PARECER
nº: |
MPTC/3795/2011 |
PROCESSO
nº: |
SPE 07/00514961 |
ORIGEM: |
Secretaria de Estado da Saúde |
INTERESSADO: |
Instituto de Previdência do Estado de Santa
Catarina - IPREV |
ASSUNTO: |
- Aposentadoria de JOÃO FLAVIO VENDRUSCOLO |
1. HISTÓRICO
Tratam-se os autos de
requerimento para registro do ato de aposentadoria do Senhor João Flávio
Vendruscolo, ocupante do cargo de Analista Técnico em Gestão e Promoção da
Saúde, lotado na Diretoria de Planejamento e Coordenação da Secretaria de
Estado da Saúde.
O processo fundamentou-se na
concessão de Aposentadoria por Invalidez, com proventos integrais, nos termos
do art. 6º da Emenda Constitucional nº 41/2003.
Na análise preliminar dos autos, o Corpo Técnico dessa
e. Corte de Contas identificou incorreções tendentes a macular a concessão do
ato aposentatório.
Fundamenta seu parecer aduzindo que a Secretaria de
Estado da Administração, no ano de 2006, efetuou enquadramento de servidores,
com fulcro em Leis Complementares, objetivando reestruturar carreiras de
diversos segmentos do Poder Executivo Estadual.
Porém, assevera que tais leis instituíram cargo único
para todos os servidores, infringindo preceito Constitucional. Que a inovação
do inciso II, do art. 37 da Carta Constitucional veda qualquer tipo de
provimento derivado, com exceção aos casos de mera transformação dos cargos.
Aduz que inicialmente o Requerente ocupava o Cargo de
Enfermeiro. Que após a edição da Lei Complementar nº 323/2006, que instituiu o
Plano de Carreira e Vencimentos daquela Pasta, passou a ocupar o Cargo de
Analista Técnico em Gestão e Promoção da Saúde.
Que tal alteração configurou provimento derivado de
cargo e, por conseguinte, caracterizou a inconstitucionalidade da Lei
Complementar nº 323/2006. E, ainda, que
as funções desempenhadas pelos servidores devem ser diferenciadas pelos níveis
de admissão, não podendo ser suportadas por cargo unificado.
Ante tal conclusão, o Corpo Técnico assim se
manifestou:
– Enquadramento do servidor João Carlos
Vendruscolo no cargo único de Analista Técnico em Gestão e Promoção da Saúde,
considerado irregular por agrupar funções que indicam graus extremamente
desiguais de responsabilidade e complexidade de atuação, já que esta situação
agride o disposto no §1º, incisos I, II e III, do artigo 39, da Constituição
Federal.”
Nesse sentido, requereu-se à Audiência do Senhor
Demetrius Ubiratan Hintz– Presidente do IPREV/SC.
Instado a se manifestar, o Responsável apresentou as
devidas justificativas.
Alberga sua tese de defesa nas seguintes razões:
“A alteração promovida pela Lei
Complementar 323/06 é verificada tão somente do ponto de vista formal, uma vez que a lei,
objetivando dar cabo às diversas denominações anteriormente estabelecidas para
os cargos públicos da Secretaria de Estado da Saúde, unificou o nome do cargo, em sentido amplo, passando a chamá-lo
de Analista Técnico em Gestão e Promoção da Saúde, entretanto, estabelecendo
diferenciação evidente e não vedada pela ordem constitucional no tocante às COMPETÊNCIAS, passou a integrar o nome do cargo, sendo o designativo que permite
perfeita diferenciação entre os mesmos.”
Cita ainda, Ações Diretas de Inconstitucionalidade,
cujo objeto em discussão versava sobre a possibilidade na unificação de cargos,
o qual restou pronunciada a constitucionalidade em razão da identidade de
atribuições.
Assim, considerando as alegações apresentadas pela
Unidade Gestora, o Corpo Técnico entendeu não estarem sanadas as incorreções,
ora em que sugere denegar o registro
do ato de concessão de aposentadoria.
Aduz que a criação da nomenclatura única afronta
diretamente os arts. 37, II e 39, § 1º, I, II, III, da Carta Magna. Que a Lei
Complementar nº 323/2006, especificamente nos arts. 14 e 15 possibilita a
transposição de cargos, e confundiu as competências específicas com a denominação
única de cargo.
