PARECER nº:

MPTC/274/2011

PROCESSO nº:

REC-09/00077190    

ORIGEM:

Câmara Municipal de Corupá

INTERESSADO:

Bernadete Correa Hillbrecht

ASSUNTO:

Referente ao Processo PCA-06/00089207 + REC-08/00517660

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Versam os autos sobre Recurso de Reconsideração interposto pelas Sras. Bernadete Correa Hillbrecht, ex-Presidente da Câmara Municipal de Corupá, e Margot Hauffer, atual Presidente da Câmara Municipal de Corupá, em face do Acórdão nº. 1.165/2008, dessa Corte de Contas, nos autos do processo PCA 06/00089207, por meio do qual foram aplicadas multas à primeira recorrente em face das seguintes irregularidades:

ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição Estadual e 1º da Lei Complementar (estadual) n. 202/2000, em:

6.1. Julgar irregulares, sem imputação de débito, com fundamento no art. 18, III, alínea "b", c/c o parágrafo único do art. 21 da Lei Complementar (estadual) n. 202/2000, as contas anuais de 2005 referentes a atos de gestão da Câmara Municipal de Corupá, no que concerne ao Balanço Geral composto das Demonstrações de Resultados Gerais, na forma dos anexos e demonstrativos estabelecidos no art. 101 da Lei (federal) n. 4.320/64, de acordo com os pareceres emitidos nos autos.

6.2. Aplicar a Sra. Bernadete Correa Hillbrecht - Presidente da Câmara de Vereadores de Corupá em 2005, CPF n. 560.020.689-53, com fundamento no art. 69 da Lei Complementar (estadual) n. 202/00 c/c o art. 108, parágrafo único, do Regimento Interno, as multas abaixo discriminadas, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovar ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000:

6.2.1. R$ 1.000,00 (mil reais), em face da contratação temporária de serviços profissionais de assessoria jurídica, em desacordo com o previsto na Constituição Federal, art. 37, II (Relatório do Relator e Parecer MPjTC);

6.2.2. R$ 400,00 (quatrocentos reais), pela existência de saldo na conta "Depósito de Diversas Origens" no Passivo Financeiro correspondente à despesa realizada pela Câmara, no valor de R$ 503.847,92, evidenciando inconsistência contábil, em desacordo com os arts. 85, 92 e 105, § 3º, da Lei (federal) n. 4.320/64 (item 4.1.1. do Relatório DMU).

6.3. Determinar ao Chefe do Poder Legislativo Municipal de Corupá, com fundamento no art. 1º, XII, da Lei Complementar (estadual) n. 202/2000, que no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, contados a partir da publicação desta deliberação no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, comprove a este Tribunal as medidas adotadas com vistas à criação e realização de concurso público para o preenchimento do cargo de assessor jurídico da Câmara Municipal.

6.4. Recomendar à Câmara Municipal de Corupá a adoção de providências visando ao estabelecido no art. 37, X, da Constituição Federal para que defina em lei a data-base para concessão da revisão geral anual e o índice (INPC, IGP-M, etc.) que adotará para medir a inflação do período.

6.5. Determinar à Secretaria Geral que acompanhe a deliberação constante do item 6.3 acima e comunique à Diretoria Geral de Controle Externo e ao Relator, após o trânsito em julgado desta Decisão, o cumprimento da determinação pelo Titular da Unidade Gestora.

A Consultoria Geral dessa Corte de Contas emitiu parecer (fls. 12-25), opinando pelo conhecimento do recurso de reconsideração e, no mérito, pelo seu desprovimento, mantendo os termos do Acórdão nº. 1.165/2008.

É o relatório.

O Recurso de Reconsideração, com amparo no art. 77 da Lei Complementar nº. 202/2000, é o adequado em face de decisão proferida em processo de prestação de contas, sendo as partes legítimas para a sua interposição, uma vez que a primeira figurou como responsável pelo ato de gestão irregular no acórdão atacado, e a segunda exerce o direito ao recurso na qualidade de interessada.

