Parecer no:

 

MPTC/5.509/2011

                       

 

 

Processo nº:

 

REC 08/00753550

 

 

 

Origem:

 

Fundação Municipal de Desportos de Blumenau

 

 

 

Assunto:

 

Recurso de Reconsideração (art. 77, da LCE/SC nº. 202/2000).

 

Trata-se de Recurso de Reconsideração formulado pelo Sr. João Marcos Baron, com fundamento no art. 77, da Lei Complementar nº. 202/2000, em face da Decisão Plenária prolatada na Sessão Ordinária de 15-10-2008 (Acórdão 1548/2008 – Processo PCA-084290293).

O Gestor insurgiu-se contra referida decisão nos termos da petição de fls. 04-17. Procedeu à juntada dos documentos de fls. 18-36. Aduz em sua defesa que:

“I – Fundamentos de Fato.

Cuida-se de processo de Contas de Administrador Público referente ao exercício de 1998.

A decisão recorrida aplicou ao administrador então responsável, aqui recorrente, a multa de R$ 1.000,00 (mil reais), em face de despesas realizadas com atletas desportivos semiprofissionais, contra disposição expressa do Decreto nº 2.574/98, vigente à época, e que regulamentava a Lei Federal nº 9.615/98.

Estas despesas, conforme documentado nos autos, foram realizadas no ano de 1998.

O processo começou a tramitar neste Tribunal de Contas no dia 15 de março de 1999 e a aplicação da penalidade pecuniária (multa) foi decidida na sessão plenária do dia multa foi aplicada na sessão do dia 15 de outubro de 2008.

II – Fundamentos de Direito.

Há inúmeras razões para reformar a decisão recorrida que vão desde a inviabilidade de se aplicar multa em razão da fluência do prazo decadencial, até a simples interpretação e aplicação do direito posto.

É o que o requerente pede permissão para deduzir a partir de agora.

2.1. Prazo decadencial (art. 54 da Lei nº 9.784/99).

O Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina estaria sujeito às prescrições da Lei nº 9.784, de 1999, ainda que de forma subsidiária?

A resposta é sim.

Com efeito, dispõe o art. 1º, “caput”, da citada lei, que ela busca estabelecer normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Federal direta e indireta, visando, em especial, à proteção dos direitos dos administradores e ao melhor cumprimento dos fins da Administração.

O dispositivo busca determinar o âmbito de aplicação da Lei nº 9.784/99.

A primeira impressão que se extrai do texto, decorrente da interpretação puramente gramatical, é a de que a lei incide apenas no âmbito da Administração Federal.

Essa assertiva é seguramente verdadeira; no entanto, não responde por completo à questão do âmbito de incidência da Lei nº 9.784/99, e não pode ser tomada de maneira a excluir outras hipóteses.

Interpretando o art. 1º conforme a Constituição, conclui-se que esta também se aplica aos demais entes da Federação brasileira.

O primeiro argumento em prol desta afirmação vem do próprio enunciado normativo do art. 1º, acima transcrito: “... visando, em especial, à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins de Administração.”

O art. 37 da Constituição Federal de 1988 cuida dos fins primeiros a que se submete a atividade administrativa e vinculam toda a Administração, seja na esfera de competência da União, seja na dos Estados, Distrito Federal e Municípios. O mesmo se dá em relação aos direitos dos administrados que, por serem outorgados pela Constituição, na qualidade de normas centrais, estão indenes a qualquer desnaturação, mesmo se perpetrada sob a invocação da autonomia estadual ou municipal.

As regras contidas na Lei nº 9.784/99, notadamente o seu art. 1º, são normas nacionais e não apenas federais, porque elas buscam claramente garantir o atendimento dos fins da Administração e os direitos dos administrados, devendo ser concebidas de maneira parelha em toda a Federação, porque revestidas de dignidade constitucional. Não se concebe que qualquer ente da Federação venha a exercer suas competências descurando dos valores: direitos dos administrados e finalidades da Administração.

