PARECER nº:

MPTC/1820/2011

PROCESSO nº:

SPE 07/00555137    

ORIGEM:

Secretaria de Estado da Saúde

INTERESSADO:

Instituto de Previdência do Estado de Santa Catarina - IPREV

ASSUNTO:

- Aposentadoria de ELIETE TEIXEIRA DA SILVA

 

 

1. RELATÓRIO

Cuida-se de requerimento de registro de ato de concessão de aposentadoria voluntária por tempo de contribuição com proventos integrais, de Eliete Teixeira da Silva, ocupante do cargo de Analista Técnico em Gestão e Promoção da Saúde, lotada na Secretaria de Estado da Saúde – SES, fundamentada nos termos do art. 6º da Emenda Constitucional n.º41/2003.

A Diretoria de Controle de Atos de Pessoal- DAP, procedeu à instrução dos autos por meio do Relatório n.º6327/2010.

Nessa oportunidade, o Órgão Instrutivo observou que a requerente cumpriu os requisitos constitucionais garantidores do benefício e, portanto, a aposentadoria foi corretamente concedida (fl.134).

No entanto, constatou haver irregularidades no enquadramento da servidora no cargo em que se deu o ato aposentatório, tendentes a obstar o registro da concessão do ato por esse e. Tribunal.

Assim, entendeu não ser correto o enquadramento, feito no ano de 2006, por intermédio da Lei Estadual Complementar n.º 323, que estabeleceu estrutura de carreira na Secretaria de Estado da Saúde, haja vista que essa lei instituiu, através do art. 4º, cargo único para todos os seus servidores, confundindo as competências específicas a eles inerentes e infringindo a norma insculpida no art. 39 da Constituição Federal, que estabelece a existência de cargos organizados em carreira, graduados de acordo com a responsabilidade e complexidade.

Registrou que existem vários servidores, lotados em diversos órgãos do Poder Executivo Estadual que, da mesma forma, foram irregularmente enquadrados.

Ainda, anotou o Corpo Técnico que com o advento da citada lei e o consequente enquadramento da servidora, que migrou para o cargo de Técnico em Gestão e Promoção da Saúde, restou configurado provimento derivado de cargo, vedado pelo art. 37, II, da Carta Magna.

Ante essas observações, asseverou a inconstitucionalidade da Lei Complementar n.º 323/2006 e concluiu, em sede preliminar, pela irregularidade no enquadramento da servidora no cargo único em razão de “agrupar funções que indicam graus extremamente desiguais de responsabilidade e complexidade de atuação, já que essa situação agride o disposto no §1º, incisos I, II e III, do art. 39, da Constituição Federal”.

Além disso, sugeriu a Audiência do Sr. Demetrius Ubiratan Hintz, Presidente do IPREV – Instituto de Previdência do Estado de Santa Catarina, para apresentar justificativas, sendo a sugestão acolhida pelo Exmo. Sr. Relator.

Assim, o IPREV alberga sua tese de defesa expondo que:

“A alteração promovida pela Lei Complementar 323/06 é verificada tão somente do ponto de vista formal, uma vez que a lei, objetivando dar cabo às diversas denominações anteriormente estabelecidas para os cargos públicos da Secretaria de Estado da Saúde, unificou o nome do cargo, em sentido amplo, passando a chamá-lo de Analista Técnico em Gestão e Promoção da Saúde, entretanto, estabelecendo diferenciação evidente e não vedada pela ordem constitucional no tocante às COMPETÊNCIAS, passou a integrar o nome do cargo, sendo designativo que permite perfeita diferenciação entre os mesmos.”

Cita Ações Diretas de Inconstitucionalidade, cujos debates versaram sobre a possibilidade de unificação de cargos, em que restou pronunciada a validade das normas debatidas, em função da identidade de atribuições.

Em que pese as justificativas apresentadas, o Corpo Técnico, em sede de reinstrução, entendeu que as incorreções levantadas não foram sanadas.