A decisão atacada foi publicada na imprensa oficial em 11/8/2008 e o recurso de Embargos de Declaração foi interposto em 20/8/2008, oportunidade em que o prazo recursal foi suspenso, conforme dispõe o art. 78, § 2º, da Lei Complementar Estadual nº. 202/2000. A decisão dos embargos foi proferida por meio de despacho singular no Diário Oficial Eletrônico do Tribunal de Contas do Estado em 6/2/2009, logo, o prazo remanescente de 21 dias teve início no dia seguinte, 7/2/2009. O presente recurso de reconsideração foi interposto em 26/2/2009 (fl. 02), sendo assim, atendeu ao prazo legal estabelecido no art. 77 da Lei nº. 202/2000, preenchendo o requisito de tempestividade.

Logo, encontram-se presentes todos os requisitos de admissibilidade do presente recurso.

Passo à análise do mérito.

Multa de R$ 1.000,00 (mil reais), em face da contratação temporária de serviços profissionais de assessoria jurídica, em desacordo com o previsto na Constituição Federal, art. 37, II (item 6.2.1 da decisão recorrida).

Inicialmente vale ressaltar que o ponto principal a ser discutido neste item se refere ao fato de a recorrente ter dado causa à contratação temporária de serviços advocatícios (por intermédio do advogado Antenor Galvan), uma vez que a assessoria jurídica é considerada função típica e permanente do Legislativo e que deve ser realizada por servidor concursado, sendo que a Administração não pode prescindir deste ato, sob pena de inviabilizar as atividades e serviços prestados, salvo em situações transitórias devidamente justificadas.

Com relação à multa aplicada no item 6.2.2 do Acórdão recorrido, não houve nenhum argumento neste recurso com o intuito de afastá-la, razão pela qual não será objeto de apreciação.

A recorrente apresentou as seguintes justificativas, em síntese:

1. houve a decisão de realizar a contratação por meio de procedimento licitatório (terceirização), por entender que a Lei de Licitações conferia tal possibilidade, inclusive apontando decisão favorável dessa Corte de Contas por meio do Prejulgado nº. 1579;

2. a contratação de advogado envolve a avaliação subjetiva do profissional pelo contratante, sendo importante destacar que “para a ex-Presidente da Câmara os melhores serviços – para as respectivas questões tratadas – seriam prestados pelo advogado Antenor Galvan; já para o atual Presidente os melhores serviços serão prestados por outro advogado” (fls. 07-08);

3. não seria de competência da Chefe do Poder Legislativo a criação do cargo de assessoria jurídica, sendo que se trata de matéria exclusiva da Prefeitura Municipal;

4. houve economicidade na contratação devido os valores do contrato advocatício serem abaixo daqueles fixados pela Tabela da Seccional da OAB/SC e do próprio Sindalex (Sindicatos dos Advogados de Santa Catarina).

A matéria em questão já foi objeto de análise por este Ministério Público em diversas oportunidades, e o que se conclui é que é pacífico o entendimento, reiteradamente afirmado nas decisões desse Tribunal de Contas, de que o cargo de assessoria jurídica deve ser ocupado por servidor efetivo e provido mediante concurso público.

Os Prejulgados mais recentes sobre o tema registram que, excepcionalmente, na hipótese de inexistência de cargo efetivo ou de vacância, pode haver a contratação do profissional para esses fins, desde que em caráter temporário. Veja-se:

Prejulgado nº. 1121:

Os serviços de assessoria jurídica (incluindo defesa em processos judiciais) podem ser considerados atividade de caráter permanente e, como tal, implica na existência de cargos específicos para referida atividade no quadro de cargos ou empregos da entidade. Contudo, o ingresso em cargos e empregos na administração pública direta e indireta, aí incluídas as sociedades de economia mista, depende de aprovação em concurso público de provas ou provas e títulos, consoante regra prescrita no artigo 37, II, da Carta Magna Federal.


A contratação de profissionais de advocacia sem vínculo empregatício com a entidade pública contratante somente ocorre quando houver contratação de serviço, mediante processo licitatório, nos termos da Lei Federal nº 8.666/93, que admite apenas a contratação de advogados ou escritório de advocacia para a defesa dos interesses da empresa em específica ação judicial que, por sua natureza, matéria ou complexidade (objeto singular), não possa ser realizada pela assessoria jurídica da entidade, justificando a contratação de profissional de notória especialização, caso em que a contratação se daria por inexigibilidade de licitação, nos termos dos arts. 25 e 26 do referido diploma legal.