Reforça a tese, citando a ADI 3966/2007, que questiona
a constitucionalidade dos arts. 14 e 15 (Da Progressão por Nível de Formação)
da LC nº 323/2006.
Entende que, em sendo declarada a inconstitucionalidade
dos referidos artigos, estes refletirão diretamente na denominação do cargo
único, mesmo que este não sendo objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade.
Que o Supremo Tribunal Federal, pela teoria da
inconstitucionalidade por arrastamento, poderá declarar a
inconstitucionalidade, também, do artigo que institui a denominação do cargo
único.
Porém, o Corpo Instrutivo registra que o servidor
cumpriu os requisitos constitucionais para a aposentadoria. Mas que não
poder-se-á registrar o ato aposentatório pela inaplicabilidade do art. 41, do
Regimento Interno da Corte de Contas.
2. ANÁLISE
Do exposto, este Órgão Ministerial, no propósito de
auxiliar a Corte de Contas no julgamento da matéria em debate, apresenta
algumas considerações.
Partindo-se da premissa da inconstitucionalidade normativa
defendida pelo Corpo Instrutivo, e no intuito de elucidar os efeitos advindos
dessa possível declaração, subsumidos ao fato concreto, destaca o seguinte:
I-) Efeitos decorrentes da declaração de
inconstitucionalidade de norma e o princípio da segurança jurídica na concessão
do ato aposentatório.
Considerando os limites temporais, os efeitos da
declaração de inconstitucionalidade podem ser retroativos (ex tunc) ou não retroativos (ex
nunc).
a)
Declaração de
declaração de inconstitucionalidade, com efeito ex tunc
Adota-se essa premissa tanto para os casos de
declaração de inconstitucionalidade no controle difuso
quanto no controle concentrado.
Nesses casos, além da retroatividade, a declaração de inconstitucionalidade de determinada lei
torna aplicável legislação anterior ao caso existente,
salvo expressa manifestação em sentido contrário.
É o efeito repristinatório da
declaração de inconstitucionalidade.
Alexandre de Moraes leciona:
"Declarada a inconstitucionalidade da
lei ou ato normativo federal ou estadual, a decisão terá efeito retroativo (ex tunc) e para todos (erga omnes), desfazendo, desde sua
origem, o ato declarado inconstitucional, juntamente com todas as consequências
dele derivadas, uma vez que os atos
inconstitucionais são nulos e, portanto, destituídos de qualquer carga de
eficácia jurídica, alcançando a declaração de inconstitucionalidade da lei ou
do ato normativo, inclusive os atos pretéritos com base nela praticados
(efeitos ex tunc)” (MORAES, Alexandre
de; Direito Constitucional, 25ª Edição, Editora Atlas, 2010, p. 763)
O Supremo
Tribunal Federal se posiciona no seguinte sentido:
"A declaração de inconstitucionalidade
de uma lei alcança, inclusive, os atos pretéritos com
base nela praticados, eis que o reconhecimento desse supremo vício jurídico,
que inquina de total nulidade os atos emanados do Poder Público, desampara as
situações constituídas sob sua égide e inibe - ante a sua inaptidão para
produzir efeitos jurídicos válidos - a possibilidade
de invocação de qualquer direito. - A declaração de inconstitucionalidade
em tese encerra um juízo de exclusão, que, fundado
numa competência de rejeição deferida ao Supremo Tribunal Federal, consiste em
remover do ordenamento positivo a manifestação estatal inválida e desconforme
ao modelo plasmado na Carta Política, com todas as consequências daí
decorrentes, inclusive
a plena restauração de eficácia das leis e das normas afetadas pelo ato
declarado inconstitucional" (STF - Pleno, Ac. un. ADIn
652-5-MA - Questão de Ordem - Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 02.04.93, p.
5.615).
Nessa perspectiva, retroagindo-se os efeitos à lei
precedente, restaurando-se a eficácia da norma declarada inconstitucional,
torna-se incontroverso o direito pleiteado pelo Requerente, devendo
contabilizar-se, para fins de registro, o tempo laborado sob a égide da norma
inconstitucional.
b)
Declaração de
declaração de inconstitucionalidade, com efeito ex nunc
O Supremo Tribunal Federal vem admitindo, por razões de
segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poder-se-á restringir os
efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou decidir que ela só tenha
eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a
ser fixado.