E ainda, asseverou que a Lei Complementar n. 323/2006 possibilitou a irregular transposição de cargos, especificamente através dos arts. 14 e 15, que tratam da progressão por nível de formação. Reforça a premissa citando a ADI 3966/2007, em andamento no Supremo Tribunal Federal, proposta pelo Procurador-Geral da República, cujo objeto é o questionamento desses preceitos.

Ressaltou que, se referida ADI for julgada procedente, poderá o STF entender que os dispositivos ali declarados inconstitucionais têm relação de dependência com a unicidade de cargo, prevista no art. 4º da mesma lei. E sob a égide da teoria do arrastamento, também declará-lo inconstitucional.

Apesar disso, avaliou o Corpo Técnico que a inconstitucionalidade da norma não deverá afetar o direito da servidora com relação à sua aposentadoria. Porém, contrapôs que o registro do ato resta prejudicado, haja vista a mácula na forma em que se deu o enquadramento no cargo.

Assim, ao final, opinou a DAP pela denegação do registro do ato de concessão de aposentadoria, nos termos do art. 36, §2º, “b”, da Lei Complementar n.º202/2000, em razão da irregularidade no enquadramento da servidora em cargo único, ressalvando a prejudicialidade do art. 41, caput, do Regimento Interno, haja vista que a servidora cumpriu os requisitos ensejadores do benefício, muito embora a alteração na denominação do cargo levou à conclusão pela denegação do registro.

2. DO MÉRITO

As atribuições referentes à apreciação do ato de concessão de aposentadoria estão inseridas nas normas constitucionais, legais e regimentais dessa Casa, consoante se depreende do art. 59, III, da Constituição Estadual, art. 1º, IV, da Lei Complementar nº 202/2000 e art. 1°, IV, do Regimento Interno – aprovado pela Resolução TC nº TC- 6/2001 e alterado pelas Resoluções 09/2002; 11/2002; 08/2004 e 05/2005.

Assim sendo, após análise minuciosa dos autos, este Órgão Ministerial, no propósito de auxiliar a Corte de Contas no julgamento da matéria em debate, tece algumas considerações.

2.1 DOS EFEITOS DECORRENTES DO POSSÍVEL PRONUNCIAMENTO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI N.º323/2006

Denota-se que o cerne da questão versa sobre a inconstitucionalidade da Lei Complementar n.º323/2006, defendida pelo Corpo Técnico, que estaria por impedir o registro do ato de concessão da aposentadoria. Os preceitos atacados dizem respeito à forma de provimento da servidora no cargo de Analista Técnico em Gestão e Promoção da Saúde.

Nessa linha, com o fito de elucidar os efeitos e a repercussão decorrentes desse possível pronunciamento de inconstitucionalidade, destaca-se o que abaixo segue.

É sabido que se diferenciam os dois sistemas de controle de constitucionalidade - concentrado e difuso – pelo efeito de suas decisões.

 No controle difuso, a declaração tem eficácia inter partes, com efeito ex tunc - retroativo; contudo a Corte Suprema já entendeu que, mesmo no Controle Difuso, poder-se-á dar efeito ex nunc - para o futuro.

No controle concentrado vislumbra-se o efeito vinculante e eficácia contra todos - erga omnes. Além de aceitar o efeito retroativo, poderá o STF dar à decisão efeitos prospectivos – para o futuro.

Desse modo, o limite temporal das decisões finais que declarem a inconstitucionalidade de determinada norma pode ser ex tunc ou ex nunc, isto é, retroativos ou não retroativos à época da origem do ato declarado inconstitucional, do ponto de vista do resultado prático de cada um deles.

No que concerne ao efeito EX TUNC tem-se, portanto, a retroatividade da norma desde o seu nascimento. Além disso, partindo-se do princípio da nulidade da norma declarada inconstitucional, tem-se o fenômeno denominado efeito repristinatório, através do qual a eficácia da legislação anterior ao caso existente é restaurada, trazendo-se de volta o status quo ante.

Noutro dizer, a norma declarada inconstitucional não é capaz de tornar sem efeito eficazmente a lei que a sucedeu, uma vez que nasceu nula.