Não haveria sentido em se conceber que os fins da Administração Pública no Estado de São Paulo ou no Município de Blumenau fossem outros senão os mesmos fins da Administração Federal, tudo em conformidade e na acepção empregada pelo art. 37 da Constituição Federal.

O mesmo pode ser dito em relação aos direitos dos administrados.

É inviável supor que o tratamento dispensado aos administrados pela Administração Federal seja diverso dos que lhe são conferidos pelos Estados e Municípios.

Além disso, não se pode esquecer que cabe à União Federal, privativamente, legislar sobre processo (art. 22, I, da Constituição Federal), o que se justifica pela garantia constitucional inalienável que tem o cidadão ao devido processo legal (art. 5º, LIV), sem esquecer que aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (LV).

A Lei federal nº 9.784/99 estabelece normas básicas sobre processo administrativo.

É inconcebível afirmar que em diferentes quadrantes da Administração Pública pudessem ser concebidos diferentes processos administrativos (na acepção que a Constituição emprega ao termo).

Esse entendimento implica na quebra da unidade constitucional do processo.

Ao atribuir competência à União para legislar sobre processo e ao ter fixado o conceito ao atendimento efetivo da ampla defesa e do contraditório, infere-se que a descrição legislativa que venha a concretizar o devido processo legal valha para a Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, contexto em no qual está claramente inserido o Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina.

O exercício por parte da União da sua competência privativa para legislar sobre processo vincula a aplicação da Lei 9.784/99 em todos os níveis da Administração Pública quando se identificarem suas prescrições como sendo relativas a processo, ou seja, quando estas regras cuidarem de garantir ao cidadão o contraditório e a ampla defesa.

É exatamente por isso que o âmbito de incidência da Lei nº 9.784/99 vai mais além do se supõe, abrangendo a Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Assim sendo, tem plena incidência, no caso em exame, o art. 54 da Lei nº 9.784/99:

Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.

§ 1º No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.

§ 2º Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.

A hipótese de má-fé em qualquer ação do recorrente está completamente descartada e sequer foi cogitada na decisão recorrida.

Viu-se acima que as prescrições da Lei nº 9.784/99 garantidoras do contraditório e da ampla defesa são aplicáveis em todos os quadrantes da Administração Pública no país. É exatamente o caso do art. 54 desta Lei, que limita o poder de autotutela conferido à Administração Pública, em homenagem ao princípio da segurança jurídica.

O fato gerador da multa ocorreu no ano de 1998 e a multa foi aplicada ao recorrente na sessão plenária do dia 15 de outubro de 2008 (vide ata nº 69/08).

Ou seja: 10 anos depois.

Tratando-se de ato administrativo editado há mais de cinco (05) anos, de efeito patrimonial (tanto é que gerou uma multa), e considerando que má-fé não se presume e, como neste caso, sequer foi cogitada no Acórdão recorrido, é evidente que o ato não pode mais ser anulado ou declarado nulo.

E nem se argumente que em se tratando de ato nulo seria inviável a sua convalidação pelo decurso de tempo.

O art. 54 da Lei nº 9.784/99 não cuida de convalidação, mas de estabelecer prazo decadencial para invalidação de qualquer ato administrativo.

Este dispositivo não distingue entre atos nulos e anuláveis.

Se a realização das despesas consideradas ilegais iniciou a produzir efeitos desde o ano de 1998, a partir daquela data poderia ter ocorrido a apuração da responsabilidade do ordenador da despesa, inclusive quanto à imposição de pena pecuniária.

E exatamente por essa razão que a norma do art. 54, “caput”, da Lei Federal nº 9.784/99 incide no caso.

Decorrido o prazo de cinco (05) anos, não pode a Administração anular (leia-se declarar nulos) os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários, salvo quando comprovadamente constituídos de má-fé, e menos ainda impor multas, como está a ocorrer neste caso.

O entendimento de que não há prazo decadencial para o desfazimento de atos nulos fere o princípio da segurança jurídica e o direito a um ordenamento jurídico justo, bem como o princípio da eficiência.