Dessa forma, a regra do efeito retroativo e
repristinatório da declaração de inconstitucionalidade poderá ser abrandada,
desde que a segurança jurídica ou o interesse social o justifique. Tem-se
admitido a permanência dos efeitos da norma mesmo após ter sido ela declarada
inconstitucional.
Trata-se, portanto,
de interpretação excepcional fundada em razões de segurança jurídica e
interesse social, cuja finalidade é evitar a ocorrência de maiores danos
sociais em razão da retroatividade da declaração de inconstitucionalidade.
Ensina o Ministro
Gilmar Mendes:
“Razões
de segurança jurídica podem obstar à revisão do ato praticado com base na lei
declarada inconstitucional. Nessas hipóteses, avalia-se, igualmente, que, tendo
em vista razões de segurança jurídica, a supressão da norma poderá ser mais
danosa para o sistema do que a sua preservação temporária. Não há negar,
ademais, que aceita a ideia da situação “ainda constitucional”, deverá o
Tribunal, se tiver que declarar a inconstitucionalidade da norma, em outro
momento, fazê-lo com eficácia restritiva ou limitada”. (STF, AC 189/SP – Rel.
Min. Gilmar Mendes, Diário da Justiça, Seção I, 15 abril 2004, p.14)
É importante frisar
que o STF, ao examinar o tema da inconstitucionalidade em tese, cuja decisão
afetará a todos os jurisdicionados que se encontrem em determinadas situações
regidas pela norma cuja inconstitucionalidade esteja sendo arguida, deverá
considerar, também, as consequências que de sua decisão advirão em relação a
todas as situações jurídicas já criadas a partir do controle difuso.
Sob esse prisma,
subjugando o caso concreto aos efeitos supervenientes de uma possível
declaração de inconstitucionalidade, e lembrando, ainda não declarada, a
subsunção ao direito permanece inalterado.
Ou seja, não se
pode tolher tal beneplácito em razão da mácula legislativa. Muito menos, quando
ainda não declarada, como se pode verificar no caso em tela.
O que se visa
estabelecer nesta análise é a tese de que, independentemente de qualquer efeito
advindo de uma possível declaração de inconstitucionalidade, o direito resta
inequívoco.
II – Art. 41 do Regimento Interno do Tribunal de Contas
O Corpo Técnico
alinha sua tese pela prejudicialidade do registro do ato aposentatório da
Requerente, consubstanciado no artigo 41 do Regimento Interno da Corte de
Contas, que veda o registro nos casos em que a concessão for considerada ilegal
e por não preencher os requisitos estabelecidos na Carta Constitucional.
Por outro lado,
assevera que tal preceito não pode afetar o direito da servidora.
Perfilhando-se aos
argumentos, esta Corte de Contas criou para si um imbróglio jurídico, em que
atesta o direito, mas nega o registro em razão de normativa interna proibitiva.
No entanto, entende-se que o ato será passível de
registro se não houver irregularidade quanto ao mérito. Premissa normativa
capitulada no art. 40 do Regimento Interno.
Hely Lopes
Meirelles conceitua mérito administrativo:
O conceito de mérito administrativo é
de difícil fixação, mas poderá ser assinalada sua presença toda a vez que a
Administração decidir ou atuar valorando internamente as consequências ou
vantagens do ato. O mérito administrativo consubstancia-se, portanto, na
valoração dos motivos e na escolha do objeto do ato, feitas pela Administração
incumbida de sua prática, quando autorizada a decidir sobre a conveniência,
oportunidade e justiça do ato a realizar. (MEIRELLES, H. L. Direito
Administrativo Brasileiro. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 1990)
José Cretella
Júnior Leciona:
Mérito do ato administrativo é
expressão de sentido especialíssimo, porque aqui, posta de lado a tradicional
noção processual do termo mérito, significa o conjunto: a oportunidade e a
conveniência do ato administrativo.