Como se observa, o efeito repristinatório é admitido pelo STF:

“ITBI: progressividade: L. 11.154/91, do Município de São Paulo: inconstitucionalidade. A inconstitucionalidade, reconhecida pelo STF (RE 234.105), do sistema de alíquotas progressivas do ITBI do Município de São Paulo (L. 11.154/91, art. 10, II), atinge esse sistema como um todo, devendo o imposto ser calculado, não pela menor das alíquotas progressivas, mas na forma da legislação anterior, cuja eficácia, em relação às partes, se restabelece com o trânsito em julgado da decisão proferida neste feito” RE 260.670-7-SP, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 26/05/2000.

Nas palavras do Ministro Celso de Mello:

"A declaração de inconstitucionalidade de uma lei alcança, inclusive, os atos pretéritos com base nela praticados, eis que o reconhecimento desse supremo vício jurídico, que inquina de total nulidade os atos emanados do Poder Público, desampara as situações constituídas sob sua égide e inibe - ante a sua inaptidão para produzir efeitos jurídicos válidos - a possibilidade de invocação de qualquer direito. - A declaração de inconstitucionalidade em tese encerra um juízo de exclusão, que, fundado numa competência de rejeição deferida ao Supremo Tribunal Federal, consiste em remover do ordenamento positivo a manifestação estatal inválida e desconforme ao modelo plasmado na Carta Política, com todas as consequências daí decorrentes, inclusive a plena restauração de eficácia das leis e das normas afetadas pelo ato declarado inconstitucional" (STF - Pleno, Ac. un. ADIn 652-5-MA - Questão de Ordem - Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 02.04.93, p. 5.615).

Oportuno trazer os ensinamentos de Alexandre de Moraes:

"Declarada a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo federal ou estadual, a decisão terá efeito retroativo (ex tunc) e para todos (erga omnes), desfazendo, desde sua origem, o ato declarado inconstitucional, juntamente com todas as consequências dele derivadas, uma vez que os atos inconstitucionais são nulos e, portanto, destituídos de qualquer carga de eficácia jurídica, alcançando a declaração de inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo, inclusive os atos pretéritos com base nela praticados (efeitos ex tunc)” (MORAES, Alexandre de; Direito Constitucional, 25ª Edição, Editora Atlas, 2010, p. 763).

 Aplicando-se essa teoria ao caso em exame, ou seja, retroagindo-se o efeito à lei precedente e restabelecendo-se a eficácia da norma afetada pelo ato declarado inconstitucional, torna-se incontroverso o direito da Requerente, devendo contabilizar-se, para fins de registro, o tempo laborado sob a égide da norma que venha a ser declarada inconstitucional.

De outro vértice, partindo-se da proposição da declaração da inconstitucionalidade, com efeito EX NUNC, ressalte-se que, por razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, em suas decisões definitivas, atribuí-las efeitos futuros, ou fixar-lhes marco temporal de eficácia através da modulação dos seus efeitos.

É o que estabelece o art. 27 da Lei 9.868, de 10/11/1999, que dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, ipsis litteris:

Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

Entendeu, portanto o legislador que a regra do efeito retroativo da declaração de inconstitucionalidade poderá ser mitigada, desde que a segurança jurídica e o excepcional interesse social a justifique.

Adornando esse preceito, leciona Paulo Bonavides:

“Excepcionalmente, disposições inconstitucionais devem, em parte, ou totalmente, continuarem a ter aplicação, se a peculiaridade da norma declarada inconstitucional fizer necessário por razões constitucionais, nomeadamente aquelas derivadas da segurança do direito, que se deixe existir o preceito inconstitucional como regulação durante um período de transição, a fim de que nesta fase uma situação não se produza muito mais apartada da ordem constitucional do que aquela até então prevalecente.” (BONAVIDES, Paulo; Curso de Direito Constitucional, 25ª Edição; Editora Malheiros, 2009, p. 341).

Trata-se, portanto, de interpretação excepcional, cuja finalidade é evitar a ocorrência de maiores danos sociais com a retroatividade da declaração de inconstitucionalidade.