 

Salvo a contratação nos termos da Lei Federal nº 8.666/93, as demais formas de contratação de profissional da advocacia geram vínculo empregatício com a entidade contratante, quer na contratação definitiva por concurso público (art. 37, II, da CF), quer na contratação temporária (art. 37, IX, da CF).

 

A possibilidade de contratação de advogados, para suprir deficiência temporária destes profissionais nos quadros da empresa de economia mista, seria aquela prevista no inciso IX do artigo 37 da Constituição Federal (contratação temporária), desde que existente norma estadual autorizativa definindo os casos de excepcional interesse público, a forma de seleção dos profissionais, a forma de pagamento e o prazo do contrato, aplicando-se tal regra, também, à Administração Indireta, pois não há exceção no citado dispositivo constitucional.

Prejulgado nº. 1579:

1. O arcabouço normativo pátrio, com apoio doutrinário e jurisprudencial, atribui a execução das funções típicas e permanentes da Administração Pública a servidores de seu quadro de pessoal, ocupantes de cargos efetivos - admitidos mediante concurso público, nos termos do art. 37, II, da Constituição Federal - ou por ocupantes de cargos comissionados, de livre nomeação e exoneração. Contudo, deve-se atentar para o cumprimento do preceito constitucional inscrito no art. 37, inciso V, da Constituição Federal, segundo o qual os cargos em comissão são destinados exclusivamente ao desempenho de funções de direção, chefia e assessoramento, devendo ser criados e extintos por lei local, na quantidade necessária ao cumprimento das funções institucionais do Órgão, limitados ao mínimo possível, evitando-se a criação desmesurada e sem critérios técnicos, obedecendo-se também aos limites de gastos com pessoal previstos pela Lei Complementar nº 101/00.


2. Havendo necessidade de diversos profissionais do Direito para atender aos serviços jurídicos de natureza ordinária do ente, órgão ou entidade, que inclui a defesa judicial e extrajudicial e cobrança de dívida ativa, é recomendável a criação de quadro de cargos efetivos para execução desses serviços, com provimento mediante concurso público (art. 37 da Constituição Federal), podendo ser criado cargo em comissão para chefia da correspondente unidade da estrutura organizacional (Procuradoria, Departamento Jurídico, Assessoria Jurídica, ou denominações equivalentes). Se a demanda de serviços não exigir tal estrutura, pode ser criado cargo em comissão de assessor jurídico, de livre nomeação e exoneração.


3. Para suprir a falta transitória de titular de cargo, quando não houver cargo de advogado, assessor jurídico ou equivalente na estrutura administrativa da Prefeitura ou Câmara, ou pela necessidade de ampliação do quadro de profissionais, e até que haja o devido e regular provimento, inclusive mediante a criação dos cargos respectivos, a Prefeitura ou a Câmara, de forma alternativa, podem adotar:


a) contratação de profissional em caráter temporário, nos termos do inciso IX do art. 37 da Constituição Federal;


b) contratação de serviços jurídicos por meio de processo licitatório (arts. 37, XXI, da Constituição Federal e 1º e 2º da Lei Federal nº 8.666/93), salvo nos casos de dispensa previstos nos incisos II e IV do art. 24 da Lei Federal nº 8.666/93, atendidos aos requisitos do art. 26 daquele diploma legal, cujo contrato deverá especificar direitos e obrigações e responsabilidades do contratado, a carga horária e horário de expediente, prazo da contratação e o valor mensal do contrato, observada a compatibilidade com a jornada de trabalho e o valor de mercado regional.


4. A contratação de profissional do ramo do Direito por inexigibilidade de licitação só é admissível para atender a específicos serviços (administrativo ou judicial) que não possam ser realizados pela assessoria jurídica dada a sua complexidade e especificidade, caracterizando serviços de natureza singular, e que o profissional seja reconhecido como portador de notória especialização na matéria específica do objeto a ser contratado, devidamente justificados, e se dará nos termos dos arts. 25, II, § 1º combinado com o art. 13, V e § 3º, e 26 da Lei Federal nº 8.666/93, observado o disposto nos arts. 54 e 55 da mesma Lei e os princípios constitucionais que regem a Administração Pública. Os serviços jurídicos ordinários da Prefeitura (apreciação de atos, processos, procedimentos e contratos administrativos, projetos de lei, defesa do município judicial e extrajudicial, incluindo a cobrança da dívida ativa) e da Câmara (análise de projetos de lei, das normas regimentais, e de atos administrativos internos) não constituem serviços singulares ou que exijam notória especialização que autorize a contratação por inexigibilidade de licitação.