2.2. Ilegalidade da multa imposta ao recorrente.

Ao recorrente foi aplicada a multa prevista no art. 69 da Lei Complementar nº 202/00 (Lei Orgânica do Tribunal de Contas), cujo enunciado é o seguinte:

Art. 69. O Tribunal aplicará multa de até cinco mil reais aos responsáveis por contas julgadas irregulares de que não resulte débito, nos termos do parágrafo único do art. 21 desta Lei.

O parágrafo único do art. 21, por sua vez, porta o seguinte enunciado:

Art. 21. Julgadas irregulares as contas, e havendo débito, o Tribunal condenará o responsável ao pagamento da dívida atualizada monetariamente, acrescida dos juros de mora devidos, podendo, ainda, aplicar-lhe a multa prevista no art. 68 desta Lei.

Parágrafo único. Não havendo débito, mas comprovada a prática de qualquer uma das ocorrências previstas no art. 18, inciso III, alíneas a e b, o Tribunal aplicará ao responsável a multa prevista no art. 69, desta Lei. (grifo acrescido)

O recorrente foi multado pela ocorrência descrita na alínea “b” do inciso III, da Lei nº 202/00, a saber: “prática de ato de gestão ilegítimo ou antieconômico, ou grave infração à norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional ou patrimonial”.

No núcleo do inciso III, existem quatro tipos distintos:

a) Prática de ato ilegítimo.

b) Prática de ato antieconômico.

c) Grave infração de norma legal de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional ou patrimonial.

d) Grave infração de norma regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional ou patrimonial.

O ato censurado – e do qual se originou a multa – consiste em despesas efetuadas com atletas desportivos semiprofissionais, que teria contrariado o art. 3º do Decreto nº 2.574/98, que regulamentava a Lei Federal n. 9.615/98 (Lei Pelé).

O art. 3º do Decreto nº 2.574/98 portava o seguinte enunciado, com destaque em negrito para o dispositivo considerado vulnerado;

Art. 3º O Desporto de rendimento pode ser organizado e praticado:

I – de modo profissional, caracterizado pela remuneração pactuada em contrato formal de trabalho entre o atleta maior de dezoito anos e a entidade de prática desportiva empregadora que o mantiver sob qualquer forma de vínculo;

II – de modo não-profissional, compreendendo o desporto:

a) semiprofissional, expresso em contrato próprio e específico de estágio, com atletas entre quatorze e dezoito anos de idade e pela existência de incentivos materiais que não caracterizem remuneração derivada de contrato de trabalho;

b) amador, identificado pela liberdade de prática e pela inexistência de qualquer forma de remuneração ou de incentivos materiais para atletas de qualquer idade.

Pois bem. O Decreto nº 2.574/98 foi revogado expressamente pelo Decreto nº 5.000, de 1º de março de 2004, publicado no Diário Oficial da União de 2 de março de 2004, antes, portanto, da sessão plenária deste Colendo Tribunal de Contas que decidiu pela aplicação da multa ao recorrente.

Em outras palavras: este Tribunal puniu o recorrente por alegada infração de norma regulamentar já revogada (o Decreto nº 2.574/98).

Ao fazê-lo vulnerou o art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal, visto que há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.

Além disso, consoante dispõe expressamente o art. 2º do Código Penal, ninguém pode ser punido por fato que a lei posterior deixa de considerar crime.

O Estado detém o poder de impor penalidades àqueles que descumprirem o ordenamento jurídico.

Segundo os princípios que regem a lei penal no tempo, a lei abolicionista é norma penal retroativa, atingindo fatos pretéritos, ainda que acobertados pelo manto da coisa julgada. Isto porque o respeito à coisa julgada é uma garantia do cidadão em face do Estado. Logo, a lei posterior só não pode retroagir se prejudicial ao réu (STF, RE nº 254.818, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, disponível em www.stf.gov.br).

E não se diga aqui que os dispositivos constitucionais e legais citados aqui são aplicáveis apenas no âmbito do Direito Penal.

O processo do qual se originou a multa é um processo contraditório e punitivo, como se extrai da simples leitura do art. 75 da Lei Orgânica do Tribunal de Contas.