Ensina o Ministro Gilmar Mendes:

“Razões de segurança jurídica podem obstar à revisão do ato praticado com base na lei declarada inconstitucional. Nessas hipóteses, avalia-se, igualmente, que, tendo em vista razões de segurança jurídica, a supressão da norma poderá ser mais danosa para o sistema do que a sua preservação temporária. Não há negar, ademais, que aceita a ideia da situação “ainda constitucional”, deverá o Tribunal, se tiver que declarar a inconstitucionalidade da norma, em outro momento, fazê-lo com eficácia restritiva ou limitada”. (STF, AC 189/SP – Rel. Min. Gilmar Mendes, Diário da Justiça, Seção I, 15 abril 2004, p.14)

Alexandre de Moraes corrobora com tal entendimento:

“Esse posicionamento exprime preocupação com a segurança jurídica, pois os efeitos da declaração de inconstitucionalidade deverão, normalmente, ser somente pro futuro, não afetando, imediatamente, atos realizados com fundamento na lei, antes que principiasse a eficácia da invalidação, pois, conforme salientava Hans Kelsen, ‘uma norma jurídica, em regra, somente é anulada com efeitos para o futuro, de forma que os efeitos já produzidos que deixar para trás permanecem inalterados’ (MORAES, Alexandre de, Direito Constitucional, 25ª Edição, Editora Atlas, 2010, p. 767).”

Partindo-se desse princípio, o STF se propõe a considerar o alcance de seus pronunciamentos, as consequências e a repercussão social que deles advirão.

Portanto, pode-se dizer que a Corte Suprema mostra cautela ao examinar o tema da inconstitucionalidade em tese, eis que a decisão afetará a todos os jurisdicionados que se encontrem em determinadas situações regidas pela norma cuja inconstitucionalidade esteja sendo arguida, sem olvidar das relações jurídicas já consolidadas, que não podem, sob pena de ofensa à regra da segurança jurídica, ser desconstituídas.

Não é demais salientar que o efeito prospectivo foi aplicado pelo STF ao julgar a ADI 3819/2007, ao declarar a inconstitucionalidade de leis estaduais de Minas Gerais que davam provimento do cargo de defensor público a servidores de carreiras jurídicas em extinção, mantendo os defensores investidos por seis meses a contar da data da decisão. Vejamos:

Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Art. 140, caput e parágrafo único, e art. 141 da Lei Complementar n. 65. Art. 55, caput e parágrafo único, da Lei 15.788. Art. 135, caput e §2º, da Lei n. 15.961. Leis do Estado de Minas Gerais. Investidura e provimento dos cargos da carreira de Defensor Público Estadual. Servidores estaduais investidos na carreira de defensor público e nos cargos de assistente jurídico de penitenciária e de analista de justiça. Transposição para a recém criada carreira de defensor público estadual sem prévio concurso público. Modulação dos efeitos.

Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou procedente a ação direta para declarar a inconstitucionalidade do art. 140, caput, parágrafo único, e do art. 141, ambos da Lei Complementar n. 65, de 16 de janeiro de 2003; do art. 55 caput, parágrafo único, da Lei n. 15788, de 27 de outubro de 2005; e do art. 135, caput e §2º, da Lei 15.961, todas do Estado de Minas Gerais. Em seguida, o Tribunal, por maioria, nos termos do art. 27 da Lei n. 9.868, decidiu que a declaração terá efeito a partir de seis meses, a contar da decisão tomada hoje.

A partir dessa decisão, é possível concluir que a tendência da Corte Suprema, ao aplicar a modulação dos seus efeitos, também é o fornecimento de prazo para adaptação aos atos inconstitucionais que dizem respeito à organização da Administração.

Nos dizeres do Ministro Eros Grau, Relator da ADI a pouco citada (3819/2007):

“Não se pode interpretar a Constituição friamente. Se fosse possível simplesmente aplicá-la, instalaríamos aqui onze computadores, que certamente a interpretariam com maior proficiência e em menos tempo do que nós. Tenho sim que considerar as circunstâncias da própria realidade.