Nesta
acepção, o mérito, não se confunde de
modo algum com a legalidade, nem a
esta se contrapõe pela própria natureza diversa e específica de cada um dos
campos. (JUNIOR, José
Cretella, Curso de Direito Administrativo, Editora Forense, 1997, p. 275)
Ora, perceba-se no
caso concreto, que não há vício quanto ao mérito, mas sim, em questão puramente
formal. Nesse norte, não há que se discutir questão prejudicial. Resta patente,
para tanto, a possibilidade do registro do ato aposentatório.
III – Do julgamento da Ação Direta de
Inconstitucionalidade pelo STF x inconstitucionalidade declarada pelo TCE/SC;
No ano de 2007, o
Ministério Público ingressou com 24 (vinte e quatro) ADI´s questionando
a constitucionalidade de alguns artigos das Leis Complementares que instituíram os novos planos de cargos e
vencimentos para os servidores integrantes da Administração Pública Estadual,
incluindo-se nesse rol, a Lei Complementar nº 323/2006 (art. 14 e 15), ora em
apreço.
Em razão da matéria
já ser alvo da Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela Procuradoria
Geral da República no Supremo Tribunal Federal (ADI nº 3966), o Tribunal de
Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu sobrestar o julgamento dessas ADI´s, até a apreciação derradeira
da Corte Máxima de Justiça.
Frisa ainda, que
embora a discussão acerca da inconstitucionalidade invocar apenas dois artigos
da Lei Complementar nº 323/2006 (arts. 14 e 15), a Instrução utiliza-se dessa
inferência para levantar a teoria da inconstitucionalidade por arrastamento,
objetivando tornar inconstitucional, também, o artigo 4º da mesma norma.
Nesse ínterim, a
instrução se pronuncia:
Apenas
para conhecimento, tramita no Supremo Tribunal Federal Ação Direta de
Inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 323/2006 (ADI 3966/2007) proposta
pelo Procurador-Geral da República questionando, dentre outras leis, a
constitucionalidade dos art. 14 e 15 desta Lei. Frisa-se que apesar do art. 4º
que criou a nomenclatura única não ser objeto da ação, poderá vir a ser considerado inconstitucional nesta mesma ação, em
decorrência da teoria criada pela Suprema Corte, conhecida como “teoria da
inconstitucionalidade por arrastamento”.
Este Órgão
Ministerial entende que tal ilação pode ser precipitada.
Supondo que o
Supremo Tribunal Federal julgue pela constitucionalidade da Lei nº 323/2006 e o
Tribunal de Contas, por seu turno, precedente ao julgamento da ADIN, pugne pela
inconstitucionalidade e denegue o registro do ato de aposentação.
Ou mais, supondo
que o STF não acate a teoria do arrastamento. Quais efeitos advirão da
denegação do registro?
E não se trata tão
somente de denegar ou não o registro. Afetará diretamente a credibilidade das
decisões impostas por essa Corte de Contas.
Como bem enumerado
pelo Corpo Instrutivo, o Estado editou várias leis como idêntico preceito
normativo. Impende frisar que serão objeto de análise dessa Corte de Contas
inúmeros processos como o mesmo fundamento fático e jurídico.
Ter-se-á como
consequência direta, a necessidade de nova análise do todos os processos, em
caso de julgamento pela constitucionalidade das indigitadas normas.
A denegação desses
registros com base em uma possibilidade jurídica remota, entre várias que o STF
poderá vir a adotar, enseja julgamento temerário.
Não se pode olvidar
que com a denegação do registro, a administração pública estadual estará
impedida de efetuar a compensação financeira dessa aposentadoria, entre os demais
regimes da previdência social, importando em prejuízo ao erário público.
Tal preceito
contraria ao propósito a que se destina essa Corte de Contas. É permitir que o
Estado seja lesado em razão de exceção normativa não prevista pelo Tribunal.
Fica a pergunta. A
quem o Estado poderá cobrar tal prejuízo?
Considerando,
ainda, que o Tribunal de Contas entende clarividente o direito do requerente;
Considerando
caracterizada exceção não prevista no rol normativo instituído por essa Corte;
Considerando
imprescindível a prevalência da segurança jurídica nos casos concretos;
Este Órgão Ministerial pugna pelo
registro do ato de aposentação do Requerente.
Florianópolis, em 09 de agosto de 2011.
MÁRCIO DE
SOUSA ROSA
Procurador Geral Adjunto do Ministério Público
Junto ao Tribunal de Contas
af