Trata-se de atividade sancionatória do Estado.

Na visão do Estado Democrático de Direito, tem-se uma melhor compreensão da atividade sancionatória, visto como conseqüência do não cumprimento de uma ordem legal.

A atividade sancionatória do Estado, na concepção moderna, é também um direito, aliás, melhor compreendido do que mero poder. E sendo direito, tem de estar devidamente prevista na lei, assegurando ao cidadão prévia ciência dos gravames que lhe serão infringidos no caso de descumprimento da ordem legal.

O Professor Celso Antônio Bandeira de Mello enfoca o rigor do princípio da legalidade em relação às infrações e sanções, elegendo quatro tópicos a considerar: (a) o da “suficiência” de suas características, para que não haja fraude ao princípio da legalidade; (b) o da necessária proporcionalidade das sanções à gravidade da infração, pois dificilmente a lei poderia dispor de maneira inteiramente vinculada ao respeito e, (c) o da aplicabilidade da lei do tempo à infração e à correspondente sanção e (d) o devido processo legal para imposição das sanções, pois este é uma das mais salientes e eficazes aplicações do princípio da legalidade. E conclui com propriedade: Eis, pois, que a obediência ao devido processo legal apresenta-se como um dos pontos mais relevantes a serem criteriosamente atendidos para obediência completa ao princípio da legalidade no direito administrativo sancionador.

Além disso, não se pode recusar que uma multa é uma espécie de punição.

Sua natureza é, no entanto, tema controvertido na doutrina.

Para muitos, ela tem natureza meramente reparatória, ou seja, teriam a função de reparar eventual lesão ou dano.

Não se desconhece que as multas têm caráter essencialmente punitivo, mas não se pode negar a elas, também, a função (I) repressora, para que não seja compensador o descumprimento da norma jurídica; (II) retributiva, para que haja o exemplo da punição, com desestímulo pelo ilícito e, finalmente, (III) ressociabilizadora, o que implica que a multa seja graduada em patamares que não conduzam à inadimplência crônica.

Já a conceituação da multa está associada à idéia de punição pecuniária por descumprimento de uma norma jurídica (legal, regulamentar ou contratual).

Do que foi dito até aqui resulta, pois, que multa é a penalidade pecuniária imposta àquele que descumpriu dever jurídico imposto legal ou contratualmente, possuindo economicamente natureza de despesa e juridicamente natureza de sanção.

Há quatro tipos distintos de multas: (I) as compensatórias; (II) as penitenciais; (III) as moratórias e (IV) as cominatórias ou “astreintes”.

A multa cominatória pune as violações a deveres, mas com a característica determinante de conduzir ao cumprimento de outras normas.

A multa compensatória ou cláusula penal, representa “a prévia determinação dos prejuízos, que possam advir pela inexecução do contrato, como indenização ou pagamento, que venha a contrabalançar o montante dos mesmos prejuízos. Estes prejuízos entendem-se as perdas e danos resultantes ou conseqüentes da falta de cumprimento do contrato”.

Tais exações decorrem de uma relação contratual, com objetivo de estabelecer previamente a possibilidade de punição conjugada com o estabelecimento de uma indenização. Por serem próprias das relações contratuais, as multas compensatórias não são aplicáveis nos casos de descumprimento de normas de direito público.

A multa penitencial, também conhecida como arras, é estabelecida para punir aquele que desiste da celebração de contrato, tendo previsão nos artigos 417 e seguintes do Código Civil de 2002.

Não se confundem com a multa moratória, como já decidiu o Colendo STJ. Como as relações jurídicas de direito público decorrem de lei, não havendo espaço para desistência ou arrependimento na sua formação, também aqui não se cogita da aplicação de multas penitenciais no âmbito do direito público.

Por outro lado, as multas moratórias têm como finalidade punir pelo atraso no adimplemento do dever legal ou contratual. Não há maiores discussões quanto à sua aplicabilidade tanto no âmbito do direito privado, quanto do direito público, inclusive em matéria tributária, como meio de punição pelo descumprimento da obrigação tributária no prazo previsto em lei.