Aqui, mais uma vez, se aplicarmos friamente a Constituição haverá o que tem acontecido sempre: as classes subalternas acabarão prejudicadas (...)

Por essa razão, fiz a proposta da modulação dos efeitos, preocupado, também, com o princípio da continuidade do serviço público, que me parece essencial. Quer dizer, precisamos avaliar perfeitamente quem suportará os efeitos de uma análise fria da Constituição.”

Sob esse prisma, subjugando o caso concreto aos efeitos supervenientes de uma possível declaração de inconstitucionalidade, com efeito ex nunc, amparada pelo art. 27 da Lei  9.868/99, e lembrando, ainda não declarada, o direito da servidora permanece inalterado.

Logo, independentemente do efeito que se adote nessa suposta declaração de inconstitucionalidade - ex nunc ou ex tunc - o direito da servidora resta inequívoco.

 

 

2.2 DA POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO ART. 40 DO REGIMENTO INTERNO

Na análise procedida, o Órgão Instrutivo concluiu pela prejudicialidade da aplicação do art. 41 do Regimento Interno ao caso concreto. Considerou que a servidora cumpriu os requisitos constitucionais necessários à concessão do benefício, por isso, o dispositivo não se amoldaria à denegação do registro.

Para compreensão da questão, necessária se faz a leitura do dispositivo em comento.

Art. 41. Quando o ato de concessão de aposentadoria, reforma, transferência para a reserva ou pensão for considerado ilegal por não preencher os requisitos necessários à concessão do benefício, estabelecidos na Constituição Federal, o órgão de origem adotará as providências necessárias ao imediato retorno do servidor ao serviço, comunicando-as ao Tribunal de Contas no prazo de trinta dias contados da publicação da decisão do Tribunal, sob pena de responsabilidade solidária da autoridade administrativa omissa.

Assim, como o próprio Corpo Técnico afirmou, a requerente atendeu aos preceitos constitucionais que garantem à aposentadoria, fazendo jus ao direito. Contudo, o seu enquadramento irregular levou à conclusão pela denegação do registro do ato.

Dos argumentos apresentados, verifica-se que essa Corte de Contas criou para si um imbróglio jurídico, em que anuncia estarem cumpridos os requisitos constitucionais, atestando o direito da requerente, mas negando o registro em razão do vício na forma de provimento da servidora no cargo em que se deu a aposentadoria.

No entanto, o ato será passível de registro se não houver irregularidade quanto ao mérito. Premissa normativa capitulada no art. 40 do Regimento Interno, in verbis:

Art. 40. O Tribunal decidirá pela ilegalidade e recusará o registro do ato de concessão de aposentadoria, reforma, transferência para a reserva ou pensão que apresentar irregularidade quanto ao mérito.

Hely Lopes Meirelles conceitua mérito administrativo:

O conceito de mérito administrativo é de difícil fixação, mas poderá ser assinalada sua presença toda a vez que a Administração decidir ou atuar valorando internamente as consequências ou vantagens do ato. O mérito administrativo consubstancia-se, portanto, na valoração dos motivos e na escolha do objeto do ato, feitas pela Administração incumbida de sua prática, quando autorizada a decidir sobre a conveniência, oportunidade e justiça do ato a realizar. (MEIRELLES, H. L. Direito Administrativo Brasileiro. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 1990).

José Cretella Júnior leciona:

Mérito do ato administrativo é expressão de sentido especialíssimo, porque aqui, posta de lado a tradicional noção processual do termo mérito, significa o conjunto: a oportunidade e a conveniência do ato administrativo.

Nesta acepção, o mérito, não se confunde de modo algum com a legalidade, nem a esta se contrapõe pela própria natureza diversa e específica de cada um dos campos. (JUNIOR, José Cretella, Curso de Direito Administrativo, Editora Forense, 1997, p. 275).

Ora, percebe-se no caso concreto, que não há vício quanto ao mérito, mas sim, em questão puramente formal. Nesse norte, não há que se discutir questão prejudicial. Resta patente, para tanto, a possibilidade do registro do ato aposentatório.

