PARECER nº:

MPTC/1327/2011

PROCESSO nº:

REC 08/00495594    

ORIGEM:

Secretaria de Estado de Coordenação e Articulação

INTERESSADO:

Demetrius Ubiratan Hintz

ASSUNTO:

Referente ao processo -SPE-07/00124900

 

1. HISTÓRICO

Tratam-se os autos de Recurso de Reexame proposto pelo Senhor João Gabriel Crispim, por intermédio do Instituto de Previdência do Estado de Santa Catarina, ante o Acórdão 2050/2008, prolatado nos Autos do Processo SPE 07/00124900.

 

Em tal decisum denegou-se o registro do ato de aposentação nos seguintes termos:

 

a)         Ingresso no cargo de Analista Técnico em Gestão Governamental sem concurso público, o que contraria orientação do Supremo Tribunal Federal, que, na sua função precípua de zelar pela Constituição Federal, tem entendido, em análise liminar e meritória, que a transposição/transformação de cargos constitui-se numa forma derivada de provimento, vedada pelo inciso II do art. 37 da Constituição Federal;

 

b)         Agrupamento na mesma carreira/cargo de funções que indicam graus extremamente desiguais de responsabilidade e complexidade de atuação, já que essa situação agride o disposto no inciso II do art. 37 e § 1º, I, do art. 39 da Constituição Federal;

 

c)         Previsão na legislação estadual de promoção entre as classes de um nível de escolaridade para outro, o que representa, em verdade, uma ascensão, vedada pelo inciso II do art. 37 da Constituição Federal;

 

d)        Ausência dos requisitos para concessão de aposentadoria no cargo de Analista Técnico em Gestão Governamental, previstos no art. 6º da Emenda Constitucional 41/03, mais especificamente quanto à não-permanência de dez anos de carreira e cinco anos no cargo efetivo em que se deu a aposentadoria.

 

O Instituto de Previdência do Estado de Santa Catarina, por intermédio do Presidente, Senhor Demétrius Ubiratan Hintz, irresignado com os termos da Deliberação dessa Corte de Contas, interpôs Recurso de Reexame.

 

Alberga sua tese de defesa nos seguintes fundamentos:

 

a)        Da transposição/transformação de cargos públicos. Forma de provimento derivado. Inciso II do art. 37 da Constituição Federal.

 

Assevera que o Estado vem promovendo vasta reforma estrutural nos órgãos do Poder Executivo e, especificamente, no quadro de pessoal dos servidores.

 

Que o Servidor João Gabriel Crispim ocupava o Cargo de Agente de Serviços Gerais, cuja habilitação profissional exigida era a conclusão de Curso de Nível Primário, com as atribuições previstas na Lei Complementar nº 81/93.

 

Com o advento da Lei Complementar nº 325/06, que instituiu o Plano de Carreira e Vencimentos dos Servidores Públicos da Secretaria de Estado da Coordenação e Articulação, o Servidor passou a figurar no Cargo de Analista Técnico em Gestão Governamental – Classe I, permanecendo idênticas as atribuições que possuía no cargo anteriormente ocupado.

Assevera que as características do antigo cargo permaneceram inalteradas, salvo em relação à possibilidade de progressão por nível de formação.

 

Outrossim, que a alteração promovida pela norma verificou-se tão somente no ponto de vista formal. E a denominação única de cargo se diferencia através da classificação por classes, níveis e referências, tornando manifesta a prevalência das atribuições dos cargos anteriormente ocupados com a indicação do novo cargo resultante da transformação.

 

b)        Do grau de responsabilidade e complexidade de atuação. Agressão, em tese, ao disposto no inciso II do art. 37 e inciso I do § 1º do art. 39 da Constituição Federal.

 

O IPREV/SC argumenta que a Lei Complementar nº 325/06 manteve as atribuições do antigo cargo previsto na Lei Complementar nº 81/93,  e que, para tanto, não há que se falar em forma derivada de provimento.

 

Cita Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI nº 1591/RS, ADI nº 2335/SC, ADI nº 3720/SP) cujo objeto versava sobre a possibilidade na unificação de cargos, restando pronunciada a constitucionalidade em função da identidade de atribuições.

 

Visa demonstrar que há identidade substancial entre as atribuições, não importando em contraditar os preceitos insculpidos na Carta Constitucional.