Finalmente, as multas cominatórias – ou a título de “astreintes” – caracterizam-se pelo meio coativo de cumprimento de um comando legal, contrato ou ordem judicial.

As multas cominatórias punem as violações a deveres, mas com a característica determinante de conduzir ao cumprimento de outras normas.

Sendo assim, a “astreinte” é uma espécie de multa anômala, uma vez que não decorrem da prática de um ato ilícito em sentido estrito, prestando-se, pois, a induzir ou a obrigar ao cumprimento de uma norma ou a uma conduta. Esta espécie de multa tem validade tanto no direito público quanto no direito privado, porque as obrigações tanto podem ser contratuais, quanto legais.

A determinação da natureza jurídica das multas previstas na Lei Orgânica do Tribunal de Contas e no respectivo Regimento Interno é indiscutivelmente cominatória.

O Colendo STF já se posicionou no sentido de que a pena pecuniária, a título de “astreintes”, não tem caráter indenizatório propriamente, mas o de meio coativo de cumprimento de uma obrigação (no caso examinado no precedente, de uma sentença).

Verifica-se, portanto, na espécie examinada, que a multa imposta ao recorrente tem caráter de retributividade, induzindo, pois, a observância de determinado modo de agir, e nome do interesse público.

Se multa é sanção (como de fato é) e se a atividade sancionatória do Estado está jungida à aplicabilidade da lei no tempo (como de fato está), não há dúvida de que a decisão recorrida deve mesmo ser reformada, por ter aplicado ao recorrente uma sanção que a l ei deixou de considerar ilícita.

2.3. Quanto ao mérito.

Na improvável hipótese de rejeição dos argumentos até aqui deduzidos, a decisão mesmo assim deve ser reformada porque nenhuma ilegalidade foi cometida na hipótese.

Os documentos que instruem este processo administrativo demonstram de forma cabal que os beneficiários dos valores apurados eram monitores, contratados pela Fundação Municipal de Esportes, e não atletas profissionais ou semiprofissionais.

Não houve em 1998, como também nos anos de 1999 e 2000, realização de despesas a esse título para pagamento de atletas, mas sim de monitores e treinadores.

Ao aprovar as contas dos exercícios de 1999 e 2000, em cujas contas e balanços constam as mesmas despesas efetuadas em 1998, é claro que este Tribunal convalidou o que ele mesmo considera um ato irregular, sanando eventual vício de origem.

Não cabe aqui, com o devido respeito, o singelo argumento da impossibilidade de o Tribunal fiscalizar integralmente todos os atos e fatos produzidos pela Administração no âmbito da sua jurisdição.

A uma porque é exatamente essa a atribuição que lhe é atribuída pela Constituição Estadual e pela respectiva Lei Orgânica.

A duas porque esse comportamento omissivo fere a regra do art. 83 da Lei Orgânica do Tribunal de Contas de Santa Catarina, que permite a revisão das decisões definitivas em processo de prestação de contas, considerada, é claro, a hipótese de revisão dos atos além do prazo decadencial de que trata o art. 54 da Lei Federal nº 9.784/99 (com a qual não trabalha o recorrente).

III – Pedido de nova decisão.

Diante do exposto, requer que o presente recurso de reconsideração seja conhecido e provido, reformando-se integralmente a decisão recorrida (Acórdão nº 1548/08).

Requer, ainda, que as intimações sejam realizadas no nome dos procuradores do recorrente, na Rua Pastor Stutzer, nº 142, Jardim Blumenau, CEP 89010-390.”

A Consultoria Geral elaborou o Parecer Técnico de fls. 37-49, concluindo:

“5.1. Conhecer do presente Recurso de Reconsideração, nos termos do art. 77 da Lei Complementar estadual n. 202/2000, interposto contra o Acórdão n. 1.548/2008, proferido na sessão ordinária de 15/10/2008, nos autos do PAC n. 8429/02-93, e, no mérito, negar-lhe provimento.

