Manual de Direito Administrativo. José dos Santos Carvalho Filho. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.p. 526.

[4] Direito Administrativo. Maria Sylvia Zanella di Pietro. 10ª Ed. São Paulo: Atlas, 1999.p. 363.