 

c)        Da ausência dos requisitos objetivos para concessão da aposentadoria previstos no inciso III do § 1º, art. 40 da Constituição Federal.

 

Afirma o Recorrente que o Servidor, para adquirir pleno direito à aposentação, terá que comprovar dez anos de efetivo exercício no serviço público e, principalmente, cinco anos no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria.

 

Assevera que a regra de transição prevê aos servidores que exerceram suas funções sob a vigência de determinada ordem constitucional, não sejam prejudicados por eventuais alterações normativas.

 

E por assim, numa eventual forma derivada de provimento, o Poder Público impôs inegável prejuízo aos servidores públicos, cuja inatividade se apresentava como iminente.

 

A Instrução julgou cumprida a exigência de admissibilidade, por considerar preenchidos os pressupostos de legitimidade, tempestividade e singularidade.

 

Apregoa que os argumentos trazidos aos autos não sanaram as incorreções, mantendo parecer pela denegação do registro do ato de aposentação.

 

Transcreve Parecer COG nº 762/09, visando demonstrar posicionamento do Tribunal de Contas no sentido de ordenar o registro dos atos de aposentadoria nos casos em que o reenquadramento não altere a natureza e a complexidade das atribuições do servidor e mantenha isonômico o nível de escolaridade exigido.

 

Compara as atribuições exercidas pelo Servidor sob o prisma da nova Lei Complementar nº 325/2006 e a precedente, Lei Complementar nº 81/93.

Conclui que o reenquadramento do Servidor instituiu novas atividades que não se identificam com a natureza das atribuições inicialmente especificadas na Lei Complementar nº 81/93.

 

Outrossim, o Corpo Instrutivo entende que o Servidor preencheu os requisitos estabelecidos na Carta Constitucional para a concessão da aposentadoria. No entanto, não poderá registrar-se o ato aposentatório pela inaplicabilidade do art. 41, do Regimento Interno da Corte de Contas.

 

2. ANÁLISE

Do exposto, este Órgão Ministerial, no propósito de auxiliar a Corte de Contas no julgamento da matéria em debate, apresenta algumas considerações.

 

I – Art. 41 do Regimento Interno do Tribunal de Contas

 

O Corpo Técnico alinha sua tese pela prejudicialidade do registro do ato aposentatório da Requerente, consubstanciado no artigo 41 do Regimento Interno da Corte de Contas, que veda o registro nos casos em que a concessão for considerada ilegal e por não preencher os requisitos estabelecidos na Carta Constitucional.

 

Por outro lado, assevera que tal preceito não pode afetar o direito do servidor, fazendo jus a aposentadoria.

 

Perfilhando-se aos argumentos, essa Corte de Contas criou para si um imbróglio jurídico, em que atesta o direito, mas nega o registro em razão de normativa interna proibitiva.

 

Porém, saliente-se que o art. 40 do Regimento Interno prevê a possibilidade do registro do ato de aposentação quando não houver irregularidade quanto ao mérito.

 

Vejamos o que diz o artigo 40 do Regimento Interno:

 

Art. 40. O Tribunal decidirá pela ilegalidade e recusará o registro do ato de concessão de aposentadoria, reforma, transferência para a reserva ou pensão que apresentar irregularidade quanto ao mérito.

 

 

Hely Lopes Meirelles conceitua mérito administrativo:

O conceito de mérito administrativo é de difícil fixação, mas poderá ser assinalada sua presença toda a vez que a Administração decidir ou atuar valorando internamente as consequências ou vantagens do ato. O mérito administrativo consubstancia-se, portanto, na valoração dos motivos e na escolha do objeto do ato, feitas pela Administração incumbida de sua prática, quando autorizada a decidir sobre a conveniência, oportunidade e justiça do ato a realizar. (MEIRELLES, H. L. Direito Administrativo Brasileiro. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 1990)

 

José Cretella Júnior Leciona:

 

Mérito do ato administrativo é expressão de sentido especialíssimo, porque aqui, posta de lado a tradicional noção processual do termo mérito, significa o conjunto: a oportunidade e a conveniência do ato administrativo.