5.2. Dar ciência do acórdão, relatório e voto do Relator, bem como deste parecer, ao Recorrente Sr. João Marcos Baron, aos seus advogados constituídos e ao atual gestor da Fundação Municipal de Desportos de Blumenau”.

É o relatório.

A sugestão da Consultoria Técnica, pelo conhecimento do Recurso de Reconsideração, merece ser acolhida, tendo em vista preencher os requisitos de admissibilidade.

Quanto à tempestividade, a Decisão recorrida foi publicada no DOTC nº. 127 de 30-10-2008 (quinta-feira), e o recurso protocolizado em 26-11-2008 (quarta-feira), portanto, dentro do prazo máximo de 30 dias estabelecido pelo art. 77 da Lei Complementar nº 202/2000.

Não merece reparos a conclusão a que chegou a Douta Consultoria da Corte. O recorrente não logrou demonstrar a injustiça da decisão que combate.

No que tange às preliminares suscitadas pelo recorrente conduziu-se bem a douta Consultoria-Geral da Corte.

A tese a prescrição não se sustenta, haja vista que o prazo aplicável para o instituto nos feitos que tramitam na Corte é de dez anos, emprestado do Código Civil pátrio, consoante pacífica jurisprudência da Corte e de outras como o próprio Tribunal de Contas da União.

No que tange à revogação do Decreto federal nº 2.574/98, não atinge os fatos apreciados, pois que praticados sob a égide daquela norma. O grave descumprimento de norma regulamentar justificou a imposição sancionadora, sendo forçoso reconhecer o postulado do tempus regit actum.

Já no campo do mérito, o Gestor não obrou em sua defesa descaracterizar os pagamentos a título remuneratório que procedia. Não se estará, obviamente a subverter o onus probandi, pois sobre o Administrador público incide a obrigação de prestar contas, como ademais já reconheceu o Supremo Tribunal Federal:

MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA O TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. CONTAS JULGADAS IRREGULARES. APLICAÇÃO DA MULTA PREVISTA NO ARTIGO 53 DO DECRETO-LEI 199/67. A MULTA PREVISTA NO ARTIGO 53 DO DECRETO-LEI 199/67 NÃO TEM NATUREZA DE SANÇÃO DISCIPLINAR. IMPROCEDENCIA DAS ALEGAÇÕES RELATIVAS A CERCEAMENTO DE DEFESA. EM DIREITO FINANCEIRO, CABE AO ORDENADOR DE DESPESAS PROVAR QUE NÃO E RESPONSÁVEL PELAS INFRAÇÕES, QUE LHE SÃO IMPUTADAS, DAS LEIS E REGULAMENTOS NA APLICAÇÃO DO DINHEIRO PÚBLICO. COINCIDENCIA, AO CONTRARIO DO QUE FOI ALEGADO, ENTRE A ACUSAÇÃO E A CONDENAÇÃO, NO TOCANTE A IRREGULARIDADE DA LICITAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA INDEFERIDO.[1]

 

Eventual omissão da Corte na identificação dos mesmos ilícitos, em exercícios anteriores, não converteria os agora identificados em lícitos.

O Ministério Público de Contas entende que a decisão contra a qual se insurge o recurso bem resguardou o interesse público, razão pela qual deve permanecer intacta.

                          Ante o exposto, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso II, da Lei Complementar no 202/2000, manifesta-se:

1) pelo conhecimento do Recurso de Reconsideração interposto pelo Sr. João Marcos Baron, por atender os requisitos da Lei Complementar nº. 202/2000 (art. 77);

2) no mérito, pela negativa de provimento, para manter-se na integra a decisão recorrida;

3) pela ciência da decisão ao recorrente e seus advogados constituídos e ao atual gestor da Fundação Municipal de Desportos de Blumenau.

 Florianópolis, 31 de março de 2011.

 

Diogo Roberto Ringenberg

Procurador do Ministério

Público de Contas

 

 



[1] BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Mandado de segurança no 20.335. Relator: Ministro Moreira Alves. Data do Julgamento: 13/10/1982.