PARECER
nº: |
MPTC/3864/2011 |
PROCESSO
nº: |
SPE 07/00046178 |
ORIGEM: |
Secretaria de Estado da Saúde |
INTERESSADO: |
Instituto de Previdência do Estado de Santa
Catarina - IPREV |
ASSUNTO: |
- Aposentadoria de CELINA SANTOS DE SOUZA |
1.
RELATÓRIO
Cuida-se de requerimento de registro
de ato de concessão de aposentadoria voluntária por tempo de contribuição com
proventos integrais de Celina Santos de Souza, ocupante do cargo de Analista
Técnico em Gestão e Promoção de Saúde, fundamentada nos termos do art. 6º da
Emenda Constitucional n.º 41/2003.
A Diretoria de Controle de Atos de
Pessoal, através do Relatório n.º5737/2010, observou que a requerente cumpriu
os requisitos constitucionais garantidores do benefício da aposentadoria.
No entanto, constatou haver irregularidades
no enquadramento da servidora no cargo em que se deu o ato aposentatório,
tendentes a obstar o registro da concessão do ato por esse e. Tribunal.
Assim, entendeu não ser legal o
enquadramento, feito no ano de 2006, por intermédio da Lei Estadual
Complementar n.º 323, que estabeleceu estrutura de carreira na SES, haja vista
que essa lei instituiu, através do art. 4º, cargo único para todos os seus
servidores, confundindo as competências específicas a eles inerentes.
Ainda, anotou o Corpo Técnico que com o
advento da citada lei a servidora migrou para o cargo de Analista Técnico em
Gestão e Promoção de Saúde, restando configurado provimento derivado de cargo.
Ante essas observações, asseverou a
inconstitucionalidade da Lei Complementar n.º 323/2006 e concluiu, em sede
preliminar, pela irregularidade no enquadramento da servidora no cargo único em
razão de “agrupar funções que indicam graus extremamente desiguais de
responsabilidade e complexidade de atuação, já que essa situação agride o
disposto no §1º, incisos I, II e III, do art. 39, da Constituição Federal”.
Ademais, o Corpo Técnico apurou
equívoco no cálculo do abono de permanência da servidora no percentual de 10%,
quando o correto seria 15%, situação que contraria o art. 19 da Lei n.º
1.137/92.
Instado
a se manifestar, o IPREV alberga sua tese de defesa expondo que a alteração
promovida pela LC 323/06 é verificada tão somente do ponto de vista formal, uma
vez que foi criada uma nomenclatura única para o cargo em sentido amplo,
entretanto sendo possível diferenciar as diversas competências existentes, que,
por sua vez respeitam as linhas de correlação e mantêm a identidade dos antigos
cargos.
Em que pese as justificativas
apresentadas, o Corpo Técnico, em sede de reinstrução, entendeu que as incorreções
levantadas não foram sanadas.
E ainda, afirmou que a Lei
Complementar n. 323/2006 possibilitou a irregular transposição de cargos,
especificamente através dos arts. 14 e 15, que tratam da progressão por nível
de formação. Reforça a premissa citando a ADI 3966/2007, em andamento no
Supremo Tribunal Federal, proposta pelo Procurador-Geral da República, cujo
objeto é o questionamento desses preceitos.
Ressaltou que se referida ADI for
julgada procedente poderá a Corte Suprema entender que os dispositivos ali
declarados inconstitucionais têm relação de dependência com a unicidade de
cargo, prevista no art. 4º da mesma lei. E sob a égide da teoria do
arrastamento, também declará-lo inconstitucional.
Assim, ao final, opinou a DAP pela
denegação do registro do ato de concessão de aposentadoria, nos termos do art.
36, §2º, “b”, da Lei Complementar (Estadual) n.º202/2000, em razão da
irregularidade no enquadramento da servidora em cargo único, ressalvando a
prejudicialidade do art. 41, caput, do Regimento Interno, haja vista que a
servidora cumpriu os requisitos ensejadores do benefício, muito embora a
alteração na denominação do cargo tenha levado à conclusão pela denegação do
registro.
Quanto ao cálculo do percentual do
abono de permanência entendeu o Órgão Instrutivo sanada a irregularidade, em
virtude da ausência de interesse expresso da servidora desde o início da
permanência no trabalho.
2.
DO MÉRITO
Após análise minuciosa dos autos,
este Órgão Ministerial, no propósito de auxiliar a Corte de Contas no julgamento
da matéria em debate, destaca-se o que segue abaixo:
2.1
DOS EFEITOS DECORRENTES DO POSSÍVEL PRONUNCIAMENTO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA
LEI N.º323/2006
Verifica-se que o cerne da questão versa sobre
a inconstitucionalidade da Lei Complementar n.º323/2006, defendida pelo Corpo
Técnico, que estaria por impedir o registro do ato de concessão da
aposentadoria. Os preceitos atacados dizem respeito ao enquadramento da
servidora no cargo de Analista
Técnico em Gestão e Promoção de Saúde.