 

Nesta acepção, o mérito, não se confunde de modo algum com a legalidade, nem a esta se contrapõe pela própria natureza diversa e específica de cada um dos campos. (JUNIOR, José Cretella, Curso de Direito Administrativo, Editora Forense, 1997, p. 275)

 

 

Ora, perceba-se no caso concreto, que não há vício quanto ao mérito, mas sim, em questão puramente formal. Nesse norte, não há que se discutir questão prejudicial. Resta patente, para tanto, a possibilidade do registro do ato aposentatório.

 

 

III –Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3396/06

 

Importante frisar que no ano de 2007 o Ministério Público ingressou com 24 (vinte e quatro) ADI´s questionando a constitucionalidade de alguns artigos das Leis Complementares que instituíram os novos planos de cargos e vencimentos para os servidores integrantes da Administração Pública Estadual, incluindo-se nesse rol, a Lei Complementar nº 325/2006, ora em apreço.

 

Em razão da matéria já ser alvo da Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela Procuradoria Geral da República no Supremo Tribunal Federal (ADI nº 3966), o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, prudentemente, decidiu sobrestar o julgamento dessas ADI´s, até a apreciação derradeira da Corte Máxima de Justiça. 

 

Nesse passo, tal entendimento pode ser verificado no julgamento da ADI -MC 2361-CE:

 

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEGITIMIDADE DA REQUERENTE E PERTINÊNCIA TEMÁTICA. RESTRIÇÃO DAS COMPETÊNCIAS CONSTITUCIONAIS DO TRIBUNAL DE CONTAS. SOBRESTAMENTO DA AÇÃO DIRETA NO ÂMBITO ESTADUAL ATÉ O JULGAMENTO DO MÉRITO DA QUE TRAMITA PERANTE O STF. COMPETÊNCIA DESTE.

 

1. Legitimidade da requerente já reconhecida. Precedentes. Ocorrência de pertinência temática.

2. Verificada a reprodução obrigatória pela Carta Estadual (artigos 76, incisos I, II, IV, V e VI) das disposições constantes dos incisos I, II, IV, V e VI do artigo 71 da Constituição Federal, é do STF a competência  para julgar a ação. Precedentes.

3. O controle externo das contas do Estado-membro é do Tribunal de Contas, como órgão auxiliar da Assembléia Legislativa, na forma do artigo 71 da Constituição Federal, por força do princípio da simetria.

4. Constitui ato atentatório à efetiva atuação das Cortes de Contas disposição que restrinja de seu controle fiscalizador quaisquer das competências constitucionais a elas outorgadas como agentes desse munus (CF, artigo 71).

5. Se a ADI é proposta inicialmente perante o Tribunal de Justiça local e a violação suscitada diz respeito a preceitos da Carta da República, de reprodução obrigatória pelos Estados-membros, deve o Supremo Tribunal Federal, nesta parte, julgar a ação, suspendendo-se a de lá; se além das disposições constitucionais federais há outros fundamentos envolvendo dispositivos da Constituição do Estado, a ação ali em curso deverá ser sobrestada até que esta Corte julgue em definitivo o mérito da controvérsia. Precedente.

6. Cautelar deferida para suspender a vigência do § 3º do artigo 47 da Lei 12.509, de 6 de dezembro de 1995, acrescentado pelo artigo 2ºda Lei 13.037, de 30 de junho de 2000, do Estado do Ceará.

 

 

Resta evidente que a decisão mais coerente dessa Corte de Contas, em não registrando o ato de aposentação, é sobrestar o presente processo até o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade.

 

Considerando, ainda, que o Tribunal de Contas entende clarividente o direito da requerente;

 

Considerando caracterizada exceção não prevista no rol normativo instituído por essa Corte;

 

Considerando imprescindível a prevalência da segurança jurídica nos casos concretos;

 

Este Órgão Ministerial pugna pelo registro do ato de aposentação do Requerente.

 

Ou então, supletivamente, como forma de assegurar maior segurança jurídica ao caso concreto, e por prudência, a exemplo do decisum do Tribunal de Justiça do Estado no julgamento das ADIN´s interpostas pelo MP/SC, seja sobrestado o presente processo, até o julgamento final da Ação Direta de Inconstitucionalidade em trâmite no Supremo Tribunal Federal.

 

Florianópolis, em 25 de abril de 2011.

                                                    

                        

MÁRCIO DE SOUSA ROSA

Procurador Geral Adjunto do Ministério Público

Junto ao Tribunal de Contas

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