5. Quando a municipalidade realizar contratação de advogados mediante licitação, não poderá limitar somente à sociedade de advogados, devendo possibilitar a contratação do profissional autônomo, sob pena de limitação do universo de participantes, procedimento vedado pelo art. 3º, § 1º, I, da Lei Federal nº 8.666/93.


6. O contrato a ser firmado com o profissional do Direito deverá estabelecer valor fixo, não podendo prever percentual sobre as receitas auferidas pelo ente com as ações administrativas ou judiciais exitosas pelo contratado, salvo se a Administração firmar contrato de risco puro, onde não haja qualquer dispêndio de valor com a contratação, sendo a remuneração do contratado exclusivamente proveniente dos honorários de sucumbência devidos pela parte vencida, nos montantes determinados pelo Juízo na sentença condenatória.

A contratação que ensejou a irregularidade até poderia ser enquadrada na hipótese excepcional de contratação de serviços jurídicos por meio de processo licitatório, no entanto, os fatos apontam para o sentido adverso.

A recorrente, Sra. Bernadete Corrêa Hillbrecht, alegou que a contratação ocorreu por não haver no quadro de pessoal o cargo de advogado, e ainda, que este profissional deveria ser contratado diretamente por questão de confiança existente entre o Presidente da Câmara e o patrono. Logo, verifica-se, claramente, que a contratação não se destinou a suprir falta temporária do cargo, mas sim por opção da própria recorrente, devido ao fato da existência de relação de confiança e economicidade na contratação.

 O que se depreende nesse caso é que não se trata de uma situação de caráter temporário, sendo de suma importância destacar, conforme registrou a Consultoria-Geral, que essa Corte de Contas já havia recomendado à Câmara Municipal de Corupá, por meio do Acórdão nº. 1.076/2006, exarado nos autos do Processo PCA 05/04024558, para que adotasse as devidas providências para atender à demanda de serviços jurídicos, por intermédio do preenchimento de cargo efetivo via concurso público ou via criação de cargo de provimento comissionado.

Os argumentos apresentados nesta fase recursal já foram apreciados nos autos do Processo PCA 06/00089207 (em apenso) e devidamente refutados por este Ministério Público, pelo Relator e pelo Tribunal Pleno.

Por fim, trago aos autos o comentário de Marçal Justen Filho[1], com referência a irregular contratação de serviços de advocacia, evidenciando a possível correlação com a violação ao princípio da eficiência:

Deve destacar-se, em primeiro lugar, uma ressalva contra a generalização da terceirização dos serviços de advocacia. A atuação profissional da advocacia exige não apenas o domínio do conhecimento técnico-jurídico e uma espécie de sensibilidade acerca dos eventos futuros. Demanda o conhecimento das praxes administrativas e o domínio acerca de fatos passados. É extremamente problemático obter atuação satisfatória de um advogado que não conhece o passado da instituição e desconhece a origem dos problemas enfrentados. A terceirização dos serviços advocatícios representa um grande risco para a atuação eficiente da Administração Pública. Portanto e como regra, a melhor solução é a manutenção de advogados contratados permanentemente, sob vínculo trabalhista ou estatutário (conforme o caso). A seleção desses profissionais deve fazer-se através de concurso. [grifei].

Por tais razões, a aplicação de multa por grave infração à norma é medida que se impõe, motivo pelo qual opino pela manutenção da penalidade imposta no item 6.2.1 do Acórdão nº. 1.165/2008.

Ante o exposto, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso II, da Lei Complementar n. 202/2000, manifesta-se pelo CONHECIMENTO do Recurso de Reconsideração interposto pelas Sras. Bernadete Corrêa Hillbrecht e Margot Hauffer, e, no mérito, pelo seu DESPROVIMENTO, mantendo-se intactas as multas aplicadas por meio do Acórdão n. 1.165/2008.

Florianópolis, 10 de fevereiro de 2011.

 

Cibelly Farias

Procuradora do Ministério Público de Contas

 



[1] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 11. ed. São Paulo: Dialética, 2005. p. 285.