É sabido que se diferenciam os dois
sistemas de controle de constitucionalidade - concentrado e difuso – pelo
efeito de suas decisões, sendo que o controle difuso comporta o efeito ex tunc, isto é, quando a declaração da
inconstitucionalidade da norma retroage desde o seu nascimento. O controle
concentrado, da mesma forma, aceita o efeito ex tunc, porém, além disso, pode o STF dar à decisão efeitos
prospectivos, ou seja, para o futuro – denominado ex nunc.
No que concerne ao efeito EX TUNC tem-se,
como visto, a retroatividade da norma à sua época de origem. Ademais,
partindo-se do princípio da nulidade da norma declarada inconstitucional,
verifica-se o fenômeno denominado efeito repristinatório, através do
qual a eficácia da legislação anterior ao caso existente é restaurada,
restabelecendo o status quo ante.
Noutro dizer, a norma declarada
inconstitucional não é capaz de tornar sem efeito eficazmente a lei que a
antecedeu, uma vez que nasceu nula.
Nas palavras do Ministro Celso de Mello:
"A declaração de
inconstitucionalidade em tese encerra um juízo de exclusão, que, fundado numa
competência de rejeição deferida ao Supremo Tribunal Federal, consiste em
remover do ordenamento positivo a manifestação estatal inválida e desconforme
ao modelo plasmado na Carta Política, com todas as consequências daí
decorrentes, inclusive a plena restauração de eficácia das leis e das
normas afetadas pelo ato declarado inconstitucional" (STF -
Pleno, Ac. un. ADIn 652-5-MA - Questão
de Ordem - Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 02.04.93, p. 5.615).
Aplicando-se
essa teoria ao caso em exame, ou seja, retroagindo-se o efeito à lei precedente
e restabelecendo-se a eficácia da norma afetada pelo ato declarado
inconstitucional, torna-se incontroverso o direito da requerente, devendo
contabilizar-se, para fins de registro, o tempo laborado sob a égide da norma
que venha a ser declarada inconstitucional.
De outro vértice, partindo-se da
proposição da declaração da inconstitucionalidade, com efeito EX
NUNC, ressalte-se que por razões de segurança jurídica ou de
excepcional interesse social poderá o Supremo Tribunal Federal em suas decisões
definitivas atribuí-las efeitos futuros.
Trata-se de interpretação
excepcional, cuja finalidade é evitar a ocorrência de maiores danos sociais com
a retroatividade da declaração de inconstitucionalidade.
Ensina o Ministro Gilmar Mendes que:
“Razões
de segurança jurídica podem obstar à revisão do ato praticado com base na lei
declarada inconstitucional. Nessas hipóteses, avalia-se, igualmente, que, tendo
em vista razões de segurança jurídica, a supressão da norma poderá ser mais
danosa para o sistema do que a sua preservação temporária.” (STF, AC 189/SP –
Rel. Min. Gilmar Mendes, Diário da Justiça, Seção I, 15 abril 2004, p.14).
Portanto, pode-se dizer que a Corte
Suprema mostra cautela ao examinar o tema da inconstitucionalidade em tese, eis
que a decisão afetará a todos os jurisdicionados que se encontrem em
determinadas situações regidas pela norma cuja inconstitucionalidade esteja
sendo arguida, sem olvidar das relações jurídicas já consolidadas, que não
podem, sob pena de ofensa à regra da segurança jurídica, ser desconstituídas.
Sob
esse prisma, subjugando o caso concreto aos efeitos supervenientes de uma
possível declaração de inconstitucionalidade, com efeito ex nunc, e lembrando,
ainda não declarada, o direito da servidora permanece inalterado.
Logo,
independentemente do efeito que se adote nessa suposta declaração de
inconstitucionalidade - ex nunc ou ex tunc - o direito da servidora resta
inequívoco quanto à sua aposentadoria.
2.2 DA POSSIBILIDADE
DE APLICAÇÃO DO ART. 40 DO REGIMENTO INTERNO
Na análise procedida, o Órgão Instrutivo concluiu pela
prejudicialidade da aplicação do art. 41 do Regimento
Interno ao caso concreto. Considerou que a servidora cumpriu os requisitos
constitucionais necessários à concessão do benefício, por isso, o dispositivo
não se amoldaria à denegação do registro do ato.
Assim, como o próprio Corpo Técnico
afirmou, a requerente atendeu aos preceitos constitucionais que garantem à
aposentadoria, fazendo jus ao direito.
Contudo, o seu enquadramento
irregular levou à conclusão pela denegação do registro do ato, com supedâneo no
art. 36, §2º, b, da Lei Complementar n. 202/2000.