2.3 DO JULGAMENTO DA ADI PELO STF X INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA PELO TCE/SC E AS CONSEQUÊNCIAS DA DENEGAÇÃO DO REGISTRO

Muito embora a discussão acerca da inconstitucionalidade invocar apenas dois artigos da Lei Complementar nº 323/2006 (arts. 14 e 15), a Instrução utiliza-se dessa inferência para levantar a teoria da inconstitucionalidade por arrastamento, objetivando tornar inconstitucional, também, o artigo 4º da mesma norma.

O Corpo Técnico entende que tal dispositivo legal torna possível a transposição de cargo, se preenchidos os requisitos estabelecidos nos artigos 14 e 15 da Lei Complementar nº 323/2006, claramente vedada pela Carta Constitucional.

A instrução assim se pronuncia:

Apenas para conhecimento, tramita no Supremo Tribunal Federal Ação Direta de Inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 323/2006 (ADI 3966/2007) proposta pelo Procurador-Geral da República questionando, dentre outras leis, a constitucionalidade dos art. 14 e 15 desta Lei. Frisa-se que apesar do art. 4º que criou a nomenclatura única não ser objeto da ação, poderá vir a ser considerado inconstitucional nesta mesma ação, em decorrência da teoria criada pela Suprema Corte, conhecida como teoria da inconstitucionalidade por arrastamento.

Este Órgão Ministerial entende que tal ilação pode ser precipitada.

Supondo que o Supremo Tribunal Federal julgue pela constitucionalidade da Lei n.º 323/2006 e o Tribunal de Contas, por seu turno, precedente ao julgamento da ADIN, pugne pela inconstitucionalidade e denegue o registro do ato de aposentação. 

Ou mais, supondo que o STF não acate a teoria levantada do arrastamento, que, registre-se, não se encontra positivada no nosso ordenamento jurídico. Quais efeitos advirão da denegação do registro?

E não se trata tão somente de denegar ou não o registro. Afetará diretamente a credibilidade das decisões impostas por essa Corte de Contas.

Como bem enumerado pelo Corpo Instrutivo, o Estado editou várias leis com idêntico preceito normativo. Impende frisar que serão objeto de análise dessa Corte de Contas inúmeros processos como o mesmo fundamento fático e jurídico.

Ter-se-á como consequência direta, a necessidade de nova análise de todos os processos, em caso de julgamento pela constitucionalidade das indigitadas normas.

A denegação desses registros com base em uma possibilidade jurídica remota, entre várias que o STF poderá vir a adotar, enseja julgamento temerário.

Não se pode olvidar que com a denegação do registro, a Administração Pública Estadual estará impedida de efetuar a compensação financeira dessa aposentadoria, entre os demais regimes da previdência social, importando em prejuízo ao erário público.

Tal preceito contraria ao propósito a que se destina essa Corte de Contas. É permitir que o Estado seja lesado em razão de exceção normativa não prevista pelo Tribunal.

Fica a pergunta. A quem o Estado poderá cobrar tal prejuízo?

 

 

3. CONCLUSÃO

Assim, considerando que o Tribunal de Contas entende clarividente o direito da requerente;

Considerando os efeitos decorrentes de uma possível declaração de inconstitucionalidade;

Considerando que o art. 4º, criador da unicidade de cargo, não está em discussão na ADI 3966/2007, e que a teoria do arrastamento pode não vir a ser aplicada quando do julgamento da ação;

Considerando o disposto no art. 40 do Regimento Interno dessa Casa;

Considerando a impossibilidade de compensação financeira do Estado com outros Regimes de Previdência Social;

Considerando imprescindível a prevalência da segurança jurídica nos casos concretos;

Este Órgão Ministerial pugna pelo registro do ato de aposentação da Requerente.

Florianópolis, 25 de maio de 2011.

 

MAURO ANDRÉ FLORES PEDROZO

Procurador-Geral do Ministério Público

Junto ao Tribunal de Contas

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