Dos argumentos apresentados,
verifica-se que essa Corte de Contas criou para si um imbróglio jurídico, em
que anuncia estarem cumpridos os requisitos constitucionais, atestando o
direito da requerente, mas negando o registro em razão do vício na forma de
provimento da servidora no cargo em que se deu a aposentadoria.
No
entanto, o ato será passível de registro se não houver irregularidade quanto ao
mérito. Premissa normativa capitulada no art. 40 do Regimento Interno, in
verbis:
Art.
40. O Tribunal decidirá pela ilegalidade e recusará o registro do ato de
concessão de aposentadoria, reforma, transferência para a reserva ou pensão que
apresentar irregularidade quanto ao mérito.
Hely Lopes Meirelles conceitua
mérito administrativo:
O conceito de mérito
administrativo é de difícil fixação, mas poderá ser assinalada sua presença toda
a vez que a Administração decidir ou atuar valorando internamente as
consequências ou vantagens do ato. O mérito administrativo consubstancia-se,
portanto, na valoração dos motivos e na escolha do objeto do ato, feitas pela
Administração incumbida de sua prática, quando autorizada a decidir sobre a
conveniência, oportunidade e justiça do ato a realizar. (MEIRELLES, H. L. Direito
Administrativo Brasileiro. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 1990).
Ora, percebe-se no caso concreto,
que não há vício quanto ao mérito, mas sim, em questão puramente formal. Nesse
norte, não há que se discutir questão prejudicial. Resta patente, para tanto, a possibilidade do registro do ato
aposentatório.
2.3
DO JULGAMENTO DA ADI PELO STF X INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA PELO TCE/SC E
AS CONSEQUÊNCIAS DA DENEGAÇÃO DO REGISTRO
Muito embora a discussão acerca da
inconstitucionalidade invocar apenas dois artigos da Lei Complementar nº
323/2006 (arts. 14 e 15), a Instrução utiliza-se dessa inferência para levantar
a teoria da inconstitucionalidade por arrastamento, objetivando tornar
inconstitucional, também, o artigo 4º da mesma norma.
O Corpo Técnico entende que tal
dispositivo legal torna possível a transposição de cargo, se preenchidos os
requisitos estabelecidos nos artigos 14 e 15 da Lei Complementar nº 323/2006,
claramente vedada pela Carta Constitucional.
Este Órgão Ministerial entende que
tal ilação pode ser precipitada.
Supondo que o Supremo Tribunal
Federal julgue pela constitucionalidade da Lei n.º 323/2006 e o Tribunal de Contas,
por seu turno, precedente ao julgamento da ADIN, pugne pela
inconstitucionalidade e denegue o registro do ato de aposentação.
Ou mais, supondo que o STF não acate
a teoria levantada do arrastamento, que, registre-se, não se encontra
positivada no nosso ordenamento jurídico. Quais efeitos advirão da denegação do
registro?
E não se trata tão somente de
denegar ou não o registro. Afetará diretamente a credibilidade das decisões
impostas por essa Corte de Contas.
Como bem enumerado pelo Corpo
Instrutivo, o Estado editou várias leis com idêntico preceito normativo.
Impende frisar que serão objeto de análise dessa Corte de Contas inúmeros
processos como o mesmo fundamento fático e jurídico.
Ter-se-á como consequência direta, a
necessidade de nova análise de todos os processos, em caso de julgamento pela
constitucionalidade das indigitadas normas.
A denegação desses registros com
base em uma possibilidade jurídica remota, entre várias que o STF poderá vir a
adotar, enseja julgamento temerário.
Não se pode olvidar que com a
denegação do registro, a Administração Pública Estadual estará impedida de
efetuar a compensação financeira dessa aposentadoria, entre os demais regimes
da previdência social, importando em prejuízo ao erário.
3.
CONCLUSÃO
Assim, considerando que o Tribunal
de Contas entende clarividente o direito da requerente;
Considerando os efeitos decorrentes
de uma possível declaração de inconstitucionalidade;
Considerando que o art. 4º, criador
da unicidade de cargo, não está em discussão na ADI 3966/2007, e que a teoria
do arrastamento pode não vir a ser aplicada quando do julgamento da ação;
Considerando o disposto no art. 40
do Regimento Interno dessa Casa;
Considerando a impossibilidade de
compensação financeira do Estado com outros Regimes de Previdência Social;
Considerando imprescindível a
prevalência da segurança jurídica nos casos concretos;
Este Órgão Ministerial pugna pelo
registro do ato de aposentação da requerente.
Florianópolis, 11 de agosto de 2011.
MAURO ANDRÉ FLORES PEDROZO
Procurador-Geral do Ministério
Público
Junto ao Tribunal de Contas
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